Evaristo Mendes


Resumo

 

O instituto do capital social, com os respetivos princípios de seriedade, efetividade e intangibilidade é um instrumento regulatório das sociedades de direito mercantil, sobretudo SQ e SA, atinente à formação e conservação da sua capacidade financeira, incluindo a aptidão para de forma duradoura cumprirem pontualmente os compromissos que vão assumindo, tendo em conta, por um lado, as suas evolutivas necessidades de financiamento e, por outro lado, o seu caráter lucrativo e a circunstância de o seu valor líquido pertencer aos sócios. A preocupação com a proteção dos credores está nele presente e até saliente, mas apenas indireta e secundariamente tem a ver com a formação e conservação da garantia patrimonial estática dos credores.

Embora seja um instituto geral, assume especial importância e especificidades em setores de atividade com grande significado estratégico e particular sensibilidade.  Mas não é um instituto pacificamente aceite, havendo um grande número de vozes críticas, por razões de eficácia, eficiência e de salvaguarda da liberdade económica, promotora do empreendedorismo; aspeto apenas aflorado.

 

Palavras-chaves: Capital, capital social, capital próprio, capital mínimo, efetividade do capital, intangibilidade, credores

 

Abstract

 

The paper deals with the existence and legal regime of corporate capital, considering the related principles mainly as aspects of the financial capacity of limited companies. Creditors occupy a central but not exclusive role.

 

Keywords: Capital, share capital, stated capital, minimum capital requirement, capital maintenance, creditors

 

Evaristo Mendes

 

Capital social e tutela dos credores sociais. Apontamento[i]

 

 

Introdução

 

A sociedade – incluindo as sociedades por quotas (SQ) e anónimas (SA) sobre as quais incide preferencialmente o presente texto – é tipicamente uma organização produtiva. Ou seja, trata-se de uma organização cujo objeto consiste no exercício de uma atividade económica tendente à criação de riqueza ou valor (não de mera fruição), isoladamente ou no quadro de uma empresa plurissocietária, em benefício dos respetivos membros, fundadores, aderentes e respetivos sucessores (cfr. o art. 980.º do CC e o art. 6.º, nºs 1 e 2, do CSC). Também tipicamente, utiliza, para o efeito, meios económicos e financeiros fornecidos pelos sócios, por terceiros (incluindo fornecimentos a crédito ou de crédito) e gerados por ela própria. E realiza operações de transferência de valor da mesma – ou de que resulta uma transferência de valor – a favor dos sócios, considerados pelas teorias jurídico-financeiras dominantes os seus domini, titulares do poder de domínio sobre ela e do respetivo valor líquido ou residual (operações sobre o capital próprio).

Numa entidade desta índole, a principal «garantia» de satisfação dos diversos interesses que gravitam em torno da mesma, incluindo os dos credores, reside na sua capacidade sustentável – num arco temporal de longo prazo, tendencialmente ilimitado, se não se tratar de uma sociedade de fim ou duração limitados – de gerar meios monetários (receitas) bastantes para cumprir pontualmente as obrigações que vai assumindo e de, ainda, gerar um excedente monetário destinado a remunerar o capital de risco nela investido, máxime sob a forma da distribuição de dividendos. Quer dizer, admitindo um comportamento honrado dos respetivos gestores, para os credores o mais importante é a solvabilidade da organização, a sua capacidade de gerar atempadamente meios suficientes para satisfazer os seus créditos. Trata-se, portanto, de um mecanismo de garantia dinâmico, de índole económica; não da garantia patrimonial estática do art. 601.º do CC. A economia (na maioria dos casos, a empresa e o seu desempenho) está em primeiro plano. A garantia patrimonial dos credores funciona apenas como ultima ratio, quando a economia falha (ou falha a honradez), e, em maior ou menor medida, como mecanismo de pressão para uma gestão economicamente sustentável[ii].

O regime jurídico-societário – mormente o regime do capital social ou, mais latamente, o regime financeiro da sociedade – encontra-se construído nesta base. Nele está naturalmente presente a tutela dos credores, mas a garantia patrimonial estática constituída pelos concretos ativos da sociedade, embora aflore, de algum modo, na disciplina das entradas em espécie, incluindo no controvertido (para muitos anacrónico) art. 20.º, al. a), centrado no valor de transação e na exequibilidade dos bens e não na sua aptidão funcional para a função produtiva a que se destinam, não está em primeiro plano[iii]. Concretamente, o instituto do capital social – um regime em boa medida vinculístico e imbuído de cautelas –, embora reforce a posição dos credores sociais, no confronto com os credores em geral, não é um mecanismo de conservação (direta) da respetiva garantia patrimonial, a acrescer aos meios gerais do CC (arts. 605.º e ss.). Embora possa desencadear o funcionamento destes ou de alguns destes (cfr., ainda, os arts. 605.º e ss.) e possa interferir na sua aplicação[iv].

Tendo presente o exposto, o regime do capital social desdobra-se nas vertentes que se seguem. Em primeiro lugar, está em causa saber se a lei deve impor às sociedades de capitais um capital estatutário mínimo e, desse modo, um património líquido constitutivo mínimo – seja direta e rigidamente, através do estabelecimento de uma cifra monetária, seja, indireta e flexivelmente, através de mecanismos gerais como os deveres de cuidado e lealdade dos sócios e gestores. Apesar da recente erosão do princípio do capital mínimo, em especial nas SQ, a resposta da lei é diferenciada (infra, n.º 2).

Em segundo lugar, conexa com a anterior, está a questão de saber se é de exigir ab initio uma organização económico-produtiva minimamente apetrechada, incluindo do ponto de vista financeiro. Também aqui a resposta se apresenta diferenciada (infra, n.º 2)

Em terceiro lugar, surge-nos o chamado princípio da exata formação do capital  –também apelidável de princípio da efetividade constitutiva do capital –, ou seja o princípio da integral cobertura patrimonial (nominal) do capital estatutário, mormente do capital estatutário fundacional, estipulado pelos interessados no ato constitutivo da sociedade, com observância das regras legais relativas ao capital mínimo, e da integral realização das entradas que asseguram essa cobertura (responsabilidade coletiva nas SQ, e individual nos restantes tipos sociais) (infra, n.º 3).

Em quarto lugar, temos o tópico da efetividade superveniente do capital social: existe um princípio de efetividade mínima superveniente? À semelhança do que sucedeu com a exigência de capital mínimo, em especial nas SQ, também aqui ocorreu uma erosão do princípio. Sectorialmente, o panorama mostra-se, contudo, mais complexo (infra, n.º 4).

Finalmente, temos o magno princípio da intangibilidade do capital social. Apesar de o seu significado prático haver diminuído com o abrandamento da exigência de capital mínimo, em si mesmo, ele mantém-se. Houve, inclusive, um reforço do respetivo regime, com vista a contrabalançar a nova orientação das demonstrações financeiras para a informação dos investidores e a correspondente adoção do critério contabilístico do justo valor e do método da equivalência patrimonial (n.ºs 2 e 3 do art. 32.º) (infra, n.º 5).

O plano da exposição compreende, ainda, um quadro de noções fundamentais (infra, n.º 1) e observações finais (infra, n.º 6)[v].

 

 

1. Noções gerais

1.1 Como se escreveu noutro local[vi], o termo capital, embora exprima genericamente uma ideia de valor (capital-valor) e identifique um recurso produtivo (ou fator de produção) de determinado tipo, comporta vários outros significados. Centrando a análise nas sociedades, mormente sociedades por quotas e anónimas, temos, designadamente, as noções de capital social – que pode identificar-se com o capital de uma entidade de caráter associativo, por contraposição ao capital de entidades ou organizações de índole diferente –, de capital real, livre e vinculado ou cativo, e de capital nominal, formal ou estatutário, cifra jurídico-contabilística que cumpre, inter alia, uma função atinente à formação e retenção obrigatória, vinculação ou indisponibilidade daquele.

O capital social nominal ou estatutário – cifra de valor monetário relativamente constante que figura obrigatoriamente no pacto social e está sujeita às regras de alteração deste[vii] – pode apresentar-se apenas subscrito, encontrar-se já exigido ou haver sido realizado, no todo ou em parte. Assim, quando uma SQ ou SA se constitui, do respetivo pacto social constará uma tal cifra de capital. Ao assinarem esse pacto, os sócios subscrevem também a cláusula relativa ao capital, obrigando-se a dotar a sociedade pelo menos com o valor dessa cifra – capital subscrito. Num número significativo de situações, uma parte desse capital subscrito será logo nessa altura atribuída à sociedade, ou seja, esta nasce com um património integrado pelos bens ou dinheiro correspondentes – capital realizado , ficando a outra parte em dívida (capital diferido). Uma vez vencidas as obrigações de entrada e interpelados os sócios para pagar, o capital ainda não realizado deixará de ser apenas exigível, tornando-se capital exigido[viii].

1.2 Interessa, ainda o conceito de capital próprio, que há que articular com o de património social. Como se sabe, em termos gerais, o património é o conjunto de situações jurídicas ativas e passivas suscetíveis de avaliação pecuniária de que uma pessoa, singular ou coletiva, é titular num dado momento (património concreto e atual) ou pode vir a ser titular; podendo tratar-se do património geral dessa pessoa ou de um património especial[ix]. O património social é o correspondente património de uma sociedade ou entidade de caráter associativo.

Por vezes, nos textos jurídicos também surge uma noção mais restrita de património. Este aparece identificado com o conjunto daquelas situações jurídicas ativas (com o lado ativo). Está em causa, então, o património bruto. O termo usa-se nesta aceção, por exemplo, no art. 601.º do CC: o património do devedor é garantia comum dos credores. Numa SQ ou SA, legalmente, o seu património – isto é, o seu ativo (e apenas ele) - garante o passivo (cfr. os arts. 197.º, n.º 3[x], e 271.º do CSC).

Nesta noção geral de património, está em causa todo o património de que uma pessoa é titular, com os pertinentes negócio (businessHandelsgeschäft), empresa, prática profissional ou fundo artesanal, se existirem[xi]. Há, no entanto, noções particulares. A mais importante dessas noções é a de património contabilístico ou de balanço: via de regra, trata-se de um património restrito, constituído pelos elementos do ativo e do passivo suscetíveis de inscrição no balanço, em conformidade com as regras, normas e princípios que regem a elaboração do balanço de exercício – apenas por eles – e, quando se lida com esta noção, interessam não tanto esses elementos em si, mas a respetiva expressão monetária e o respetivo grau de liquidez (e consistência). Genericamente, é um património sem negócio, empresa ou prática profissional, mormente sem os respetivos valores de posição no mercado, embora integre elementos dos mesmos.

património líquido é um conceito diferente: está em causa um valor. A expressão indica a diferença entre o ativo – valor agregado das situações ativas – e o passivo, ou valor global das situações passivas. E identifica-se com a de capital próprio, em sentido lato, correspondente, numa sociedade, ao valor residual, valor líquido ou valor da mesma para os sócios (investidores em capital de risco) (cfr. os arts. 197.º, n.º 1, e  271.º do CSC). 

Porém, à semelhança do que se observou acerca do património, na contabilidade, no direito da contabilidade e no direito societário, o património líquido é, comummente, uma noção restrita – exprime a diferença entre o ativo e o passivo contabilísticos ou de balanço (de exercício). O mesmo sucede com o capital próprio. Jurídico-contabilisticamente, este identifica-se, portanto, com o património líquido contabilístico ou situação líquida. Ou seja, em sentido estrito, o capital próprio é um «subproduto» do património contabilístico, corresponde ao valor contabilístico residual da sociedade, aquilo que, em termos contabilísticos (correntes), ela vale para os sócios.

capital social (estatutário) é uma rubrica do capital próprio, a par de eventuais prestações suplementares ou acessórias equiparáveis, reservas, lucro de exercício, etc. Neste contexto, trata-se de uma cifra indicadora do valor de base com que os sócios dotaram e/ou se obrigaram a dotar a sociedade – especificando que uma parte dos recursos têm essa origem[xii]; e, como se verá, também a cifra de base da vinculação ou intangibilidade do património social.

Todavia, a sociedade – enquanto organização produtiva tipicamente destinada a autovalorizar-se em benefício dos sócios, a criar valor para estes (art. 980.º do CC) – não é tipicamente titular de um simples património. Explora um negócio, empresa ou prática profissional, ou uma oficina artesanal. Surgem-nos, assim, como adicionais elementos do capital próprio, entre outros, os conceitos de lucro e de reservas de lucros, a par do de perdas ou prejuízos.

Com efeito, quando a sociedade apresenta, num dado período – mormente durante um ano social ou ano de exercício da atividade –, um bom desempenho económico-financeiro e não há acontecimentos extraordinários negativos, o negócio gera um saldo positivo [os rendimentos (ganhos) suplantam em valor os gastos (custos/perdas)], saldo esse patenteado por um mapa ou demonstração financeira apropriada – a demonstração de resultados – e inscrito no capital próprio do balanço de exercício; e o património social aumenta de valor. Isto é, a sociedade tem um lucro (resultado de exercício positivo). O património (contabilístico) da sociedade – concretamente, o património líquido ou capital próprio – aumenta correspondentemente, de tal forma que também se costuma definir o lucro de exercício ou lucro anual como o saldo positivo que se obtém comparando o património contabilístico da sociedade no início e no fim desse exercício.

