Evaristo Mendes

Mestrado em Direito Empresarial

Propriedade Industrial e Concorrência Desleal

Regente: Professor Evaristo Mendes

 

 

Inês Agapito

O Certificado Complementar de

Protecção para medicamentos[i]

 

 

Palavras-chaves: certificados complementares de protecção; medicamentos; patentes; autorização de introdução no mercado (AIM); Regulamento (CE) n.º 469/2009; “produto” e “princípio activo”; patente de base; infringement theory e disclosure theory; medicamentos referentes a combinações de princípios activos; vacinas multivalentes; tipos de reivindicações de produtos químico-farmacêuticos; CCP relativos a segundas indicações médicas de produtos conhecidos; âmbito de protecção e efeitos do CCP; duração máxima do CCP; prorrogação pediátrica e duração nula ou negativa do CCP.

 

Resumo: O Certificado Complementar de Protecção para os medicamentos, criado pelo Regulamento (CEE) n.º 1768/92, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, posteriormente revogado pelo Regulamento (CE) n.º 469/2009, apresenta uma importância ímpar para a indústria farmacêutica. Prorrogando, sob determinadas condições, o exclusivo conferido pelas patentes em relação a produtos químico-farmacêuticos, os certificados permitem, assim, alcançar o desígnio mais vasto de remunerar os investimentos efectuados no desenvolvimento de medicamentos inovadores e, consequentemente, de promover a actividade de investigação e desenvolvimento (I&D) neste domínio. O quadro jurídico deste instrumento do Direito da Propriedade Industrial é, contudo, complexo e algo lacunoso, pelo que tanto os tribunais nacionais como o TJUE têm sido frequentemente chamados a intervir neste domínio. Justifica-se, assim, uma análise dos principais problemas implicados no regime jurídico desta figura, à luz dos principais contributos da doutrina e da jurisprudência.

 

Abstract: The Supplementary Protection Certificate (SPC) for medicinal products, created by the Council Regulation (EEC) No 1768/92, of 18 June 1992 – superseded by the Regulation (EC) No 469/2009 –, plays a leading role in the pharmaceutical industry, with important and far-reaching consequences on the commercial strategies of both innovative and generic companies. Granting a longer market exclusivity period for medicinal products, SPCs allow the innovative pharmaceutical industry to recover the investment put into research, thereby fostering research and development (R&D) in this field. However, the SPC legal regime is highly complex, for which the ambiguities and loopholes of the Regulation wording contribute. Therefore, this still very controversial topic has attracted a significant amount of litigation both in national courts and the European Court of Justice. This article discusses the main legal issues concerning SPCs with a systematic analysis of the relevant case law and literature on the topic.

 

 

Índice

Lista de abreviaturas. 4

Introdução. 5

1.   Certificado complementar de protecção: origem e importância. 5

2.   Regulamento (CE) n.º 469/2009 – Âmbito de aplicação. 8

3.   Requisitos de obtenção do CCP.. 9

a.   Produto protegido por uma patente de base em vigor 10

i.    Patentes de produto, de processo ou de uso. 10

ii.   A disclosure theory como sucessora da infringement theory 11

iii.  A forma de mencionar o produto nas reivindicações. 16

b.   Existência de autorização para introdução no mercado (AIM) 18

c.   Inexistência de um certificado anterior que proteja o produto. 21

d.   A AIM deve ser a primeira AIM do produto como medicamento. 22

4.   Âmbito de protecção do CCP.. 26

5.   Efeitos do CCP.. 26

6.   Direito ao CCP.. 27

7.   Duração do CCP.. 28

a.   Duração máxima do CCP.. 30

b.   CCP com duração negativa?. 31

8.   Procedimento relativo ao pedido de atribuição de CCP.. 34

9.   Natureza jurídica do CCP.. 34

Conclusão. 36

Jurisprudência utilizada. 37

Bibliografia. 38

 

Lista de abreviaturas

 

Ac.

Acórdão

ADPIC/TRIPS

Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio

AIM

Autorização de Introdução no Mercado

Al.

Alínea

Art.

Artigo

CCP

Certificado Complementar de Protecção

CPE

Convenção sobre a Patente Europeia, de Munique

Cf.

Confrontar

CPI

Código da Propriedade Industrial

DL

Decreto-Lei

EEE

Espaço Económico Europeu

INPI

Instituto Nacional da Propriedade Industrial

ss.

seguintes

TFUE

Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia

TJUE

Tribunal de Justiça da União Europeia

TRL

Tribunal da Relação de Lisboa

UE

União Europeia

 

 

Introdução

 

Passados mais de 20 anos desde a criação do Certificado Complementar de Protecção para os medicamentos, pelo Regulamento (CEE) n.º 1768/92, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, esta figura do Direito da Propriedade Industrial continua a motivar uma forte litigância, tanto a nível dos tribunais nacionais, como do Tribunal de Justiça da União Europeia, o que demonstra, por um lado, a complexidade do respectivo regime jurídico, mas também, por outro lado, a importância que vem ganhando cada vez mais este instrumento no domínio da indústria farmacêutica, em constante e rápida evolução. Merecem, assim, uma reflexão os problemas que com maior acuidade o Certificado Complementar de Protecção tem colocado, à luz dos principais contributos da doutrina e da jurisprudência.

 

1.      Certificado complementar de protecção: origem e importância

 

I.  Na generalidade das legislações modernas, o direito de patente tem uma duração de 20 anos, contados da data do respectivo pedido. Assim é no direito português: tanto o art. 99.º, n.º 1, do Código da Propriedade Industrial (CPI), como o art. 63.º, n.º 1, da Convenção sobre a Patente Europeia (CPE), consoante se trate de uma patente nacional ou de uma patente europeia[ii], estabelecem prazo idêntico para a duração da patente, como, aliás, resultava imposto pelo art. 33.º do Acordo ADPIC/TRIPS.

Contudo, no sector da indústria farmacêutica, verifica-se que o período de vigência efectiva do direito de exclusivo conferido pela patente é muito inferior ao prazo legalmente consagrado. De facto, entre o momento em que uma empresa farmacêutica pede o registo de uma patente para uma invenção químico-farmacêutica[iii] e o momento em que pode comercializar essa invenção sob a forma de medicamento, para o que carece de uma autorização de introdução no mercado (AIM), decorre um intervalo de tempo que ronda os 10 anos[iv]. Assim se torna evidente que o direito de exclusivo conferido pela patente sofre, neste sector, uma redução significativa.

Daqui decorrem alguns problemas. Por um lado, verifica-se que, neste aspecto, a indústria farmacêutica encontra-se em desvantagem face às demais indústrias produtivas que não estão sujeitas a qualquer limitação ou controlo prévio para explorar comercialmente os seus produtos[v].

Por outro lado, vendo reduzido o período de exploração exclusiva dos seus produtos, as empresas farmacêuticas podem deparar-se com dificuldades em remunerar ou, sequer, amortizar os avultados investimentos feitos, o que poderá levar ao desinvestimento na área da investigação e desenvolvimento (I&D) de novos medicamentos, por falta de recursos[vi].

Estes efeitos negativos resultam agravados tendo em conta que o sector farmacêutico é uma área particularmente sensível, pelas repercussões que tem na saúde pública e bem assim no progresso social e económico das sociedades.

Acresce ainda que, face a uma protecção insuficiente, como avisa o Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio de 2009, relativo ao certificado complementar de protecção para os medicamentos, no seu sexto Considerando, “existe o risco de deslocalização dos centros de investigação situados nos Estados-membros para países que oferecem uma melhor protecção”. De facto, antes da criação do CCP pela ordem jurídica comunitária (em 1992), já os EUA (em 1984, com o Patent Term Restoration Act [vii]), o Canadá e o Japão (ambos em 1987) haviam introduzido nas suas legislações a possibilidade de “extensão” da duração das patentes de medicamentos.

Face a esta conjuntura, tornou-se crítico encontrar, no quadro da União Europeia, uma solução que compensasse os titulares de patentes químico-farmacêuticas da redução da respectiva protecção efectiva, sob pena de pôr gravemente em causa a competitividade da indústria farmacêutica europeia. Assim, em 1992, é criado o Certificado Complementar de Protecção (CCP) para os medicamentos, através do Regulamento (CEE) n.º 1768/92, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, revogado pelo Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio. Em 1996, foi ainda aprovado um regime de CCP para os produtos fitofarmacêuticos, em tudo idêntico ao que já existia para os medicamentos, através do Regulamento (CE) n.º 1610/96 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Julho.

 

II. O CCP surge como uma forma de amenizar a tensão existente entre os direitos de propriedade industrial e as exigências de natureza administrativa no sector dos medicamentos[viii].

Com efeito, nos termos do art. 14.º do DL n.º 176/2006, de 30 de Agosto, nenhum medicamento para uso humano pode ser introduzido no mercado nacional sem que tenha sido emitida a competente AIM, no caso português, pelo INFARMED[ix].

A exigência de uma autorização prévia por parte da autoridade sanitária competente prende-se com o objectivo de garantir a qualidade, a segurança e a eficácia terapêuticas do medicamento em causa, assegurando, mais latamente, a inexistência de riscos de danos à saúde e à integridade física dos utilizadores finais de tais produtos (cf. art. 14.º, n.º 2, do DL n.º 176/2006).

Não obstante os motivos ponderosos que rodeiam a exigência de uma AIM, a obtenção de tal autorização implica uma prévia fase de estudos analíticos, de ensaios farmacêuticos, toxicológicos e farmacológicos e de testes clínicos, traduzindo-se num demorado e oneroso processo, que reduz expressivamente a duração efectiva do exclusivo conferido pela patente. E esta circunstância, segundo entende Oehen Mendes, “não é devida a qualquer facto – acção ou omissão – do inventor/titular da patente, nem é de imputar aos riscos normais da actividade económica ou empresarial deste sector industrial, ainda que resulte, em parte, da especial natureza destes produtos e da sua finalidade”[x]. Assim, sendo esta limitação hetero-imposta aos titulares de patentes relativas a medicamentos, pela máquina administrativa do Estado, e coarctando-os de grande parte do seu direito de exclusivo, compreende-se que tenha sido criado um instrumento que lhes permita devolver a vantagem económica e competitiva não aproveitada no período que medeia entre o pedido de patente e a concessão de uma AIM.  

 

III.  O CCP constitui, desta forma, um instrumento destinado a repor o prazo médio de duração do exclusivo conferido pelas patentes em relação aos produtos químico-farmacêuticos (e não a discriminar favoravelmente este sector da indústria[xi]). Pode assim dizer-se que o CCP surge, no domínio farmacêutico, como um imperativo para salvaguardar o próprio sistema de patentes, enquanto instrumento de política de inovação e desenvolvimento, que implica, nomeadamente, a remuneração atractiva do capital, face ao elevado risco envolvido. E, efectivamente, parece que o CCP tem cumprido o seu desiderato, verificando-se que, nalguns casos, os medicamentos de referência atingem o seu pico de vendas durante a vigência deste direito[xii].

 

2.      Regulamento (CE) n.º 469/2009 – Âmbito de aplicação

 

I.  O regime jurídico dos CCP é instituído pelo Regulamento (CE) n.º 469/2009, de 6 de Maio. Apesar de não ser necessário nenhum acto de transposição das normas constantes de regulamentos comunitários, o legislador português consagrou algumas regras relativas à tramitação formal do pedido de concessão do CCP, nos arts. 115.º, 115.º-A e 116.º do CPI. O regime substantivo dos CCP consta, contudo, unicamente da referida fonte de Direito da UE.

Apesar deste regime jurídico uniforme a nível europeu, vigora, quanto aos CCP, na plenitude, o princípio da territorialidade, ou seja, os efeitos deste título jurídico de propriedade industrial têm um alcance nacional, nos termos do art. 5.º do Regulamento, que, sem prejuízo do disposto no art. 4.º do mesmo Regulamento, equipara os efeitos dos CCP aos da respectiva patente de base, em relação à qual vigora o princípio da territorialidade (cf. arts. 101.º, n.º 1, do CPI e 64.º, n.º 1, da CPE).

