Evaristo Mendes

 

Palavras-chaves: patentes de medicamentos - arbitragem necessária – invalidade de patente – patentes de processo – transmissão de AIM

Keywords: drug patents – compulsory arbitration – patent invalidity – process patent –  transfert of marketing authorisation

Mots-clés: médicaments – arbitrage nécessaire – nulité du brevet d’invention – brevet de procédé – transfert d’AMM

 

EVARISTO MENDES

Professor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da UCP

 

Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária (V). Anotação ao Acórdão do TRL de 4.02.2016[i]

[Texto provisório, destinado a ser publicado no nº 5 da revista Propriedades Intelectuais (2016)]

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.02.2016

Sumário[ii]:

[1] - A declaração de nulidade da patente só pode ser efetuada por tribunal judicial (artº 35º nº 1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”), pois tal preceito aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo n° 1 do artigo 27° do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais.

[1.1] - Para tal será instaurada ação pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da ação (artº 30º nº 1 alínea d) e nº 4 do artº 35º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a ação é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (artº 35º nº 2 do CPI).

[1.2] - A competência exclusiva dos tribunais estaduais para o julgamento de ações de declaração de nulidade ou anulação de patentes é reafirmada no artigo no artigo 111º nº 1 alínea c) da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de agosto), que atribui ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a «ações de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial».

[1.3] - O aludido regime afasta a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei nº 62/2011 decretar, com efeitos erga omnes, a nulidade de uma patente.

[2] - Admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da exceção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respetivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados.

[3] - A transmissão da AIM reconduz-se a proporcionar a outrem as condições necessárias para fabrico da substância ativa em causa, colocar à disposição de terceiros o processo patenteado. A “oferta” não depende, para se consumar, da aquisição efetiva ou da entrega dos conhecimentos técnicos (o processo) ao destinatário da “oferta” (e muito menos do seu uso). A “oferta” tem apenas de ser adequada (apta) à aquisição destes conhecimentos técnicos pelo terceiro destinatário dessa “oferta”.

[3.1] - A AIM é, assim, dois em um: contém o corpus (processo/Drug Master File) e o animus (autorização de uso) que integram a previsão da oferta, para efeitos do artigo 101º do CPI, quando o processo é o objeto do direito de propriedade industrial.

[3.2] - A transmissão da AIM é, nestes casos, o primeiro ato de exploração comercial do invento; por isso, quando estão em causa patentes de processo, a transmissão da AIMS tem enquadramento direto no artigo 101º nº2 do CPI, que proíbe a simples oferta (colocação na disponibilidade) do invento a terceiros não autorizados.

[3.3] - A condenação da demandada a não transmitir a AIM destina-se tão só a garantir a eficácia da decisão condenatória perante o risco de a mesma não ser cumprida.

[3.4] - Ora, se a demandada foi condenada a não fazer uso da AIM enquanto estiverem em vigor os direitos da demandante, também não poderá proporcioná-las a terceiros que, utilizando a mesma AIM, possam proceder à exploração industrial e comercial do medicamento objeto da decisão arbitral condenatória.

 

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO:

[As sociedades B GmbH & CO. KG, B GmbH e U LDA intentaram ação arbitral necessária contra Z k.s. e outros, ao abrigo do disposto na Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro. Após diversas vicissitudes, a ação prosseguiu contra a S Lda, em substituição da Z, e foram formulados, em definitivo, os seguintes pedidos:]

a) Deverão as Demandadas ser condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípios ativos Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa identificados nos artigos 82.º a 85.º da petição inicial, enquanto a patentes europeias EP 502314 (e o CCP 41) EP 1442023, EP 1467712, EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor.

b) Mais devem ser as Demandadas condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos das Demandantes, a não transmitirem a terceiros as AIMs identificadas nos artigos 82º a 85º da petição inicial, até à referida data de caducidade dos direitos ora exercidos.

c) Devem as Demandadas ser também condenadas a pagar a totalidade dos encargos da presente ação arbitral.

d) E, ainda, as Demandadas ser condenadas, nos termos do artigo 829.º- A do Código Civil, a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 50.000,00 (cinquenta mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida nos termos do acima pedido.

Foi proferida DECISÃO que:

a) Condenou a Demandada S... Lda a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípios ativos Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa identificados no ponto 47) da matéria de facto fixada, enquanto as patentes EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor, assim julgando procedente o primeiro pedido formulado pelas Demandantes;
b) Condenou a Demandada a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no ponto 47) da matéria de facto fixada, até 18-09-2023, com base nos direitos emergentes da EP 1545467, assim julgando parcialmente procedente o segundo pedido formulado pelas Demandantes;
c) Absolveu a Demandada do pedido de condenação na não transmissão das autorizações de introdução no mercado relativamente ao período entre 19-09-2023 e 13-03-2028, assim julgando parcialmente improcedente o segundo pedido;

d) Absolveu a Demandada do pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória, assim julgando improcedente o respetivo pedido;

e) Não tomou conhecimento dos pedidos de cessação de comercialização dos medicamentos genéricos, com a imediata retirada dos produtos do mercado, a suas expensas, e de condenação no pagamento de indemnização às Demandantes, absolvendo a Demandada da instância, na parte respetiva[iii];

f) Condenou as Demandantes, no seu conjunto, no pagamento de 45% dos encargos do processo;
g) Condenou a Demandada no pagamento de 55% dos encargos do processo.

Não se conformando com tal decisão, dela recorreu a demandada (…). A parte contrária contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão arbitral.

 

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

A) Fundamentação de facto:

Com base nos factos assentes indicados no guião de prova e nas respostas aos respetivos quesitos, o tribunal arbitral considerou provados os seguintes factos:

1) "Telmisartan" é o nome genérico usado em farmácia (DCI Denominação Comum Internacional) do composto cuja fórmula é: (artigo 5º da petição inicial, não impugnado, e documento nº 1 com ela junto).

2) Telmisartan é um antagonista específico do recetor da angiotensina II (tipo AT1) com ação farmacológica ao nível da hipertensão essencial no adulto e na redução da morbilidade em adultos com doença aterotrombótica cardiovascular ou com diabetes mellitus tipo 2 com lesão ou risco de lesão cardíaca (artigo 6º da petição inicial, não impugnado, e documento nº 1 com ela junto).

3) O Telmisartan é uma substância ativa utilizada, isoladamente ou em associação com outros fármacos (anti-hipertensores ou diuréticos), em medicamentos de uso humano (artigo 7º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com ela junto).
4) O Telmisartan em monoterapêutica, é comercializado, em Portugal, pela Demandante UNILFARMA sob a marca MICARDIS® e sob a marca PRITOR®, pela B... A.G. (“B...”), no âmbito de um acordo de co-comercialização celebrado entre esta e a B..., através do qual foram concedidos à B... determinados direitos, entre outros, o de adquirir o Telmisartan à mesma Demandante e comercializá-lo, em Portugal, sob a referida marca, mediante o pagamento das respetivas contrapartidas financeiras (artigo 8º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com ela junto).

5) As formas farmacêuticas orais contendo Telmisartan e Hidroclorotiazida em associação fixa, no tratamento da hipertensão essencial, comercializadas em Portugal sob a marca MICARDISPLUS® e PRITORPLUS®, pela ... e pela B..., no âmbito de um acordo de co-comercialização, anteriormente referido, celebrado entre esta e a B... (artigo 9.º da petição inicial, não impugnado).

6) O Telmisartan está indicado no tratamento da hipertensão essencial, por ser um antagonista ativo e específico do recetor da angiotensina II (tipo AT1) cujo efeito anti-hipertensor consistente permanece ao longo de 24 horas, mesmo durante as primeiras horas da manhã, quando o risco de episódios cardiovasculares é mais elevado (artigo 10.º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com ela junto).

7) A Hidroclorotiazida é um derivado de benzotiazina, tem uma ação farmacológica primária no aumento da excreção de eletrólitos e secundariamente aumenta o fluxo urinário por retenção osmótica da água (artigo 11.º da petição inicial, não impugnado).

8) Por um lado, a Hidroclorotiazida inibe a absorção de sódio e aumenta a excreção de potássio, por outro lado aumenta o fluxo urinário. Esta perda de água provoca o aumento da diurese e diminuição do volume líquido extracelular e consequentemente, a redução da pressão arterial (artigo 12.º da petição inicial, não impugnado).

9) A Hidroclorotiazida, em monoterapia, é um fármaco diurético de tiazida com atividade farmacológica no tratamento oral de edema e hipertensão, sendo porém um anti-hipertensor fraco (artigo 13.º da petição inicial, não impugnado).

10) A Hidroclorotiazida quando associada com outros hipertensores mais potentes, tem interesse farmacológico por prevenir complicações cardiovasculares, sendo assim utilizado com sucesso em associação fixa com outros fármacos anti-hipertensores potentes, como o Telmisartan (artigo 14.º da petição inicial, não impugnado).

11) A administração destas das substâncias ativas Telmisartan e Hidroclorotiazida, em associação fixa, confere uma potenciação da ação farmacológica originando reduções adicionais da pressão arterial, quando comparada com a administração em monoterapia de cada um dos fármacos. Esta potenciação é particularmente indicada nos doentes hipertensos que não respondem adequadamente ao Telmisartan em regime de monoterapia (artigo 15.º da petição inicial, não impugnado).

12) A primeira Autorização de Introdução de Mercado (“AIM”) concedida para os comprimidos contendo Telmisartan combinado com Hidroclorotiazida em associação fixa (MicardisPlus) foi concedida em 17 de novembro de 2000 nos EUA. Em 19 de abril de 2002, a Comissão Europeia concedeu uma AIM para o medicamento MicardisPlus, válida para toda a UE, que foi renovada em 19 de abril de 2007 (artigo 16.º da petição inicial, não impugnado).

13) A substância Telmisartan foi descrita pela primeira vez na patente Alemã DE 1991-4103492, de 6 de fevereiro de 1991 (artigos 17.º da petição, não impugnado).

14) A Patente Europeia n.º 502314 foi pedida a 31-1-1992, reivindicando a prioridade do pedido de patente Alemã DE 1991-4103492, de 6-2-1991, de acordo com o artigo 88.º da Convenção sobre a Patente Europeia de 1973 (artigos 18.º da petição inicial e documento n.º 1 junto com ela, cujo teor se dá como reproduzido).

15) A Demandante B... é titular da Patente Europeia n.º 502314 com o título ou epígrafe "Benzimidazoles, medicamentos contendo estes compostos e processo para a sua preparação", relativa à substância ativa Telmisartan (documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 24.º da petição inicial).
16)De acordo com a enciclopédia clássica "The Merck Index", 13.ª Edição, as primeiras referências ao Telmisartan surgiram na EP 502314 (artigo 19.º da petição inicial e documento n.º 2 com ela junto).

17) À data do pedido da EP 502314 (31-1-1992) e da prioridade reivindicada nessa patente, o Telmisartan nunca tinha sido sintetizado ou revelado de forma a ser explorado por peritos na matéria, nem tinha sido revelado o uso do processo que é mencionado na patente para obter esse produto (artigo 20.º da petição inicial, não impugnado).

18) O Telmisartan não fazia parte do que era acessível ao público antes da data do depósito do pedido de patente europeia por uma descrição escrita ou oral, utilização ou qualquer outro meio à data do pedido da EP 502314 e da prioridade reivindicada nessa patente (6-2-1991), nos termos do artigo 54.º da Convenção sobre a Patente Europeia (artigo 21.º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com aquela junto, cujo teor se dá como reproduzido).

19) A EP 502314 foi concedida pelo Instituto Europeu de Patentes (European Patent Office), em 20-5-1998 (artigo 25.º da petição inicial, não impugnado, e documento n.º 1 com aquela junto, cujo teor se dá como reproduzido).

20) Em 19-8-1998 foi entregue no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a tradução do respetivo fascículo (artigo 26.º da petição inicial e documento n.º 1, junto com ela junto, cujo teor se dá como reproduzido).