Tal valor pode, mediante deliberação da coletividade dos sócios, no todo ou em parte, ser distribuído a estes (tipicamente, constituindo a sociedade créditos a seu favor e satisfazendo-os) ou ser mantido na sociedade. Este maior valor do património social que assim se conserva na sociedade – e nessa medida representa uma forma de autofinanciamento – constitui uma reserva, salvo se os sócios optarem por mantê-lo provisoriamente como resultado transitado. Na realidade, ao valor em causa podem corresponder uma ou mais reservas (integrando a categoria genérica das reservas de lucros), obrigatórias ou facultativas, consoante o regime jurídico a que ficam sujeitas. Sobressai a reserva legal geral, obrigatória, designadamente, nas SQ e SA (arts. 218.º e 295.º, n.º 1, do CSC).

Quando o desempenho do negócio ou empresa social é mau – e/ou quando se verifica um acontecimento negativo extraordinário que por exemplo afeta um elemento do ativo –, o valor do seu património (incluindo o património contabilístico) diminui. A sociedade acusa perdas ou prejuízos; uma parte do capital próprio existente à partida desaparece.

1.3 Sendo a sociedade uma organização produtiva de interesse privado e fim lucrativo, destinada a autovalorizar-se em benefício dos sócios (art. 980.º do CC e art. 6.º, n.º 1, do CSC), ela está legalmente autorizada – no decurso da sua existência ativa – a realizar operações sobre o capital próprio ou à custa dele, dispondo de parte do seu valor a favor dos sócios. Na realidade, existem diversos tipos de negócios e práticas de que resulta – de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, observando certos procedimentos ou não – uma afetação do seu património líquido em benefício dos sócios (de todos ou de alguns): i) deliberações de distribuição de lucros ou reservas e de reembolso de prestações suplementares ou prestações acessórias equiparáveis[xiii]; ii) deliberações de amortização onerosa de quotas ou ações (ou remição destas), deliberações e atos de aquisição onerosa de quotas e ações; iii) concessão de garantias e empréstimos gratuitos a sócios, designadamente no âmbito de relações de grupo ou domínio, autorização aos mesmos do uso de bens sociais sem contrapartida ou mediante o pagamento de contrapartida inferior ao valor de custo ou de mercado, realização com eles de negócios onerosos em que a atribuição patrimonial da sociedade é mais valiosa do que a da contraparte; iv) remunerações e gratificações aos sócios gerentes ou administradores acima dos valores correntes e/ou acima da capacidade financeira da sociedade; etc.

Em relação a tais negócios e práticas existe, no entanto, um regime limitativo, de proteção da sociedade e dos credores sociais, genericamente sintetizado no princípio da intangibilidade do capital social (arts. 32.º e 33.º do CSC[xiv]): a sociedade só está autorizada a realizar tais operações à custa (ou por conta) do capital próprio não vinculado por este princípio. Noutros termos, a licitude das mesmas depende da verificação de um pressuposto jurídico-financeiro geral: a existência de capital próprio livre bastante para o efeito[xv].

Além disso, as aludidas perdas – decorrentes do exercício da atividade social ou da desvalorização de ativos – podem atingir uma dimensão tal, que a capacidade financeira da sociedade fique gravemente afetada e, do mesmo passo, o fique também a garantia patrimonial geral dos credores (art. 601.º do CC). Sobre o assunto, dispõem os arts. 35.º e 171.º, n.º 2, do CSC, que, no essencial, impõem aos gerentes e administradores um dever de revelação das perdas e de promoção do saneamento financeiro da sociedade (sem impor, no entanto, este, como se verá).

Resulta do exposto que o regime legal do capital social tem uma vertente de conservação do património social e, nesta medida, relaciona-se com a garantia patrimonial dos credores sociais sob dois aspetos: por um lado, limita os poderes de afetação desse património em benefício dos sócios (intangibilidade); por outro lado, dispõe sobre eventuais perdas graves resultantes do exercício da atividade social e da possível desvalorização de ativos (dever de saneamento e/ou transparência).

1.4 Antes de nos ocuparmos do regime em si, importa, ainda, esclarecer adicionais conceitos nele implicados. Dispõe-se no n.º 1 do art. 32.º que «não podem ser distribuídos aos sócios bens da sociedade quando o capital próprio [situação líquida, na versão inicial] desta», tal como resulta das contas, «seja inferior à soma do capital social e das reservas que a lei ou o contrato [de sociedade] não permitem distribuir aos sócios ou se tornasse inferior a esta soma em consequência da distribuição». E, segundo o n.º 2 do art. 35.º, «considera-se estar perdida metade do capital social» – justificando-se, portanto, fazer alguma coisa (n.ºs 1 e 3) – quando o capital próprio da sociedade for igual ou inferior a metade do capital social».

Existe, portanto, uma cifra monetária de referência fundamental – a do capital social (capital estatutário ou nominal, capital subscrito) – que carece de integral cobertura patrimonial (isto é, deve ser pelo menos igualada pelo valor do capital próprio, situação líquida ou património líquido contabilístico) para o valor do património social poder ser afetado em benefício dos sócios, individual ou coletivamente, mediante operações de distribuição (máxime, de lucros ou reservas) ou implicando uma diminuição do mesmo (amortização de quotas, aquisição onerosa de quotas e ações, etc.). Até atingir essa cifra, o capital próprio é legalmente vinculado, indisponível ou intangível (insuscetível de ser tocado). Noutros termos, o valor do património social é intangível numa medida correspondente ao capital social (à cifra estatutária do mesmo).

Mas, tendo sempre em vista as SQ e SA, não se pode dizer que o capital próprio sobrante – que vai além dessa cifra de referência – seja capital próprio livre, não sujeito a retenção para conservação da base financeira da sociedade. Na verdade, à cifra de intangibilidade básica do capital social acrescem, pelo menos, a cifra complementar da reserva legal (e reservas equiparadas) e as normas legais relativas à formação e reconstituição da mesma (arts. 218.º, 295.º e s.)[xvi]. Por isso, aquilo que a lei realmente consagra é um princípio de intangibilidade reforçada do capital[xvii]. Nos casos comuns, em que a sociedade tem a reserva legal preenchida, não existindo outras reservas ou a necessidade de as formar ou reconstituir, nem havendo perdas transitadas, a medida da intangibilidade é dada pela soma das cifras do capital social e dessa reserva. Apenas o capital próprio que for além dessa soma será, em princípio, capital próprio livre (lucros e reservas livres), disponível para distribuição aos sócios ou a realização de outras operações sociais sobre o capital próprio (máxime, aquisição e amortização de quotas).

Ocorrendo perdas (ou prejuízos), em resultado do mau desempenho do negócio e/ou da desvalorização de ativos, elas podem atingir a própria cobertura patrimonial do capital social, o que acontecerá se o valor do capital próprio ficar aquém da cifra deste. A perda dessa cobertura – que a lei designa como perda do capital (cfr. a epígrafe e o n.º 1 do art. 35.º) – pode ser total ou parcial, ligeira ou grave. Pode, inclusive, a situação líquida ficar negativa, ao ponto de a sociedade se tornar insolvente ou não (cfr. o art. 3.º, n.º 2, do CIRE).

Em qualquer caso, haverá uma perda superveniente da efetividade do capital. Esta será grave quando aquela cobertura da cifra do capital estatutário não for além de 50% (art. 35.º, n.º 2).

 

2. Capacidade financeira da sociedade. Capital mínimo legal

No Código Comercial (de 1888), não se exigia um capital estatutário mínimo constitutivo, nem mesmo para as sociedades anónimas. Atitude diferente teve o legislador de 1901, ao criar o novo tipo social das sociedades por quotas, às quais impôs um valor de capital mínimo relativamente elevado; seguindo o exemplo alemão.

Em 1986, o CSC conservou a exigência de capital mínimo para as sociedades por quotas e estabeleceu igual requisito para as sociedades anónimas (e SCA). Este último mantém-se, sendo atualmente o capital mínimo exigido, para as sociedades anónimas em geral, de 50 000 € (art. 276.º, n.º 5). Quanto às sociedades por quotas em geral, em linha com a orientação seguida nalguns países europeus, a exigência foi abolida em 2011, passando o art. 201.º a dispor: «o montante do capital é livremente fixado no contrato de sociedade, correspondendo à soma das quotas subscritas pelos sócios»[xviii]. O valor mínimo do capital estatutário[xix] é, assim, uma decorrência indireta da exigência de quotas com o valor nominal mínimo de 1 € cada uma (art. 219.º, n.º 3). Por exemplo, numa SQ com dois sócios fundadores, será de 2 €[xx]

Em setores de atividade especialmente sensíveis e exigentes, a lei desvia-se, no entanto, deste padrão, impondo valores mínimos de capital social elevados. É o que sucede, designadamente, no vasto setor financeiro[xxi], no setor segurador[xxii] e no setor dos transportes[xxiii]. Aí, vai-se, mesmo, mais além, estabelecendo outros importantes requisitos de capacidade empresarial, nomeadamente financeira[xxiv].

O tema – focado sobretudo nos custos de constituição das empresas societárias com responsabilidade limitada dos sócios, em contraposição aos objetivos de promoção do empreendedorismo, e na tutela dos credores sociais, cuja eficácia se contesta – é controverso. A onda dominante, em parte formada com ventos liberais transatlânticos, oriundos dos EUA, mas também do RU, mormente quanto às sociedades por quotas[xxv], é desfavorável a uma exigência legal desta índole, entendendo-se que, numa análise custo-benefício, o saldo é negativo[xxvi].

 

3. Efetividade constitutiva do capital social. Princípio da exata formação

Fixada à sociedade certa cifra de capital – no respetivo ato constitutivo (ou em ato de aumento do capital [cfr. o art. 9.º, n.º 1, al. f)], com respeito pelas regras relativas ao capital social mínimo –, ao subscreverem este negócio (ou o aumento), os fundadores (ou participantes no aumento) dotam e/ou obrigam-se a dotar a sociedade com um património líquido constitutivo de valor pelo menos equivalente, ficando tal valor sujeito a um regime jurídico especial – o regime das entradas de capital[xxvii]. Vigora na matéria o princípio da exata formação do capital ou princípio da efetividade constitutiva do capital social: os sócios são responsáveis, individual ou coletivamente[xxviii], pela efetiva realização desse valor, ou seja, pela efetiva cobertura patrimonial do capital estatutário[xxix]. Note-se, porém, que, podendo as entradas em dinheiro ser diferidas, ao menos em parte, e não exigindo a lei o vencimento de juros dos respetivos créditos de entrada[xxx], a «exata formação» e a «efetividade» devem entender-se cum grano salis, uma vez que, economicamente, o valor nominal das entradas diferidas é inferior ao seu valor real[xxxi].

Na constituição da sociedade, a regra é de que as entradas devem ser realizadas até ao momento da celebração do contrato de sociedade (art. 26.º, n.º 1). No que respeita às entradas em dinheiro, esta regra comporta, no entanto, desvios ou exceções (cfr., em geral, ainda o art. 26.º). Quanto às entradas em espécie, os bens devem ser transferidos para a sociedade com a assinatura do contrato. Nada impede, contudo, que a sua entrega efetiva seja realizada em momento posterior, quando tal se tornar necessário para montar ou pôr a funcionar a empresa social. É o que decorre de uma interpretação da lei segundo critérios de racionalidade económica. Vejamos alguns aspetos salientes do regime legal, considerando sucessivamente as entradas em dinheiro e as entradas em espécie.

3.1 Quanto às entradas em dinheiro, nas SQ, sem prejuízo das normas relativas à realização do capital social mínimo, admite a lei a sua realização até ao termo do primeiro exercício económico, a contar da data do registo definitivo da sociedade (arts. 26.º, n.º 2, e 202.º, n.ºs 4 e 6)[xxxii]. Além disso, permite o seu diferimento no pacto social, até 5 anos [arts. 26.º, n.º 3, 202.º, n.º 4 (início), e 203.º, n.ºs 1 e 2]. Nas SA, também sem prejuízo das normas relativas à realização do capital social mínimo, pode, igualmente, haver um diferimento estatutário, até 5 anos (art. 285.º, n.º 1), de 70% do valor das entradas de cada sócio necessárias para assegurar a cobertura do capital nominal (imputáveis a capital) (art. 277.º, n.º 2)[xxxiii].

Estipulando-se o diferimento das entradas, assume natural importância o efetivo recebimento pela sociedade do seu valor, quando o sócio devedor não cumpra voluntária e pontualmente a respetiva obrigação. Além das vias gerais de cumprimento coercivo[xxxiv], existe um específico procedimento extrajudicial tendente a esse efeito[xxxv].