O âmbito de aplicação do Regulamento, nos termos do seu art. 2.º, cinge-se aos produtos protegidos por uma patente no território de um Estado-membro e que estejam sujeitos a um processo de autorização administrativa para a respectiva introdução no mercado, enquanto medicamentos, seja para uso humano, seja para uso veterinário. Esta delimitação está, assim, em harmonia com os objectivos que presidiram à criação dos CCP.

A propósito deste preceito, o TJUE decidiu já que um medicamento para uso humano colocado no mercado europeu antes de ter obtido uma autorização administrativa por força da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, ou da Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, não está abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento, não podendo, como tal, ser objecto de um CCP[xiii]. De facto, se um produto pôde ser comercializado como medicamento sem ter obtido uma AIM, deixa de existir fundamento para conceder um CCP para esse produto, uma vez que o certificado pretende, precisamente, compensar o período de tempo associado à obtenção de uma AIM, a qual requer uma avaliação longa e onerosa da segurança e da eficácia do medicamento em causa (cf. n.º 47 do Ac. Synthon BV). Acresce que, assim – apenas fazendo relevar os produtos autorizados enquanto medicamentos nos termos das Directivas referidas e não nos termos de outros (eventuais) processos de autorização administrativa impostos pela legislação de cada Estado-membro –, se alcança também uma interpretação e aplicação uniforme do pressuposto em causa, delimitador do âmbito de aplicação do Regulamento n.º 469/2009.

 

II. O Regulamento n.º 469/2009 gravita em torno do conceito de produto. De acordo com o art. 1.º, al. b), por produto deve entender-se “o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento”. O Regulamento não fornece, contudo, uma definição de princípio activo. Coube, assim, à jurisprudência comunitária desenvolver tal conceito, atendendo ao contexto geral em que ele é utilizado e ao seu sentido habitual na linguagem comum. Desta forma, e como refere Oehen Mendes, retira-se do Ac. TJUE Massachusetts Institute of Technology, de 04/05/2006 (C-431/04), que por princípio activo deve entender-se “toda a substância susceptível de exercer uma acção geral ou específica sobre o organismo humano ou animal, produzindo sobre ele efeitos terapêuticos próprios”[xiv] (n.os 15 e ss. do acórdão). Apesar das várias interpretações possíveis desta noção, sublinhe-se apenas que o TJUE tem adoptado uma abordagem estrita do conceito de princípio activo e, portanto, de produto, para efeitos do Regulamento n.º 469/2009, conforme resulta tanto do Ac. Massachusetts como do mais recente Despacho TJUE Glaxosmithkline Biologicals SA, de 14/11/2013 (C-210/13)[xv].

Aliás, esta concepção restrita de produto foi defendida, desde logo, na própria Exposição de Motivos: “Only one certificate may be granted for any one product, a product being understood to mean an active substance in the strict sense” (n.º 11). Acrescenta-se ainda, no mesmo documento, que pequenas modificações a um determinado medicamento, como uma nova dosagem dos princípios activos, a utilização de diferentes sais ou ésteres ou uma forma farmacêutica diferente, não podem conduzir à atribuição de um novo certificado. De facto, com a criação do certificado pretendeu-se estimular o desenvolvimento de novos produtos e não o desenvolvimento de novas variações de um mesmo produto. Tenha-se ainda em conta que o mero facto de se exigir uma nova AIM para comercializar uma modificação ou variação de um produto não significa estarmos na presença de um novo produto, para efeitos do Regulamento n.º 469/2009[xvi].

Em concordância com o conceito de princípio activo referido, Brückner sublinha que só se poderá falar de associação de princípios activos, na acepção do art. 1.º, al. b), quando se combinem princípios activos que apresentem diferentes efeitos terapêuticos próprios – caso contrário, estaremos perante uma mera “adição” ou “junção” de princípios activos, que, como tal, não constituirá um novo produto face aos princípios activos que foram combinados[xvii].

 

3.      Requisitos de obtenção do CCP

 

Nos termos do art. 3.º do Regulamento, os requisitos para a obtenção do CCP são os seguintes: o produto que se pretende proteger através do certificado deve estar protegido por uma patente de base em vigor; deve ter obtido, enquanto medicamento, uma AIM válida, que seja a primeira AIM no mercado para o produto enquanto medicamento; e não deve ter sido ainda objecto de um certificado.

Por um lado, estes requisitos devem ser cumpridos no Estado-membro para que se requer protecção (art. 3.º, proémio). Por outro lado, a data relevante para a verificação do cumprimento dos requisitos é a do pedido de atribuição do certificado (o que significa, por exemplo, que não é possível efectuar um pedido condicionado à obtenção da AIM[xviii]).

Questão diferente da definição do produto “candidato” à emissão de um CCP é a de saber qual o âmbito de protecção deste. Para tal, é necessário conjugar a norma do art. 4.º do Regulamento com o âmbito de protecção, quer da patente de base, quer da AIM em causa. Antecipando o que será desenvolvido infra, pode ser protegido por um CCP um produto que, simultaneamente, seja objecto de protecção de uma patente de base e tenha obtido, enquanto medicamento, uma AIM, conquanto o âmbito de protecção do CCP se dirija unicamente ao produto coberto pela AIM do medicamento correspondente, com as limitações constantes da parte final do art. 4.º do Regulamento. Significa isto que o CCP protege o produto coberto pela AIM e não o medicamento enquanto tal, que conterá outros ingredientes que não possuem propriedades terapêuticas, como os excipientes (para uma definição destes, cf. art. 3.º, n.º 1, al. s), do DL n.º 176/2006)[xix]. Desta forma, o âmbito de protecção do CCP pode não coincidir nem com o âmbito de protecção da patente de base nem com o objecto da AIM em toda a sua extensão.

 

a.      Produto protegido por uma patente de base em vigor

 

O art. 3.º, al. a), do Regulamento estabelece, como primeiro requisito para a obtenção de um CCP, a existência de uma patente de base em vigor que proteja o produto para o qual se requer um CCP. Assim, “não pode ser concedido um certificado complementar se a AIM for apenas obtida após a caducidade da patente de base: é inviável restaurar a vigência da patente, mesmo que tenha sido extremamente longo o percurso de testes farmacológicos, toxicológicos, pré-clínicos e clínicos”[xx].

 

                                                    i.     Patentes de produto, de processo ou de uso

 

Nos termos do art. 1.º, al. c), do Regulamento, o produto para que se requer um CCP pode estar protegido por uma patente de produto, uma patente de processo ou uma patente de uso[xxi]. Não há, assim, nenhuma restrição às espécies de patentes existentes na generalidade que podem ser invocadas em apoio de um pedido de concessão de um CCP. Há, contudo, algumas especialidades.

Quanto às patentes de processo, consagra o art. 97.º, n.º 2, do CPI que “os direitos conferidos por essa patente abrangem os produtos obtidos directamente pelo processo patenteado”. Uma vez que o CCP confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base (art. 5.º do Regulamento), o certificado protegerá também os produtos directamente obtidos pelo processo patenteado. Assim clarifica o Ac. TJUE Medeva BV, de 24/11/2011 (C-322-10), n.º 32. O Despacho TJUE University of Queensland, de 25/11/2011 (C-630/10), foi, contudo, mais além, explicitando que o art. 3.º, al. a), do Regulamento se opõe a que, “quando a patente de base invocada em apoio de um pedido de CCP seja relativa a um processo de obtenção de um produto, se conceda um CCP para um produto diferente do que figura no texto das reivindicações dessa patente como sendo o produto ao qual o processo de obtenção dá origem. Para conceder um CCP, não é necessário determinar se um processo de obtenção de um produto, processo esse que foi objecto de uma patente, permite obter directamente o produto” (n.º 40)[xxii]. Parece que se pode retirar desta decisão que há que distinguir entre o âmbito de protecção do CCP, que abrangerá os produtos directamente obtidos pelo processo patenteado (art. 97.º, n.º 2, do CPI, ex vi art. 5.º do Regulamento), e os requisitos para a obtenção do CCP, em relação aos quais não relevará se o produto é ou não resultado directo do processo patenteado, pois apenas o produto reivindicado na patente poderá ser objecto do CCP (e, eventualmente, protegido pelo CCP caso haja coincidência entre o produto reivindicado e o produto directamente obtido pelo processo patenteado).

Acrescenta Oehen Mendes que, nas patentes de processo, “o jus prohibendi resultante do CCP estende-se apenas à obtenção do produto que haja utilizado o mesmo processo que se encontra patenteado”, como não podia deixar de ser, tendo em conta a equivalência entre os efeitos conferidos pelo CCP e os efeitos conferidos pela patente de base (art. 5.º do Regulamento). Conclui o Autor que, nestes casos, “o âmbito de protecção da patente de base, enquanto patente de processo, é absolutamente coincidente com o âmbito de protecção do respectivo CCP”[xxiii].

Quando se invoque uma patente de uso (relativa à utilização nova de um produto ou processo conhecidos) para obter um CCP, o TJUE veio explicitar, no Ac. Neurim Pharmaceuticals, de 19/07/2012 (C-130/11), que o certificado protegerá “não o princípio activo enquanto tal, mas apenas a nova utilização desse produto” (n.º 25).

 

                                                  ii.    A disclosure theory como sucessora da infringement theory

 

I.  Desde o Acórdão Medeva, o TJUE tem interpretado a previsão do art. 3.º, al. a), do Regulamento, no sentido de só poderem ser concedidos CCP para princípios activos ou associações de princípios activos expressamente mencionados (isto é, identificados ou especificados) nas reivindicações da patente de base invocada em apoio do respectivo pedido[xxiv]. Daqui decorre que não será suficiente que os princípios activos ou associações de princípios activos se encontrem contidos no corpo da descrição da patente[xxv]. Esta nova abordagem do TJUE é denominada disclosure theory ou disclosure test. E contrasta com a anterior orientação, conhecida como infringement theory ou infringement test[xxvi], segundo a qual todos os princípios activos ou associações de princípios activos que pudessem violar a patente podiam ser protegidos por um CCP. Por outro lado, a nova linha de jurisprudência do TJUE nesta matéria pôs fim às interpretações divergentes que as autoridades competentes e tribunais nacionais vinham fazendo do requisito previsto no art. 3.º, al. a), do Regulamento[xxvii].

Da nova orientação jurisprudencial comunitária decorrem dois corolários, de sentido inverso, com consequências relativamente a patentes ou a medicamentos autorizados que digam respeito a combinações de princípios activos. O problema colocado pelas combinações de princípios activos convoca, aliás, não só o disposto no art. 3.º, al. a), como também o constante da al. b) do mesmo preceito. Contudo, a análise desta última disposição será feita em ponto autónomo.

 

II.  A primeira consequência que se retira do novo sentido da jurisprudência do TJUE é a seguinte: quando uma patente de base reivindique uma composição de princípios activos, mas não contenha nenhuma reivindicação relativamente a um desses princípios activos considerado individualmente, não pode ser concedido um CCP para um desses princípios activos considerado isoladamente. Esta afirmação continua a ser verdadeira ainda que tenha sido obtida uma AIM para um medicamento que contenha precisamente o princípio activo isolado para que se requer o CCP.

Esta conclusão resulta de forma clara do Acórdão Medeva, n.os 25 e ss. e do Despacho do TJUE Yeda Research and Development Company Ltd, de 25/11/2011 (C-518/10), n.º 39. O TJUE fundamenta a sua decisão, desde logo, com base no art. 5.º do Regulamento, que determina que o CCP confere os mesmos direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações (cf. Ac. Medeva, n.º 25). Acrescente-se, contudo, que esta consequência decorre também (ou sobretudo) do art. 4.º do Regulamento, quando se determina que a protecção conferida pelo certificado se conterá dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base. De facto, se uma patente que protege o produto A+B permitisse obter um certificado para o produto A, o âmbito de protecção do certificado extravasaria o da patente, pois permitiria obstar à produção e comercialização do produto A em combinação com outros princípios activos (A+C, A+D, etc.)[xxviii]. Nos termos do n.º 27 do Ac. Medeva, esta abordagem é igualmente corroborada pelo ponto 20, segundo parágrafo, da Exposição de Motivos, onde se afirma que o objecto da protecção do CCP é delimitado, por um lado, pela AIM e, por outro lado, pelas reivindicações da patente de base.