21) A primeira autorização de introdução no mercado de um medicamento contendo Telmisartan como princípio ativo, ocorreu em 11-12-1998 (artigo 42.º da petição inicial, não impugnado, folha 3 do documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

22) A B... é ainda titular do Certificado Complementar de Proteção n.º 41 (doravante "CCP 41") concedido por referência ao medicamento contendo o "Telmisartan" como substância ativa, que estende o período de tempo de proteção da EP 502314 em relação a qualquer produto que contenha "Telmisartan" como ingrediente ativo até 12-12-2013 (3) (artigo 27.º da petição inicial documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

23) A EP 502314 tem dois grupos de reivindicações, sendo o primeiro aplicável aos Estados signatários designados Áustria, Bélgica, Suíça, Alemanha, Dinamarca, França, Grã-Bretanha, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Holanda e Suécia, e diz respeito a benzimidazoles novos e inventivos per se (artigo 28.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

24) O segundo grupo de reivindicações da EP 502314 aplica-se aos Estados signatários designados Grécia, Portugal e Espanha e respeita ao processo de preparação dos referidos benzimidazoles novos e inventivos (artigo 28.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

25) O grupo referido na alínea anterior tem sete reivindicações compreendendo o processo de preparação do "Telmisartan" ou composições farmacêuticas contendo-o como substância ativa (artigo 29.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

26) A substância ativa Telmisartan é um composto da fórmula geral I, compreendida na Reivindicação 1 da EP 502314, e quatro métodos/processos alternativos {a) a c) e g)} para a sua preparação, que são, portanto, protegidos por essa reivindicação (artigo 30.º da petição inicial, documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
27) As Reivindicações 1 e 5 do grupo de Reivindicações da EP 502314 aplicável à Grécia, Portugal e Espanha, referem-se e protegem o processo de preparação da substância ativa Telmisartan (documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 32.º da petição inicial).

28) O CCP 41 foi concedido tendo-a como patente base a EP 502314 e por referência à primeira autorização de introdução no mercado do medicamento contendo como substância ativa o Telmisartan (artigo 36.º da petição inicial, documento n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).

29) O Telmisartan é produzido na forma de um ácido livre (forma cristalina), conforme reivindicado na Patente EP 502314, podendo também ser produzido na forma cristalina de sal de sódio de Telmisartan conforme reivindicado na Patente Europeia 1442023 ("EP 1442023") (artigo 44.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 28.º da contestação, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);
30) A EP 1442023, com a epígrafe "Sal de sódio cristalino do Telmisartan e sua utilização como antagonista da angiotensina" foi pedida em 11-10-2002, pela primeira Demandante B..., reivindicando a prioridade do pedido de patente alemã DE 2001-10153737 de 31-10-2001 (artigo 45.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 28.º da contestação, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
31) A EP 1442023 foi concedida pelo IEP, em 15-8-2007 e em 5-9-2007 foi entregue no INPI a tradução do respetivo fascículo, tornando-se assim essa Patente válida e oponível em Portugal (artigo 46.º da petição inicial, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

32) A EP 1442023 reivindica uma forma estável do sal de sódio cristalino de Telmisartan e os seus hidratos e solvatos, bem como formulações farmacêuticas contendo essa forma cristalina do sal de sódio do Telmisartan (artigo 47.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 28.º da contestação, documento n.º 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

33) A primeira Demandante B... é ainda titular da Patente Europeia 1467712 ("EP 1467712"), com a epígrafe "Método de produção de um comprimido farmacêutico de duas camadas compreendendo Telmisartan e Hidroclorotiazida", que foi pedida em 16-1-2002 e concedida em 12-12- 2007 (artigo 49.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 39.º da contestação e documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

34) Em 26-12-2007 foi entregue no INPI a tradução do respetivo fascículo da EP 1467712 (artigo 50.º da petição inicial, documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

35) A reivindicação 1 da EP 1467712 refere-se ao método de produção de um comprimido farmacêutico de duas camadas, compreende a primeira camada Telmisartan e a segunda camada Hidroclorotiazida, através de 6 passos devidamente descritos nesta reivindicação (artigo 52.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 39.º da contestação inicial, documento n.º 5 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
36) A Demandante B... é também titular da Patente Europeia n.º 1545467 ("EP 1545467") com a epígrafe "Formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmisartan", foi pedida em 18-9-2003, reivindicando a prioridade do pedido de patente alemã DE 10244681, de 24-9- 2002 (artigo 57.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação inicial e documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).

37) A EP 1545467 foi concedida em 12-9-2007 e em 14-11-2007 foi entregue no INPI a tradução do respetivo fascículo (artigo 58.º da petição inicial e documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

38) As reivindicações 1 a 7 da EP 1545467 referem-se a composições farmacêuticas e as reivindicações 8 a 10 referem-se a formulações farmacêuticas sólidas (artigo 62.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

39) A reivindicação 11 da EP 1545467 é referente a comprimido farmacêuticos em bicamada compreendendo uma primeira camada de comprimido contendo Telmisartan e uma segunda camada contendo um diurético e uma matriz de desintegração de comprimido (artigo 63.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).
40) As reivindicações 12 e 13 da EP 1545467 referem-se a processos para a preparação da composição farmacêutica da reivindicação 1 (artigo 64.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

41) A reivindicação 14 da EP 1545467 refere-se a processo para a preparação do comprimido em bicamada da reivindicação 11, através de 6 passos (artigo 65.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação, documento n.º 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

42) A Demandante B... é também titular da Patente Europeia n.º 2120884 ("EP 2120884"), com a epígrafe "Composição farmacêutica", pedida em 13-3-2008, reivindica a prioridade do pedido de patente alemã DE 07104157, de 14-3-2007 (artigo 67.º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 49.º da contestação, documento n.º 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).
43)A EP 2120884 foi concedida em 29-12-2010 e em 3-2-2011 foi entregue no INPI a tradução do respetivo fascículo (artigo 68.º da petição inicial e documento n.º 7 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

44) A EP 2120884 refere-se a um processo de fabrico de "um comprimido ou camada de comprimido farmacêutico compreendendo o antagonista do recetor do antagonista II o Telmisartan na forma amorfa, um agente básico de sorbitol, caracterizado por o sorbitol possuir uma área específica entre 0,75 e 3,5 m2/g" (documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido).

45) A EP 2120884 reivindica, além do mais, na reivindicação 1, "comprimido ou camada de comprimido farmacêutico compreendendo o antagonista do recetor da angiotensina II Telmisartan na forma amorfa, um agente básico e sorbitol, caracterizado por o sorbitol possuir uma área superficial específica entre 0,75-3,5 m2/g, de um modo preferido, entre 1,4-3,0 m2/g e, de um modo mais preferido, entre 2,0-2,5 m2/g" (documento n.º 7, junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).
46) A primeira Demandante B...  GMB H & CO. KG concedeu à segunda Demandante B... GMBH uma licença de exploração da EP 502314 e CCP 41, tendo esta, por sua vez, concedido uma sub-licença de exploração a favor da terceira Demandante U... LDA., com efeitos no território português, tendo sido devidamente averbadas junto do INPI (artigo 81.º da petição e documento n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

47) De acordo com a lista publicada na página eletrónica oficial do INFARMED (www.infarmed.pt) nos termos do artigo 15.º-A, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, a Z... k.s. requereu ao Infarmed – Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., as AIMS a seguir identificadas, nos termos em que constam da mesma lista (artigo 82.º da petição inicial e documentos n.ºs 8, 9 e 10 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como integralmente reproduzidos).

48)As Demandantes iniciaram contra a Z... k.s. (e outras co-Demandadas) uma ação arbitral, de acordo com cartas datadas de 6-6-2012, de início/notificação de ação arbitral [considerando a) da Ata de Instalação do Tribunal Arbitral].

49)A Demandada opôs-se à menção de concessão da EP 2120884 pelo Instituto Europeu de Patentes (acordo das Partes, nos artigos 8.º da contestação aperfeiçoada e 6.º da resposta a esta).

50) A oposição da Z... k.s. à menção de concessão da EP 2120884 foi recusada, por decisão do IEP de 20-12-2012 (documento n.º 3 junto com a contestação aperfeiçoada), tendo a Z... k.s. recorrido desta decisão para as Câmaras de Recurso do IEP.

51) A utilização do tensioativo aumenta muito a solubilidade do Telmisartan ao nível do pH fisiológico e consequentemente a sua libertação imediata da matriz de dissolução (artigo 60.º da petição inicial, acordo das partes cfr. artigo 43.º da contestação).

52) A substância ativa Telmisartan não estava incluída no estado da técnica anterior à EP 502314 (ou da prioridade aí reivindicada), nem tão pouco a associação fixa de Telmisartan e Hidroclorotiazida produzida por processos reivindicados nas patentes EP 1467712, EP 1545467 e EP 2120884 (artigos 89.º e 90.º da petição inicial, não impugnado).
53) A substância ativa dos Genéricos Telmisartan + Hidroclorotiazida cujas AIMs a Z... k.s. requereu, ou seja contendo Telmisartan como princípio ativo, será produzida de acordo com o processo descrito nas reivindicações 1.ª a 6.ª da EP 502314, e qualquer produto farmacêutico contendo Telmisartan como principal substância ativa, terá de ser considerado produzido de acordo com a reivindicação 7.ª da mesma patente (artigo 95.º da petição inicial, não impugnado).

54) As características específicas dos Genéricos Telmisartan + Hidroclorotiazida, no que toca a aspetos importantes como o da sua composição, o modo do seu uso e das suas indicações terapêuticas, são exclusivamente aquelas que constam do específico dossier apresentado pela Z... k.s., ao Infarmed, com os seus pedidos de AIMs do mesmo medicamento (artigo 108.º da petição inicial, não impugnado).

55) Não foi possível às Demandantes obter junto do Infarmed a informação necessária sobre as características dos medicamentos Genéricos Telmisartan + Hidroclorotiazida, além da informação já publicada no website do Infarmed (artigo 110.º da petição inicial, não impugnado).

56) A S... Lda não solicitou nem obteve autorização da Demandantes para, por qualquer forma, explorar as invenções constantes das Patentes (artigo 123.º da petição inicial, não impugnado).
57) O medicamento genérico da S... Lda utiliza, no seu processo de fabrico, uma tecnologia de granulação por via húmida (resposta ao quesito 1.º).

58) A composição qualitativa dos comprimidos da Demandada de 80 mg + 25 mg é a indicada na tabela seguinte e a composição quantitativa dos comprimidos 80 mg + 25 mg corresponde, com exceção do estearato de magnésio, à apresentada na mesma tabela: (resposta ao quesito 1.º).

59) A quantidade do excipiente estearato de magnésio que consta no dossiê de autorização de introdução no mercado dos medicamentos da Demandada é de metade da quantidade (4,90 mg) indicada na tabela referida no facto 58); (resposta ao quesito 1.º).
60)Todas as outras quantidades dos outros constituintes indicados na tabela referida no facto 58) são as constantes do Dossiê de Autorização de Introdução no Mercado dos medicamentos da Demandada, módulo 3.2.P.1 (resposta ao quesito 1.º).
61)A composição da dosagem de 40 mg + 12,5 mg dos medicamentos genéricos da Demandada é qualitativamente semelhante à indicada na tabela referida no facto 58) (resposta ao quesito 2.º).

62) O fabrico do medicamento genérico da S... Lda apresenta os passos seguintes: (resposta ao quesito 3.º).

(…)

80) O medicamento genérico da S... Lda é um comprimido contendo, por toda ele e de forma homogénea, grânulos compreendendo Telmisartan e Hidroclorotiazida (resposta ao quesito 22.º).

81) Os medicamentos da Demandada contendo Telmisartan em associação com Hidroclorotiazida incorporam na sua composição a substância Povidona, também designada por «Polivinilpirrolidona» e «PVP» e sob o nome comercial de «Kollidon», que pode desempenhar a função de agente tensioativo e emulsionante, mas não é descrita com essa função nos documentos do dossiê de autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos da Demandada, em que é indicada para esta substância a função de aglutinante (resposta ao quesito 23.º).

82) A EP 2120884 propôs-se melhorar a dureza e aumentar a taxa de dissolução dos comprimidos e a reprodutibilidade destes dois parâmetros pela utilização de sorbitol com uma área superficial específica de 0,75 a 3,75 m2/g contra a utilização de sorbitol com uma área superficial específica 0,5-0,7 m2/g (resposta ao quesito 27.º).

83) O sorbitol utilizado no PCT WO 2009/135646 (Doc. n.º 9 da contestação) –, tem uma área superficial específica de 0,56 m2/g (resposta ao quesito 28.º).