Nas SQ, este procedimento consiste, tipicamente e no essencial, no seguinte: i) vencida a obrigação (por decurso do prazo estipulado no ato constitutivo da sociedade ou na deliberação de aumento do capital ou por decurso do prazo legal), apesar de se tratar de obrigação com prazo, a sociedade deve interpelar o sócio (i. e., o atual titular da quota com eficácia face à sociedade) para efetuar o pagamento, fixando-lhe um prazo que pode variar entre 30 e 60 dias[xxxvi]; só com a interpelação – ou só com o decurso deste prazo – o sócio entra em mora (art. 203.º, n.º 3), passando a ser devidos juros de mora[xxxvii] e deixando este de poder receber lucros (art. 27.º, n.º 4)[xxxviii]; ii) se, decorrido o prazo, se mantiver, no todo ou em parte, a falta de pagamento, a sociedade avisa o sócio, por carta registada, de que, a partir do 30.º dia a seguir à receção da carta, fica sujeito a exclusão e a perda da quota, total ou parcial (art. 204.º, n.º 1); iii) caso, no termo deste prazo, a falta de pagamento subsista, no todo ou em parte, a sociedade pode deliberar excluir o sócio (art. 204.º, n.º 2), com fundamento em incumprimento de obrigação social fundamental, comunicando-lhe o deliberado e a perda da quota a seu favor (ibidem), com vista à realização do seu valor de troca (cfr. infra), mas esta opção tem custos, se o sócio for titular de outras quotas, já liberadas[xxxix], não satisfazendo, via de regra, os objetivos do procedimento em apreço; em alternativa, a sociedade pode deliberar a perda da quota em apreço a seu favor – com a consequente perda da qualidade de sócio se esta se basear apenas em tal quota – ou a perda parcial da mesma (tendo em conta o valor já liberado), operando a sua divisão em duas, uma liberada e outra por liberar, sobre a qual continuará o procedimento, e comunicando o resultado ao sócio (arts. 204.º, n.º 2, e 221.º, n.º 8)[xl] [xli]; iv) após ter-se tornado titular da quota (da quota integral ou da quota não liberada resultante da divisão), a sociedade promove a sua venda (art. 205.º) – sem a «inerente» obrigação de entrada –, para se fazer pagar pelo produto obtido (cfr. o art. 208.º, n.º 1)[xlii]; v) se a sociedade não conseguir, através da venda, haver todo o valor da entrada em falta, são responsáveis pelo que ainda faltar os demais sócios (art. 207.º, nºs 1, 3 e 5), os anteriores titulares da quota, se os houver (art. 206.º, n.º 1), e, em última análise, o devedor remisso (arts. 206.º e 207.º, n.º 3)[xliii].

Nas SA, o procedimento apresenta-se um pouco diferente. Esquematicamente, é o seguinte: i) vencida a obrigação de entrada (por decurso do prazo, estipulado ou legal), a sociedade deve interpelar o acionista (sócio) para efetuar o pagamento[xliv], fixando-lhe um prazo que pode variar entre 30 e 60 dias; só com o decurso deste prazo o sócio entra em mora (art. 285.º, n.ºs 2 e 3)[xlv]; ii) )[xlvi]; ii) se, decorrido o prazo, se mantiver, no todo ou em parte, a falta de pagamento, a sociedade (através dos administradores) avisa o sócio, por carta registada, de que dispõe de um novo prazo para realizar o valor em falta acrescido de juros (de mora) – fixando tal prazo (90 dias ou mais) –, sob pena de, não o fazendo, perder a favor da sociedade as ações por liberar (em relação às quais se verifique a mora) e os pagamentos já realizados, repetindo o aviso durante o segundo mês do prazo (art. 285.º, n.º 4); iii) transcorrido o prazo sem que o valor haja sido pago, a sociedade comunica ao sócio remisso a perda das ações (e dos pagamentos), mediante carta registada, e publica anúncio donde constem os números de ordem das ações perdidas (sem indicar o titular) e a data da perda (art. 285.º, n.º 5); iv) feito este anúncio de perda, havendo anteriores titulares das ações[xlvii], são eles notificados, por carta registada, de que podem adquirir as ações, mediante o pagamento do valor em dívida, com juros, fixando-lhes a sociedade um prazo de pelo menos 3 meses para o efeito e repetindo a notificação no segundo mês (art. 286.º, n.º 2); v) mantendo-se alguma ação por liberar, por falta de interessados[xlviii], a sociedade deve promover a venda urgente das ações (art. 286.º, n.º 4), sem a «inerente» obrigação de entrada; vi) se o produto da venda for insuficiente para a sociedade se fazer pagar[xlix], respondem pelo valor em falta o acionista que perdeu as ações a favor da sociedade (seu último titular) e cada um dos eventuais antecessores (art. 286.º, n.º 5).

Note-se, ainda, que, em ambos os tipos sociais, o pacto social pode estabelecer penalidades para a falta de cumprimento das obrigações de entrada (art. 27.º, n.º 3); e que, devendo a obrigação de entrada de um sócio ser cumprida em prestações, a falta de realização pontual de uma destas importa o vencimento das restantes, mesmo que respeitem a outras quotas ou ações (art. 27.º, n.º 6). Além disso, as obrigações de entrada não se extinguem por compensação (salvo com eventual crédito de dividendos) (art. 27.º, n.º 5).

Mediante uma correspondente redução do capital social, pode um sócio ser liberado, no todo ou em parte, da respetiva obrigação de entrada (art. 27.º, n.º 1[l])[li]. Fora deste caso, são nulos os atos de liberação (mesmo preceito)[lii]. A nulidade é, nos termos gerais, invocável por qualquer interessado, incluindo os credores sociais (cfr. o art. 605.º do CC).

Quanto a estes, assume particular interesse o art. 30.º do CSC, que dispõe:

1 - Os credores de qualquer sociedade podem: a) Exercer os direitos da sociedade relativos as entradas não realizadas, a partir do momento em que elas se tornem exigíveis; b) Promover judicialmente as entradas antes de estas se terem tornado exigíveis, nos termos do contrato, desde que isso seja necessário para a conservação ou satisfação dos seus direitos.

2 - A sociedade pode elidir o pedido desses credores, satisfazendo-lhes os seus créditos com juros de mora, quando vencidos, ou mediante o desconto correspondente à antecipação, quando por vencer, e com as despesas acrescidas.[liii]

3.2 No que respeita às entradas em espécie, na impossibilidade de desenvolver aqui o tema, salientam-se alguns aspetos de regime com interesse para a tutela dos credores sociais[liv]. O primeiro já foi aflorado: numa aparente hiperbolização da ideia do património social como fundo de garantia, o texto do art. 20.º, al. a), apenas admite entradas em espécie que sejam constituídas por bens suscetíveis de penhora, enquanto, por ex., a diretiva do capital, aplicável às SA, fala em bens suscetíveis de avaliação económica (com exclusão da prestação de serviços) [lv]. Note-se, contudo, que no conceito cabem, designadamente, uma empresa, estabelecimento ou negócio mercantis - apesar de incorporarem elementos incorpóreos sem autonomia jurídico-patrimonial -, como resulta do art. 19.º, n.º 1, al. b)[lvi].

O segundo aspeto – comum às entradas em dinheiro – tem a ver, mais diretamente, com o princípio da exata formação do capital social. Trata-se do sub-princípio da proibição de atribuição ou emissão de participações (em especial, quotas e ações) por valor abaixo do par, constante do art. 25.º, nº 1 (cfr. também o art. 298.º, n.º 1): o valor nominal da participação não pode exceder o valor da respetiva entrada de capital[lvii]. O que, no caso das entradas em espécie de SQ e SA, implica uma avaliação competente e independente dos bens que as integram, por ROC, nos termos do art. 28.º

Conexa com ele está a obrigatoriedade de assinalar a existência das entradas em espécie no contrato de sociedade, descrevendo os bens em causa e especificando o valor atribuído, com a consequente sujeição das mesmas ao regime de controlo e publicidade legal desse contrato. Se tal não ocorrer, o capital deve ser realizado em dinheiro. Mesmo que do pacto social conste a estipulação de entradas em espécie, se não se der cumprimento a estas exigências, a estipulação é ineficaz [art. 9.º, n.º 1, als. g) e h), e n.º 2], devendo o sócio realizar a entrada em dinheiro (art. 25.º, n.º 4)[lviii].

O terceiro aspeto tem a ver com a eventual sobreavaliação dos bens e com a possibilidade de a sociedade vir a ser privada dos mesmos por ato legítimo de terceiro[lix]. Se tal ocorrer, o sócio é responsável pelo valor em falta, isto é, pela diferença existente entre o valor real do bem e o valor nominal da participação (art. 25.º, n.º 3) ou pela realização em dinheiro deste valor (art. 25.º, n.º 4)[lx].

O quarto aspeto relaciona-se com as entradas consistentes em créditos dos sócios sobre a sociedade. Como sucede com os demais créditos, o regime aplicável deveria ser o das entradas em espécie. Todavia, o atual art. 89.º dispõe:

Para efeitos de verificação das entradas, no caso de conversão de suprimentos, é suficiente declaração do contabilista certificado ou do revisor oficial de contas, sempre que a revisão de contas seja legalmente exigida, mencionando que a quantia consta dos regimes contabilísticos bem como a proveniência e a data (n.º 4).
A declaração prevista no número anterior faz parte integrante da documentação sujeita às formalidades de publicidade prescritas no presente Código, podendo publicar-se apenas menção do respetivo depósito no registo comercial (n.º 5).[lxi]

3.3 O princípio em apreço entra também em jogo em operações sobre o capital próprio, mormente aquisições e amortizações de quotas e ações não liberadas. Salienta-se o que se segue.

À cabeça, releva a norma geral do art. 27.º, n.º 1, que dispõe: «São nulos os atos da administração e as deliberações dos sócios que liberem total ou parcialmente os sócios da obrigação de efetuar estradas estipuladas, salvo no caso de redução do capital»[lxii]. Mais especificamente, uma SQ não pode adquirir quotas próprias ainda não integralmente liberadas (salvo o assinalado caso do art. 204.º) (art. 220.º, n.º 1); sendo nulos os atos de aquisição que desrespeitem esta regra (art. 220.º, n.º 3). E apenas pode amortizá-las mediante o procedimento legal da redução do capital (art. 232.º, n.º 3), com observância do regime desta (sobre este, cfr. os arts. 94.º a 96.º)[lxiii].

No que respeita às ações, existe um regime restritivo relativo à respetiva subscrição e aquisição, quando as mesmas não se encontrem liberadas (arts. 316.º e 318.º); sendo nulos os atos violadores do mesmo (arts. 316.º, n.º 6, e 318.º, n.º 2). Igual cominação se estabelece para os atos de assistência financeira à aquisição de ações próprias (art. 322.º).

3.4 A terminar este ponto, realça-se que o princípio analisado tem a ver com capacitação financeiro-operacional da sociedade, em benefício de todos aqueles cujos interesses dependem desta, incluindo os credores; mas não diretamente com a garantia patrimonial dos credores. O ponto de vista desta garantia encontra-se presente, porém, no citado e controvertido art. 20.º, al. a). Acresce o reforço da posição processual dos credores constante do citado art. 30.º

Todavia, na doutrina, existe a tendência para entender que o princípio é um princípio de tutela dos credores[lxiv]. Nesta ótica, será também aplicável o n.º 3 do art. 69.º, que, inter alia, sanciona com a nulidade os atos de violação de preceitos legais cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a proteção dos credores (cfr. também infra, n.º 5).

 

4. Efetividade superveniente do capital social. Perda de cobertura grave

Na redação originária do art. 35.º, podia falar-se num verdadeiro princípio de efetividade mínima permanente ou superveniente do capital social, na medida em que, ocorrendo uma situação de perda grave de cobertura patrimonial do capital estatutário (nível de cobertura em 50% ou menos), se ela não fosse remediada, a sociedade ficava sujeita a dissolução judicial, tendo legitimidade para tal qualquer sócio ou credor. Contudo, a aplicação do preceito ficou suspensa pelo art. 2.º, n.º 2, do DL n.º 262/86, que aprovou o CSC; e, quando se ia tornar efetiva – aliás numa versão mais drástica, revelando uma real preocupação com a saúde financeira das sociedades e a situação dos credores –, o legislador tornou o instituto no tigre de papel que atualmente é[lxv].

Com efeito, detetando os gerentes ou administradores a perda, ou tendo fundadas razões para admitir que ela se verifica, devem os primeiros convocar ou, os segundos, requerer ao presidente da mesa a convocação de uma reunião da assembleia geral, para os sócios tomarem as medidas julgadas convenientes, fazendo constar do aviso convocatório pelo menos as seguintes possíveis: dissolução da sociedade; redução do capital social, reajustando-o em função do capital próprio existente; e reforço da cobertura do capital mediante novas entradas dos sócios (entradas de reintegração) (art. 35.º, n.ºs 1 e 3). Porém, o eventual incumprimento do dever não afeta a situação da sociedade e, ainda que os destinatários (gerentes e administradores) o cumpram, os sócios podem não aprovar qualquer medida de saneamento, material ou formal, deixando subsistir a discrepância entre a cifra do capital estatutário e o valor do capital próprio.

  Sobra apenas o comando entretanto introduzido no n.º 2 do art. 171.º, segundo o qual, sempre que, em face do último balanço aprovado, o valor do capital próprio for igual ou inferior a metade do capital social, a indicação desse valor acresce à menção da cifra deste, nas menções obrigatórias relativas à sociedade constantes de atos externos da mesma. Em última análise, esta medida de transparência, admitindo que pelo menos o comando em apreço é cumprido, poderá funcionar como alerta para os credores – mormente os que contratam com a sociedade –, sinalizando uma sociedade em dificuldades e sem vontade (ou capacidade) dos sócios para promover a sua superação. E a sua existência poderá levar estes a tomar alguma medida de saneamento, para evitar a inerente lesão da imagem da corporação, havendo, portanto, uma certa pressão nesse sentido.

Mas a norma do art. 35.º assemelha-se, assim, mais a uma norma de soft law do que a uma norma de direito estrito. E o eventual não acatamento da «recomendação» de saneamento ou dissolução nele implícita nem sequer tem de ser explicado. Basta a publicidade de facto da situação de perda e, portanto, de risco para quem se relaciona com a sociedade, mormente assumindo a posição de credor.