Por fim, esta interpretação está em conformidade com o disposto no Considerando 14.º do Regulamento (CE) n.º 1610/96, relativo aos CCP para os produtos fitofarmacêuticos, que se refere expressamente à necessidade de os produtos derivados da substância activa (sais e ésteres) constituírem objecto de patentes que o reivindiquem especificamente para que possam obter, autonomamente, a protecção de um CCP[xxix]. Nos termos do Considerando 17.º do mesmo Regulamento, o disposto no Considerando 14.º vale, mutatis mutandis, para a interpretação, nomeadamente, do art. 3.º do Regulamento n.º 469/2009. Ora, se os componentes derivados de um princípio activo, considerados isoladamente, só podem ser protegidos por um CCP se tiverem sido reivindicados especificamente na patente de base, parece que, por maioria de razão, um princípio activo também só alcançará a protecção de um CCP se for reivindicado especificamente, per se, na patente de base[xxx].

 

III.  A segunda consequência traduz-se no seguinte: quando a patente de base apenas proteja um específico princípio activo e seja solicitado um CCP para uma associação de princípios activos, não estando contemplado(s) na patente de base o(s) outro(s) princípio(s) activo(s) que a compõe(m), nem a própria associação de princípios activos, tal CCP não poderá ser concedido. E será assim ainda que a AIM tenha sido obtida para um medicamento contendo a referida associação de princípios activos[xxxi]. De facto, parece ainda possível sustentar este entendimento no acórdão Medeva, ainda que, neste, o TJUE se tenha pronunciado, em concreto, acerca da hipótese inversa, já descrita. É também este o entendimento que o Conselho Directivo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), na Deliberação n.º 02/2012, de 30 de Março, retira de tal acórdão: “no caso de o pedido de CCP ser dirigido a uma combinação de princípios activos, essa combinação (i.e., todos os seus elementos) deve estar contemplada nas reivindicações de base” (ponto 5)[xxxii].

Contudo, como nos diz Oehen Mendes, o Autor alemão Brückner, comentando o Ac. Medeva, revela ter dúvidas quanto a esta conclusão, entendendo que “não resulta totalmente claro das respostas às questões 1 a 5 do Ac. Medeva se pode ou não ser concedido um certificado para uma combinação de princípios activos, quando apenas um princípio activo dessa combinação está protegido pelas reivindicações da patente de base”[xxxiii]. Em conformidade, este último Autor interroga-se sobre se o acórdão em discussão pretenderá realmente operar uma ruptura com a anterior infringement theory.

Ora, no n.º 25 do Ac. Medeva, o TJUE afirma, claramente, que o art. 3.º, al. a), do Regulamento “se opõe à concessão de um CCP para princípios activos que não figuram no texto das reivindicações dessa patente de base”. Se esta asserção é suficiente para concluir que não pode ser concedido um CCP para um princípio activo isolado que, constando das reivindicações da patente de base, não é, contudo, reivindicado isoladamente, mas antes como parte de uma associação de princípios activos, parece que, por um argumento de maioria de razão, não pode ser concedido um CCP para uma associação de princípios activos (v.g., produto A+B) quando na patente de base só é reivindicado um deles (v.g., produto A), não protegendo a patente, de todo em todo, o outro princípio activo (no exemplo, produto B).

Também neste sentido, e parecendo aludir à distinção entre o conteúdo positivo e o conteúdo negativo (o jus prohibendi) dos direitos conferidos pelo certificado[xxxiv], Berwal afirma que “If the basic patent protects A and the product consists of A+B, then it would be too far-fetched to say that resultant infringement of the basic patent by the product consisting of A+B means that the product is protected by the basic patent within the meaning of art. 3(a) for the purpose of granting an SPC under the provisions of the Regulations[xxxv]. Convergindo neste sentido, também no mais recente Ac. TJUE Eli Lilly and Company Ltd, de 12/12/2013 (C-493/12), se afirma que “para determinar se um «produto [está] protegido por uma patente de base em vigor», na acepção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009, não se pode recorrer às regras relativas às acções por contrafacção […]” (n.º 32)[xxxvi].

Aliás, como refere Oehen Mendes, esta conclusão afigura-se evidente atendendo a que “o CCP concedido para o princípio activo mencionado na patente permite ao respectivo titular opor-se à sua utilização isolada ou em associação com outros princípios activos”[xxxvii]. Isto é, apesar de, por hipótese, o CCP ser apenas conferido para o produto A, o titular do CCP pode opor o seu direito de exclusivo daqui decorrente para obstar à produção e comercialização do produto A+B.

 

IV.  O novo entendimento do TJUE nesta matéria veio provocar uma alteração do paradigma de concessão de CCP, a ponto de se falar numa nova “era” após os acórdãos Medeva e Georgetown University, de 24/11/2011 (C-422/10)[xxxviii], devendo merecer toda a atenção, não só por parte das autoridades nacionais com competência para atribuir CCP (em Portugal, o INPI, nos termos do art. 9.º, n.º 1, do Regulamento, e art. 115.º, n.º 1, do CPI) , como também por parte dos órgãos judiciais com competência para apreciar, em sede de recurso, as decisões de tais autoridades.

E, de facto, impulsionado por esta mudança de orientação do TJUE, o Conselho Directivo do INPI aprovou a já referida Deliberação n.º 02/2012, que altera os procedimentos do Instituto em matéria de concessão de CCP, adaptando-os em conformidade com as novas directrizes comunitárias.

Por outro lado, será de esperar uma alteração da jurisprudência dos tribunais portugueses nesta matéria. Com efeito, pouco tempo antes do acórdão Medeva, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) proferiu uma decisão que seria contraditada pelo subsequente aresto do TJUE referido. Apesar de a decisão do TRL dizer respeito a produtos fitofarmacêuticos, o problema que agora se analisa coloca-se nos mesmos termos estando em causa medicamentos. Por acórdão de 22/09/2011[xxxix], o TRL decidiu que, solicitando-se um CCP para um produto fitofarmacêutico que consistia numa combinação de princípios activos, apesar de a patente de base apenas proteger, de acordo com as suas reivindicações, um dos princípios activos, nada haveria a opor à concessão do certificado. À luz da infringement theory, declarava o tribunal que um produto que combinasse aqueles princípios activos, estando um deles protegido pela patente de base, sempre violaria directamente a patente. E por isso se justificava conceder um CCP para tal produto.

 

V. Quanto ao mérito do novo entendimento do TJUE, as opiniões não são unânimes. Segundo Oehen Mendes, a disclosure theory implica uma “concepção mais restritiva da determinação do escopo de protecção das patentes de base”, que implicará certamente “um efeito bastante negativo para o desenvolvimento de novas combinações multiterapêuticas de princípios activos, destinadas sobretudo ao combate das patologias mais graves e complexas”[xl].

De facto, o critério agora acolhido pelo TJUE significa uma interpretação mais restritiva do requisito previsto no art. 3.º, al. a), do Regulamento, que, por sua vez, estreita a possibilidade de obtenção de um certificado face ao anterior paradigma marcado pela infringement theory. Por outro lado, a nova orientação pode ser vista como um desincentivo ao desenvolvimento de medicamentos multiterapêuticos, na medida em que, quando exista uma patente que proteja o produto A e se tenha desenvolvido um medicamento que contenha unicamente o produto A e, desta forma, se tenha obtido a protecção do mesmo por um certificado, não é agora possível, caso seja desenvolvido, posteriormente, um medicamento que consista no produto A+B, destinado a uma biterapia, e que pode, igualmente, ter implicado uma investigação demorada e dispendiosa, obter um certificado para este último produto (A+B). É certo que o produto A+B não está desprotegido enquanto vigorarem a patente ou o certificado relativos ao produto A, pois tanto um como o outro permitem ao seu titular opor-se à utilização do produto A isoladamente ou em associação com outros princípios activos. No entanto, um certificado que protegesse o produto A+B permitiria alargar o período de exclusividade relativo a este produto além do que é facultado pela patente e certificado relativos ao produto A.

Apesar desta indesejável consequência, parece que só à luz da disclosure theory se fazem respeitar as disposições e o escopo do Regulamento n.º 469/2009, pelas razões já referidas. Assim, conclui Remédio Marques que “o regime jurídico logrado por esta jurisprudência é, apesar de tudo, o adequado”[xli], surpreendendo ainda uma outra razão que justifica o entendimento do TJUE: “(…) evitar as conhecidas práticas de evergreening, não raras vezes imputáveis às empresas de medicamentos de referência”[xlii]. Parecendo aludir a esta última circunstância, o TJUE clarificou já que “admitir que dão direito à concessão de múltiplos CCP todas as introduções no mercado sucessivas desse princípio activo [o princípio activo expressamente reivindicado na patente de base] com um número ilimitado de outros princípios activos, não protegidos enquanto tais pela patente de base […], seria contrário à ponderação que deve ser feita, quanto ao incentivo da investigação na União Europeia através dos CCP, dos interesses da indústria farmacêutica com os da saúde pública”[xliii]. De facto, no quadro de um sistema de atribuição de certificados que tem sempre subjacente a tensão entre o reconhecimento e recompensa da investigação no domínio farmacêutico e a prevenção de práticas abusivas de prolongamento do exclusivismo de exploração de um determinado produto, o novo paradigma marcado pela disclosure theory parece alcançar uma solução equilibrada.

 

                                                 iii.     A forma de mencionar o produto nas reivindicações

 

Outra questão que se coloca a propósito do art. 3.º, al. a), do Regulamento, e partindo do pressuposto de que o produto que se quer proteger com o CCP tem de estar protegido por uma patente de base, tal como definido nas respectivas reivindicações, é a relativa à forma de mencionar o produto nas reivindicações.

Desde logo, é possível identificar o produto através de uma fórmula estrutural (composição química ou formulação). Porém, o Ac. Eli Lilly and Company Ltd veio admitir que a menção nas reivindicações se faça através das chamadas reivindicações funcionais, ou seja, através de fórmulas que se limitam a descrever as funções que o produto desempenha. É necessário, contudo, que, com base nessas reivindicações, interpretadas designadamente à luz da descrição da invenção (cf. art. 97.º, n.º 1, do CPI e art. 69.º, n.º 1, da CPE e respectivo protocolo interpretativo), “seja possível concluir que essas reivindicações visavam, implícita mas necessariamente, o princípio activo em causa, de forma específica” (n.º 39 do Ac. Eli Lilly and Company Ltd). Uma terceira hipótese que se coloca é a de as reivindicações conterem somente uma descrição do processo através do qual o produto é fabricado (product-by-process claims). Couto Gonçalves admite este tipo de reivindicação para a generalidade das patentes, quando o respectivo objecto respeite “a um produto novo não susceptível de ser definido cabalmente pelas suas características, mas por referência ao processo de o produzir”, acrescentando que, nestes casos, a protecção deve corresponder a uma patente de produto e não de processo[xliv].

Todas as formas descritas são sancionadas por Oehen Mendes[xlv], mas criticadas por Remédio Marques quando utilizadas em exclusivo para identificar ou descrever o produto. Segundo este Autor, quando assim aconteça, “será difícil, senão mesmo impossível, considerar que o «produto» (a substância activa) objecto de AIM se encontra protegido pela patente de base”. De acordo com o Autor, apenas “a menção expressa da estrutura química, do nome e da Denominação Comum Internacional (DCI) satisfazem plenamente este «teste da divulgação», em termos de o certificado complementar de protecção se achar ancorado na patente de base”[xlvi]. Posição que parece restringir injustificadamente o âmbito de protecção da patente de base e, consequentemente, do CCP, especialmente quando é comum, no que toca a invenções químico-farmacêuticas, não ser possível descrever o produto senão pelo seu processo de fabrico ou preparação.