84) Telmisartan na forma amorfa obtém-se através da dissolução de Telmisartan na forma cristalina (ácido livre ou qualquer um dos seus sais) em água, hidróxido de sódio e povidona para formar uma solução básica que se seca e se pulveriza no granulado com um diluente hidrossolúvel para formar a camada contendo Telmisartan na forma substancialmente amorfa, tendo a expressão «forma substancialmente amorfa» o alcance referido na definição da página 7 da EP 1467712, que é o de «um produto compreendendo constituintes amorfos numa proporção de, pelo menos, 90%, de um modo preferido, pelo menos, 95%, como determinado por medição de difração de raios-X de pó» (resposta ao quesito 29.º).

85) O Telmisartan contido nos comprimidos genéricos da S... Lda encontra-se substancialmente na forma amorfa, expressão esta que tem o alcance referido no facto 84) (resposta ao quesito 30.º).

86) O Telmisartan é transformado na forma amorfa durante o processo de preparação do granulado de Telmisartan dos comprimidos genéricos da Demandada contendo Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa (resposta ao quesito 31.º).

87) Do processo global do medicamento genérico da S... Lda resultam grânulos constituídos por uma camada de Telmisartan revestidos por uma camada de Hidroclorotiazida (resposta ao quesito 32.º).

88) Na formulação dos comprimidos de Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa das Demandantes, a principal função da povidona é a de retardador de cristalização (resposta ao quesito 33.º).

89) O processo de fabrico dos medicamentos genéricos Telmisartan + Hidroclorotiazida da S... Lda compreende a granulação a húmido e a obtenção do granulado por secagem num granulador de leito fluido (resposta ao quesito 34.º).

90) A obtenção de uma dureza do comprimido conjuntamente com uma taxa de dissolução elevada para os comprimidos de Telmisartan foi um dos problemas resolvidos na EP 2120884 (resposta ao quesito 35.º).

91) A oposição da Z... k.s. à concessão da EP 2120884 foi recusada, por decisão do Instituto Europeu de Patentes de 20-12-2012 (resposta ao quesito 36.º).

92) A EP 1467712 reivindica o método de produção de um comprimido de duas camadas, em que a composição da primeira camada contém Telmisartan em forma substancialmente amorfa e a composição da segunda camada contém Hidroclorotiazida (resposta ao quesito 39.º).

93) A primeira camada referida na reivindicação 1 da EP 1467712 compreende e pressupõe: – Telmisartan na forma substancialmente amorfa, numa matriz de comprimido dissolvente, tendo características de libertação imediata – obtido através da transformação de Telmisartan na forma de ácido livre em Telmisartan na sua forma amorfa, tendo a expressão «forma substancialmente amorfa» o significado referido no facto 84; – um agente básico e um solubilizante e/ ou um retardador de cristalização; – a secagem da solução aquosa por pulverização para obter um granulado seco por pulverização; – a mistura do granulado seco com um diluente hidrossolúvel adequado (sendo sorbitol o preferido) e posterior mistura final com um lubrificante, para a obtenção da primeira camada do comprimido (resposta ao quesito 40.º).

94) A segunda camada referida na reivindicação 1 da EP 1467712 contém Hidroclorotiazida numa matriz de desagregação/desintegração, com características de libertação imediata, que intumesce e se desintegra num meio aquoso fisiológico e é preparada: – pela mistura direta ou granulação a húmido de Hidroclorotiazida com os constituintes da matriz de comprimido desintegrante e; – posterior junção de lubrificante para obter uma mistura final (resposta ao quesito 41.º).

95) No processo descrito na reivindicação 1 da EP 1467712, por último, efetua-se a compressão do comprimido em máquina de compressão adequada (comprime-se a 1ª camada e depois a 2ª camada) e que a obtenção de comprimidos com dureza adequada deve-se à formação de ligações entre as duas camadas, feita através de forças inter-moleculares e forças de ligação mecânica entre as partículas, com um bom perfil de estabilidade e um perfil de dissolução adequado ao pretendido (resposta ao quesito 42.º).
96) A EP 1545467 reivindica novas formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmisartan e métodos para a sua produção, através da obtenção de Telmisartan na forma de granulado ou pó amorfo, pela dissolução de Telmisartan na forma cristalina, em meio básico, utilizando um tensioativo ou emulsionante não iónico, mistura do granulado ou pó amorfo com um diluente adequado (manitol, ou sacarose ou sorbitol) e posterior secagem do granulado por leito fluido ou por secagem por pulverização (resposta ao quesito 43.º).

97) A EP 1545467 também reivindica a utilização dessas formulações na produção da primeira camada contendo Telmisartan em comprimidos de Telmisartan e um diurético em associação fixa em duas camadas produzidos por um processo semelhante ao da EP 1467712 acima referida (processo de secagem por pulverização) ou por um processo alternativo (processo de granulação em leito fluido), seguido pela dispersão do granulado ou pó numa matriz de dissolução (resposta ao quesito 44.º).

98) O parâmetro de 0,75-3,5 m2/g, nos termos da reivindicação 1 da EP 2120884, influi no valor da taxa da dureza dos comprimidos e na velocidade de dissolução do Telmisartan (resposta ao quesito 45.º).

99) A solução da patente US 4252794, com data de pedido de 20 de dezembro de 1979 (cfr. documento n.º 18, junto com o aperfeiçoamento à contestação) fornece uma solução para o problema objetivo referido no quesito em 12) relativo à dureza melhorada, que é utilizar sorbitol com uma área superficial específica de pelo menos 1,1 m2/g e de menos de 2,5 m2/g (resposta ao quesito 46.º).

100) O produto que se obtém após secagem da solução da S... de Telmisartan na forma de ácido livre com hidróxido de sódio é o sal amorfo de Telmisartan (resposta ao quesito 48.º).

101) O medicamento genérico de 40mg+12,5mg da Demandada S... Produtos Farmacêuticos, Lda., aqui em causa nos autos, foi lançado no mercado português pelo menos em 16-04-2014, com a designação «Telmisartan+Hidroclorotiazida Z... 40mg+12,5mg».

B) Fundamentação de direito

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de setembro de 2013, são as seguintes:

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

(……………………………………………………………………………………………………)

[I – Ato de julgar, credibilidade do depoimento das testemunhas e poderes do tribunal de recurso relativos à modificação da decisão de facto]

Terminando, para concluir, diremos que a este tribunal de recurso está vedado sindicar a íntima convicção formada pelo tribunal a quo quanto à maior ou menor credibilidade que lhe mereceu o depoimento das testemunhas, sejam elas da autora ou da ré. Na verdade, os poderes que são conferidos ao tribunal de segunda instância quanto à modificabilidade da decisão de facto (artº 66 2º do NCPC) têm, obviamente, os seus limites, constituindo exemplo destes, entre outros, os princípios da oralidade (art.º 604º, nº 3), da imediação (artos 500º e 605º, nº 1, do CPC) e da livre apreciação da prova (artº 607º nº 5), designadamente da prova testemunhal (artº 396.º do CC), princípios estes que devem nortear o julgamento da matéria de facto em primeira instância[iv].

Assim, o Tribunal Constitucional, pelo seu acórdão nº 198/2004, de 24.03.2004[v], teceu as seguintes considerações: “…O ato de julgar é do tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva. […] na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:

- a recolha de elementos – dados objetivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre […] – mas não arbitrária, porque motivada e controlável […];

- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;

- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis - como a intuição.

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a perceção da personalidade da depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável […].

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova […].

A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o tribunal […] permite ao tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, por exemplo.

A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjetivo, que se vincula o juiz à perceção à utilização à valoração e credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão…”.

Também Lebre de Freitas observa que “…Ainda que o registo da prova supra hoje, em alguma medida, a falta de presença física no ato da sua produção, a convicção judicial forma-se na dinâmica da audiência, com intervenção ativa dos membros do Tribunal, e é sempre defeituosa a perceção formada fora desse condicionalismo”[vi].

E a jurisprudência cível vai no mesmo sentido, colhendo-se, entre muitos outros, do Acórdão do STJ de 19.05.2005, que “…É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo, mesmo em sede de matéria de facto, competindo-lhe antes ver se o tribunal a quo julgou bem tal matéria. Neste contexto, há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que presumem o acerto do decidido...”[vii].

No Acórdão da Relação de Évora de 22.04.2004[viii], escreveu-se que: “…O erro de apreciação da matéria de facto é uma realidade diversa da discordância quanto ao convencimento do julgador…”. No Acórdão da Relação de Guimarães, de 28.06.2004, observou-se que: “…Quando o recorrente pretende apenas por em causa a livre apreciação da prova, substituindo essa convicção do julgador pela sua própria convicção, «escolhendo» os depoimentos que vão de encontro aos seus interesses processuais, o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, pois que, cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos atos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Ao defender-se uma outra solução, o tribunal de recurso acabaria, ao fim e ao cabo «por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros» (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, 2002, pág. 37)...”[ix].

Por fim, havendo versões contraditórias das testemunhas e sendo certo que, como já se disse, não pode este tribunal de recurso sindicar a íntima convicção do julgador de primeira instância no tocante à maior ou menor credibilidade dos depoimentos das testemunhas em causa, a decisão do tribunal a quo não merece qualquer censura. Neste sentido, é bom lembrar, por exemplo, o que se sustentou no Acórdão da Relação de Lisboa de 13.07.2005: “…Havendo contradições nos depoimentos das testemunhas, só o juiz do julgamento (de 1ª instância) está devidamente habilitado para apreciar qual deles merece melhor crédito tendo em atenção a imediação e a oralidade da prova…”[x].

A QUESTÃO DE DIREITO

As questões de direito delimitadas pela apelante nas suas conclusões são as seguintes:
- A inutilidade superveniente da lide no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de proteção nº 41;

- A responsabilidade das recorridas pelo pagamento integral dos encargos da presente ação arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de proteção nº 41;

- O não conhecimento pelo tribunal arbitral da questão da invalidade da EP 2120884, por se considerar materialmente incompetente;

- A inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à alegada incompetência material do tribunal arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884 [e] da [sua] não infração (…);

- A alegada não infração da EP 1545467;

- Da condenação a não transmitir a terceiros as AIMS relativas à patente de processo EP 1545467.

[II] A inutilidade superveniente da lide no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de proteção nº 41

Argumenta a apelante que os direitos de propriedade industrial das recorridas emergentes da Patente EP 502314 e do CCP 41 caducaram no dia 12 de dezembro de 2013 - factos provados 15) e 22) da decisão recorrida -, pelo que a decisão recorrida deveria ter declarado a presente ação arbitral extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 44º nº 2, alínea c), da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro, no que respeita ao «exercício dos direitos que as demandantes se arrogam possuir, decorrentes da Patente Europeia nº 502314 e do respetivo Certificado Complementar de Proteção nº 41».

Cumpre decidir.

O artigo 44º nº 2 alínea c) da Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro (LAV) prescreve que o tribunal arbitral ordena o encerramento do processo arbitral quando verifique que a prossecução do processo se tornou, por qualquer outra razão, inútil ou impossível.

Trata-se de uma previsão legal que se destina a cobrir todos os restantes casos para além dos previstos nas duas alíneas anteriores que são os mais comuns ( al. a) – desistência do pedido por parte do demandante; e al. b) – as partes concordam em encerrar o processo)[xi].

No caso concreto o tribunal arbitral decidiu, no Capítulo 1.3. referente ao objeto do litígio, que “ em face da caducidade da EP, que ocorreu 12-12-2013 (como as próprias demandantes referem no artigo 43° da petição inicial), e do facto de todos os pedidos com base nela formulados terem essa data como limite, é inútil a apreciação das questões atinentes à proteção conferida por aquela patente e respetivo Certificado Complementar de Proteção nº 41”.

No ponto 4.1, a propósito da inutilidade de apreciação dos pedidos assentes na EP 502314 e no respetivo Certificado Complementar de Proteção n.º 41, foi decidido o seguinte:
“Como já se referiu no ponto 1.3. deste acórdão, a caducidade da EP 502314 ocorreu 12-12-2013, como as próprias demandantes referem no artigo 43º da petição inicial e se deu como facto assente no ponto 22) da matéria de facto fixada.
Por outro lado, todos os pedidos formulados com fundamento na EP 502314 e no Certificado Complementar de Proteção nº 41, que se consubstanciam em abstenções de comportamentos e fixação de sanção pecuniária compulsória com elas conexionada têm como limite aquela data de 12-12-2013.