 

Importa observar, no entanto, que uma análise da existente legislação setorial apresenta um panorama mais diferenciado. Em setores estratégicos e sensíveis como o financeiro, o segurador e o dos transportes, existem normas tendentes a assegurar a subsistência de fundos próprios ou de capital próprio bastantes para assegurar o regular exercício da atividade e a solvabilidade da sociedade. Privilegia-se a prevenção.

Assim, no caso dos transportes, em conformidade com o Reg /CE) 1071/2009, além do assinalado requisito abstrato de capital social mínimo de 50 000, 100 000 e 125 000 €, que o Regulamento não estabelece, exige-se que as entidades empresas societárias transportadoras possuam um valor agregado de capital social e reservas - ou seja de capital próprio, devendo entender-se que a existência de prestações suplementares ou acessórias equiparáveis também entra aqui - definido em função da respetiva frota: este não pode ser inferior a 9 000 € pelo primeiro veículo automóvel licenciado, acrescidos de 5 000 ou 1 500 € por cada veículo adicional, consoante se trate de pesado ou ligeiro (art. 9.º, n.º 3, do DL 257/2007), no caso do transporte de mercadorias; ou inferior a 5 000 € vezes o número de veículos licenciados, no caso do transporte de passageiros (art. 8.º, n.º 2, do DL 3/2001). A falta superveniente deste requisito pode implicar, designadamente, a não renovação (periódica) do alvará ou licença de exploração (cfr. os arts. 12.º e 13.º).

Quanto às instituições de crédito, o Regulamento (UE) 575/2013 (do Parlamento e do Conselho), relativo aos requisitos prudenciais que as instituições de crédito e as empresas de investimento devem cumprir, com vista a assegurar a estabilidade financeira destas entidades, impõe, designadamente, a existência, em permanência, de fundos próprios capazes de fazer face a eventuais perdas. Na mesma linha, nos arts. 138.º-A e seguintes do RGIC, que transpõem a Diretiva 2013/36/UE (cfr. os arts. 128.º e ss.)[lxvi], preveem-se diversas reservas de fundos próprios: reserva de conservação (art. 138.º-D), reserva contracíclica (arts. 138.º-E e ss.) (que tem sido de valor zero), reservas para as instituições com importância sistémica (arts. 138.º-N e ss.) e reserva para risco sistémico (arts. 138.º-U e ss), que funcionam, antes de mais, como limites à distribuição de valor, designadamente sob a forma de dividendos ou aquisição de ações próprias (arts. 138.º-AA e ss.)[lxvii]. Note-se, contudo, que, vindo tais requisitos a faltar, as mesmas entidades devem apresentar ao BdP um plano de conservação de fundos próprios cuja eventual não aprovação poderá resultar em adicionais medidas restritivas quanto às distribuições ou na imposição de um reforço dos fundos próprios (art. 138.º-AD).

Os requisitos de fundos próprios em apreço, exigidos pelo Regulamento e pela Diretiva são, por sua vez, a transposição para a UE do chamado acordo de Basileia III. Além das reservas (capital buffers), entre os conceitos fundamentais adotados contam-se: o de fundos próprios de nível 1 (common equity tier 1)[lxviii], com disponibilidade permanente e aptidão total para a absorção de perdas, relevantes numa perspetiva de continuidade da empresa (going concern), e o de fundos próprios de nível 2, relevantes numa ótica de liquidação (gone concern), que, em caso de insolvência, permitem reembolsar os depositantes e os credores privilegiados da instituição. Nos primeiros, releva, ainda, a distinção entre fundos próprios principais de nível 1, os de mais alta qualidade, e fundos próprios adicionais de nível 1. O objetivo dos requisitos é o de fazer com que os bancos disponham de fundos próprios (capital) suficientes para cobrir perdas inesperadas e se mantenham solventes em períodos de crise, permitindo-lhes do mesmo passo a manutenção, em cenário adverso, de um fluxo de financiamento estável da economia.  

O requisito fundamental é o de que os fundos próprios principais de nível 1 devem constituir 4,5% do total dos ativos ponderados pelo respetivo risco (maior ou menor). A reserva de conservação de fundos próprios - de fundos próprios principais de nível 1 - deve atingir 2,5% do montante total das posições de risco da instituição (art. 128.º-D, n.º 1). Podem acrescer uma ou mais das restantes reservas.

Existem, ainda, requisitos de liquidez - as entidades financeiras devem deter ativos líquidos suficientes para cobrir as saídas de caixa líquidas durante um período de 30 dias, «em condições de esforço agravadas», a um custo aceitável - e, numa ótica de longo prazo, a imposição da elaboração e divulgação de um rácio de alavancagem (valor dos fundos próprios de nível 1, a dividir pela média dos ativos totais consolidados).

No que respeita às seguradoras, em conformidade com o prescrito na Diretiva 2009/138/CE [e no Regulamento Delegado (UE) 2015/35 (da Comissão)] - regime de Solvência II, tendo subjacente uma gestão baseada nos riscos do negócio, orientada para a estabilidade financeira das seguradoras e do mercado e, desse modo, para a capacidade de cumprimento dos compromissos assumidos para com os tomadores e os beneficiários dos seguros[lxix] -, o RJASR impõe às seguradoras, para além de uma abstrata exigência de capital social mínimo (supra, n.º 2), requisito de acesso à atividade, no que respeita ao exercício desta atividade, com vista a assegurar a sua permanente estabilidade financeira, suscetível de ser afetada por perdas, níveis adequados de capital: fundos próprios adequados aos riscos empresariais envolvidos, incluindo o risco de crédito, capazes de funcionar como almofada financeira em caso de eventuais perdas (capital de solvência)[lxx]. Os fundos próprios (arts. 107.º e ss.) subdividem-se, designadamente, em fundos próprios de base - compreendendo capital próprio (excedente do ativo sobre o passivo e elementos ativos mobilizáveis em permanência para absorver perdas) e passivo subordinado (art. 108.º) - e complementares, englobando outros fundos próprios mobilizáveis para absorver perdas, designadamente capital social não realizado (tecnicamente, capital próprio, mas não imediatamente disponível), se não incluído nos fundos próprios de base, cartas de crédito e garantias (art. 109.º), e sujeitos a aprovação da ASF (art. 110.º). Devem ser bastantes para cumprir o designado requisito de capital de solvência (a sociedade, encarada numa ótica de continuidade, deve ser autossustentável e, em especial, ter uma base patrimonial capaz de responder a perdas imprevistas) (arts. 116.º e s.), calculado numa base anual[lxxi] e sendo o resultado comunicado à ASF e monitorizado numa base continuada) (art. 118º), e o requisito de capital mínimo, patamar, variável com os setores de atividade, abaixo do qual os recursos financeiros da entidade em causa se consideram insuficientes e, portanto, o nível de proteção dos tomadores, segurados e beneficiários de seguros é tido também como insuficiente (art. 146.º e s.), calculado trimestralmente e cujo resultado deve ser comunicado à ASF (art. 148.º). Faltando eles, devem ser tomadas medidas corretivas e, no segundo caso, pode até chegar-se ao extremo da retirada da autorização de exercício da atividade[lxxii]. [lxxiii]

 

 

5. Intangibilidade do capital social

 

Maior alcance que este princípio de efetividade superveniente mínima, apresenta o princípio da intangibilidade do capital social, que se concretiza através de mais rigorosas regras de conduta – máxime, deveres de non facere – e de consequências gravosas para a sua eventual inobservância; o que o coloca num plano semelhante, embora mais flexível, ao do princípio da exata formação. Os pormenores do mesmo foram expostos noutro texto[lxxiv], pelo que nos limitamos aqui a recordar alguns traços essenciais, realçando os mecanismos à disposição dos credores para conservação da capacidade operacional e financeira da sociedade e, desse modo, a sua garantia patrimonial. 

Lembra-se, à cabeça, que, em concretização da finalidade lucrativa da sociedade e da ideia de que o valor líquido ou residual desta pertence aos sócios, o património social pode ser afetado em benefício destes: mediante distribuições de lucros e reservas (cfr., em especial, os arts. 31.º e ss., 217.º, 294.º e 297.º), reembolso de prestações suplementares (art. 213.º) e de prestações acessórias equiparáveis, reembolso do valor nominal das ações (art. 346.º) e outras operações sobre o capital próprio ou com impacto no capital próprio – amortização de quotas e ações (arts. 235.º e s. e art. 347.º), aquisição de quotas e ações próprias (arts. 220.º e 317.º e ss.)[lxxv], remição de ações (art. 345.º, n.º 5), etc. Tal afetação deve respeitar dois princípios: um princípio procedimental ou de transparência – a afetação requer, em geral, uma deliberação da coletividade dos sócios (art. 31.º, n.º 1)[lxxvi]; e o princípio jurídico-material da intangibilidade, de que nos ocupamos a seguir[lxxvii].

5.1 Na sua formulação essencial, o princípio da intangibilidade significa que o património social não pode – ou não deve – ser afetado, direta ou indiretamente (cfr. o art. 34.º, n.º 5), em benefício dos sócios, na medida  do necessário para que o seu valor líquido (contabilístico) se conserve pelo menos igual à soma do capital social, da reserva legal (geral) e de outras eventuais reservas obrigatórias ou equiparadas à reserva legal (arts. 32.º, n.º 1, 236.º, n.º 1, etc.). Noutros termos, a cobertura patrimonial do capital social não pode ser atingida ou diminuída mediante atos da sociedade de que resulta a atribuição de valor aos sócios, sendo esta exigência reforçada, ainda, com o regime de tais reservas[lxxviii]. Quer dizer, as cifras do capital e das reservas obrigatórias são cifras de referência de intangibilidade ou de retenção patrimonial; e o seu valor constitui capital próprio vinculado, em contraposição aos valores das reservas livres e dos lucros distribuíveis, que representam capital próprio livre, por conta do qual a sociedade pode deliberar distribuições de bens ou aumentar o passivo (distribuição de valor) em benefício dos sócios, individual ou coletivamente[lxxix].

No que respeita, em especial, ao lucro de exercício, este só será um lucro distribuível se ou na medida em que: i) for um lucro regularmente apurado pelas contas anuais (o lucro em causa é um lucro contabilístico) [cfr., por ex., o art. 31.º, n.º 2, al. c)]; ii) for, simultaneamente, um lucro de balanço (ou seja, se não houver perdas ou prejuízos transitados por cobrir) (art. 33.º, n.º 1); iii) não resultar, sem mais, da aplicação do critério do justo valor ou do método da equivalência patrimonial (art. 32.º, n.ºs 2 e 3); iv) não houver reservas, legais ou estatutárias, para formar ou reconstituir (art. 33.º, n.º 1); e v) do ativo não constarem despesas de constituição, I & D, a menos que estas se encontrem cobertas por capital próprio livre (art. 33.º, n.º 2). Tipicamente, a deliberação de distribuição tem como efeito a constituição dos sócios como titulares de créditos de dividendo contra a sociedade, ou seja, incide sobre o passivo (distribuição de/em valor); embora também se admita a atribuição direta de determinados elementos do ativo (distribuição em espécie).

O princípio contém, antes de mais, um comando dirigido aos titulares do órgão competente da sociedade: a coletividade dos sócios, os gerentes e os administradores devem abster-se da prática de atos ofensivos do mesmo. A sua violação constitui um ato ilícito [cfr., por ex., o art. 31.º, n.º 2, al. a)] e, inclusive, para os gerentes e administradores, um ilícito penal (cfr., designadamente, os arts. 513.º e 514.º). 

5.2 Vejamos, mais detidamente, as implicações e as consequências da inobservância do princípio. Em primeiro lugar, a lei sanciona expressamente a conduta do gerente ou administrador que propuser à deliberação dos sócios, reunidos em assembleia, a distribuição ilícita de valor (bens) da sociedade com a pena de multa, sendo a pena agravada se a deliberação vier a ser executada (art. 514.º, n.ºs 1 e 2). A pena é a mesma, mas ainda mais agravada: se os mesmos gerentes ou administradores realizarem uma distribuição sem prévia deliberação dos sócios, reunidos em assembleia (n.º 3), ou com desrespeito por deliberação válida tomada em assembleia geral regularmente convocada (n.º 4). Nestes últimos dois casos, se for causado dano grave - à sociedade, a sócio que não tenha consentido na distribuição ou a terceiro (incluindo-se aqui os credores) -, a pena será a da infidelidade (n.º 5)[lxxx]. Norma correspondente existe para a amortização de quotas e ações (art. 513.º[lxxxi]).

Mais latamente, são também sancionadas penalmente a aquisição ilícita de quotas e ações (art. 510.º; cfr. o art. 220.º e os arts. 316.º e ss.) – estando aqui em jogo tanto a formação como a intangibilidade do capital – e a amortização ilícita de quota não liberada (art. 511.º; cfr. o art. 232.º, n.º 3), problema que respeita à formação do capital. Em todos os casos, apenas os comportamentos dolosos são puníveis (art. 527.º). De resto, aplicam-se as regras gerais do Código Penal (art. 529.º, n.º 1), designadamente quanto à iniciativa da ação.

Se os gerentes e administradores causarem dano à sociedade, são, ainda, responsáveis civilmente perante ela, nos termos dos arts. 72.º e ss., podendo a responsabilidade ser efetivada, em via sub-rogatória, pelos credores (art. 78.º, n.º 2). Se lesados forem os credores, aplica-se o art. 78.º, n.ºs 1 e 3 a 5[lxxxii]. Pode, igualmente, haver responsabilidade perante os sócios (art. 79.º).