Não obstante, admite-se que estas formas de mencionar o produto nas reivindicações, que não a indicação ou descrição literal, permitem uma margem de apreciação significativa por parte das autoridades competentes, no sentido de considerar que o produto se encontra protegido por uma patente de base ou não. O que, naturalmente, não abona a favor da segurança jurídica nem da desejada uniformidade de soluções nesta matéria no quadro da UE (cf. Considerando 7.º do Regulamento n.º 469/2009)[xlvii]. Se, por um lado, assim será de esperar mais pedidos de decisão prejudicial dirigidos ao TJUE de forma a clarificar esta questão, por outro lado, afigura-se duvidoso que esta instância possa avançar coordenadas mais firmes nesta matéria. De facto, está em causa a determinação do âmbito de protecção das patentes de base, que é feita à luz das disposições da CPE (art. 69.º e respectivo protocolo interpretativo) ou do direito de patentes de cada Estado-membro, sendo que o TJUE não tem jurisdição para interpretar tais normas[xlviii]. Como se afirma no Ac. Eli Lilly and Company Ltd, a competência para apreciar, em concreto, o alcance das reivindicações de uma patente cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais (e às autoridades com competência para a concessão de CCP) – n.os 39 a 44[xlix].

 

b.     Existência de autorização para introdução no mercado (AIM)

 

I.  O art. 3.º, al. b), do Regulamento exige que o produto que se pretende proteger com o CCP tenha obtido, enquanto medicamento, uma AIM válida. Repare-se que, ao contrário da al. a) do art. 3.º, que exige que, no momento em que é apresentado o pedido de CCP, o produto esteja protegido por uma patente de base em vigor, a al. b) do mesmo preceito não prescreve expressamente que a AIM que o produto haja obtido seja ainda válida no momento do pedido[l].

Para efeitos do art. 3.º, al. b) (e do art. 7.º), do Regulamento, a AIM exigida é a obtida no Estado-membro onde é apresentado o pedido de atribuição do CCP, como resulta literalmente do proémio do art. 3.º. Uma AIM obtida noutro Estado-membro da UE não preencherá o requisito constante do art. 3.º, al. b). Assim se distingue claramente a AIM a que se referem os arts. 3.º, al. b), e 7.º daquela que é relevante, nos termos do art. 13.º, para efeitos do cômputo do prazo de validade do CCP. Para esta última disposição já releva a primeira AIM obtida na “Comunidade” e não a AIM obtida no Estado-membro do pedido.

O art. 3.º, al. b), deu origem a várias dúvidas de interpretação e aplicação, incluindo nos tribunais portugueses. A questão que se coloca com mais pertinência é a seguinte: é possível conceder um CCP que proteja um determinado princípio activo ou associação de princípios activos que figurem expressamente nas reivindicações da patente de base (v.g., a patente protege o produto A) quando a AIM que tenha sido autorizada para o medicamento correspondente abranja não só aquele princípio activo ou associação de princípios activos, mas também outros (v.g., a AIM foi obtida para os produtos A e B)? Esta questão originou diversos litígios, tendo várias autoridades nacionais, no quadro da UE, recusado frequentemente a concessão de CCP nas circunstâncias referidas, o que levou à apreciação deste problema, a título prejudicial, pelo TJUE. Com os acórdãos Medeva e Georgetown University, a instância judicial comunitária resolveu inequivocamente a querela em causa no sentido da concessão dos certificados[li]. Ou seja, se a AIM diz respeito a um medicamento com vários princípios activos, é possível obter um CCP que apenas proteja parte (ou um só) desses princípios, desde que os mesmos estejam identificados nas reivindicações da patente de base.

Face aos fundamentos que presidiram à criação do CCP e às disposições do Regulamento, parece que a conclusão não podia ser outra.

De facto, verifica-se que, frequentemente, são desenvolvidos, para comercialização e administração a pacientes, medicamentos que contêm mais princípios activos do que aqueles que se encontram protegidos por patentes, alcançando assim “um espectro de aplicações terapêuticas muito superior ao previsto na patente”[lii]. Esta prática ganha particular acuidade no que toca a vacinas multivalentes e a medicamentos destinados a patologias complexas (cf. n.os 33 e ss. do Ac. Medeva), sendo fortemente incentivada pelas autoridades de saúde pública[liii]. Desta forma, denegar a concessão de um CCP que proteja um princípio activo ou associação de princípios activos quando, apesar de estes figurarem nas reivindicações da patente de base, a AIM tenha sido concedida para um medicamento que contém mais princípios activos, significaria desencorajar o desenvolvimento de tais medicamentos polivalentes que apresentam um “efeito sinergético” (cf. n.º 13 do Ac. Medeva)[liv]. Com efeito, se assim fosse, a única forma de as empresas titulares de patentes químico-farmacêuticas garantirem a obtenção futura de um CCP para os seus produtos (essencial para colmatar a protecção insuficiente conferida pela patente) seria desenvolver medicamentos que contivessem, única e exclusivamente, os princípios activos ou associações de princípios activos protegidos pela patente de base, ainda que razões terapêuticas aconselhassem a conjugação de tais produtos com outros princípios activos. Assim, é por demais evidente que tal resultado se opõe ao objectivo fundamental subjacente ao Regulamento n.º 469/2009: “garantir uma protecção suficiente para encorajar a investigação no domínio farmacêutico e contribuir de forma decisiva para a melhoria contínua da saúde pública” (cf. Considerandos 2.º e 3.º do Regulamento e Ac. Medeva, n.º 34, entre outros). Concordando com a orientação do TJUE, Remédio Marques faz apelo, quanto ao art. 3.º, al. b), do Regulamento, a uma “interpretação teleológica, que tente encontrar a razão de ser da tutela fornecida ao titular da patente pelo certificado complementar”[lv].

Mas outros argumentos interpretativos se retiram das disposições do Regulamento n.º 469/2009 em abono de tal orientação. Por um lado, a exigência de que o produto deve ter obtido, enquanto medicamento, uma AIM válida, imposta pelo art. 3.º, al. b), “não exclui, por si própria, que essa AIM possa cobrir outros princípios activos contidos nesse medicamento” (Ac. Medeva, n.º 37). Por outro lado, o art. 4.º do Regulamento determina que “[…] a protecção conferida pelo certificado abrange apenas o produto coberto pela autorização de introdução no mercado do medicamento correspondente […]”, o que significa que o CCP não protege o medicamento enquanto tal, ou seja, todos os seus componentes.

 

II.  Também nesta matéria se espera uma alteração da orientação dos tribunais portugueses, que se traduza na sua harmonização com as mais recentes decisões do TJUE. Com efeito, pouco antes destes acórdãos, encontramos decisões do Tribunal da Relação de Lisboa em sentido exactamente oposto ao que foi agora clarificado pelo TJUE quanto à interpretação do art. 3.º, al. b), do Regulamento.

No Acórdão do TRL, de 20/10/2009[lvi], estava em causa o pedido de um CCP relativo a uma vacina multivalente, que continha vários princípios activos destinados a combater diversos tipos de Papilomavírus Humano (HPV6, 11, 16 e 18), e que havia obtido a respectiva AIM. Contudo, a patente de base protegia, de acordo com as suas reivindicações, menos princípios activos do que aqueles a que respeitava a AIM: apenas estavam contemplados nas reivindicações princípios activos destinados a combater o HPV18. O TRL, confirmando a decisão do INPI e do tribunal de primeira instância (e sem suscitar qualquer questão prejudicial ao TJUE, nos termos do art. 267.º do TFUE), recusou, por essa razão, a concessão do CCP. Diz-se ainda no acórdão que “nenhum obstáculo haveria a que fosse concedido o Certificado Complementar de Protecção relativamente aos referidos medicamentos na justa medida em que se destinassem a combater o HPV18” (III, pontos 4 e 5).

Como nos diz Oehen Mendes, na opinião do tribunal, todos os princípios activos contidos nas vacinas (objecto da AIM) teriam de constar expressamente das reivindicações das patentes de base, sob pena de se “conferir, através da atribuição dos CCP, um âmbito de protecção mais alargado do que aquele que resultava das patentes”[lvii]. Ora, não se compreende o raciocínio do tribunal: se é verdade que o CCP nunca poderia ter um âmbito de protecção tal que protegesse todos os princípios activos contidos na vacina, pois apenas alguns deles estavam protegidos pela patente de base (a tal sempre se oporiam os arts. 3.º, al. a), e 4.º – “dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base” – do Regulamento), deveria ter sido emitido um CCP que protegesse aqueles que, combatendo o vírus HPV18, em simultâneo, fossem objecto da patente e da AIM (desde que se verificassem ainda, naturalmente, os requisitos constantes do art. 3.º, als. c) e d), do Regulamento). Este acórdão parece, pois, evidenciar “uma certa confusão entre o medicamento beneficiário, simultaneamente, da AIM e do CCP, por um lado, e o objecto e âmbito de protecção material da patente e do CCP, por outro […]”[lviii].

Posteriormente, o Acórdão do TRL, de 07/04/2011[lix], num caso em tudo idêntico, recusou igualmente a concessão do CCP, invocando os mesmos argumentos.

 

c.      Inexistência de um certificado anterior que proteja o produto

 

O art. 3.º, al. c), do Regulamento determina que o CCP só poderá ser concedido se o produto não tiver sido já objecto de um certificado.

Por um lado, isto significa que, se uma patente proteger um único produto, só poderá dar lugar a um CCP (Ac. Medeva, n.º 41, e Ac. TJUE Biogen, de 23/01/1997, C-181/95, n.º 28). Por outro lado, se uma patente proteger vários produtos, podem ser também concedidos vários CCP, tantos quantos os produtos que são protegidos pela patente de base. Assim clarificou o TJUE no Ac. Georgetown University II (de 12/12/2013, C-484/12, n.os 35 e ss.): protegendo uma patente de base uma determinada associação de princípios activos, mas também um dos princípios activos dessa associação considerado individualmente, o art. 3.º, al. c), não obsta à obtenção de um CCP para a associação e de outro para o princípio activo isolado – de facto, num e noutro caso, estão em causa produtos diferentes.

Uma terceira hipótese que se pode verificar é a de um mesmo produto estar protegido por várias patentes de base, quer se trate de patentes desse produto, de patentes para processo de obtenção do mesmo ou de patentes relativas a uma aplicação do produto. Neste caso, é possível que sejam atribuídos vários CCP, tantos quantas as patentes de base existentes, desde que as patentes pertençam a titulares diferentes (Ac. Biogen, n.º 28, e art. 3.º, n.º 2, segunda parte, do Regulamento n.º 1610/96, aplicável ao regime jurídico dos CCP para medicamentos, por força do Considerando 17.º do Regulamento n.º 1610/96). De facto, como uma das partes no litígio do caso Biogen refere, seria “inconcebível que, quando um medicamento está protegido por diversas patentes de base pertencentes a diferentes titulares, as investigações de um ou de outro titular das patentes de base sejam excluídas da protecção do regime de certificado complementar de protecção, no caso de, como na causa principal, cada uma destas investigações, separadamente, ter obtido inovações patenteadas” (n.º 22). Repare-se que assim se foi mais longe do que uma interpretação meramente literal do art. 3.º, al. c), permitiria – de facto, nas condições referidas, um mesmo produto poderá ser objecto de mais do que um CCP[lx], [lxi].

O Ac. AHP Manufacturing, de 03/09/2009 (C-482/07), veio ainda esclarecer que o titular de uma patente de base que requeira um CCP, existindo outros titulares de patentes de base relativas ao mesmo produto, pode obter o CCP não apenas quando os pedidos de CCP destes outros titulares estejam pendentes (como parece exigir o art. 3.º, n.º 2, segunda parte, do Regulamento n.º 1610/96), mas também quando já tenha sido concedido um ou vários CCP a um ou vários titulares de uma ou de várias outras patentes de base (n.º 43)[lxii].

A concessão de mais do que um CCP ao titular de várias patentes de base sobre o mesmo produto está, contudo, interdita. De facto, o art. 3.º, n.º 2, primeira parte, do Regulamento n.º 1610/96 determina que “o titular de várias patentes relativas ao mesmo produto não pode beneficiar de vários certificados para esse produto”, disposição aplicável aos CCP para medicamentos, por força do Considerando 17.º do Regulamento n.º 1610/96. Nestes casos, o requerente deve eleger uma das patentes como patente de base – escolha que terá importantes consequências, uma vez que o âmbito de protecção do CCP está limitado pelo âmbito de protecção da correspondente patente de base (art. 4.º, primeira parte, do Regulamento).