Por isso, fica prejudicada, por ser inútil, a apreciação das questões atinentes à proteção conferida por aquela patente e pelo respetivo Certificado Complementar de Proteção nº 41”.

Não existe qualquer erro de julgamento em matéria de direito, já que o tribunal arbitral abordou corretamente a consequência jurídica da caducidade de tais direitos, ocorrida na pendência da ação arbitral, ou seja, que ficou prejudicada a apreciação das questões atinentes aos mesmos direitos e não aquela que pretende a apelante.

A responsabilidade das recorridas pelo pagamento integral dos encargos da presente ação arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de proteção n.º 41.

Alega a apelante que a decisão recorrida, ao não ter condenado as recorridas no pagamento integral dos encargos da presente ação arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Patente EP 502314 e ao CCP 41, violou o disposto nos artigos 535º, nºs 1 e 2, alínea a), e 536º, nº 3, do Código de Processo Civil, padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de direito.

Cumpre decidir.

A petição inicial das demandantes na presente ação arbitral foi apresentada em 28 de março de 2013, ou seja, em plena validade do CCP 41 (que estendeu a proteção da EP 502314), que só viria a caducar em 12 de dezembro desse ano.

Como bem referem as apeladas, por força do regime de arbitragens necessárias, instituído pela Lei nº 62/2011, de 12 de dezembro, cabia às demandantes o ónus de iniciar a presente arbitragem, invocando todos os seus direitos de patente em vigor que, em face da publicitação das AIMs da demandada, respeitantes a medicamentos genéricos de associação fixa das substâncias ativas Telmisartan e Hidroclorotiazida, poderiam ser infringidos pelos mesmos.

Segundo o nº 1 do artigo 3º da Lei nº 62/2001, de 12 de dezembro, no prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15º-A do DL nº 176/2006, de 30 de agosto, na redação conferida pela presente lei, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada.

Aquela lei instituiu um regime específico de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial, quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, sujeitando a resolução de tais litígios a arbitragem necessária, institucionalizada ou não - cfr. os artigos 1º e 2º.

O prazo para a proposição de ações é um prazo de caducidade, conforme resulta do disposto no artigo 298º nº 2 do Código Civil, perdendo o interessado o direito de a intentar se a ação não for proposta dentro do prazo estabelecido.

A não propositura da ação arbitral no prazo de 30 dias a que se refere o artigo 3º nº 1 da Lei 62/2011, acarreta a caducidade do direito à invocação do direito de propriedade industrial das demandantes perante a demandada, deixando aquelas de poderem invocar contra esta aquele seu direito, quer perante um tribunal arbitral, quer perante um tribunal estadual, não havendo a violação da Diretiva 2004/48/CE, nem do TRIPS, nem da Constituição da República Portuguesa[xii].

A não invocação pelas recorridas dos seus direitos de propriedade industrial no prazo previsto, iria implicar a perda de uma “vantagem”, com consequências nefastas tais como a perda de tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial que lhe emergiam da patente EP 502314 e do CCP 41, atendendo ao disposto nos artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011; e prejuízos incalculáveis pela diminuição do volume de vendas dos seus medicamentos.

Em face do exposto, não assiste qualquer razão à apelante quando refere que “a decisão recorrida deveria ter condenado as apeladas no pagamento integral dos encargos da presente ação arbitral correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à Patente EP 502314 e ao CCP 41.

Deste modo, não padece a decisão recorrida de qualquer erro de julgamento da matéria de direito, mormente por alegada violação do disposto nos artigos 535º nºs 1 e 2, alínea a), e 536º nº 3 do Código de Processo Civil.

Improcedem, nesta parte, as conclusões.

[III] O não conhecimento pelo tribunal arbitral da questão da invalidade da EP 2120884, por se considerar materialmente incompetente

A apelante alegou que a decisão recorrida não conheceu a invalidade da EP 2120884 invocada pela recorrente, alegando que o artigo 35º nº 1 do CPI, ao estabelecer que a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo nº 1 do artigo 27º, do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais.

Cumpre decidir.

Na sua contestação a demandada, ora apelante, alegou que a patente invocada pela demandante, EP 2120884 é nula por padecer de insuficiência de divulgação/descrição, falta de novidade e falta de inovação.

O tribunal arbitral decidiu que não conhecia desse pedido por falta de competência material para esse efeito.

Na resposta à contestação, as demandantes suscitaram a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar a questão da invalidade da EP 2120884, por entenderem, em síntese, que a questão da invalidade de uma patente é matéria não arbitrável, que a concessão de direitos de propriedade industrial implica a presunção jurídica “juris tantum” dos requisitos da sua concessão e que o único meio facultado pelo Código da Propriedade Industrial para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a ação de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado junto de um tribunal judicial, conforme resulta claramente do artigo 35° n°s 1 e 2, do Código da Propriedade Industrial.

Uma patente de invenção é um título que confere um direito exclusivo de exploração de um invento (artº 101º nº 1 do CPI), atribuindo-se ao respetivo titular, durante 20 anos a contar do respetivo pedido (artº 99º do CPI), no território nacional (artº 101º nº 1 do CPI), o direito “de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados” (nº 2 do artº 101º do CPI).

Por sua vez o certificado complementar de proteção é um mecanismo de prorrogação do prazo de duração da patente[xiii], admitido para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos (artigos 115º e 116º do CPI e Regulamento nº 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009, que codificou esta matéria, inicialmente regulada pelo Regulamento (CEE) nº 1786/2, do Conselho, de 19 de julho de 1992).

As patentes serão concedidas - sem prejuízo de determinadas limitações -, para quaisquer invenções, em todos os domínios tecnológicos, desde que sejam novas, envolvam atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial (artº 51º nº 1 do CPI).

A concessão de patente confere ao seu titular a presunção jurídica (ilidível) da ocorrência dos respetivos requisitos (artº 4º do CPI). A declaração de nulidade da patente só pode ser efetuada por tribunal judicial (artº 35º nº 1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial”).

Para tal será instaurada ação pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da ação (artº 30º nº 1 alínea d) e nº 4 do artº 35º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a ação é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (artº 35º nº 2 do CPI). Atualmente a competência para julgar tais ações cabe ao Tribunal da Propriedade Intelectual (artº 89º-A nº 1 alínea c) da Lei nº 3/99, de 13.01, após a alteração introduzida pela Lei nº 46/2011, de 24.6)[xiv]. Quando a decisão definitiva transitar em julgado, a secretaria do tribunal remeterá ao INPI cópia para efeito da respetiva publicação e respetivo aviso no Boletim da Propriedade Industrial, bem como do respetivo averbamento (nº 3 do artº 35.º do CPI).

O aludido regime afasta, como é opinião generalizada, a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei n.º 62/2011, decretar, com efeitos erga omnes (v.g., na sequência de pedido reconvencional), a nulidade de uma patente.

A controvérsia circunscreve-se, assim, à possibilidade de o tribunal arbitral previsto na Lei n.º 62/2011 apreciar a validade de uma patente que tenha sido questionada apenas a título de exceção, para obstar à procedência do pedido, com efeito tão só inter partes.

Ora, a admissibilidade do reconhecimento da nulidade de uma patente (ou de outro direito de propriedade industrial) a título meramente incidental ou por via de exceção processual, mesmo perante um tribunal estadual, é duvidosa (no sentido da sua inadmissibilidade, vide Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, 2011, Coimbra Editora, pág. 448).

É que, como realçam os defensores da tese propugnada, in casu, pelo tribunal recorrido, admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da exceção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respetivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados.

Tal põe em causa a transparência e a segurança jurídica visados pelo sistema público de atribuição de direitos de propriedade industrial e bem assim leva à estranha situação de, tendo em determinado caso sido reconhecido que não se justificava o exclusivo que fora excecionalmente concedido (restringindo-se a liberdade económica em atenção ao interesse público de recompensar o contributo social trazido pelo inventor com a invenção e de estimular o aparecimento de novas invenções), tal atribuição pública do exclusivo não só se manterá como passará a beneficiar outro ou outros particulares, sem controle dos restantes interessados nem publicitação dessa extensão do privilégio[xv].

Sendo assim, e como bem decidiu o tribunal arbitral, só por via de uma decisão de invalidade única, proferida numa ação em que, necessariamente, por força do princípio da tutela judicial efetiva (artigo 20º, nº 1, da CRP), terá de ser assegurada a possibilidade de intervenção de todos os interessados, poderá ser assegurada a consagração prática daquele princípio da tipicidade. E entre esses potenciais interessados (como titulares de direitos derivados da patente), inclui-se o Ministério Público, em representação do interesse público, pois a atribuição de legitimidade que lhe é feita no nº 2 do artigo 35º para intentar qualquer ação de anulação ou declaração de nulidade de títulos de propriedade industrial, sem qualquer restrição, é corolário da incumbência prioritária do Estado em garantir a concorrência [artigo 81º, alínea f), da CRP], que se concretiza através da propriedade industrial (artigo 1º do CPI). O Ministério Público tem competência para intervir em todos os processos que envolvam interesse público, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 3º do Estatuto do Ministério Público e tem legitimidade passiva para intervir como parte principal em ações propostas por outros interessados, de harmonia com o artigo 5º nº 1 alínea e), do Estatuto do Ministério Público.

Pelo exposto, é de rejeitar a possibilidade de invocação da invalidade da patente por via de exceção, com meros efeitos inter partes, quer em ações que corram nos tribunais estaduais, quer em ações arbitrais, pois o princípio da tipicidade reclama que todas as decisões sobre essa matéria tenham efeitos erga omnes.

E continua acertadamente a decisão recorrida, referindo que o interesse público associado à anulação e declaração de nulidade de patentes reclama a possibilidade de intervenção do Ministério Público e esta não é possível em processos arbitrais, já que a sua representação perante tribunais não judiciais só existe nos casos previstos na lei (artigo 4° n° 1 alínea d) do Estatuto do Ministério Público) e ela não está prevista perante os tribunais arbitrais previstos na Lei n° 62/2011.

Por isso, é também de afastar a possibilidade de ser apreciada a questão da invalidade da patente por via reconvencional. Para além disso, o artigo 35° n° 1 do CPI, ao estabelecer que «a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial», aponta no sentido de não ser possível que tal declaração ou anulação resultem de decisão arbitral, já que, como se constata pelo n° 1 do artigo 27° do CPI, no contexto deste Código a expressão «decisão judicial» reporta-se a decisões de tribunais estaduais.

A competência exclusiva dos tribunais estaduais para o julgamento de ações de declaração de nulidade ou anulação de patentes é reafirmada no artigo no artigo 111º nº 1 alínea c) da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de agosto), que atribuem ao tribunal da propriedade intelectual competência para conhecer das questões relativas a «ações de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial».

Nesta conformidade, bem decidiu o tribunal arbitral quando refere que procede a exceção da incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar a questão da invalidade da patente suscitada pelas demandantes.

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão da nulidade da EP 2120884, por falta dos requisitos de patenteabilidade, suscitada pela demandada.


A inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à alegada incompetência material do tribunal arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884 [e] da não infração da EP2120884

A apelante alega a inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à incompetência material do Tribunal Arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884. Argumenta que o Tribunal Arbitral deveria ter apreciado a validade daquela patente, em sede de exceção, de forma a assegurar a possibilidade de defesa da recorrente. Mais concretamente refere alega que no que respeita à EP 2120884, a única defesa invocada pela recorrente foi a sua invalidade (insuficiência de divulgação/descrição e decorrente violação dos artigos 100º alínea b) e 83º da Convenção sobre a Patente Europeia, falta de novidade e consequente violação dos artigos 100º b) e 54º da Convenção sobre a Patente Europeia, e falta de inovação e concomitante violação dos artigos 100º, alínea b) e 56º da Convenção sobre a Patente Europeia), pelo que a decisão recorrida, ao não ter conhecido a invalidade da EP nº 2120884, invocada pela recorrente privou-a de qualquer possibilidade de defesa no que respeita à EP 2120884, sendo certo que a “proibição de indefesa” constitui uma das principais emanações do direito à tutela jurisdicional efetiva consagrada no artigo 20º, nºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa), conforme tem vindo a reconhecer a jurisprudência constante e uniforme do Tribunal Constitucional.