A violação da lei e dos correspondentes deveres de cuidado e lealdade podem ainda servir de justa causa de destituição dos mesmos gerentes e administradores (cfr. os arts. 64.º, 257.º e 403.º). Aqui já estamos, porém, no âmbito estritamente corporativo, cabendo o poder de destituir à coletividade dos sócios [ou, nas SA que adotem o modelo de governação dualístico, ao conselho geral, se os estatutos o previrem - art. 441.º, n.º 1, al. a)] ou ao tribunal, a requerimento de sócios (mesmos arts. 257.º e 303.º). Os credores não têm legitimidade para tal. O mesmo sucede se o comportamento dos sócios responsáveis constituir justa causa de exclusão.

5.3 Em segundo lugar, cabe atentar nas disposições legais que se seguem. O art. 31.º, n.º 2, proíbe – aos gerentes e administradores – a execução de uma deliberação de distribuição de valor aos sócios se a mesma violar as regras da intangibilidade (arts. 32.º e 33.º) [al. b)], se ao tempo da deliberação esta incidia sobre valor disponível, mas, em virtude de uma sobrevinda deterioração financeira, o capital próprio tiver ficado abaixo da soma da cifra do capital social e da reserva legal [al. a)], e se, tratando-se de distribuição de lucros ou reservas, a deliberação se basear em contas viciadas, não existindo o valor destinado a ser distribuído ou sendo ele indisponível (em face dos arts. 32.º e 33.º) após correção dos erros [al. c)].

Quanto aos sócios, o art. 34.º determina, no n.º 1: «Os sócios devem restituir à sociedade os bens que dela tenham recebido com violação do disposto na lei, mas aqueles que tenham recebido a título de lucros ou reservas importâncias cuja distribuição não era permitida pela lei, designadamente pelos artigos 32.º e 33.º, só são obrigados à restituição se conheciam a irregularidade da distribuição ou, tendo em conta as circunstâncias, deviam não a ignorar»[lxxxiii]. Note-se que os credores sociais podem propor a competente ação para restituição à sociedade das importâncias em causa nos mesmos termos em que lhes é conferida ação contra membros da administração (n.º 3; cfr., em especial, o art. 78.º, n.º 2). Cabe à sociedade e aos credores sociais o ónus de provar o conhecimento da irregularidade por parte dos sócios ou a prova de circunstâncias donde se infira que apenas não terão tido tal conhecimento devido a um comportamento negligente (n.º 4); o que, para os credores, poderá não ser fácil. No n.º 5, acrescenta-se: «Ao recebimento previsto nos números anteriores é equiparado qualquer facto que faça beneficiar o património das referidas pessoas dos valores indevidamente e atribuídos».

Aplicando-se o art. 174.º, a obrigação prescreverá ao fim de 5 anos [cfr. o n.º 1, al. d)].  Este preceito tem subjacente, como outros preceitos do CSC [cfr. os arts. 58.º, n.º 1, al. a), e os arts. 42 e ss.], uma preocupação de estabilidade das situações jurídico-societárias, afastando o prazo de prescrição geral do CC (art. 309.º deste Código); o que se mostra especialmente justificado no caso, devido ao natural caráter dinâmico da situação financeira da sociedade.

O art. 236.º, n.º 3, por sua vez, relativo à amortização de quotas, dispõe que, «se ao tempo do vencimento da obrigação de pagar a contrapartida da amortização se verificar que, depois de feito este pagamento, a situação líquida da sociedade passaria a ser inferior à soma do capital e da reserva legal, a amortização fica sem efeito e o interessado deve restituir à sociedade as quantias porventura já recebidas»[lxxxiv].

Note-se que, se a execução das deliberações em apreço se encontra proibida e se, sendo elas executadas, no todo ou em parte, há um dever de restituição, tal significa que os sócios não têm o direito de exigir o pagamento dos valores em causa ainda não pagos. Ou seja, em caso de insolvência, não concorrem com os demais credores da sociedade.

Interessa também o estabelecido no CIRE, a respeito dos atos praticados pelo devedor insolvente (no caso, a sociedade) em prejuízo da massa.  Lê-se no art. 120.º: «1 - Podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à massa praticados dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
2 - Consideram-se prejudiciais à massa os atos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.
3 - Presumem-se prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os atos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.»

O art. 121, por sua vez, determina, no n.º 1: «São resolúveis em benefício da massa insolvente os atos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos»: (i) os atos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência [al. b)]; (ii) o  pagamento ou outros atos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas anteriormente ao vencimento [al. f)]; (iii) os atos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte [al. h)]; e (iv) o reembolso de suprimentos, quando tenha lugar dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência [al. i)].

Note-se, contudo, que a afetação da posição dos credores não existe apenas na insolvência. O princípio da intangibilidade opera também sobre o risco comercial dos créditos, isto é, sobre o risco do seu não cumprimento pontual, que pode agravar-se em resultado de uma operação sobre o capital próprio.

5.4 O exposto é importante para resolver uma ulterior questão, em que se confrontam, de forma particularmente intensa, o interesse dos credores e o interesse na estabilidade das situações jurídico-societárias. Trata-se de saber se, além das consequências assinaladas, uma deliberação social ou um negócio ofensivos do princípio da intangibilidade são inválidos ou ineficazes e, sendo inválidos, de que tipo de invalidade padecem e qual o regime aplicável à mesma.

Há um caso em que a lei resolve diretamente o problema, sancionando com a nulidade o negócio de aquisição de quotas violador do princípio (art. 220.º, n.º 2). Porém, segundo o entendimento maioritário, já não estabelece igual sanção para o caso paralelo da aquisição de ações (cfr. os arts. 317.º, n.º 4, e 323.º, n.ºs 2 a 4) [lxxxv].

Quanto à distribuição de valor a título de lucros ou reservas (ou à sua distribuição encapotada, através de outros negócios jurídicos realizados com sócios, que coloca, ainda, um problema de igualdade de tratamento), o problema consiste em saber se o dever de restituição previsto no art. 34.º é - a par do que mais se expôs - a consequência específica do direito societário mercantil, estabelecida para o desrespeito da lei, afastando-se em geral a nulidade, ou se esse dever é uma consequência da nulidade da deliberação (ou negócio), havendo neste caso uma limitação ao regime geral desta (cfr. o art. 289.º do CC). Uma resposta no primeiro sentido é a mais conforme ao princípio da estabilidade das situações jurídico-societárias. Ressalvam-se apenas situações limites em que a deliberação ofende pelo próprio conteúdo a lei, a ordem pública societária ou os bons costumes [art. 56.º, n.º 1, al. d)], como aquela em que  haja uma estratégia consciente destinada a descapitalizar a sociedade em benefício dos sócios e em consequente detrimento dos credores (e de outros stakeholders), ostensiva ou disfarçada através de falsificação ou manipulação das contas, de negócios com sócios ou partes relacionadas fora das condições normais de mercado, etc., ou em que o objeto da deliberação de distribuição sejam lucros conscientemente fictícios ou inexistentes.

Todavia, neste contexto, há um preceito que parece contrariar uma tal interpretação da lei: o art. 69.º, n.º 3. Com efeito, este artigo refere-se sobretudo às deliberações de aprovação das contas, considerando-as em regra anuláveis apesar de haver uma violação da lei (n.º 1) ou uma irregularidade das contas (n.º 2); e, no n.º 3, ressalva a violação de preceitos cuja finalidade, exclusiva ou principal, seja a proteção dos credores ou do interesse público, como sucederá se as contas forem fraudulentas.

Até aqui, nada de novo para o problema em apreço. No entanto, este n.º 3, que não existia no Projeto de Código das Sociedades, refere-se também às deliberações de distribuição de valor aos sócios, subsequentes à aprovação das contas, como o demonstra a adicional alusão aos preceitos legais relativos à constituição, reforço ou utilização da reserva legal[lxxxvi]. Donde se infere uma geral nulidade dos atos sociais que tenham por objeto a distribuição de capital próprio legalmente vinculado[lxxxvii].

5.5 No que respeita à amortização de quotas, que se realiza mediante deliberação da coletividade dos sócios (cfr. o art. 234.º, n.º 1), diferentemente do que sucede com o ato de aquisição, o CSC também não contém norma a estabelecer a nulidade de tal deliberação (cfr. o art. 236.º, n.ºs 1 e 2). E, no caso de faltar capital próprio livre para pagar a respetiva contrapartida - pagamento que legalmente é para realizar no prazo de um ano, mas este prazo pode ser muito superior em virtude de cláusula estatutária -, as consequências são a ineficácia da deliberação e um dever de restituição do que já tiver sido recebido (art. 236.º, n.º 3).

O art. 69.º, n.º 3, que já tem sido invocado (e por nós considerado) a este respeito, é, em rigor, inaplicável, uma vez que se situa no contexto das contas de exercício, atingindo as deliberações de aprovação destas e de aprovação do destino a dar ao resultado das mesmas[lxxxviii]. E tal inaplicação mostra-se justificada, como já se demonstrou noutro texto, para o qual se remete[lxxxix]. Quando assim não se entenda, estando em causa um pressuposto financeiro da operação suscetível de verificação superveniente, em face dos interesses em jogo, não se vê razão para, pelo menos, admitir a renovação da deliberação, indo além do texto do art. 62.º[xc]

Note-se que, no caso da amortização compulsiva, a deliberação não tem por objeto uma distribuição de valor ao sócio visado, embora a consequência da amortização possa ser uma afetação do capital próprio vinculado a seu favor. Na amortização voluntária, o problema respeita à parte do acordo relativa à contrapartida a pagar.

 

 

6.  Observações finais

 

Conclui-se com algumas observações finais. Em parte, completando o exposto e, em parte, resumindo o que foi dito.

6.1 Como se observou, as sociedades - mormente as SQ e SA - são tipicamente organizações produtivas, tendentes à criação de riqueza, em última análise em benefício dos sócios. Para o efeito, além de outros recursos, via de regra, utilizam meios de capital próprios (fornecidos pelos sócios e gerados por elas mesmas) e capitais alheios, fornecidos por terceiros que ficam seus credores.

Quando se trata de um tema como o presente - o capital social e a tutela dos credores sociais -, a análise centra-se no regime legal do primeiro e, sobretudo, na respetiva cobertura patrimonial ou cobertura pelo capital próprio. O conceito de capital aqui presente é um conceito financeiro, consistente num valor: o da competente cifra monetária fixada nos estatutos da sociedade (capital nominal ou estatutário) e o valor líquido da sociedade, mais precisamente o seu valor líquido contabilístico ou de balanço (capital próprio). Não estão em causa os elementos do ativo suscetíveis de servir como garantia dos credores.

Por conseguinte, ele não é um meio ou instrumento de garantia dos credores - entendo esta como a garantia patrimonial estática dos arts. 601.º do CC - nem o seu regime legal é um regime de conservação desta, embora represente um mecanismo, limitado, de formação da mesma, na medida em que, no momento constitutivo geral da sociedade e quando dos aumentos onerosos do capital social, os sócios entram e/ou obrigam-se a entrar com bens ou direitos cujo valor líquido deverá ser pelo menos equivalente (em termos nominais) ao da respetiva cifra estatutária ou ao valor do aumento. Na verdade, ele tem mais latamente a ver com a capacidade financeira da sociedade - a sua capacidade para remunerar pontual e adequadamente os fatores produtivos utilizados e gerar um excedente monetário apropriável pelos sócios (remunerando o respetivo capital de risco) - de que depende a consideração e a satisfação de múltiplos interesses, os dos diversos stakeholders, cumprindo aqui destacar os dos credores, fornecedores de capital externo, em verem pontualmente satisfeitos os seus créditos, e o de prevenção da insolvência. O foco reside, portanto, numa espécie de «garantia económica» dos credores, de índole dinâmica, em consonância com o caráter produtivo da atividade social, que importa formar e conservar; não na estática garantia patrimonial dos mesmos. A legislação setorial salienta, aliás, este aspeto.

6.2 Neste quadro da capacidade financeira da sociedade, o capital social, enquanto cifra estatutária com a estabilidade própria dos estatutos, é, mais especificamente, um expediente de que a lei se serve para forçar a efetiva dotação da sociedade com certo capital próprio mínimo e - tendo em atenção a sociedade como organização de fim lucrativo e como res privata cujo valor pertence aos sócios[xci] -, para obrigar à conservação de um nível de capital próprio pelo menos igual ao dessa cifra, impedindo subtrações de valor em benefício dos sócios. Estão aqui em causa os conhecidos princípios: do capital mínimo - hoje em dia, com um limitado campo de aplicação (SA e SCA e em SQ que atuam em certos setores de atividade); da exata formação ou efetividade constitutiva do capital estatutário, fixado nos estatutos com respeito pelo princípio anterior; e da intangibilidade do capital social. Adicionalmente, seria desejável um princípio de efetividade mínima superveniente do capital social, tendo em conta que a atividade produtiva é uma atividade de risco, passível de gerar perdas. Porém, no CSC, este princípio perdeu a dimensão substancial que legalmente já teve. Apenas nalguns setores de atividade estratégicos e sensíveis existe uma preocupação séria com este aspeto.