 

d.     A AIM deve ser a primeira AIM do produto como medicamento

 

I.  O art. 3.º, al. d), do Regulamento exige que a AIM que é invocada em apoio do pedido do CCP seja a primeira AIM do produto, como medicamento. Como explica a Exposição de Motivos (n.º 35), sucede frequentemente que um mesmo produto obtém várias AIM, pois, com base no mesmo produto, são desenvolvidos vários medicamentos, variando a forma farmacêutica, a dosagem dos princípios activos, as vias de administração, as indicações terapêuticas, etc.[lxiii]. Nestes casos, e tendo em conta o objectivo fundamental subjacente ao Regulamento n.º 469/2009, é a primeira AIM obtida no Estado-membro onde é apresentado o pedido de CCP que deve ser tida em conta, para efeitos do art. 3.º.

 

II.  A identificação da primeira AIM do produto, enquanto medicamento, obtida no Estado-membro onde é apresentado o pedido de CCP, tem importantes repercussões. Nos termos do art. 7.º, n.º 1, do Regulamento, é a partir desta data que corre o prazo de seis meses para a apresentação do pedido de CCP. Se esta AIM for a primeira a ser obtida no Espaço Económico Europeu (EEE) para um determinado produto, será também a determinante para o cômputo do prazo de validade do CCP relativo a esse produto, nos termos do art. 13.º, independentemente do Estado-membro onde seja apresentado o pedido de CCP.

 

III.  O Ac. TJUE Pharmacia Italia, de 19/10/2004 (C-31/03), dando mais um passo na interpretação do requisito em análise, determinou que se deve ter por referência a primeira AIM do produto como medicamento, seja para uso humano, seja para uso veterinário. Esta interpretação deve valer igualmente para efeitos do art. 13.º, n.º 1, do Regulamento, dada a identidade da expressão usada (“primeira AIM”) e a desejada igual duração da protecção conferida pelo CCP em todos os Estados-Membros em que o certificado tenha sido concedido, em relação a um mesmo produto (cf. n.º 21 do Ac. Pharmacia Italia). Logo se vê que esta orientação pode restringir grandemente a possibilidade de concessão de certificados, atendendo ao requisito previsto no art. 3.º, al. d), e ao limite temporal para apresentar o pedido de certificado, nos termos do art. 7.º, n.º 1, do Regulamento.

No Despacho Yissum, de 17/04/2007 (C-202/05), o TJUE foi chamado a pronunciar-se num litígio em que, de igual forma, um mesmo produto havia obtido mais do que uma AIM. Neste caso, requeria-se a protecção de um certificado, invocando-se uma patente de base que protegia uma segunda indicação médica de um produto conhecido e a respectiva AIM, sendo que tal produto já havia obtido anteriores AIM, embora para diferentes utilizações terapêuticas. O TJUE não foi, no entanto, questionado quanto à interpretação do art. 3.º, al. d), do Regulamento, ou seja, sobre que AIM deveria ser entendida como primeira AIM do produto numa situação como a do litígio em causa. O órgão jurisdicional de reenvio perguntou, antes, ao TJUE qual o significado do termo “produto”, na acepção do art. 1.º, al. b), do Regulamento, perante uma patente de base que proteja uma segunda aplicação médica de um princípio activo. O TJUE determinou que tal preceito “deve ser interpretado no sentido de que, no caso de a patente de base proteger uma segunda utilização médica de um princípio activo, esta utilização não faz parte integrante da definição de produto”, reiterando, assim, a concepção restritiva de produto que já tinha defendido, nomeadamente, no Ac. Massachusetts Institute of Technology.

No Ac. Neurim Pharmaceuticals, de 19/07/2012 (C-130/11), em que estava em causa um litígio com contornos muito semelhantes ao caso Yissum, o TJUE foi já questionado, concretamente, sobre o que deva entender-se por “primeira AIM” no caso particular de segundas indicações médicas de produtos conhecidos. Avançando coordenadas novas nesta matéria, dispôs o TJUE que a “primeira autorização de introdução do produto no mercado, como medicamento”, a que se refere o art. 3.º, al. d), do Regulamento, deve ser entendida como aquela cujo objecto está compreendido no âmbito de protecção da patente de base invocada em apoio do pedido de certificado. No litígio em questão, um mesmo produto havia obtido duas AIM sucessivas: uma primeira relativa à utilização do produto como medicamento para uso veterinário (administrado no âmbito da actividade de reprodução de ovelhas) e outra relativa a uma nova utilização terapêutica do produto como medicamento para uso humano (relativo ao tratamento da insónia). Requeria-se um CCP para este último produto, invocando-se, em apoio de tal pedido, a patente que protegia a nova aplicação terapêutica do princípio activo conhecido e a respectiva AIM. O TJUE acolheu esta pretensão, determinando que, num caso como este, “só a AIM do primeiro medicamento, contendo o produto e autorizado para uma utilização terapêutica correspondente à protegida pela patente invocada em apoio do pedido de CCP, poderá ser considerada como primeira AIM «deste produto» como medicamento que explora essa nova utilização na acepção do artigo 3.°, alínea d), do Regulamento CCP” (n.º 26 do Ac. Neurim).

Numa formulação mais geral, parece decorrer daqui que, em determinadas circunstâncias, é possível obter um CCP com base numa segunda ou numa outra AIM. Em primeiro lugar, é necessário que o objecto da AIM posterior, invocada em apoio do pedido de certificado, se refira a uma nova aplicação/indicação terapêutica do produto conhecido. Em segundo lugar, o objecto desta AIM mais recente deve conter-se no âmbito de protecção da patente de base designada para efeitos do pedido de certificado. Em terceiro lugar, é necessário que o objecto da AIM anterior, relativa a um medicamento para uso humano ou veterinário, não se encontre protegido pela patente de base invocada pelo requerente do pedido de certificado.

Com apelo a uma interpretação sistemática e teleológica[lxiv], chega-se, assim, a um resultado diferente daquele que seria permitido ao abrigo de uma interpretação meramente literal do art. 3.º, al. d), do Regulamento. Cria-se, desta forma, uma ligação entre a AIM visada no art. 3.º, als. b) e d), e a patente de base referida no art. 3.º, al. a), do Regulamento (cf. n.º 19 do Ac. Neurim), que parece conduzir a uma solução equilibrada quando ponderados os vários interesses em causa. Por um lado, desenha-se agora um novo espaço de protecção para as segundas indicações médicas de produtos conhecidos, o que trará grandes repercussões para a indústria de medicamentos inovadores. De facto, o desenvolvimento destas segundas indicações terapêuticas corresponde a uma parte importante da investigação no sector farmacêutico, representando uma forma de inovação eficiente e de baixo risco, na medida em que existe já uma extensa informação e experiência clínicas relativamente aos produtos em causa[lxv]. Por outro lado, com a subordinação, nestes casos, da concessão de certificados à existência de uma conexão entre o objecto da AIM e o âmbito de protecção da patente de base invocadas em apoio do pedido de certificado, previnem-se práticas abusivas de prolongamento da exclusividade de exploração de produtos químico-farmacêuticos por parte dos detentores das respectivas patentes e certificados (evergreening)[lxvi].

A doutrina tem apontado críticas à jurisprudência do TJUE relativa a este problema, alegando uma inconsistência ou mesmo contradição entre a orientação defendida no mais recente acórdão Neurim e a anterior posição do Tribunal revelada nos acórdãos Pharmacia Italia e Yissum[lxvii]. Assim, clama esta doutrina a necessidade de uma clarificação, por parte do TJUE, dos contornos da protecção de segundas indicações médicas de produtos conhecidos por certificados complementares de protecção.

Contudo, não nos parece seguro existirem efectivas contradições. É certo que, se o raciocínio do TJUE no acórdão Neurim tivesse sido também aplicado no caso Yissum, ter-se-ia que concluir pela possibilidade de concessão de um CCP neste último litígio. Contudo, e como já referido, neste litígio, o TJUE não foi questionado, em concreto, sobre o significado da expressão “primeira autorização de introdução do produto no mercado”, nos termos do art. 3.º, al. d), no caso particular das segundas indicações médicas de produtos conhecidos, mas antes sobre o conceito de “produto”, na acepção do art. 1.º, al. b), do Regulamento, perante a mesma situação. Desta forma, sendo diferentes tanto as questões colocadas como os preceitos cuja interpretação estava em causa, não parece que as respostas fornecidas pelo TJUE sejam necessariamente contraditórias.

Em suma, ao longo desta jurisprudência, parece que o TJUE pretendeu afirmar que, mesmo quando um produto haja obtido duas diferentes patentes, uma de produto e outra de uso – relativa a uma nova aplicação ou indicação terapêutica do produto –, continuamos na presença de um único produto, na acepção do art. 1.º, al. b), do Regulamento (Ac. Yissum). Não obstante as críticas que se possam tecer a esta concepção restrita de “produto”, o facto de, em tal situação, estarmos perante um único produto não significa que apenas um CCP possa ser concedido (esta conclusão decorria já do Ac. Biogen, de 1997). O Ac. Neurim veio acrescentar a este quadro a possibilidade de, numa situação como a descrita, a nova aplicação terapêutica obter a protecção de um certificado com base numa AIM que não é a primeira AIM relativamente ao produto em causa, desde que se verifiquem determinadas condições. Por último, e em qualquer caso, não há que distinguir, para efeitos do Regulamento n.º 469/2009, entre medicamentos autorizados para uso humano ou para uso veterinário (Ac. Pharmacia Italia)[lxviii].

 

IV. O Ac. TJUE Hässle, de 11/12/2003 (C-127/00) esclareceu ainda que a expressão “primeira autorização de introdução do produto no mercado” se refere apenas à autorização relativa a medicamentos (tal como resulta do teor literal do art. 3.º, als. b) e d) do Regulamento) e não às autorizações exigidas pelas regulamentações nacionais em matéria de preços e de reembolso dos medicamentos (n.º 79), pelo que, para efeitos do Regulamento n.º 469/2009, é irrelevante que o medicamento não possa ainda ser efectivamente comercializado por estarem pendentes estes últimos procedimentos.

 

4.      Âmbito de protecção do CCP

 

Ao contrário do que o título do Regulamento n.º 469/2009 poderia sugerir, o certificado não protege “medicamentos”, mas sim “produtos”. De facto, resulta do art. 4.º do Regulamento que o CCP protege o produto coberto pela AIM (e protegido pela patente de base), com uma dupla limitação: o jus prohibendi relativo ao CCP só diz respeito à utilização do produto como medicamento (o que significa que é lícito utilizar o produto como cosmético ou suplemento alimentar, por exemplo)[lxix], [lxx] e para um fim terapêutico que tenha sido autorizado antes do termo da validade do certificado[lxxi].

Do art. 4.º é possível concluir, por um lado, que o âmbito de protecção do CCP pode ser mais restrito do que o âmbito de protecção da patente de base respectiva: o certificado é concedido apenas para o produto enquanto medicamento e em relação às utilizações terapêuticas autorizadas durante o prazo de vigência da patente ou do certificado.

Por outro lado, o âmbito de protecção do CCP não coincide com o objecto da AIM: será mais restrito, ao proteger o produto coberto pela AIM e não o medicamento enquanto tal, que conterá outros ingredientes que não possuem propriedades terapêuticas; e mais lato, na medida em que a AIM é atribuída a um produto, enquanto medicamento, relativamente a uma específica forma de administração e dosagem dos componentes, enquanto o certificado protegerá qualquer utilização autorizada do produto como medicamento – desde que protegida pela patente de base invocada em apoio do pedido de certificado (art. 4.º, primeira parte, do Regulamento). Assim, se, por exemplo, a patente de base apenas protege uma determinada indicação terapêutica do produto, posteriores AIM relativas a segundas indicações terapêuticas do mesmo produto não significam um alargamento do âmbito de protecção do certificado, nos termos do art. 4.º do Regulamento.

 

5.      Efeitos do CCP

 

Nos termos do art. 5.º do Regulamento, o CCP confere os mesmo direitos que os conferidos pela patente de base e está sujeito às mesmas limitações e obrigações, sem prejuízo do disposto no art. 4.º, relativo ao âmbito de protecção do CCP.

Esta disposição revela a clara dissociação entre aquilo que é protegido pelo CCP, e que pode ser diferente do que é protegido pela patente de base (nos termos do art. 4.º), e os efeitos a que se dirige a protecção conferida pelo CCP, que são coincidentes com os efeitos conferidos pela patente de base.