Cumpre decidir.

As possibilidades de defesa da demandada mantêm-se intactas, pois poderá requerer a declaração da nulidade da patente perante os tribunais judiciais, atualmente no Tribunal da Propriedade Intelectual, como já se referiu.

Nesta medida, o Tribunal Arbitral não inviabilizou, nem diminui, as vias de defesa da recorrente, simplesmente constatou que essas vias não poderiam ser exercidas na instância arbitral, por a tanto se oporem normas especiais imperativas no ordenamento jurídico.

Por este motivo, é totalmente destituída de sentido a alegada inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à incompetência material do Tribunal Arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884.

O acórdão recorrido não violou, pois, nenhuma das normas constitucionais invocadas pela apelante, mormente os artigos 20º nºs 1 e 4 da CRP.


[IV] Requerimento da Apelante de 23-09-2015 e resposta das apeladas de 01-10-2015

Em 23 de setembro de 2015, a apelante veio dizer que no Boletim da Propriedade Industrial nº 2015/09/22 foi publicada a caducidade da EP 2120884, com data de 14-09-2015.

Assim, e porque os direitos de propriedade industrial das apeladas, emergentes da referida patente, caducar, deve a presente ação arbitral ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, nos termos previstos no artigo 44º nº 2 alínea c) da Lei 63/2011, de 14 de dezembro, no que respeita ao exercício dos direitos de propriedade industrial das recorridas, devendo os encargos da presente ação arbitral, correspondentes à inutilidade superveniente da lide, no que respeita à mencionada patente, ser integralmente pagos pelas recorridas.

Junta documento comprovativo do alegado (fls 7829).

As apeladas responderam, dizendo, em síntese, que pediram a revalidação da patente no dia 23-09-2015 e pagaram as taxas em dívida em conformidade com o nº 2 do artigo 350º do CPI.

Cumpre decidir.

Mostra-se provado o seguinte:

- No Boletim da Propriedade Industrial nº 2015/09/22 foi publicada a caducidade da EP 2120884, com data de 14-09-2015 – doc. fls 7829.

- As apelantes pediram a revalidação da patente no dia 23-09-2015 e pagaram as taxas em dívida em conformidade com os nºs 1 e 2 do artigo 350º do CPI – doc. fls 7836.

O artigo 350º do CPI, sob a epígrafe (Revalidação) preceitua o seguinte:

1- Pode ser requerida a revalidação de qualquer título de patente, de modelo de utilidade ou de registo que tenha caducado por falta de pagamento de taxas dentro do prazo de um ano a contar da data de publicação do aviso de caducidade no Boletim da Propriedade Industrial.

2- A revalidação a que se refere o número anterior só pode ser autorizada com o pagamento do triplo das taxas em dívida e sem prejuízo de direitos de terceiros.

Foi o que aconteceu com o pagamento das respetivas taxas por débito em conta no Banco BPI a partir de 16-10-2015, conforme vem demonstrado no documento de fls. 7836.
Assim, os direitos de patente das demandantes, ora apeladas, mantêm-se plenamente válidos e em vigor na jurisdição portuguesa, pelo que improcede o requerimento da demandada, ora apelante.


[V] A não  infração da EP1545467

Tal como havia feito nos artigos 205º a 217º da contestação aperfeiçoada, em contra-posição aos artigos 57º a 66º da petição inicial, argumenta a apelante, em síntese, que a Patente EP 1545467 com a epígrafe "Formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmitsartan" reivindica uma composição farmacêutica compreendendo telmisartan disperso numa matriz de dissolução, em que essa matriz compreende um agente básico numa razão molar de agente básico: telmisartan de 1:1 a 1:10 um tensioativo ou emulsionante numa quantidade de 1 a 20% em peso da composição final, 25 a 70% em peso de um diluente solúvel em água, e, opcionalmente, de 0 a 20% em peso de excipientes e/ou adjuvantes adicionais.

Cumpre decidir.

Do que se trata neste tema é uma pura repetição do que havia alegado a propósito do quesito 23º que estava assim redigido:

“O medicamento genérico da demandada não contém nenhum tensioativo (surfactante) ou emulsionante? (artigo 207º da contestação aperfeiçoada)”


E o tribunal arbitral respondido da seguinte forma:

“Provado apenas que os medicamentos da Demandada contendo Telmisartan em associação com Hidroclorotiazida incorporam na sua composição a substância Povidona, também designada por «Polivinilpirrolidona» e «PVP» e sob o nome comercial de «Kollidon», que pode desempenhar a função de agente tensioativo e emulsionante, mas não é descrita com essa função nos documentos do dossiê de autorização de introdução no mercado dos medicamentos genéricos da Demandada, em que é indicada para esta substância a função de aglutinante”.

Afigura-se-nos acertada a abordagem técnica do tribunal arbitral, quando refere:

“É certo que no dossier dos medicamentos da Demandada se atribui à Povidona a função agregante ou aglutinante (binder), mas, para além de não se ter produzido prova que permita concluir que foi efetivamente com essa intenção que esta substância foi incluída nos medicamentos, a intenção com que as substâncias são incluídas nos medicamentos é irrelevante para aferir de infrações das patentes, pois não há qualquer disposição legal que lhe atribua relevância. Por outro lado, nem se compreenderia a relevância da intenção para este efeito, pois as funções que desempenham as substâncias incluídas em formulações farmacêuticas são sempre as que elas objetivamente têm potencialidade para desempenhar, não variando os efeitos da inclusão de uma substância numa determinada composição em função da intenção do seu autor ao utilizá-la.
Nestas condições, é de concluir que a formulação dos comprimidos da Demandada, ao incluir uma substância com efeito tensioativo, para além dos restantes elementos que constam da reivindicação 1 da EP 1545467, como integrantes da matriz de dissolução em que se dispersa o Telmisartan, não respeita a proteção que esta assegura às demandantes”.

Tudo quanto se deixou dito a propósito dos quesitos 23º e 24º, deixa-se aqui reproduzido.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões.

 

[VI] Da condenação a não transmitir a terceiros as AIMS relativas à patente de processo EP 1545467

A decisão recorrida condenou a demandada a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no ponto 47) da matéria de facto fixada, até 18-09-2023, com base nos direitos emergentes da EP 1545467, assim julgando parcialmente procedente o segundo pedido formulado pelas demandantes.

A apelante discorda e conclui que as autorizações de introdução no mercado relativas à Patente EP 1545467 são uma posição ativa na esfera jurídica da recorrente, é um bem com valor económico que está, como é regra geral, no comércio jurídico, e que pode, por isso, ser objeto de negócios, permitindo expressamente o referido artigo 37.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, a transferência de titularidade de autorizações de introdução no mercado.


Cumpre decidir.

O que está em causa é a ilicitude da transmissão das AIMs de medicamentos genéricos, designadamente quando esteja em causa a infração de patentes de processo, ou que contenham reivindicações de processo, como é o caso da EP 1545467 (embora primeira reivindicação – e independente – seja uma reivindicação de composição).

Ficou provado, sob este aspeto, além do mais, o seguinte:

- “36) A Demandante B... é também titular da Patente Europeia nº 1545467 ("EP 1545467") com a epígrafe "Formulações farmacêuticas sólidas compreendendo Telmisartan", foi pedida em 18-9-2003, reivindicando a prioridade do pedido de patente alemã DE 10244681, de 24-9- 2002 (artigo 57º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43º da contestação inicial e documento nº 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como integralmente reproduzido).

- 40) As reivindicações 12 e 13 da EP 1545467 referem-se a processos para a preparação da composição farmacêutica da reivindicação 1 (artigo 64º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43º da contestação, documento nº 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido).

- 41) A reivindicação 14 da EP 1545467 refere-se a processo para a preparação do comprimido em bicamada da reivindicação 11, através de 6 passos (artigo 65º da petição inicial, por acordo das partes cfr. artigo 43º da contestação, documento nº 6 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido)”.

A este propósito a decisão arbitral afirmou, com acerto e em notável síntese, o seguinte:

“O elemento essencial da autorização de introdução no mercado é o denominado Drug Master File, ficheiro do qual constam todos os elementos e pormenores do processo de fabrico da substância ativa do medicamento em causa. A simples disponibilização deste processo a terceiros através da alienação de uma AIM tem de considerar-se uma oferta do objeto da patente, quando este é o processo e não o produto, a terceiros não autorizados a executá-lo, prática está expressamente proibida pelo nº 2 do artigo 101 º CPI.
Na verdade, esta alienação da AIM, com o seu Drug Master File acoplado, é uma inequívoca forma de concretizar uma oferta do processo de fabrico da substância ativa a terceiros.

Assim nos permite concluir a doutrina, em especial KRASSER. De acordo com este autor, a patente de processo é violada quando o processo é oferecido para uso no país e o oferente sabe ou é facto notório que o uso do processo não é lícito sem autorização do titular da patente. Há violação da patente quando alguém não legitimado oferece a outrem a descrição do processo protegido em termos que permita a sua execução. Colocar à disponibilidade de terceiros o uso e a execução de um processo reúne todos os requisitos legais da oferta do processo. O direito de exclusivo implica, desde logo, prevenir o risco do uso do processo patenteado. O oferente arroga-se, ao proceder assim, à exploração económica do invento, que pertence em exclusivo ao titular da patente. A usurpação do poder de permitir o uso do invento, que pertence ao respetivo titular, é suficiente para colocar em risco o direito de patente. É certo que a venda de medicamentos é uma atividade lícita e não uma atividade proibida. Dada a natureza destes produtos, a sua comercialização está, todavia, sujeita a um controlo e a uma autorização administrativas.

A “oferta” a terceiros de um processo de fabrico patenteado, sem autorização do titular da patente, não está dependente da oferta simultânea da autorização ou da licença administrativas a que, eventualmente, a sua comercialização possa estar sujeita. Como é natural, o direito de patentes é completamente alheio a este circunstancialismo administrativo, pelo que a oferta do processo implica violação do direito conferido pela patente, independentemente do pedido de AIM.

O que acontece é que da noção de “oferta” faz parte também a ideia de que quem oferece o processo, oferece-o para ser usado (e não apenas para ser contemplado/analisado), isto é, com uma “permissão” de uso, que o oferente não está em condições de dar sem violar o direito de patente.

Ora, no caso concreto da transmissão de patentes de processo, a transmissão das AIMS – que contêm o Drug Master File, isto é, tudo ou quase tudo sobre o processo de fabrico – comprova que o oferente do processo o está a fazer com o animus de permitir a sua utilização pelo destinatário dessa mesma oferta. É de notar que, apesar de o processo de fabrico constante da patente de processo ser público, não o são todos elementos necessários para a sua execução, pelo que a transmissão de autorização de introdução no mercado, com a totalidade da informação sobre o concreto processo de fabrico disponibilizada no Drug Master File, que não é integralmente pública, vai proporcionar ao adquirente informações técnicas necessárias para concretizar o processo de fabrico da substância ativa.

Neste contexto, a transmissão da AIM reconduz-se a proporcionar a outrem as condições necessárias para fabrico da substância ativa em causa, colocar à disposição de terceiros o processo patenteado. A “oferta” não depende, para se consumar, da aquisição efetiva ou da entrega dos conhecimentos técnicos (o processo) ao destinatário da “oferta” (e muito menos do seu uso). A “oferta” tem apenas de ser adequada (apta) à aquisição destes conhecimentos técnicos pelo terceiro destinatário dessa “oferta”.

A AIM é, assim, dois em um: contém o corpus (processo/Drug Master File) e o animus (autorização de uso) que integram a previsão da oferta, para efeitos do artigo 101º do CPI, quando o processo é o objeto do direito de propriedade industrial.
Desta perspetiva, a transmissão da AIM é, nestes casos, o primeiro ato de exploração comercial do invento.