A favor da exigência de capital mínimo nas sociedades com responsabilidade limitada dos sócios podem aduzir-se diversos argumentos. Salientam-se os seguintes: i) ele funciona como limiar de seriedade dos projetos empresariais, conferindo alguma credibilidade aos tipos sociais em apreço; ii) está em sintonia com a ideia de uma economia social de mercado regulada, favorecendo o empreendedorismo sério e minimamente ponderado, em vez do empreendedorismo de aventura, experimental ou mesmo fraudulento; iii) deste modo, protege-se também o sistema em que a atividade empresarial é exercida contra a «poluição» de agentes indesejáveis e tutela-se, em especial, quem, além dos sócios, está envolvido no projeto empresarial (máxime, trabalhadores) e quem se relaciona, voluntariamente ou não, com a organização, reduzindo do mesmo passo custos de transação; iv) mormente quando está em causa uma sociedade de responsabilidade limitada, um mínimo de investimento em capital de risco é um incentivo a uma gestão séria e ponderada; v) uma política de exercício livre mas também responsável da atividade produtiva deveria favorecer a SNC como forma societária inicial. A legislação setorial relativa a setores estratégicos e/ou especialmente sensíveis favorece esta visão das coisas.

Em contraposição, invocam-se também diversas razões, de que se salienta a ineficácia e a ineficiência deste mecanismo para os fins visados e, sobretudo, a «restrição» que representa à liberdade de empresa e profissional, impedindo o nascimento de iniciativas válidas. Acresce a atual onda liberalizante reinante, cuja expansão na Europa foi favorecida pela jurisprudência do TJUE relativa à liberdade de estabelecimento. Estes argumentos levaram à supressão do requisito nas SQ em geral, conservando-se o mesmo nas SA, designadamente, em virtude do DUE.  Note-se, contudo, que a opção podia ter consistido na criação de uma SQ simplificada, promovendo a clareza jurídica e preservando a imagem social da SQ tradicional, como sucedeu na Alemanha.

O problema insere-se, aliás, numa política legislativa mais vasta, iniciada em 2005, de favorecimento da constituição simplificada das SQ e SA, reduzindo o papel regulador dos estatutos sociais, de supressão indiscriminada de exigências de forma e de supressão do controlo de legalidade no tráfico das quotas, gerando uma grande insegurança jurídica, de desjudicialização de situações conflituais, etc. O resultado é uma vulgarização ou aviltamento social do tipo social SQ; e a prevenção deixou de ser a melhor maneira de regular potenciais conflitos.

6.3 No que respeita, mais diretamente, à tutela dos credores - mormente nas SQ, em que a insuficiência de capital próprio face às necessidades financeiras do negócio ou empresa sociais (subcapitalização) é sobejamente conhecida -, salientam-se alguns aspetos adicionais. Em primeiro lugar, tal insuficiência existe, em parte, porque os sócios preferem financiar a sociedade através de empréstimos, tornando-se seus credores. Aqui, os credores comuns são protegidos através do regime legal dos suprimentos, em que sobressai a qualificação dos créditos dos sócios como subordinados.

Em segundo lugar, faltando o aludido limiar de seriedade e havendo um insuficiente incentivo a uma gestão racional do negócio social, com devida consideração pelos interesses dos credores, generalizou-se a prática de os principais destes exigirem de forma sistemática garantias pessoais aos sócios e/ou a quem controla a sociedade (mormente, fianças e «avales» em livranças em branco). Tais garantias funcionam sobretudo como mecanismo de pressão para uma gestão da sociedade que tenha em devida consideração a posição de tais credores. Apenas em casos limitados e em último recurso há uma efetivação das mesmas[xcii]. Mas apresentam dois inconvenientes maiores: o benefício da responsabilidade limitada desaparece; e, em caso de crise, os controladores da sociedade tenderão a privilegiar a satisfação destes credores fortes, em detrimento dos credores fracos. O que representa uma importante lacuna regulatória.

Em terceiro lugar, coloca-se o problema de saber se, perante uma situação de subcapitalização (material), os controladores da sociedade poderão vir a responder perante os credores, mormente os credores mais fracos. Há quem afirme tal responsabilidade. O tema mostra-se, no entanto, muito controvertido: quer quanto à existência desta, quer quanto aos seus âmbito, fundamentos e pressupostos[xciii].

Em quarto lugar, discute-se se, em complemento dos mecanismos que têm a ver com a capacidade financeira da sociedade e nessa medida conferem aos credores uma proteção geral - consubstanciados nos princípios do capital (capital mínimo, efetividade e intangibilidade) -, ou em alternativa a eles, são de exigir aos gestores, inter alia, testes de balanço e/ou de insolvência. Também aqui falta consenso[xciv].

Note-se, porém, que a proclamada crise do capital social é, em boa medida, uma crise do empolamento que dele se fez, quanto ao cumprimento de múltiplas funções - designadamente de operacionalidade e de garantia dos credores; isto é, quanto a uma sua conjeturável suficiência para as sociedades adquirirem e conservarem uma capacidade financeira adequada à empresa ou negócio sociais e, mais especificamente, para formarem e conservarem um ativo capaz de garantir o passivo. Funções que ele não cumpre ou não cumpre de forma efetiva. Na realidade, ele apresenta-se, para o efeito, como um mero mecanismo coadjuvante. Não dispensa outras exigências e e a utilização de outros mecanismos como rácios de liquidez, relativos à gestão de curto prazo, e de solvabilidade, numa ótica de longo prazo. Também aqui se podem colher importantes ensinamentos no direito regulatório setorial.

Importa, no entanto, realçar que a crise tem outra dimensão: ainda que reduzido a esta sua dimensão auxiliar, não é claro se ele é um mecanismo eficiente e, portanto, útil ou se pode ser substituído com vantagem por outros mecanismos, como aqueles testes, observando sobretudo a experiência dos EUA. O DUE, no que se refere às SA, continua a reconhecer-lhe um importante papel. E a legislação regulatória setorial também, ao estabelecer níveis elevados de capital mínimo, completados com adicionais mecanismos de construção e conservação da capacidade financeira da sociedade, mormente uma capacidade solutória permanente de curto prazo e de sobrevivência no longo prazo. Mas o tema merece ser discutido[xcv]

Por fim e mais latamente, o problema dos credores apresenta-se como um problema de governança corporativo-empresarial, sob dois pontos de vista: o da criação de mecanismos capazes de lhes conferir uma voz mais ativa na gestão da sociedade; e o do tratamento a dar àqueles que através de técnicas contratuais mais ou menos sofisticadas - contendo exigências de prestação de informações acerca do desenrolar do negócio social e direitos de monitorização deste, tendentes a assegurar a identidade e a solvência do devedor, limitativas das disposições de ativos e de distribuições de lucros, prevendo o vencimento antecipado de obrigações em caso de incumprimento, etc. - adquirem e exercem um efetivo poder de influência sobre a mesma[xcvi].

 

 

 

 

 


 

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[i] O presente texto corresponde à apresentação feita sobre este tema nos II Encontros de Direito Civil / A tutela dos credores, que tiveram lugar na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, no dia 22 de fevereiro de 2019.

[ii] Esta perspetiva económica - importante sobretudo nas relações de mercado interprofissionais - mostra-se relevante nas próprias relações de consumo, como, em nome de uma concessão de crédito responsável, quer em relação ao conumidor (prevenindo o sobreendividamento e a insolvência) quer à comunidade em geral (prevenindo crises económico-financeiras e o colapso do sistema), o revelam os diplomas legais relativos à concessão de crédito ao consumo, geral e imobiliário, ao imporem a prévia avaliação da capacidade financeira (solvabilidade) e da propensão para o cumprimento do devedor, mesmo havendo garantia hipotecária (art. 10.º do DL 133/2009 e, sobretudo, art. 16.º do DL 74-A/2017).

[iii] Acerca da discussão sobre a redução legal das entradas em espécie aos bens suscetíveis de penhora, cfr., por ex., Domingues, 2017a, p. 364 e ss., Triunfante, 2014, p. 63 e ss. Salvo se outra coisa resultar do contexto, os artigos citados sem indicação do respetivo diploma legal pertencem ao Código das Sociedades Comerciais (CSC).

[iv] Cfr. o art. 612.º, n.º 1, do CC e o art. 25.º, n.º 4, do CSC. Cfr. também, por ex., Antunes, 2017, pp. 362 e ss., 365 e ss.

[v] Dados os limites do presente texto, deixámos de fora o tema da redução do capital estatutário, em especial, a redução para libertar capital próprio em benefício dos sócios. Também aqui, sobretudo com o desaparecimento do controlo judicial preventivo, houve neste século uma erosão do regime vinculístico legal (cfr. os atuais arts. 94.º a 96.º, sobretudo este último, destinado à tutela dos credores, bem como os art. 347.º, n.º 7, e 463.º, n.º 2). Cfr., por ex., Mendes, 2016, pp. 186 e ss., Domingues, 2009, pp. 514 e ss., 539 e ss. Pela mesma razão, não analisámos o DUE, em especial a atual Diretiva 2017/1132 (cfr. os respetivos arts. 44 e ss.), e o debate que tem sido travado em torno da mesma, mormente acerca do tema do capital mínimo. De entre a numerosa literatura, cfr., por ex., entre nós, Domingues, 2009, pp. 61 e ss., 121 e ss., com mais indicações, bem como Ventura, 1980, pp. 22 e ss.

[vi] Cfr. Mendes, 2016. Omitiram-se alguns desenvolvimentos a as respetivas notas, das quais constam, designadamente, indicações bibliográficas e as pertinentes disposições legais. Cfr., ainda, por ex., Domingues, 2009, pp. 21 e ss., Antunes, pp. 353 e ss., 357 e ss.

[vii] Via de regra, tanto no CSC como na literatura societária, este é o sentido da expressão capital social, embora não o único. Conquanto, nas SQ e SA, seja corrente a sua identificação com a soma dos valores nominais das quotas e das ações, a identificação é meramente tendencial (cfr. os arts. 237.º, n.º 3, e 345.º, n.º 7).

[viii] Sobre o tema e acerca das pertinentes implicações jurídico-contabilísticas, cfr. Mendes, 2016, pp. 154 e ss. 

[ix] Cfr., por ex., Pinto, 2004, pp. 344 e ss., e Abreu, 2019, p. 419.

[x] Cfr., no entanto, a ressalva do disposto no art. 198.º, contida neste n.º 3.

[xi] Ou um segmento juridicamente autónomo do mesmo: por exemplo, o património de um EIRL.

[xii] As rubricas relativas às prestações suplementares e acessórias equiparáveis também são indicadoras de recursos com origem em contribuições dos sócios, mas ficam sujeitas a um regime distinto do aplicável ao valor do capital.

[xiii] Acrescem eventuais distribuições de capital exuberante mediante redução do capital estatutário (ou mediante uma operação complexa de aumento por incorporação de reservas e de redução) que deixámos de fora do presente texto.

[xiv] Cfr., ainda, designadamente, os arts. 220.º, n.º 1, e 236.º, n.ºs 1 a 3, 317.º, n.º 4, e 347.º, n.º 7. al. b).

[xv] Note-se, no entanto, que,e m relação a algumas, se pode colocar, a montante, um problema da sua compatibilidade com o art. 6.º, nºs 1 a 3.

[xvi] Cfr. os arts. 32.º e 33.º

[xvii] Cfr.  Mendes, 2016, pp. 173 e ss.

[xviii] Redação dada pelo DL 33/2011. Note-se que, embora sensível à competitividade do seu sistema societário com o de outros países, o legislador alemão não seguiu esta via, de nivelação por baixo e consequente «aviltamento» do tipo social em apreço, conservando as Srl (GmbH) com um capital mínimo de 25 000 € e criando um subtipo simplificado de sociedade de responsabilidade limitada, a Unternehmergesellschaft, suscetível de aceder à condição de GmbH quando preencher aquele requisito financeiro (§ 5a da GmbhG). Cfr., por ex., Baukelmann & Schmidt-Leithoff, 2013, pp. 295 e ss.

[xix] O pacto social deve fixar o respetivo valor: cfr. o art. 9.º, n.º 1, al. f).

[xx] Tratando-se de uma SuQ, o valor será de 1 € (cfr. os arts. 270.º-A, n.º 1, e 270.º-G). Note-se, no entanto, que o valor da reserva legal, a constituir mediante retenção de lucros, em geral correspondente a 20% do capital, não pode ser inferior a 2 500 € (art. 218.º, n.º 2).

[xxi] Veja-se a Portaria 95/94, emitida ao abrigo do n.º 1 dos arts. 95.º e 196.º do RGIC (aprovado pelo DL 298/92) e alterada, designadamente, pela P. 362/2015.Como se observa, os valores vão desde os 100 000 € para as agências de câmbios até aos 17,5 milhões para os bancos, passando, na cota mais baixa, pelos 125 000 relativos às sociedades gestoras de fundos de investimento e os 250 000 respeitantes às sociedades gestoras de patrimónios. Cfr., ainda, por ex., o art. 11.º, n.º 3, da Lei 18/2015, que fixa em 125 000 € o valor mínimo do capital social das sociedades de capital de risco.

[xxii] Aqui, as exigências de capital social mínimo (realizado) variam entre 2,5 e 15 milhões de euros: cfr. os arts. 52.º c) e 60.º do RJASR (Regime jurídico de acesso e exercício da atividade seguradora e resseguradora, aprovado pela Lei 147/2015).