De facto, o art. 5.º opera uma equiparação entre os efeitos do CCP e os efeitos da patente de base (cf. arts. 97.º e ss. do CPI e arts. 63.º e ss. da CPE). Significa isto que “o direito conferido pelos CCP não tem um conteúdo próprio, resultante do Regulamento. O seu conteúdo será o mesmo que já era atribuído ao titular pela patente de base”[lxxii].

Gozando os direitos conferidos pelo CCP do mesmo âmbito de tutela da respectiva patente de base, significa que o produto objecto do CCP será protegido contra qualquer utilização como medicamento para um fim terapêutico que tenha sido autorizado antes do termo da validade do certificado, quer o medicamento consista nesse produto ou o contenha[lxxiii], e incluindo os respectivos equivalentes[lxxiv], tal como resultaria da protecção conferida pela patente de base (cf. Ac. Medeva, n.º 39). Por outro lado, devem ser também aplicados aos CCP “todos os preceitos do direito de patentes que visam garantir, de forma adequada, o enforcement do jus prohibendi em que se traduz o direito de exclusivo conferido pela patente”[lxxv], nomeadamente, o regime da inversão do ónus da prova consagrado no art. 98.º CPI, relevante quando esteja em causa uma patente de processo que permita fabricar um produto novo[lxxvi].

Conclui-se, portanto, que os CCP não atribuem quaisquer outros direitos (complementares) em relação aos já conferidos pela patente de base aos seus titulares. O objectivo único dos CCP é, pois, prolongar (no tempo) o direito de exclusivo dos titulares de patentes.

Por outro lado, o CCP está sujeito às mesmas limitações e obrigações que a patente de base respectiva. Assim, por exemplo, existindo uma licença contratual sobre os direitos da patente de base, aquela valerá também em relação aos direitos conferidos pelo CCP, a não ser que no contrato se tenha disposto diversamente[lxxvii].

 

6.      Direito ao CCP

 

Nos termos do art. 6.º do Regulamento, o direito ao CCP pertence ao titular da patente de base ou aos seus sucessores a qualquer título.

A este propósito, é preciso ter em conta que é possível não haver identidade entre o titular da patente (ou do certificado complementar de protecção) e o titular da AIM. Como explica Remédio Marques, “não raras vezes, enquanto o titular da patente farmacêutica é uma empresa ou uma instituição universitária (pública ou privada) de pesquisa e desenvolvimento de novas especialidades farmacêuticas, a titular da AIM é uma empresa farmacêutica transnacional, que logrou desenvolver a invenção patenteada num medicamento susceptível de obter a referida AIM”[lxxviii]. Quando assim seja, determinou já o TJUE, no Ac. Biogen, que o titular da patente pode obter o certificado sem a colaboração do titular da AIM, quando este não faculte uma cópia da AIM, necessária à instrução do pedido, nos termos do art. 8.º, n.º 1, al. b), do Regulamento e art. 115.º, n.º 2, do CPI. Com efeito, “se assim não fosse, o direito ao certificado, conferido pelo art. 6.º do Regulamento ao titular da patente da base, ficaria privado do seu efeito útil” (n.º 45 do Ac. Biogen).

 

7.      Duração do CCP

 

I.  O pedido de CCP deve ser apresentado no prazo de seis meses a contar da data do facto que tiver ocorrido posteriormente: a obtenção da AIM para o produto, como medicamento, no Estado-membro onde é apresentado o pedido de certificado, ou a concessão da patente de base para o respectivo produto (art. 7.º, n.os 1 e 2, do Regulamento)[lxxix]. Na estipulação deste prazo teve-se em consideração, por um lado, os interesses do titular da patente e, por outro, os de terceiros que tenham interesse em saber o mais cedo possível se o produto em questão estará ou não protegido por um certificado (cf. n.º 46 da Exposição de Motivos e n.º 28 do Ac. AHP Manufacturing).

 

II.  O art. 13.º, n.º 1, do Regulamento estipula que “O certificado produz efeitos no termo legal da validade da patente de base, durante um período que corresponde ao período decorrido entre a data da apresentação do pedido da patente de base e a data da primeira autorização de introdução no mercado na Comunidade, reduzido um período de cinco anos”.

Segundo a jurisprudência firmada no Ac. Hässle, a “primeira autorização de introdução no mercado na Comunidade” é a primeira AIM concedida em qualquer um dos Estados-membros e não a primeira autorização concedida no Estado-membro do pedido. Só esta interpretação permite garantir que a extensão da protecção assegurada pela patente, no que respeita ao produto abrangido pelo certificado, terminará no mesmo momento em todos os Estados-membros em que o certificado tiver sido concedido (n.os 74 e ss.)[lxxx]. Como é sublinhado pela Comissão Europeia, no ponto 27 da Exposição de Motivos, “The introduction of a different period of protection for medicinal products in each of the Member States of the Community would create obstacles to their free movement within the internal market and distort the conditions of competition”.

Por outro lado, a AIM a ter em conta é a que primeiro tiver sido concedida no território de um dos Estados abrangidos pelo acordo EEE (Estados-membros da UE, Noruega, Islândia e Liechtenstein) e não tão-só dos Estados-membros da UE (Ac. TJUE Novartis e o., de 21/04/2005, C-207/03 e C-252/03, n.º 26).

O TJUE clarificou ainda, no Ac. Seattle Genetics, de 06/10/2015 (C-471/14), que, estando em causa uma AIM obtida através do procedimento centralizado, nos termos do Regulamento (CE) n.º 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004[lxxxi], a data relevante, para efeitos do art. 13.º, n.º 1, do Regulamento n.º 469/2009, é a da notificação da atribuição da AIM ao destinatário e não a da decisão da autorização (como várias autoridades e tribunais nacionais vinham considerando)[lxxxii].

Nos termos do art. 13.º do Regulamento, o CCP tem uma duração que corresponde ao tempo que medeia entre a data do pedido da patente de base e a data da primeira AIM no EEE, deduzidos cinco anos (que correspondem, normalmente, à duração dos exames respeitantes à patenteabilidade das invenções[lxxxiii]). Para este efeito, é, pois, irrelevante a data da concessão da patente. Isto é, se, por exemplo, decorrerem 10 anos entre o pedido da patente e a concessão da AIM, subtraídos 5 anos, o CCP terá a duração de 5 anos, permitindo uma prorrogação dos efeitos conferidos pela patente (que coincidem com os direitos conferidos pelo CCP, nos termos do art. 5.º, não obstante o âmbito de protecção de um e outro poderem ser diferentes) por esse tempo. O direito de exclusivo vigoraria, assim (formalmente), nesta hipótese, não durante o prazo ordinário de 20 anos (arts. 99.º CPI e 63.º CPE), mas durante 25 anos.

Como decorre do art. 13.º e explicita Oehen Mendes, “o termo da validade da patente de base é condição de eficácia do respectivo CCP”[lxxxiv]. De facto, o CCP só produz efeitos, e os correspondentes direitos só podem ser invocados, decorrido o prazo de 20 anos de duração da patente de base. Por outro lado, o CCP será inválido se a patente de base caducar antes do termo do seu período de validade legal ou se for anulada ou limitada, a ponto de as suas reivindicações deixarem de abranger o produto protegido pelo certificado (art. 15.º, n.º 1, als. b) e c) do Regulamento).

 

a.     Duração máxima do CCP

 

Questão controversa é a da duração máxima do CCP. Nos termos do art. 13.º, n.º 2, a protecção conferida pelo CCP não pode ser superior a 5 anos, contados a partir do termo da duração da patente de base. Contudo, o Considerando 9.º do Regulamento determina que “o titular de uma patente e de um certificado deve poder beneficiar no total de um período máximo de quinze anos de exclusividade a partir da primeira autorização de introdução no mercado da Comunidade do medicamento em causa”[lxxxv]. Repare-se que, se antes da obtenção da AIM, é possível que exista, formalmente, o direito de exclusivo (caso já tenha sido concedida a patente de base), só depois da AIM o titular da patente tem um efectivo exclusivo de exploração económica do produto enquanto medicamento. Por outro lado, tenha-se em conta que, na consagração da duração máxima do certificado, e como resulta tanto do Considerando 10.º do Regulamento, como da jurisprudência constante do TJUE, num sector tão complexo e sensível como o farmacêutico, é preciso sopesar todos os interesses em causa, incluindo os relativos à saúde pública, assegurando “que o monopólio de exploração assim garantido não exceda o necessário para a amortização dos investimentos e não atrase abusivamente o momento em que o produto em causa cai no domínio público” (Ac. TJUE Merck Sharp, de 08/12/2011, C-125/10, n.º 33).

Tipicamente, a interpretação conjunta do art. 13.º e do Considerando 9.º do Regulamento não colocará problemas quando estejam em causa patentes com uma duração de 20 anos a contar da data do respectivo pedido. Já não será assim, contudo, nos demais casos[lxxxvi]. Daí a especial pertinência da presente questão no quadro jurídico português, quando estejamos perante patentes com uma duração de 15 anos contados da data da concessão da patente (cujo pedido de patente haja sido efectuado, portanto, antes da entrada em vigor do CPI de 1995 – Decreto-Lei n.º 16/95, de 24 de Janeiro). Com efeito, nestes casos, se a AIM for anterior à concessão da patente, e produzindo o CCP efeitos no termo legal da validade da patente de base (15 anos após a concessão), significa que, aplicando o art. 13.º, será ultrapassado o limite imposto pelo Considerando 9.º do Regulamento.

Este problema deu origem, em concreto, a um litígio da competência de um tribunal arbitral necessário português, que efectuou um pedido de decisão prejudicial ao TJUE, determinando este, no Despacho Merck Canada Inc, de 13/02/2014 (C-555/13), que o art. 13.º do Regulamento tem de ser lido em conjugação (obrigatória) com o disposto no Considerando 9.º do mesmo Regulamento. Ou seja, sempre que da aplicação do art. 13.º resulte um período de exclusividade, conferido pela patente e pelo CCP, contado a partir da primeira AIM no EEE, superior ao prazo máximo constante do Considerando 9.º (quinze anos), deve prevalecer a aplicação do limite temporal deste último – e independentemente da data da concessão da patente de base (n.os 33 e 34).   

A posição sufragada pelo TJUE neste acórdão não é isenta de críticas, contudo. Por um lado, uma vez que é a atribuição da patente que confere exclusividade e não a AIM, quando esta seja anterior à concessão da patente, afirma-se que o período de exclusividade a que se refere o Considerando 9.º do Regulamento só deverá ser contado a partir da concessão da patente[lxxxvii].

Por outro lado, esta questão contende com o problema de saber qual o valor normativo que revestem os considerandos de um acto legislativo da UE. Ora, o TJUE já teve, por várias vezes, a oportunidade de esclarecer que os considerandos não têm valor jurídico obrigatório e não podem ser invocados para fundamentar uma interpretação de um preceito do acto em causa num sentido manifestamente contrário à sua redacção[lxxxviii]. Contudo, e apesar de o Considerando 9.º do Regulamento n.º 469/2009 conduzir a um resultado diferente daquele que decorreria do art. 13.º do mesmo Regulamento, a decisão do TJUE no caso Merck Canada Inc. foi peremptória no sentido da leitura conjugada das disposições referidas[lxxxix], [xc].

 

b.     CCP com duração negativa?

 

O art. 13.º, n.º 3, do Regulamento prevê a possibilidade de prorrogação, por seis meses, do prazo de validade dos CCP que digam respeito a medicamentos para uso pediátrico, sempre que se verifiquem as condições exigidas pelo Regulamento (CE) n.º 1901/2006, de 12 de Dezembro (cf., nomeadamente, o respectivo art. 36.º). Nestes casos, a duração máxima do CCP será de 5 anos e 6 meses e o período total de exclusividade de 15 anos e 6 meses. Com esta possibilidade, pretende “incentivar-se as indústrias farmacêuticas a desenvolver medicamentos específicos para o tratamento de crianças, ou seja, medicamentos que, tendo em conta os princípios éticos, sejam objecto de uma investigação de elevada qualidade, de testes adequados e de uma autorização específica para administração a crianças”[xci]. Acresce ainda o objectivo de melhorar a informação disponível sobre o uso de medicamentos na população pediátrica, razão pela qual apenas será concedida a “recompensa” da prorrogação do certificado se os dados relevantes sobre o resultado dos estudos forem incluídos na informação disponível sobre o medicamento autorizado (cf. art. 36.º, n.º 1, e Considerandos 4.º, 26.º e 28.º do Regulamento n.º 1901/2006).