Por isso, quando estão em causa patentes de processo, a transmissão da AIMS tem enquadramento direto no artigo 101º nº 2 do CPI, que proíbe a simples oferta (colocação na disponibilidade) do invento a terceiros não autorizados. O oferente, através da sua oferta, tem que se arrogar [o uso, a posse] do processo que se encontra patenteado a favor do titular da patente e isso ocorre, nomeadamente, através da oferta de uma autorização de uso do processo protegido. A “oferta” que está aqui em causa não é a “oferta” de uma posição subjetiva num ato administrativo de autorização (AIM), mas sim a “oferta” de um processo de fabrico que consta do respetivo procedimento administrativo (rectius, do Drug Master File que necessariamente o integra) e que infringe uma patente de invenção (de forma comprovada ou presumida).
Estamos a falar, portanto, de um ato que a nossa lei considera como constituindo violação da patente, por “oferta” (disponibilização) a terceiro de um processo de fabrico protegido, sem autorização do titular da respetiva patente. Não se trata de um mero auxílio à prática de qualquer infração por outrem, suscetível de ser qualificado como infração indireta, mas sim de prática de um ato proibido pelo artigo 101° n° 2, que, por isso, será qualificável como infração direta. O que está em causa é “oferta” do processo: não de meios destinados à infração do processo, mas da “oferta” do processo todo, de todo o objeto da patente.

De qualquer forma, não releva saber, para este efeito de enquadramento da situação no artigo 101° n° 2 do CPI, qual a qualificação adequada da disponibilização do processo protegido pela patente, saber se se está perante uma violação direta ou indireta desta, já que, seja qual for a qualificação, trata-se de uma situação que está abrangida pela referência a oferta (disponibilização) do objeto da patente que consta daquela norma, e esse objeto é o processo. Isto é, se se entender que se trata de uma violação indireta, o que terá de concluir é que naquele n° 2 do artigo 101° se prevê como infração esta violação indireta.

Por outro lado, não se trata de condenação numa obrigação futura e eventual, mas numa obrigação atual e imediata de abstenção de prática de um ato proibido por aquela norma, que é a disponibilização de todo o processo protegido pela patente. As condenações resultantes do jus prohibendi, conferido pela patente com efeitos erga omnes, são sempre condenações à abstenção de determinados comportamentos, presentes e futuros. O que se proíbe é a oferta” do processo hoje (e no futuro também, naturalmente), em que se traduz a transmissão da AIM. O significado da transmissão da AIM é, para o direito de patentes, a “oferta” do processo que essa transmissão necessariamente implica. Daí que ela deva ser proibida enquanto é tempo.
Este regime não é incompaginável com o direito constitucional à livre iniciativa económica, reconhecido pelos artigos 61° n° 1 e 80° alínea c) da Constituição da República Portuguesa, que não é um direito absoluto e ilimitado, tendo, designadamente, de ser compatibilizado com direitos de hierarquia superior, como são os direitos fundamentais, entre os quais se inclui o direito fundamental à proteção dos direitos de propriedade industrial que é reconhecido aos titulares de direitos de patente pelo artigo 42° da Constituição da República Portuguesa. No caso das patentes de processo, resulta do artigo 101° n° 2 do CPI que os direitos de propriedade industrial abrangem a proibição de disponibilização do uso do processo protegido e ela é inerente à transmissão das autorizações de introdução no mercado, como se referiu.
A patente 1545467 tem reivindicações de produto/formulação e reivindicações de processo, designadamente as reivindicações 12, 13 e 14, relativamente às quais se verifica a utilização de um elemento tensioativo, que se entendeu infringir os direitos conferidos às demandantes.

Por isso, esta  EP 1545467 deve ser consideradas como patente de processo, para efeitos da proibição de transmissão das autorizações de introdução no mercado”.


Terminando, concluímos com a asserção contida nas contra-alegações a propósito do decidido no acórdão do TRL de 19-12-2013, processo nº 505/13.3YRLSB:

“A condenação da demandada a não transmitir a AIM destina-se tão só a garantir a eficácia da decisão condenatória perante o risco de a mesma não ser cumprida”.

Ora, se a demandada foi condenada a não fazer uso da AIM enquanto estiverem em vigor os direitos da demandante, também não poderá proporcioná-la a terceiros que, utilizando a mesma AIM, possa proceder à exploração industrial e comercial do medicamento objeto da decisão arbitral condenatória.

Caso contrário, como se reconhece do douto acórdão arbitral, estaria encontrada uma forma simples de “contornar” a decisão condenatória e sujeitar a demandante a sucessivas ações arbitrais relativas à mesma substância ativa.

(…) E, sendo julgado procedente o pedido principal, não vemos razão para não julgar procedente o 2º “.

Improcedem, assim, as conclusões das alegações da apelante.

CONCLUSÕES (…)[xvi].

III - DECISÃO.

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta decisão recorrida. Custas pela apelante.

Ilídio Sacarrão Martins - Teresa Prazeres Pais - Octávia Viegas

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Comentário[xvii]

Na sua configuração final, a presente ação corresponde ao figurino típico das ações intentadas ao abrigo da Lei 62/2011. O notável Acórdão do TRL ocupa-se de algumas questões importantes, que a seguir se recordam, com breve comentário.

1. A primeira dessas questões tem a ver com os poderes do tribunal de recurso relativos à matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância, no caso um tribunal arbitral constituído ao abrigo daquela lei [«supra», I]. Salienta-se o seguinte:

«[Ao] tribunal de recurso está vedado sindicar a íntima convicção formada pelo tribunal a quo quanto à maior ou menor credibilidade que lhe mereceu o depoimento das testemunhas, sejam elas da autora ou da ré. Na verdade, como se decidiu no Acórdão do STJ, de 19.05.2005, «os poderes que são conferidos ao tribunal de segunda instância quanto à modificabilidade da decisão de facto têm (…) os seus limites», entre os quais os decorrentes dos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova (designadamente da prova testemunhal), «princípios estes que devem nortear o julgamento da matéria de facto em primeira instância»; «é da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo, mesmo em sede de matéria de facto, competindo-lhe antes ver se o tribunal a quo julgou bem tal matéria», «neste contexto, há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que presumem o acerto do decidido».

No mesmo sentido se pronunciaram, designadamente, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004, e o TRG, em Acórdão de 28.06.2004, no qual se observou: “Quando o recorrente pretende apenas por em causa a livre apreciação da prova, substituindo essa convicção do julgador pela sua própria convicção, «escolhendo» os depoimentos que vão de encontro aos seus interesses processuais, o recurso estará irremediavelmente destinado à improcedência. É que o tribunal é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos, em detrimento de outros, desde que essa opção seja explicitada e convincente, pois que, cumprida essa exigência, a livre convicção do juiz torna-se insindicável, até porque a documentação dos atos da audiência não se destina a substituir, nem substitui, a oralidade e a imediação da prova. Ao defender-se uma outra solução, o tribunal de recurso acabaria, ao fim e ao cabo «por proceder a um juízo, mas com inversão das regras da audiência de julgamento ou então, numa espécie de juízos por parâmetros» (Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, 2002, pág. 37)”. Havendo versões contraditórias das testemunhas, lembra-se, ainda, por exemplo, o que se sustentou no Acórdão da Relação de Lisboa de 13.07.2005: “Havendo contradições nos depoimentos das testemunhas, só o juiz do julgamento (de 1ª instância) está devidamente habilitado para apreciar qual deles merece melhor crédito tendo em atenção a imediação e a oralidade da prova”.

2. A segunda questão tem a ver com a responsabilidade pelos encargos do processo arbitral quando, na pendência do mesmo, caduca algum dos títulos dos direitos invocados - e, portanto, há, nessa parte, uma inutilidade superveniente da lide - como sucedeu, «in casu», com a PE 502314 e o respetivo CCP nº 41, já que este certificado caducou em 12 de dezembro de 2013 [«supra», II]. Segundo a demandada, contra o que decidira o tribunal arbitral, nessa parte, os encargos deveriam ser suportados integralmente pelas demandantes. Porém, o TRL confirmou a decisão arbitral, observando, por um lado, que a petição inicial foi apresentada em 28 de março deste ano de 2013, logo quando o CCP estava em vigor; por outro lado, que, em face do art. 3.º, nº 1, da Lei 62/2011, as demandantes tinham o ónus de, no prazo de um mês aí referido, intentar a ação arbitral, sob pena de deixarem de poder invocar contra a demandada o seu direito, quer perante um tribunal arbitral quer perante um tribunal estadual (ou seja, sob pena de perda da tutela jurisdicional do direito contra a demandada), uma vez que estamos perante um prazo de caducidade; sendo tal interpretação da lei conforme à CRP, ao ADPIC/TRIPS e à Diretiva 2004/48/CE, como já decidira também o TRL no Acórdão de 22.10.2015 (com o mesmo relator).

2.1 Acerca deste ponto, cabe referir o que se segue. Em primeiro lugar, salienta-se que a publicitação pelo Infarmed dos pedidos de AIM para os medicamentos genéricos que estão na base da presente ação ocorreu em maio de 2012 (sendo as cartas de notificação do início da arbitragem de junho do mesmo ano). Por conseguinte, tudo indica que – relativamente à patente em apreço e respetivo CCP, cujo exclusivo terminou em dezembro de 2013 - tais pedidos de AIM terão sido apresentados com uma antecedência razoável, não excessiva. Nestas condições, como se escreveu noutros locais, afigura-se razoável, na generalidade das ações ao abrigo da Lei 62/2011 que não sejam contestadas e em que os demandados não tenham intervenção significativa, a imputação dos custos do processo aos demandantes, seus reais beneficiários[xviii]. Todavia, no caso vertente, a situação mostra-se mais complexa e não existem dados suficientes para concluir de modo diferente do decidido.

2.2 Em segundo lugar, no que respeita à interpretação do nº 1 do artigo 3.º da Lei 62/2011, concordamos que nele se contempla um prazo de caducidade. Contudo, entendemos que o que no artigo se regula é uma ação especial - independente da verificação de qualquer infração, atual ou iminente - e, portanto, a não observância do prazo apenas faz perder o direito de agir correspondente a tal ação; não o direito de perseguir os infratores, se o direito vier a ser violado, ou de prevenir cautelarmente eventuais violações iminentes, nos termos gerais. Na verdade, como escrevemos noutros textos, essa parece-nos a única interpretação da lei conforme aos indicados diplomas de nível hierárquico superior; embora, em face dela, fique por resolver a ulterior questão de saber se a competência para tais ações de infração competirá, ainda, aos tribunais arbitrais ou ao TPI[xix].   

3. A terceira questão tratada no Acórdão é mais central: respeita à competência ou não dos tribunais arbitrais para apreciar, a título incidental, a validade das patentes e CCP; no caso, da PE 2120884, com duração até 2028 [«supra», III]. O Aresto nega tal competência, inserindo-se na corrente que parece predominar no TRL[xx].

3.1 O tema já foi objeto de tratamento em diversos estudos e comentários, para os quais se remete[xxi]. Realçam-se, em todo o caso, três aspetos. Primeiro: como o Tribunal de algum modo também observa, a concentração da competência da matéria no TPI veio reforçar a tese da incompetência dos tribunais arbitrais e, embora haja outros aspetos dignos de ponderação, incluindo a natureza essencialmente declarativa das ações típicas propostas ao abrigo da Lei 62/2011, de um ponto de vista de boa ordenação económico-concorrencial, essa é também - como regra, se não se discutir no processo a mera violação de direitos contratuais (por exemplo, decorrentes de contratos de licença) e se ao tempo da decisão arbitral o direito invocado ainda estiver em vigor - a melhor solução[xxii]. Segundo: a demandada invoca a favor da tese contrária os autores do CPI Anotado coordenado por António Campinos e Luís Couto Gonçalves. Porém, neste Código anotado, perfilha-se a tese do Acórdão que se comenta[xxiii].