[xxiii] Quanto às empresas de transportes rodoviários de passageiros em autocarros (veículos com lotação superior a 9 lugares), que podem revestir a forma de sociedades comerciais, cooperativas e empresas públicas (art. 3.º, n.º 2, do DL 3/2001), as exigências de capacidade financeira – posse dos recursos necessários para garantir o início da atividade e a boa gestão da empresa (art. 8.º, n.º 1) – envolvem, designadamente, um requisito de capital social mínimo constitutivo de 100 000 € (art. 8.º, n.º 2). Tratando-se do transporte de mercadorias, a atividade exercida por conta de outrem e com veículos de peso bruto igual ou superior a 2,5 toneladas apenas pode ser levada a cabo por sociedades comerciais ou cooperativas (art. 3.º, n.º 1, do DL 257/2007) e este valor é de 125 000 €, ou de 50 000, se apenas forem utilizados veículos ligeiros (art. 9.º, n.º 2).  Acerca da suscitada controvérsia sobre se a exigência é conforme ao DUE, cfr., em sentido afirmativo, o Parecer do Conselho Técnico do IRN de 26.07.2012 (Isabel Geraldes), homologado pelo presidente do Instituto em 2.08.2012, proc. n.º C. Co. 10/2012 SJC-CT, disponível em https://www.irn.mj.pt/IRN/sections/irn/doutrina/pareceres/comercial/2012/p-c-co-10-2012-sjc-ct/downloadFile/file/CCo_10-2012_SJC-CT.pdf?nocache=1347529658.83.

[xxiv] Cfr., por ex., os arts. 30.º e ss., 94.º e ss., do RGIC, os arts. 52.º e ss., 64.º e ss., do RJASR, bem como os arts. 4.º e ss. do DL 257/2007 e do DL 3/2001. Veja--se, ainda, no setor da energia (elétrica), em que existe também um regime de licenciamento da atividade económica (cfr. os arts. 4.1 e 45.2), os arts. 6.1h) e 8.3l) (quanto às empresas de produção) e o art. 47.3a e c) (empresas de comercialização) do DL 172/2006,.

[xxv] No que toca às sociedades anónimas, há que observar a diretiva do capital, hoje, a mais alargada Diretiva 2017/1132, embora também ela esteja na mira dos críticos. Cfr. a nota a seguir.

[xxvi] Sobre o assunto, cfr., por ex., Pinto, 2007, pp. 850 e ss., Domingues, 2009, pp. 72 e ss. (relatório Winter), 130 e ss. (preconizando a abolição da exigência de capital mínimo), 551 e ss. (preconizando a manutenção do capital nas sociedades fechadas e a sua eliminação nas sociedades abertas), ), 2016, pp. 204 e ss., assinalando, ainda, que, paradoxalmente, a eliminação da exigência de capital mínimo pode levar a um reforço da posição dos credores, recorrendo à figura da subcapitalização manifesta (pp. 214 e ss.), Carvalho, 2011, pp. 13 e ss. (aludindo também às formas de proteção dos credores alternativas ao capital mínimo), todos com mais indicações, e, já antes, por ex., Macey & Enriques, 2001. Acerca da subcapitalização como problema de proteção dos credores, cfr. também Abreu, 2011, pp. 37 e ss., Ribeiro, 2011, pp. 43 e ss., Duarte, 2011, pp. 1066 e ss., e e Lima, 2017, pp. 387 e ss.

[xxvii] Cfr., designadamente, os arts. 9.º, n.º 1, als. f) a h), e n.º 2, 25.º e ss., 199.º e 272.º, als. a) e e), 219.º, n.º 1, 202.º e ss. e 277.º, 285.º e s., 87.º a 89.º do CSC, bem como os arts. 980.º, 983.º e s. do CC. Em particular quando uma ou mais entradas consistam em bens diferentes de dinheiro (entradas em espécie ou in natura), o património constitutivo pode ser superior, ficando o excesso de capital sujeito, por ex., ao regime das prestações acessórias, eventualmente modificado com vista a considerar o respetivo montante como capital próprio. Quando a sociedade se constitui por um modo especial - mormente, fusão ou cisão -, o que se escreve deve ler-se com as devidas adaptações.

[xxviii] Em regra, cada sócio responde pelo valor da parcela de capital que subscreve (cfr., por ex., o art. 271.º), mas nas SQ a responsabilidade é coletiva (cfr. os arts. 197.º, n.º 1, e 207.º).

[xxix] O princípio é comummente conhecido, entre nós, pela primeira expressão (cfr., por ex., Domingues 2004, p. 71 e ss.). Note-se que apenas as entradas de capital – únicas que numa SQ ou SA podem servir de base à aquisição de quotas e ações e da correspondente qualidade de sócio (cfr. os arts. 219.º, n.º 1, 202.º, n.º 1, e 277.º, n.º 1) – são imputáveis ao capital social ou computáveis no mesmo, quer pela natureza das contribuições de indústria e a correspondente dificuldade de avaliação, quer pela sua inaptidão para formar o fundo de garantia dos credores sociais  (cfr. o art. 178.º, n.º 1, e, por ex., Domingues, 2017, p. 362 e ss.).

[xxx] Pode, no entanto, discutir-se esta solução (interpretação da lei), em face do princípio da onerosidade dos negócios mercantis e do próprio princípio da exata ou efetiva cobertura patrimonial do capital estatutário, interpretado de forma rigorosa.

[xxxi] Em contrapartida, nas SQ e SA também pode falar-se num princípio de efetividade reforçada do capital (de sobrecobertura patrimonial), na medida em que se exige a constituição de uma reserva legal (arts. 218.º e 295.º, n.º 1) e, em caso de futura redução de capital exuberante, o capital estatutário deve ficar com um nível de cobertura de 120% (art. 95.º, n.º 1). A reserva é, no entanto, comummente vista como uma espécie de escudo de proteção, atinente à intangibilidade do capital e não à formação da sua cobertura (cfr. infra, n.º 5).

[xxxii] Tratando-se de aumento do capital, não prevendo a deliberação o diferimento das entradas, as mesmas - se não tiverem sido ainda realizadas (cfr. os arts. 88.º e 89.º, n.ºs 1 e 3) - são exigíveis a partir do registo definitivo do aumento (art. 89.º, n.º 2).

[xxxiii] Noutros termos, pode ser diferida a realização de 70% do valor nominal das ações de cada fundador (ou subscritor de aumento de capital) ou do respetivo valor fracionário de emissão. Se o valor de emissão das ações - entendido, como sempre se entendeu, no sentido do valor que o subscritor «paga» por elas (não no sentido em que o CSC utiliza a expressão a partir da introdução das ações sem valor nominal) - compreender, ainda, um prémio (prémio de emissão), este valor em excesso não é suscetível de diferimento (ibidem). Acerca das ações sem valor nominal, cfr. Mendes, 2019, com mais indicações.

[xxxiv] No art. 207.º, n.º 4, pressupõe-se que a sociedade tem contra o sócio devedor um título executivo. Porém, com a dispensa de escritura pública para a constituição da sociedade e o aumento do capital, bastando, mesmo no primeiro caso, em regra, um documento particular com as assinaturas dos fundadores reconhecidas presencialmente (cfr. os arts. 7.º, n.º 1, e 85.º, n.ºs 3 e 4, na redação do DL 76-A/2006), em face do atual art. 703.º do CPC, a SQ não dispõe, em geral, de um tal título.

[xxxv] Diferentemente do que acontece em alguns ordenamentos estrangeiros, a transmissão de quotas e ações não integralmente liberadas - às quais são inerentes as obrigações de entrada - não depende, por este facto, do consentimento da sociedade credora (e contraente cedido). A tutela desta é-lhe conferida por uma alternativa corresponsabilidade dos anteriores titulares das participações (arts. 206.º, n.º 1, e 286.º, n.º 5; cfr, a propósito, o art. 595.º do CC). Para maiores desenvolvimentos sobre toda esta matéria, veja-se Triunfante, 2014, pp. 471 e ss., 498 e ss.

[xxxvi] Quanto aos credores, cfr., no entanto, o art. 30.º, adiante.

[xxxvii] Segundo o teor literal da lei, o sócio entra em mora «depois de interpelado». Pode discutir-se se, para efeitos civis e correspondente surgimento da obrigação de pagar juros de mora, a data relevante não deverá ser a do decurso do prazo; pelo menos se a obrigação de entrada não vencer juros pelo diferimento. Ao menos sendo a SQ uma sociedade comercial pura (ou seja, com objeto mercantil), a taxa devida é a taxa de juros mercantis, nos termos do art. 102.º §§ 3.º e 4.º do CCom.

[xxxviii] Embora os lucros lhe sejam creditados, por conta do valor em dívida, operando-se a compensação (mesmo art. 27.º, n.º 4). Nas sociedades anónimas, o legislador ainda inibe o sócio em mora do direito de voto (art. 384.º, n.º 4), podendo colocar-se a questão de saber se o mesmo não deve valer, por analogia (ou por força do art. 248.º, n.º 1), para as SQ, a qual, no entanto, merece resposta afirmativa: cfr. Triunfante, 2014, pp. 485 e ss., com mais referências.

[xxxix] Cfr., os arts. 241.º, n.ºs 2 e 3, e 235.º, bem como o lugar paralelo do art. 242.º, n.º 4. Note-se que, se, quanto à quota em vias de liberação, as consequências da exclusão são as dos arts. 204.º e ss., o mesmo não sucede com as demais quotas, se as houver.

[xl] Como se observa, fazemos uma leitura corrigida do texto da lei, atendendo ao seu espírito; mas admitimos que o incumprimento da obrigação de entrada é, via de regra, facto suficientemente grave para justificar a exclusão, mediante deliberação da sociedade; cabendo a esta ajuizar se essa opção é para si a mais conveniente, designadamente tendo em conta o seu impacto financeiro, ou não. Ventura (1989, pp. 158, 160 e s.) tem uma diferente leitura da lei: segundo ele, caso o sócio seja titular de outras quotas, não haverá lugar à exclusão. Veja-se o lugar paralelo do incumprimento da eventual obrigação de realizar prestação suplementar, por parte de um sócio cuja(s) quota(s) se encontra(m) liberada(s) (art. 212.º, n.º 1). Cabe realçar, em todo o caso, que a exclusão é uma medida de ultima ratio e que a sociedade está vinculada por um princípio da proporcionalidade, quanto à mesma e quanto ao âmbito da perda de quota(s) a seu favor.

[xli] Note-se, por um lado, que, no caso de perda total, o sócio também perde os pagamentos já realizados (art. 24.º, n.º 2); por outro lado, que a perda pode considerar-se um meio excessivo para os fins visados, uma vez que estes também se atingiriam se a quota ficasse, mais limitadamente, à disposição da sociedade.

[xlii] A sociedade pode, antes da venda, efetivar a responsabilidade pela realização integral das entradas que cabe aos outros sócios (art. 207.º, n.º 1); mas, em geral, preferirá só o fazer depois de vender a quota. Quanto às especificidades desta responsabilidade em caso de aumento do capital (art. 207.º, n.º 2), cfr. Mendes, 2012, pp. 37 e ss., com indicações.

[xliii] Se após a satisfação da dívida social houver um excedente, cfr. o art. 208.º, n.º 2.

[xliv] Quanto aos credores, cfr., no entanto, o art. 30.º, adiante. Embora a interpelação possa ser feita por meio de anúncio (art. 285.º, n.º 3), numa SA de restrita base acionária e hoje necessariamente com os acionistas conhecidos, a escolha desta forma pode consubstanciar um comportamento desleal da sociedade (ou dos administradores).

[xlv] Literalmente, a lei diz que a mora se inicia a partir do prazo, mas parece ser claro que isso ocorrerá no termo do mesmo.

[xlvi] Embora os lucros lhe sejam creditados, por conta do valor em dívida, operando-se a compensação (mesmo art. 27.º, n.º 4). Nas sociedades anónimas, o legislador ainda inibe o sócio em mora do direito de voto (art. 384.º, n.º 4). Sobre o tema, cfr. Triunfante, 2014, pp. 485 e ss., com mais referências (entendendo o preceito de aplicação geral, abrangendo as SQ).

[xlvii] A titularidade anterior refere-se a cada ação e a correspondente responsabilidade não pode achar-se prescrita [cfr. os arts. 286.º, n.º 2, e 174.º, n.º 1, al. a)]. Mas o procedimento respeita a todas das ações do acionista em relação às quais a mora se verifique (art. 286.º, n.º 6).

[xlviii] Havendo concurso de interessados, prefere quem se encontre mais próximo do acionista que perdeu as ações a favor da sociedade (art. 286.º, n.º 3).

[xlix] Havendo um excesso, pertence ele ao acionista que perdeu as ações para a sociedade (art. 286.º, n.º 5). Cfr. a diferente solução consagrada para as quotas (art. 208.º, n.º 2).

[l] Cfr. o art. 94.º, o art. 95.º, n.º 4, e os arts.  232.º, n.º 3, 220.º, n.º 1, e 318.º

[li] Mas cfr. os arts. 610.º e ss. do CC, relativos à impugnação pauliana.

[lii] Acerca da dação em cumprimento, cfr. o art. 27.º, n.º 2.

[liii] Sobre o preceito, cfr., por ex., Triunfante, 2014, pp. 543 e ss., em especial, 546 e ss., e Ramos, 2017, p. 503 e ss. Quanto à sub-rogação dos credores no exercício de direitos dos devedores, em geral, cfr. os arts. 606.º e ss. do CC.