Questão problemática que se coloca a propósito da duração dos CCP tem que ver com a eventual duração nula ou negativa de um certificado.

Por um lado, se, entre a data do pedido de patente e a data de obtenção da AIM no EEE decorrerem exactamente 5 anos, o CCP terá uma duração igual a zero, ou seja, uma duração nula, de acordo com as regras de cálculo consagradas no art. 13.º, n.º 1, do Regulamento.

Por outro lado, se, entre a data do pedido de patente e a data de obtenção da AIM no EEE mediar um período inferior a cinco anos, o CCP terá uma duração negativa.

Ambas as situações não colocam problemas quanto à generalidade das patentes relativas a medicamentos – pura e simplesmente, o CCP não deverá ser atribuído, uma vez que não apresenta nenhuma utilidade em si mesmo (cf. Ac. Merck Sharp, n.º 35). Contudo, já não será assim quando se trate de medicamentos para uso pediátrico. Embora a prática instituída no INPI, à semelhança do procedimento de boa parte das autoridades com competência nesta matéria no espaço da UE, tenha consistido, até 2012, no indeferimento de um pedido de CCP cuja duração é nula ou negativa[xcii], nestas circunstâncias, é possível retirar proveito da concessão de um CCP que diga respeito a um medicamento para uso pediátrico. Como se lê no Ac. Merck Sharp, tal prática de recusa seria “susceptível de prejudicar o efeito útil do Regulamento n.º 1901/2006” (n.º 37).

De facto, dada a faculdade de os titulares de patentes relativas a medicamentos pediátricos requererem a prorrogação do prazo de duração do CCP, é possível que, ainda que o CCP tenha uma duração nula ou negativa, venham a gozar de uma “extensão” da protecção que era conferida pela patente de base. Nestes termos, determinou o TJUE, no Ac. Merck Sharp (n.os 36 e ss.), que, uma vez que o pedido de prorrogação da duração do certificado pressupõe a prévia atribuição de um CCP (exigência explicitada no Considerando 27.º e no art. 36.º, n.º 1, do Regulamento n.º 1901/2006), este deve ser concedido ainda que a duração do certificado, tal como calculada nos termos do art. 13.º do Regulamento n.º 469/2009, seja nula ou negativa. Acresce que nada no Regulamento n.º 469/2009 indicia a exigência de uma duração positiva do CCP para que este seja atribuído (cf. n.os 28 e ss. do Ac. Merck Sharp)[xciii].

Mas as dificuldades não ficam por aqui. Coloca-se ainda o problema de saber a partir de que momento tem início a contagem da prorrogação: se apenas na data de caducidade da patente ou na data de caducidade da patente subtraindo a “duração negativa do CCP”, ou seja, o período de tempo que medeia entre o pedido da patente e a obtenção da AIM, deduzidos cinco anos. O Ac. Merck Sharp resolveu igualmente esta questão.

Tratando-se de um CCP com duração nula, ou seja, quando entre o pedido de patente e a obtenção da AIM decorrem exactamente 5 anos, o início do prazo de prorrogação coincidirá com o termo de caducidade da patente (cf. n.º 43 do Ac. Merck Sharp). Isto significa que, para além do termo do prazo da patente de base, o titular do CCP gozará ainda de um período de 6 meses de exclusividade.

Estando em causa um CCP com duração negativa, segundo o TJUE, a contagem da prorrogação não pode ser feita a partir da data de caducidade da patente de base, pois tal significaria “arredondar” para zero a duração do certificado, o que seria contrário ao disposto no art. 13.º, n.º 1. Deste modo, a data a partir da qual começa a correr o prazo de prorrogação é determinada da seguinte forma: à data de caducidade da patente subtrai-se a duração (negativa) do CCP, isto é, a diferença entre cinco anos e o período de tempo decorrido entre o pedido da patente de base e a obtenção da primeira AIM (cf. n.os 41 e ss. do Ac. Merck Sharp). Ou, na formulação de Remédio Marques, “adiciona-se, pura e simplesmente, o prazo de seis meses no cômputo do certificado já emitido (quer este tenha duração negativa, positiva ou nenhuma), à luz das regras gerais de cálculo”[xciv]. Contudo, esta solução suscita críticas. Segundo Snodin e Miles, a contagem da prorrogação deveria ter início na data de caducidade da patente, pois há que distinguir entre as razões que levaram à criação dos CCP e as razões subjacentes à concessão da “prorrogação pediátrica”. A prorrogação é qualificada, pelo Regulamento n.º 1901/2006, como uma “recompensa” pela “realização de estudos na população pediátrica” e pela disponibilização dos resultados de tais estudos (Considerandos 4.º, 26.º e 28.º)[xcv], pelo que tal “recompensa”, que se traduz na prorrogação do período de exclusividade por 6 meses, deveria ser concedida sem interferência das regras de cálculo da duração do CCP estipuladas no art. 13.º (que têm uma ratio inteiramente diferente)[xcvi].

De qualquer das formas, o CCP e a prorrogação pediátrica produzem efeitos no termo legal da patente de base, como não podia deixar de ser, atendendo ao art. 13.º, n.º 1, primeira parte.

Em conformidade com o decidido pelo TJUE no acórdão Merck Sharp, o Conselho Directivo do INPI aprovou já uma deliberação tendente à alteração dos seus procedimentos nesta matéria: a Deliberação n.º 01/2012, de 30 de Março.

Conclui-se, portanto, que a concessão de um CCP de duração nula ou de duração negativa, desde que inferior a 6 meses[xcvii], pode permitir o alargamento do período de exclusividade atribuído ao titular de uma patente relativa a um medicamento para uso pediátrico, através da possibilidade de prorrogação da duração do CCP para tais casos, conferida pelo art. 13.º, n.º 3, do Regulamento.

 

8.      Procedimento relativo ao pedido de atribuição de CCP

 

Os arts. 115.º a 116.º CPI regulam os aspectos procedimentais relativos à atribuição do CCP para medicamentos (e produtos fitofarmacêuticos). As regras constantes destes preceitos replicam as que resultavam já do Regulamento n.º 469/2009, embora não fosse necessário proceder à transposição de tais normas. Os referidos preceitos do CPI são instrumentais relativamente às normas de direito substantivo atinentes à protecção complementar de patentes de medicamentos, que constam, exclusivamente, do Regulamento europeu.

Os CCP são conferidos pelas autoridades competentes para atribuir, nos Estados-membros, as patentes de invenção: entre nós, o INPI. É também perante esta autoridade que é apresentado o pedido de CCP (arts. 9.º e 10.º do Regulamento n.º 469/2009 e 115.º, n.º 1, e 116.º, n.º 2, CPI).

O pedido deverá ser efectuado pelo titular da patente de base ou por um mandatário designado pelo titular. Para os casos em que existem vários titulares da patente de base, todos eles devem figurar no pedido de CCP[xcviii].

Nos termos do art. 115.º CPI, deve ser apresentado junto do INPI um requerimento dirigido à obtenção do CCP, que deve conter os elementos constantes do n.º 1 e ser acompanhado dos documentos referidos nos n.os 2 e 3 do mesmo preceito.

Quanto ao pedido de prorrogação da validade de um CCP, respeitante a medicamentos para uso pediátrico, rege o art. 115.º-A CPI.

Nos termos do art. 116.º CPI, apresentado o pedido no INPI, é feito o respectivo exame, podendo, por fim, o pedido ser aceite ou recusado, consoante sejam ou não cumpridos os requisitos constantes do Regulamento n.º 469/2009. Sendo concedido o CCP, há lugar à publicação do pedido de certificado e do despacho da sua concessão no Boletim da Propriedade Industrial, donde deverão constar as indicações referidas no art. 116.º, n.º 7, CPI.

 

9.     Natureza jurídica do CCP

 

A discussão relativa à natureza jurídica do CCP coloca-se, essencialmente, nos seguintes termos: o certificado constitui um direito de propriedade industrial novo e autónomo face aos restantes ou estamos, antes, perante um mero prolongamento do prazo de duração de certo tipo de patentes?

Parecendo aderir à primeira tese, Remédio Marques afirma que “o CCP é, uno actu, um direito de propriedade industrial formalmente autónomo, embora se posicione, por ocasião do seu nascimento e à luz do seu âmbito de protecção, num quadro de instrumentalidade e dependência material em relação ao direito de patente”[xcix]. Noutro passo, o Autor refere-se ao CCP como um “novo título jurídico nacional de protecção sui generis das invenções” químico-farmacêuticas[c].

Neste sentido, dir-se-á que é um argumento preponderante o facto de o âmbito de protecção do CCP e o da patente de base poderem não coincidir. Não existindo tal coincidência, não ocorre o prolongamento do direito de patente qua tale. No entanto, há que ter em conta que também o âmbito de protecção do direito de patente não é imutável. De facto, o objecto de protecção das patentes pode alterar-se durante o seu período de vigência, em virtude da modificação das respectivas reivindicações, desde que daqui não resulte um alargamento do referido objecto (cf., v.g., arts. 83.º, n.º 4, e 114.º do CPI e arts. 105.º-B e 123.º da CPE)[ci]. Não se pode assim considerar que o argumento em causa confirme decisivamente a tese de que o certificado constitui um novo e autónomo direito de propriedade industrial.

O elemento histórico também não nos conduz a uma conclusão clara nesta discussão. Por um lado, resulta vertida, na Exposição de Motivos, a intenção de criar um direito privativo novo e autónomo (no n.º 20, pode ler-se “The proposed system takes the legal form of a new protection certificate, sui generis”). De facto, identificado o problema da reduzida duração efectiva do direito de exclusivo conferido pelas patentes no sector dos medicamentos, e perante as várias soluções normativas possíveis, as instâncias europeias decidiram criar um instrumento formalmente autónomo – o Certificado Complementar de Protecção –, e não apenas instituir uma regra que ditasse o prolongamento da duração da patente no domínio farmacêutico, como aconteceu, por exemplo, nos EUA, através do Patent Term Restoration Act, de 1984. Contudo, por outro lado, são conhecidas as circunstâncias que impeliram as instâncias comunitárias a adoptar esta solução, nomeadamente, os inconvenientes de uma eventual directiva de harmonização da UE que consagrasse a prorrogação do prazo de validade das patentes e as dificuldades que se anteviam a uma alteração à CPE[cii].

Ponto mais pacífico é o da existência de uma certa instrumentalidade e dependência material do CCP em relação ao direito de patente. Por um lado, apesar de o âmbito de protecção do certificado e o da patente poderem não coincidir, o primeiro tem sempre que se conter no segundo (arts. 3.º, al. a), e 4.º, primeira parte, do Regulamento). Por outro lado, o CCP será inválido se a patente de base caducar antes do termo do seu período de validade legal ou se for anulada ou limitada, a ponto de as suas reivindicações deixarem de abranger o produto protegido pelo certificado (art. 15.º, n.º 1, als. b) e c) do Regulamento). Apoiando-se nestas últimas disposições, parte da doutrina considera que os CCP apresentam um carácter acessório em relação às patentes de base a que estão ligados[ciii]. Por outro lado, o facto de a invalidade da patente não ter efeitos automáticos sobre a eficácia do CCP, sendo necessário suscitar a intervenção do tribunal (art. 15.º, n.º 2), advoga no sentido do carácter autónomo do CCP em relação à patente.

Em conclusão, a consideração dos vários factores descritos parece levar a uma aproximação à tese segundo a qual, de um ponto de vista formal, o CCP corresponde a um direito de propriedade industrial novo e autónomo, embora, de uma perspectiva material ou substantiva, se traduza num regime jurídico de prorrogação do prazo de validade de um certo tipo de patentes[civ].