Assim, na anotação IV ao art. 48, quanto às matérias da propriedade industrial em geral, afirma-se, no fundo, citando Bessa Monteiro[xxiv], que o problema da validade coenvolve em muitos casos múltiplos interesses, incluindo interesses públicos e do consumidor, e respeita a um registo público (constitutivo) lavrado por uma autoridade pública, pelo que se justifica uma decisão com eficácia erga omnes, eficácia esta que uma decisão arbitral não possui. Na anotação V, especificamente dedicada à arbitragem necessária instituída pela Lei 62/2011, pode ler-se: «Um dos pontos mais controvertidos é o de saber se o tribunal arbitral tem competência para apreciar a validade da patente por exceção, com eficácia inter partes. O entendimento mais razoável é o de que tal não deve ser possível “de iure constituto”». Com efeito, entre outras razões: (i) o art. 35, nº 1, do CPI estabelece que «a declaração de nulidade ou a anulação só podem resultar de decisão judicial», tendo esta competência exclusiva na sua base a circunstância de os DPI não se encontrarem na disponibilidade absoluta dos titulares; (ii) «A invalidade das situações registadas não se “verifica” nem se “constata”, tendo sempre de ser declarada judicialmente para produzir os seus efeitos»; (iii) o princípio da tipicidade e da garantia legal dos DPI enquanto direitos fundamentais e direitos absolutos registados (de “propriedade”) «reclama que todas as decisões sobre esta matéria tenham efeitos erga omnes»; (iv) logo, trata-se de uma competência exclusiva dos tribunais judiciais em razão da matéria, de natureza substantiva e não meramente processual, o que afasta em absoluto a competência dos tribunais arbitrais para apreciar o assunto [a validade dos atos de concessão (constitutivos) dos direitos], incluindo por via de exceção. Na verdade, «aceitar a invalidade da patente com eficácia relativa significaria, para além de franquear a possibilidade de prolação de decisões contraditórias, o grave risco de, no limite, a referida norma legal imperativa do artigo 35.º, nº 1 do CPI ser violada, de modo enviesado, através de decisões arbitrais complacentes concretas. Ser declarada a invalidade de uma patente em sede de uma ação destinada a sindicar a sua infração, para além de paradoxal, seria como se tal patente pudesse ser inválida apenas em relação ao seu infrator, permanecendo válida em relação a todos os demais que a respeitassem, resultando afetada, irremediavelmente, a natureza de direito absoluto sem que nada na lei autorize tal limitação. Seria um direito erga omnes inoponível contra os concorrentes infratores e oponível contra os não concorrentes ou os concorrentes não infratores. Dito de outro modo, um direito absoluto registado só oponível, estranhamente, a quem não tivesse interesse em o violar».

3.2 Terceiro aspeto: assinala-se, ainda, que, quando do processo de concessão da patente, que correu no IEP, a Z deduziu sem êxito oposição à mesma. Trata-se, portanto, de uma patente que já foi sujeita a especial escrutínio.

4. A quarta questão tem a ver com a revalidação de patentes declaradas caducadas por falta de pagamento de taxas [«supra» IV]. O Tribunal aplica corretamente o disposto no artigo 350.º do CPI, não se justificando nenhum comentário a este respeito.

5. A quinta questão consiste no seguinte: os medicamentos da demandada incluem nos seus elementos componentes uma substância com conhecidas propriedades tensioativas, portanto suscetível de funcionar como agente tensioativo; e, sendo este o caso, a exploração económica de tais medicamentos representará uma infração da PE 1545467. A demandada alegou, no entanto, que, tal como indicara, nos seus comprimidos, a substância em causa cumpriria a mera função de aglutinante, o que excluía a infração [«supra», V].

O TRL confirmou a decisão arbitral, no sentido de que tais propriedades e funções são de avaliar objetivamente, sendo por isso «de concluir que a formulação dos comprimidos da demandada, ao incluir uma substância com efeito tensioativo, para além dos restantes elementos que constam da reivindicação 1», «como integrantes da matriz de dissolução em que se dispersa o Telmisartan, não respeita a proteção que esta assegura às demandantes».

6. Finalmente, assume especial relevância e interesse uma sexta questão, relativa à transmissão das AIMs da demandada [«supra», VI]. Também quanto a ela o TRL confirmou a decisão arbitral recorrida, que condenara a demandada a não transmitir tais AIMs a terceiros até à expiração da patente 1545467 (18.09.2023), referida na questão anterior.

Aqui, o TRL, transcrevendo boa parte da decisão arbitral, deu particular importância ao facto de se tratar de uma patente não apenas de produto, mas também de processo, observando que a mesma «tem reivindicações de produto/formulação e reivindicações de processo, designadamente as reivindicações 12, 13 e 14, relativamente às quais se verifica a utilização de um elemento tensioativo, que se entendeu infringir os direitos conferidos às demandantes», e, por isso, «deve ser considerada como patente de processo, para efeitos da proibição de transmissão» das AIMs. Semelhante importância deriva de que, segundo a decisão e o Aresto que a confirma, «no caso das patentes de processo, resulta do artigo 101.° n° 2 do CPI que os direitos de propriedade industrial abrangem a proibição de disponibilização do uso do processo protegido e ela [tal disponibilização] é inerente à transmissão das autorizações de introdução no mercado».

Na verdade, o elemento essencial de uma AIM «é o denominado Drug Master File, ficheiro do qual constam todos os elementos e pormenores do processo de fabrico da substância ativa do medicamento em causa»; no caso, os medicamentos genéricos da demandada. Através da alienação da AIM a terceiros, este processo de fabrico com as informações técnicas relativas à sua concretização constantes do ficheiro - que «não é integralmente público» - é disponibilizado ao adquirente; e, nessa medida, a transmissão da AIM surge como «o primeiro ato de exploração comercial do invento». O alienante da mesma não se limita transmiti-la: através da sua transmissão, proporciona, ainda, ao adquirente o processo de fabrico em apreço, permitindo-lhe a sua utilização; [à semelhança do que acontece com a AIM,] oferece-lho para ser por ele usado. Sendo certo que, se tal processo cair no âmbito de proteção da patente, quer o uso quer a oferta ofenderão esta, como dispõe o nº 2 do art. 101.º do CPI. Ora, é isso que acontece no caso vertente[xxv], pelo que a transmissão da AIM, com o respetivo ficheiro, atendendo a este, deve ficar abrangida pela proibição contida nesse preceito legal. Só assim se evita a violação da patente.

Especificamente, evita-se uma violação direta desta: inerente à transmissão da AIM há a oferta de um processo coberto pela patente e, portanto, com a interdição desta transmissão, previne-se a ofensa da mesma. Todavia, ainda que se entenda estarmos perante uma violação indireta, proporcionando o alienante da AIM, com o ficheiro, ao adquirente, os meios para tal, o certo é que a conduta cai no âmbito daquele n.º 2 do artigo 102.º do CPI; pelo que é indiferente a qualificação. 

Tal não representa um sacrifício desproporcionado da liberdade empresarial da titular da AIM [arts. 61.º, nº 1, e 80.º c) da CRP], uma vez que ela tem como limite a proteção [efetiva] dos direitos de patente, enquanto direitos fundamentais protegidos pelo art. 42 da Constituição.

6.1 Infere-se do exposto que, tendo o tribunal condenado a demandada a «abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípios ativos Telmisartan + Hidroclorotiazida em associação fixa» para que foram requeridas as AIMs em discussão no processo, «enquanto as patentes EP 1545467 e EP 2120884 se encontrarem em vigor», nessa condenação está abrangida a oferta do ficheiro principal do medicamento (com o respetivo processo de fabrico e demais informação confidencial), constante do processo de AIM, e, portanto, nela deve compreender-se também a transmissão da AIM, na medida em que lhe é inerente tal oferta.

Acrescenta, no entanto, o Tribunal, invocando anterior Acórdão de 19.12.2013, o seguinte: «“A condenação da demandada a não transmitir a AIM destina-se tão só a garantir a eficácia da decisão condenatória perante o risco de a mesma não ser cumprida”. Ora, se a demandada foi condenada a não fazer uso da AIM enquanto estiverem em vigor os direitos da demandante, também não poderá proporcioná-la a terceiros que, utilizando a mesma AIM, possam proceder à exploração industrial e comercial do medicamento objeto da decisão arbitral condenatória. Caso contrário, como se reconhece do douto acórdão arbitral, estaria encontrada uma forma simples de “contornar” a decisão condenatória e sujeitar a demandante a sucessivas ações arbitrais relativas à mesma substância ativa. (…) E, sendo julgado procedente o pedido principal, não vemos razão para não julgar procedente o 2º “».

Sucede que esta linguagem ampla vai muito além do que acabou de se referir, a respeito das patentes de processo. Levada à letra, qualquer condenação inibitória, contendo implícita uma proibição de utilização da AIM dentro dos limites da condenação, implicaria a complementar interdição da sua transmissão. Ora, a orientação dominante nesta matéria vai no sentido de que o transmissário da AIM tem legalmente a mesma qualidade do alienante, ocupa a mesma posição jurídica, e, portanto, a sentença condenatória (principal), com a implícita proibição temporária de utilização da AIM, também se lhe aplica; o que, via de regra, torna desnecessária, para assegurar a eficácia prática dessa sentença, a proibição de transmissão da AIM[xxvi].

6.2 Abstraindo deste aspeto, a tese que vingou no processo em apreço merece duas observações. Primeira: dispõe-se no artigo 101.º, nº 1, do CPI: «A patente confere o direito exclusivo de explorar a invenção em qualquer parte do território português»; acrescentando o nº 2 que a patente «confere ainda ao seu titular o direito de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados». Sendo esta vertente inibitória do nº 2 uma decorrência da exclusividade consagrada no nº 1, não se percebe bem, pelo menos à primeira vista, o que significa o «ainda» dele constante. Na verdade, o que nele se contem é uma explicitação ou especificação do conteúdo do direito referido no nº 1 ou uma especificação do chamado conteúdo negativo (ius prohibendi) do mesmo[xxvii].

Todavia, há um aspeto mais importante e problemático, que se prende com o ponto do Acórdão do TRL em análise. Na verdade, as patentes podem ser, designadamente, de produto e/ou de processo (art. 51.º, nº 1, do CPI); o que, sem prejuízo do prescrito nos artigos 97.º, nº 2, e 98.º, no caso das patentes de processo, significa a atribuição ao titular do direito de exploração económica exclusiva do processo patenteado, como resulta do nº 1 do artigo 101.º. Sucede que, no nº 2, apenas se fala de fabrico, oferta, armazenagem, etc., «de um produto objeto de patente».

Por conseguinte, lido literalmente, este nº 2 apenas compreende atos relativos (i) a patentes de produto e, porventura, (ii) a patentes de processo mas tão-só quanto aos produtos obtidos diretamente através do processo patenteado, em sintonia com o que se dispõe no nº 2 do artigo 97.º. Quanto ao processo em si, não há dúvida de que o mesmo cai no nº 1 - existe um direito de exclusivo da sua exploração -, mas não se explicita que atos ficam proibidos a terceiros. Confrontando o artigo 28 do ADPIC/TRIPS[xxviii] e interpretando o artigo do Código à luz do mínimo de protecção nele consagrado, conclui-se que a aplicação ou utilização do processo por esses terceiros se compreende na proibição; mas, diferentemente do disposto em ordenamentos jurídicos como o alemão e o francês, não é forçoso que a oferta do processo (como algo diferente da oferta do produto obtido através dele) também esteja compreendida[xxix].

Quer dizer, não pode dar-se, sem mais, por adquirido, em casos como o presente, que, em face do nº 2 do artigo 101º do CPI, a transmissão da AIM, em virtude de ter inerente a oferta do processo patenteado, ofende a patente. Para tal, importava demonstrar que estamos perante um defeito de técnica legislativa[xxx] – ou seja, que apesar do seu teor literal, o nº 2 do artigo 101.º, enquanto explicitação ou especificação do nº 1, abrange tanto produtos como processos patenteados – e não perante uma atitude pensada do legislador de circunscrever este nº 2 às patentes de produto e, porventura, aos produtos obtidos diretamente através do processo. É possível que essa seja, ao menos em geral, a melhor leitura da lei, mas o tema precisa de maior reflexão.

6.3 Segunda observação: mesmo fazendo uma leitura abrangente da lei, o caso vertente não fica sem mais resolvido no sentido do Aresto comentado. Na verdade, salienta-se, antes de tudo, que os direitos industriais como os conferidos por patentes são direitos fundamentais, mas, enquanto direitos de exploração económica exclusiva, no caso de uma invenção, é duvidoso que se enquadrem, pelo menos em geral, no art. 42.º da CRP, ou seja, no grupo dos direitos liberdades e garantias (de caráter pessoal). Seja como for, no mínimo reconduzem-se à propriedade, reconhecida como direito fundamental de natureza análoga a tais direitos, liberdades e garantias no art. 62.º; com o associado direito instrumental a uma tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º). E a garantia da sua efetividade prática é também uma imposição do ADPIC/TRIPS e da chamada diretiva do «enforcement» (Diretiva 2004/48/CE).