[liv] Sobre o assunto, vejam-se, designadamente, Triunfante, 2014, pp. 263 e ss., e Domingues, 2017a, pp. 455 e ss., 469 e s., 489 e ss.

[lv] Art. 7 da antiga segunda Diretiva de harmonização do direito societário. Atualmente, rege o art. 46 da Diretiva (UE) 2017/ 1132, de 14.06.2017. Acerca da discussão sobre a redução legal das entradas em espécie aos bens suscetíveis de penhora, cfr., por ex., Domingues, 2017a, p. 364 e ss., Triunfante, 2014, p. 63 ss.

[lvi] Cfr. também o art. 782.º do CPC e o art. 162.º do CIRE, bem como, com mais indicações, Domingues, 2017a, nota 33, p. 365. Note-se que este autor defende uma interpretação não literal do art. 20.º, al. a), na linha da Diretiva: p. 365 e s., com mais indicações nas notas 38 a 40. Acerca das entradas consistentes em saber-fazer secreto ou no gozo e fruição dos bens, cfr., ainda deste autor, p. 455 e ss., 459 e ss. Sobre as entradas de créditos, cfr. infra.

[lvii] No caso das ações sem valor nominal, introduzidas pelo DL 49/2010, o valor de referência - que faz as vezes do valor nominal - é o respetivo valor fracionário de emissão: o valor da fração que a cada uma corresponde no capital social ou no aumento deste (cfr. o art. 25.º, n.º 2). A lei chama a este valor - que na Diretiva 2017/1132 aparece designado como valor contabilístico (art. 47) - valor de emissão (cfr., por ex., o art. 25.º, n.º 3, e o art. 298.º, n.º 1). Desse modo, a lei desvia-se, porém, do conceito de valor de emissão comummente aceite, que é o valor que se paga por uma ação, correspondente ao valor fracionário de emissão desta, valor da mesma imputável ao capital social, eventualmente acrescido de um prémio de emissão. Problema semelhante ocorre com o alternativo conceito de valor contabilístico, utilizado na Diretiva, uma vez que, segundo a terminologia tradicional, o valor contabilístico de uma ação é o correspondente a uma fração do capital próprio da sociedade. Cfr. Mendes, 2019.

[lviii] Cfr. também Domingues, 2017a, p. 452 e s., entendendo que este regime também vale para a falta de avaliação por ROC independente. Na mesma linha, a eventual aquisição de bens a acionistas encontra-se sujeita ao regime específico do art. 29.º; a que acresce o instituto (não escrito) das entradas em espécie dissimuladas. Sobre estas, cfr. Sá, 2007, pp. 671 e ss, 686 e ss.

[lix] Inclui-se aqui, designadamente, a retirada do bem à sociedade por um terceiro, no exercício de um seu direito de impugnação pauliana (arts. 610.º e ss. do CC). Sobre o tema, cfr., Ribeiro, 2018, pp. 693 e ss., e, nesta coletânea de estudos, ...

[lx] Tratando-se de ações sem valor nominal, o valor de referência é o valor fracionário da emissão. Cfr. Mendes, 2019.

[lxi] Os n.ºs 4 e 5 em apreço foram introduzidos pelo DL 79/2017, que consagra um controvertido procedimento simplificado de conversão de créditos em capital que vai para além deste aspeto. Sobre o tema, podem ver-se, por ex., Duarte, 2017, pp. 319 e ss., e Gomes, 2017, pp. 535 e ss. (com análise especialmente crítica do regime legal), Domingues, 2017b, pp. 155 e ss, máxime, 159 e s., Triunfante, 2018, pp. 279 e ss., Ribeiro, 2019, pp. 54 e ss., 76 e s.

[lxii] Cfr. também os n.ºs 2, 4 e 5 deste artigo (liberação mediante dação em pagamento e proibição de compensação). Dispõe, ainda, o art. 95.º, n.º 4, que a redução do capital não exonera os sócios das suas obrigações de liberação do capital. Ressalva-se, contudo, a redução do capital tendente, justamente, a essa liberação.

[lxiii] No que respeita à amortização (extintiva) de ações, apenas se prevê a amortização compulsiva e exige-se sempre a redução do capital social (art. 347.º).

[lxiv] Cfr., por ex., Abreu, 2019, pp. 258 e ss., 423, nota 1034, e Domingues, 2004, pp. 71 e ss., 199 e ss.

[lxv] Sobre o tema, vejam-se, por ex, com mais indicações, Domingues, 2009, pp. 328 e ss., 2017a, pp. 550 e ss.  Note-se que a atual solução legal fica aquém do próprio CCom de 1888, que, no art. 120.º previa a diminuição do capital social em mais de dois terços se os sócios não fizessem logo entradas que o mantivessem em pelo menos um terço como causa de dissolução da sociedade (n.º 5.º) e atribuía legitimidade dos credores de uma SA para requerer tal dissolução da sociedade provando que, posteriormente à época dos respetivos contratos metade do capital se encontrava perdida, salvo prestação pela sociedade de garantias adequadas (original § 4.º). Sobre o assunto, escreveu Duarte, 2008, pp. 165 e s.: «Literalmente, essa solução não contraria o art. 17 da 2.ª Directiva, mas não deixa de ser curioso que ela é menos exigente do que a que vigorava antes do CSC, para as sociedades anónimas e por quotas», acrescentando em nota: «O § 3.º do art. 120 do Código Comercial estabelecia, então, que “os credores de uma sociedade anónima podem requerer a sua dissolução, provando que, posteriormente à época dos seus contratos, metade do capital social está perdido; mas a sociedade pode opor-se à dissolução, sempre que dê as necessárias garantias de pagamento aos seus credores”. Esse preceito não apenas constava da versão primitiva do Código Comercial (embora até ao Dec.-Lei 363/77, de 2 de Setembro, constituísse o § 4.º - e não o § 3.º - do art. 120), como provinha mesmo da primeira lei portuguesa sobre sociedades anónimas (a lei de 22 de Junho de 1867, na qual constituía o art. 41). A aplicação da norma em causa às sociedades por quotas resultava do art. 42 da respectiva lei (de 11 de Abril de 1901)».

[lxvi] Acerca da exigência de capital inicial, cfr. os art. 12.º, 28.º e ss. Para um apontamento geral sobre a matéria, veja-se o documento https://www.consilium.europa.eu/pt/policies/banking-union/single-rulebook/capital-requirements/.

[lxvii] Cfr. infra, n.º 5.

[lxviii] Incluindo o valor do capital social, pelo menos realizado, prémios de emissão e outras reservas, etc.

[lxix] A ótica é económica, não contabilística; ainda que se tome por base o sistema de informação contabilístico.

[lxx] Cfr., designadamente, F. Gomes, 2016, pp. 441 e ss.

[lxxi] Acerca da fórmula de cálculo, cfr. os arts. 119.º e ss.

[lxxii] Cfr. F. Gomes, 2016, p. 453 e s. Com relação ao primeiro requisito, a situação de solvência afere-se através de um rácio e de um teste - rácio e teste de solvência (Gomes, p. 454 e ss.)

[lxxiii] Acerca do papel da ASF, como entidade supervisora, a quem compete controlar a verificação dos requisitos, com o objetivo principal de proteger os tomadores de seguros, segurados e beneficiários (art. 22.º), cfr. o arts. 20.º e ss. do RJASR.

[lxxiv] Cfr. Mendes, 2016, pp. 173 e ss., com referência também a anterior estudo, de 2014, pp. 87 e ss. Veja-se, ainda, por ex., Domingues, 2017a, pp. 521 e ss., com mais indicações.

[lxxv] Cfr., ainda, designadamente, os arts. 240.º, 241.º e 242.º, n.º 4, 225.º, n.º 4, 226.º, n.º 3, e 231.º

[lxxvi] Cfr., ainda, nomeadamente, os arts. 213.º, n.º 2, 234.º, n.º 1, 246.º, n.º 1, al. b), 319.º (mas veja-se o n.º 3), 346.º, 347.º (mas veja-se o n.º 4), bem como o art. 345.º e, ainda, o art. 544.º, em especial o respetivo n.º 3.

[lxxvii] Mais latamente, sobre o procedimento e as limitações à distribuição de valor em geral, cfr., por ex., F. Gomes, 2011, pp. 250 e ss. Note-se que as exigências de procedimento têm também uma ligação estreita com o princípio da igualdade de tratamento dos sócios, como mostra o tema da atribuição encapotada de valor aos sócios: cfr., ainda, Gomes, 2011, pp. 290 e s. e 293.

[lxxviii] Acerca dos dois níveis de intangibilidade existentes, cfr. Mendes, 2016, pp. 178 e ss.

[lxxix] Mais desenvolvidamente, cfr. Mendes, 2016, p. 173 e ss.

[lxxx] Sobre o tema, cfr., com mais indicações, Mendes, 2011, pp. 1350 e ss., e Sousa, 2014, pp. 446 e ss.

[lxxxi] Dispõe este art. 513.º: «1 - O gerente de sociedade que, em violação da lei, amortizar ou fizer amortizar quota, total ou parcialmente, e por modo que, à data da deliberação, e considerada a contrapartida da amortização, a situação líquida da sociedade fique inferior à soma do capital e da reserva legal, sem que simultaneamente seja deliberada redução do capital para que a situação líquida se mantenha acima desse limite, será punido com multa até 120 dias. 2 - O administrador de sociedade que, em violação da lei, amortizar ou fizer amortizar ação, total ou parcialmente, sem redução de capital, ou com utilização de fundos que não possam ser distribuídos aos acionistas para tal efeito, é, igualmente, punido com multa até 120 dias. 3 - Se for causado dano grave, material ou moral, e que o autor pudesse prever, a algum sócio que não tenha dado o seu assentimento para o facto, à sociedade, ou a terceiro, a pena será a da infidelidade.» Sobre ele, cfr., por ex., com mais indicações, Sousa, 2014, pp. 440 e ss.

[lxxxii] Dispõe o n.º 1: «Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos».

[lxxxiii] No n.º 2 acrescenta-se: «o disposto no número anterior é aplicável ao transmissário do direito do sócio, quando for ele a receber as referidas importâncias».

[lxxxiv] Prescreve, ainda, o n.º 4: «No caso previsto no número anterior, o interessado pode, todavia, optar pela amortização parcial da quota, em proporção do que já recebeu, e sem prejuízo do montante legal mínimo da quota. Pode também optar pela espera do pagamento até que se verifiquem as condições requeridas pelo número anterior, mantendo-se nesta hipótese a amortização».

[lxxxv] No caso das ações, há um dever de realienação/extinção das mesmas. Cfr., sobre o tema, com mais indicações, por ex., Silva, 2000, pp. 1260 e ss., Mendes, 2014, p. 102 e nota 68, 2016, pp. 198 e 206, e Abreu, 2019, p. 373.

[lxxxvi] Para maiores desenvolvimentos, veja-se Mendes, 2016, pp. 195 e ss. Acerca do art. 69.º, cfr., por ex., com mais indicações, Rodrigues & Dias, 2017, pp. 864 e ss., mormente, 870 e ss. Antes do CSC, também com indicações, cfr., por ex., Abreu, 1999, pp. 180 e ss.

[lxxxvii] A norma comporta, em todo o caso, uma interpretação restritiva, argumentando que ela é um corpo estranho no sistema do Código, acrescentado ao respetivo Projeto [cfr. também os arts. 58.º, n.º 1, al. a), e 56.º, n.º 1, al. d)], e entendendo que o art. 34.º regula direta e especialmente o assunto, sem recurso à nulidade.

[lxxxviii] Além disso, como se refere na nota anterior, o art. 69.º, n.º 3, apenas se aplica se a regulamentação específica da matéria não contiver solução diferente; no caso, resultante da interpretação do art. 236.º

[lxxxix] Cfr. Mendes, 2016, pp. 207 e ss., citando também anterior estudo (Mendes, 2014, pp. 87 e ss., 104 e ss). Acerca das situações especiais em que caberá a nulidade, cfr., Mendes, 2014, p. 106, e 2016, p. 210.

[xc] Cfr. Mendes, 2014, pp. 90 e s. Mais latamente, acerca da evolução ocorrida no direito alemão, porventura o país em que os princípios da formação e da conservação do capital têm sido aplicados com mais rigor, circunscrevendo a nulidade a casos limitados, cfr. Mendes, 2016, pp. 170 e s.

[xci] Cfr. Mendes, 2018, pp. 348 e s., com mais indicações.

[xcii] Cfr. Mendes, 2015.

[xciii] Cfr., por ex., Abreu, 2011, pp. 37 e ss., Ribeiro, 2011, pp. 43 e ss., Duarte, 2011, pp. 1066 e ss.

[xciv] Cfr. Mendes, 2016, pp. 168 e ss., com mais indicações, Antunes, 2017, pp. 368 e s., bem como, acerca da distribuição de valor aos sócios, Domingues, 2009, pp. 316 e ss., 326 e ss., 569 e s.

[xcv] Cfr. a nota anterior e, mais latamente, Macey & Enriques, 2001.

[xcvi] Sobre este problema de governance, vejam-se, designadamente, Dias, 2014, pp. 359 e ss.., Oliveira, 2009, pp. 95 e ss., Whitehead, 2011, e, quanto aos covenants, Oliveira, 2015, pp. 130 e ss., Coelho, 2015, pp. 793 e ss., com mais indicações. Cfr., ainda, Duarte, 2013, pp. 183 e ss., e Nogueira, 2016, pp. 983 e ss.