Contudo, eles têm que se harmonizar com outras coordenadas fundamentais do ordenamento jurídico; no caso, com o poder de disposição das AIMs implicado na liberdade empresarial da demandada. Ora, ainda que se admita a interpretação do artigo 101, nº 2, perfilhada no Acórdão, não pode dar-se como adquirido que a solução mais equilibrada seja a aí acolhida; isto é, que, no caso das patentes de processo, a transmissão da AIM represente, sem mais, uma violação necessária da patente, porque tem inerente uma oferta do processo patenteado. Com efeito, compreende-se que, havendo uma tal oferta voluntária, essa seja a solução; trata-se de uma interpretação razoável da lei. Porém, se a oferta do ficheiro do medicamento (com os dados relativos ao processo e sua utilização) é «forçosa» - ao menos por não fazer grande sentido transmitir a AIM sem ele - ela ainda cabe no conceito de oferta do preceito em análise[xxxi], sobretudo depois da separação das águas (vertente sanitário-administrativa e salvaguarda dos DPI) pretendida pela Lei 62/2011? Afigura-se que o problema mereceria ser repensado também sob este prisma.

 

Índice

Acórdão do TRL de 4.02.2016 – p. 1

Sumáriop. 1

I - Relatório – p. 3

II – Fundamentação

A) Fundamentação de facto – p. 4

B) Fundamentação de direito – p. 14

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

[I – Ato de julgar, credibilidade do depoimento das testemunhas e poderes do tribunal de recurso relativos à modificação da decisão de facto] – p. 14

[II] A inutilidade superveniente da lide no que respeita à patente EP 502314 e ao certificado complementar de proteção nº 41 – p. 17

[III] O não conhecimento pelo tribunal arbitral da questão da invalidade da EP 2120884, por se considerar materialmente incompetente – p. 20

A inconstitucionalidade da norma jurídica extraída pela decisão recorrida no que respeita à alegada incompetência material do tribunal arbitral necessário para conhecer da invalidade da patente EP 2120884 [e] da não infração da EP2120884 – p. 23

[IV] Requerimento da apelante de 23-09-2015 e resposta das apeladas de 01-10-2015 p. 24

[V] A não  infração da EP1545467 – p. 25

[VI] Da condenação a não transmitir a terceiros as AIMS relativas à patente de processo EP 1545467 – p. 26

III - Decisão – p. 30

Comentário – p. 30

1.     Poderes do tribunal de recurso – p.30

2.     Encargos do processo arbitral – repartição. Artigo 3.1 da Lei 62/2011 – p. 31

3.     Validade das patentes e competência do tribunal arbitral – p. 32

4.     Revalidação de patentes – p. 34

5.     Infração de patente – p. 34

6.     Transmissão de AIM e patentes de processo – p. 34

 



[i] Fonte: www.dgsi.pt; Proc. nº 138-15.0YRLSB.L1-8. Relator: Sacarrão Martins.

[ii] Elaborado pelo Relator. Acrescentou-se a numeração. Na parte decisória, acrescentaram-se também, para facilitar a leitura, os títulos que vão dentro de parênteses retos. Converteu-se o texto para o acordo ortográfico, apesar das reservas que o mesmo suscita.

[iii] Nota da Revista: a decisão arbitral é de 9.10.2014 e nela deu-se como provado que um dos medicamentos genéricos da Demandada fora lançado no mercado pelo menos em 16.04.2014. A ação foi proposta na sequência da publicitação pelo Infarmed dos pedidos de AIM da Z em maio de 2012 e das cartas de notificação de início da arbitragem de junho do mesmo ano, pelo que nos pedidos inicialmente formulados não se inclui nenhum pedido de condenação na cessação de atividade lesiva dos direitos das demandantes; e, embora um tal pedido haja sido formulado nas alegações, não foi incluído na versão definitiva dos pedidos. Desconhecem-se outros dados relevantes para o completo esclarecimento deste ponto.

[iv] Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 19.05.2005, in www.dgsi.pt/jstj. [Corresponde à nota 1 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[v] DR, II, de 02.06.2004, pp. 8545 e segs., in www.dgsi.pt. Apesar de se debruçar sobre matéria de processo penal, o que aí se defende é perfeitamente transponível para o processo civil. [Corresponde à nota 2 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[vi] Código de Processo Civil (Anotado), Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 633. No mesmo sentido, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19.02.2004, in www.dgsi.pt ). [Corresponde à nota 3 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[vii] In www.dgsi.pt/jstj. [Corresponde à nota 4 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[viii] In www.dgsi.pt. [Corresponde à nota 5 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[ix] In www.dgsi.pt. [Corresponde à nota 6 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[x] In www.dgsi.pt. [Corresponde à nota 7 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[xi] Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, Almedina, 2013, pág. 162. [Corresponde à nota 8 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[xii] Cfr. Ac. RL de 22.10.2015, de que fui relator no âmbito do processo nº 923-15.2YRLSB-8, in www.dgsi.pt/jtrl. [Corresponde à nota 9 do Acórdão tal como consta da página da dgsi.]

[xiii] Nota da Revista: tecnicamente, o CCP prolonga o prazo de duração do exclusivo; não da patente.

[xiv] Nota da Revista: cfr., adiante, a referência à atual LOSJ [Lei 62/2013, art. 111.º, nº 1, al. c)].

[xv] Cfr. Ac RL de 13.12.2014, procº nº 1053/13.7TYRLSB-2. [Corresponde à nota 10 do Acórdão tal como consta da página da dgsi. Note-se que há aqui uma extensão prática dos beneficiários do privilégio e, portanto, uma limitação deste para o seu titular.]

[xvi] Ver o sumário.

[xvii] Agradecem-se as judiciosas observações do Dr. Manuel Oehen Mendes acerca do projeto deste comentário.

[xviii] Cfr. Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2015), págs. 103s, 108s e 110, Pi nº 4 (2015), pág. 36, bem como a Sentença arbitral de 11.02.2014, BPI 2014/05/07, págs. 7-108. No sentido de que, ao requererem uma AIM, as empresas de medicamentos genéricos dão causa à ação, sem mais distinções, pelo que devem comparticipar nos encargos, cfr., por ex., o Acórdão do TRL de 2.12.2014 (Mª do Rosário Barbosa), proc. nº 1158/13.4YRLSB, disponível em www.dgsi.pt, e as demais indicações por nós fornecidas em Pi nº 3 (2015), págs. 103s, notas 4 e 5.

[xix] Acerca destes tópicos, com mais desenvolvimentos, cfr. Evaristo Mendes, Pi nº 1 (2014), pág. 49, Pi nº 2 (2014), págs. 63s, Pi nº 3 (2015), págs. 106ss, em especial 108s e 110, Pi nº 4 (2015), págs. 36ss, bem como a citada Sentença arbitral de 11.02.2014. Note-se que a leitura que fazemos da lei evita os problemas de constitucionalidade tratados, designadamente, no Acórdão do TC nº 123/2015; mas o mesmo não acontece com a doutrina do Acórdão que se anota, apesar de nele a perda do direito de ação respeitar apenas à demandada na ação e não a quaisquer outros potenciais requerentes de AIMs e/ou infratores. Sobre o caráter especial da ação do art. 3 da Lei 62/2011, cfr. Pi nº 1, pág. 49, Pi nº 3, pág. 110, e Pi nº 4, pág. 36s.

[xx] Cfr., designadamente, os Acórdãos de 13.02.2014 (Jorge Leal), proc. nº 1053/13.7YRLSB-2, de 21.05.2015 (Tomé Ramião), proc. nº 1465/14.9YRLSB-6 (este desconsiderando que o direito de exclusivo estava caducado ao tempo da decisão, pelo que a solução se mostra discutível), disponíveis em www.dgsi.pt, e, sem sentido contrário, o Acórdão de 13.01.2015 (Rosa R. Coelho), proc. nº  1356/13.OYRLSB.L1-7, ibidem. Ver ainda as indicações fornecidas por Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2015), págs. 104ss, e Pi nº 4 (2015), págs. 34s.

[xxi] Cfr., sobretudo, por um lado, M. Oehen Mendes, «Da incompetência dos tribunais arbitrais portugueses para apreciarem a questão da invalidade das patentes…», in Pi nº 4 (2015), págs. 5-14, por outro lado, J. P. Remédio Marques, «A arbitrabilidade da excepção de invalidade de patente no quadro da Lei n.º 62/2011, RDI nº 2/2014, págs. 211-257, bem como Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2015), págs. 104-106, com mais indicações, em especial na nota 10, e Pi nº 4, págs. 34s e 38, igualmente com mais indicações.

[xxii] Sobre o tema, cfr. Evaristo Mendes e M. Oehen Mendes, citados na nota precedente.

[xxiii] Cfr. António Robalo e outros, in António Campinos/Luís Couto Gonçalves (coords.), CPI Anotado, 2ª ed., Coimbra (Almedina), 2015, págs. 161ss.

[xxiv] «Arbitrabilidade. Propriedade Industrial e Direitos de Autor», in Jornal do INPI XIII/4 (dez. 1998).

[xxv] Recorda-se que a tese da demandada de que nos seus medicamentos certo agente tensioativo cumpriria a mera função de aglutinante não foi acolhida pelo tribunal. De facto, este entendeu que a violação da patente constitui um ilícito objetivo (a presença do agente tensioactivo na composição seria, assim, suficiente) e que, por isso, era irrelevante a função que a demandada lhe "predestinou" neste caso concreto. Este tipo de produtos podem desempenhar diversas funções simultaneamente e não ficou provado que algo o inibisse de funcionar (também) como um tensioactivo na composição em causa. Para além de poder desempenhar igualmente o papel de aglutinante ou outros.

[xxvi] Cfr., por exemplo, o Acórdão do TRL de 12.12.2013 (Fátima Galante), proc. nº 617/13.3YRLSB-6, e, mais desenvolvidamente, a citada sentença arbitral de 11.02.2014. O problema da eficácia prática da sentença subsiste, no entanto, quando há sanção pecuniária compulsória, a respeito desta.

[xxvii] Não interessa discutir aqui se o direito comporta um conteúdo positivo, para além deste conteúdo negativo (pense-se no direito de patente como permissão especifica do aproveitamento exclusivo temporário de um bem imaterial, a invenção, com as correspondentes faculdades de a usar e de dela fruir, bem como de dispor da mesma, desse modo exclusivo, dentro de certos limites, para utilizar o conceito de propriedade do art. 1304.º do CC), ou se todo o seu conteúdo se esgota neste ius prohibendi (estando em causa um puro direito de monopólio, criado «artificialmente» pela lei, que não tem como objecto de referência ou atribuição jurídica qualquer bem).

[xxviii] Estabelece o nº 1 deste art. 28: Uma patente conferirá a seu titular os seguintes direitos exclusivos: a) quando o objeto da patente for um produto, o de evitar que terceiros sem seu consentimento produzam usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com esses propósitos aqueles bens; b) quando o objeto da patente for um processo, o de evitar que terceiros sem seu consentimento usem o processo, usem, coloquem a venda, vendam, ou importem com esses propósitos pelo menos o produto obtido diretamente por aquele processo.

[xxix] Fazendo uma interpretação do preceito neste sentido, cfr. também …, nesta Revista, págs … Em geral sobre os direitos alemão e francês, cfr., por ex., Rudolf Krasser, Patentrecht, 6ª ed., Munique (Verlag C. H. Beck) 2009, págs. 769ss, e Jerôme Passa, Droit de la propriété industrielle, Tome 2 – Brevets d’invention. Protections voisines, Paris (LGDJ) 2013, págs. 553ss.

[xxx] Defeitos semelhantes ou mais graves ainda notam-se, de facto, noutras disposições. Veja-se, por exemplo, o artigo 245, nº 1, al. c): a inserção em texto que já vinha do CPI de 1940 da expressão «ou que compreenda um risco de associação» não joga com o que vem a seguir.

[xxxi] Entendido de forma a abranger não apenas a colocação à disposição de alguém (no caso, o transmissário da AIM) de um produto que incorpore o processo patenteado ou a oferta de um serviço que implique a aplicação ou utilização do mesmo, mas também, e sobretudo, a oferta de informações e/ou instruções relativas a tal aplicação ou utilização. Cfr., por ex., Jerôme Passa, Droit de la propriété industrielle 2 (2013), cit., pág. 555 (nº 489).