 

Conclusão

 

Desde a sua criação, o regime jurídico do Certificado Complementar de Protecção tem sido clarificado e aprofundado, em grande parte, graças aos contributos do TJUE. Contudo, mesmo no estádio actual, permanecem questões por resolver, sobretudo quanto aos requisitos de obtenção do CCP e ao respectivo âmbito de protecção e duração, que ainda deixam, assim, nalguma medida, em aberto o sentido da evolução deste instrumento jurídico do Direito da Propriedade Industrial. É, pois, de esperar que o TJUE continue a ser chamado para esclarecer os pontos em que ainda subsistem dúvidas, havendo já quem defenda, inclusivamente, a conveniência de proceder a alterações ao Regulamento n.º 469/2009, acomodando as interpretações e linhas de orientação que vêm sendo fornecidas pelo TJUE. Assim se promoveria uma maior certeza e segurança jurídicas, necessárias a uma definição clara dos contornos da protecção conferida pelos direitos de propriedade industrial no sector farmacêutico. Contudo, não se prevê que tal alteração legislativa seja fácil, atendendo aos diferentes interesses económicos em causa.

 

 

Jurisprudência utilizada

 

-        Ac. do TRL, de 20/10/2009, Processo n.º 107/08.6TYLSB.L1-7, Relator Abrantes Geraldes.

-        Ac. do TRL, de 22/09/2011, Colectânea de Jurisprudência, 2011, Tomo IV, págs. 94 e ss.

-        Ac. do TRL, de 07/04/2011, Processo n.º 108/08.4TYLSB.L1-8, Relator Carlos Marinho.

-        Ac. do TRL, de 19/09/2013, Processo n.º 402/13.2YRLSB-2, Relatora Maria José Mouro.

-        Ac. do TRL, de 27/03/2014, Processo n.º 1203/13.3YRLSB-6, Relatora Maria de Deus Correia.

-        Ac. do Tribunal da Propriedade Intelectual, de 09/04/2014, Processo n.º 457/12.7YHLSB.

-        Ac. do TRL, de 13/10/2015, Processo n.º 203/14.0YHLSB.L1-1, Relator Manuel Marques.

 

*

 

-        Ac. TJUE Biogen, de 23/01/1997, C-181/95

-        Ac. TJUE Manfredi, de 25/11/1998, C-308/97

-        Ac. TJUE Farmitalia, de 16/09/1999, C-392/97

-        Ac. TJUE Hässle, de 11/12/2003, C-127/00

-        Ac. TJUE Pharmacia Italia, de 19/10/2004, C-31/03

-        Ac. TJUE Novartis e o., de 21/04/2005, C-207/03 e C-252/03

-        Ac. TJUE Deutsches MilchKontor, de 24/11/2005, C136/04

-        Ac. TJUE Massachusetts Institute of Technology, de 04/05/2006, C-431/04

-        Despacho TJUE Yissum, de 17/04/2007, C-202/05

-        Ac. TJUE AHP Manufacturing, de 03/09/2009, C-482/07

-        Ac. TJUE Synthon BV, de 28/07/2011, C-195/09

-        Ac. TJUE Generics (UK) Ltd, de 28/07/2011, C-427/09

-        Ac. TJUE Medeva BV, de 24/11/2011, C-322-10

-        Ac. TJUE Georgetown University, de 24/11/2011, C-422/10

-        Despacho TJUE University of Queensland, de 25/11/2011, C-630/10

-        Despacho TJUE Yeda Research and Development Company Ltd, de 25/11/2011, C-518/10

-        Despacho TJUE Daiichi Sankyo, de 25/11/2011, C-6/11

-        Ac. TJUE Merck Sharp, de 08/12/2011, C-125/10

-        Ac. TJUE Novartis AG, de 09/02/2012, C-442/11

-        Ac. TJUE Caronna, de 28/06/2012, C7/11

-        Ac. TJUE Neurim Pharmaceuticals, de 19/07/2012, C-130/11

-        Despacho TJUE Glaxosmithkline Biologicals SA, de 14/11/2013, C-210/13

-        Ac. TJUE Actavis Group PTC e Actavis UK, de 12/12/2013, C-443/12

-        Ac. TJUE Georgetown University II, de 12/12/2013, C-484/12

-        Ac. TJUE Eli Lilly and Company Ltd, de 12/12/2013, C-493/12

-        Despacho TJUE Merck Canada Inc, de 13/02/2014, C- 555/13

-        Ac. TJUE Seattle Genetics, de 06/10/2015, C-471/14

 

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[i] O presente texto constitui uma versão revista do relatório apresentado sobre o tema na disciplina de Propriedade Industrial e Concorrência Desleal do Mestrado em Direito Empresarial da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da UCP, regida pelo Professor Evaristo Mendes, no ano lectivo de 2014/2015, e destina-se a ser publicado, de forma mais condensada, no próximo número da revista Propriedades Intelectuais. Agradece-se a este Professor e ao Senhor Dr. Manuel Oehen Mendes os comentários críticos e sugestões que permitiram significativa melhoria do texto inicial. O texto ficou concluído em Dezembro de 2015 e não segue o Acordo Ortográfico. Além da diferente extensão, a versão definitiva poderá apresentar modificações, se tal se vier a justificar.

[ii] Por patente europeia entenda-se patente obtida pela via europeia (arts. 75.º e ss. CPI), uma vez que não se trata de um título unitário para o conjunto dos Estados-membros da UE.

[iii] E este pedido deve ser efectuado o mais cedo possível, “a fim de evitar qualquer risco de divulgação ou o êxito de investigações conduzidas em paralelo por laboratórios concorrentes”: Marques, J.P. Remédio, O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 293.

[iv] Assim, Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 244. A Exposição de Motivos da Proposta de Regulamento (CEE) do Conselho, de 11 de Abril de 1990, relativa à criação de um CCP para os medicamentos (COM (90) 101 Final – SYN 255), apresentada pela Comissão Europeia (de ora em diante, “Exposição de Motivos”), apontava, na altura, para um tempo médio de 12 anos tendente à obtenção da autorização para comercialização de um novo produto farmacêutico.

[v] Neste sentido, Remédio Marques refere que a duração efectiva do exclusivo comercial concedido por um direito de patente a um novo medicamento é, aproximadamente, de 11 a 12 anos, enquanto, nos restantes domínios tecnológicos, o período de vida útil das patentes é, aproximadamente, de 18 anos ou de 18 anos e meio: Licença de Medicamento (…), pág. 38.

[vi] É preciso notar que, como aponta a Exposição de Motivos (ponto 5), a indústria farmacêutica consegue praticamente auto-financiar-se, assim se desmoronando o “mito da importância do investimento público”, citando a expressão usada por Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 221, nota 8. No mesmo sentido, e apresentando estatísticas em relação à proveniência do financiamento para a investigação e desenvolvimento de medicamentos nos EUA, Grubb, Philip W., Thomsen, Peter R., Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology, pág. 426.

[vii] Actualmente, a possibilidade de extensão do termo da patente, no direito norte-americano, encontra-se prevista na U.S. Patent Law, 35 U.S.C. § 156.

[viii] Como se diz no n.º 20 da Exposição de Motivos, o CCP “[…] lies at the interface between two systems, that of prior authorizations for the placing on the market of medicinal products and that of their protection by patent […]”.

[ix] Em rigor, a comercialização de medicamentos implica ainda outros procedimentos de regulação administrativa da saúde, tais como a aprovação do preço de venda ao público (PVP) e, eventualmente, a fixação da margem de comparticipação do Estado (através do Sistema Nacional de Saúde) no preço de venda.

[x] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 220.

[xi] Esta ideia é sublinhada pela Exposição de Motivos, no seu ponto 4.

[xii] Assim, Marques, J.P. Remédio, O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 295, nota 20, usando o exemplo do medicamento comercializado sob a marca ProzacTM. Cf. também Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 7, sublinhando que “a considerable share of investments in research is not recovered during the term of the patent but rather during the term of the certificate” e ainda Kuipers, Gertjan, Douma, Tjibbe, Kokke, Margot, Recent European developments regarding patent extensions (…), pág. 128: “Drugs are usually at their most profitable stage at the end of the patent term and every day of extended exclusivity can give considerable profits.”

[xiii] Assim, os Acórdãos TJUE Synthon BV, de 28/07/2011, C-195/09, n.os 34 e ss. e Generics (UK) Ltd, de 28/07/2011, C-427/09, n.os 33 e ss.

[xiv] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 233, nota 45.

[xv] Criticando esta orientação do TJUE, Gassner, Ulrich M., Recent developments in the area of supplementary protection certificates, pág. 47.

[xvi] Remédio Marques questiona, “de iure condendo, a rigidez deste critério do objecto” do CCP: O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 299, nota 36.

[xvii]Thus for instance the combination of a sodium salt of an active ingredient with a potassium salt of the ingredient does not constitute a new combination of active ingredients as against the sodium or potassium salt alone if the two salts have the same pharmacological properties”: Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), págs. 69 e 87.

[xviii] Cf. Cerviño, Alberto Casado, El Reglamento comunitario relativo (…), pág. 790.

[xix] Cf. Snodin, Mike, Miles, John, Pears, Michael, Supplementary protection certificates (…), pág. 58 e Berwal, Paramjeet Singh, Articles 3(a) and 3(b) of the SPC Regulation (…), pág. 30.

[xx] Cf. Marques, J.P. Remédio, O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 299, nota 39.

[xxi] Um mesmo produto também pode estar protegido por mais do que uma patente de base, questão que se analisará infra.

[xxii] Referindo-se a este aresto, Remédio Marques questiona a legalidade da emissão de um CCP respeitante a um produto que não tenha sido obtido directamente a partir do processo patenteado, nas situações em que a patente de base é uma patente de processo: O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 307.

[xxiii] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 241.

[xxiv] Assim, entre outros, Ac. Medeva, n.º 25 e Despachos TJUE, de 25/11/2011, University of Queensland, n.º 31, e Daiichi Sankyo (C-6/11), n.º 30. Este último Despacho clarificou que o “teste da divulgação” aplica-se não só a vacinas multivalentes mas a todos os medicamentos que consistam numa combinação de princípios activos.

[xxv] Cf. Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 45.

[xxvi] Doutrina firmada no Ac. TJUE Farmitalia, de 16/09/1999 (C-392/97).

[xxvii] Cf. Kupecz, András, SPCs covering combination products – current validity issues across Europe?.

[xxviii] Cf. Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 281.

[xxix] Sob pena de o Considerando 14.º do Regulamento n.º 1610/96 contrariar a noção de produto que tem vindo a ser sustentada pelo TJUE, para que os produtos derivados de uma substância activa possam lograr, per se, a protecção de um certificado devem ainda constituir um “produto” diferente da substância activa, no sentido de apresentarem diferentes efeitos terapêuticos próprios. O referido Considerando 14.º não pretendeu, pois, criar uma ficção legal de produto. Cf. Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 95.

[xxx] Não se compreende, assim, a crítica tecida por Remédio Marques à orientação firmada no caso Yeda, alegando que “esta jurisprudência tende, assim, a reduzir o alcance do próprio “teste da divulgação” (O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 308), pois que o “teste da divulgação” exige que os produtos sejam expressamente mencionados (isto é, identificados ou especificados) nas reivindicações da patente de base, não bastando que se contenham na combinação protegida pela patente.

[xxxi] Cf., por todos, Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 233.

[xxxii] Disponível em www.inpi.pt

[xxxiii] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 237.

[xxxiv] Referindo-se a esta dicotomia no âmbito do direito de patente, Gonçalves, Luís Couto, Manual de Direito Industrial, págs. 101 e 102.

[xxxv] Berwal, Paramjeet Singh, Articles 3(a) and 3(b) of the SPC Regulation (…), pág. 35.

[xxxvi] Cf., ainda, o n.º 37 do mesmo acórdão.

[xxxvii] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 233. Assim também, Joshi, Omkar, Roy, Archna, Janodia, Manthan, Supplementary Protection Certificate (…), pág. 383.

[xxxviii] Assim, Snodin, Mike, Miles, John, Pears, Michael, Supplementary protection certificates (…), pág. 62. Estimando que, à luz da nova orientação do TJUE, em 2012, um terço dos CCP vigentes ou pedidos de CCP pendentes relativos a combinações de princípios activos seriam inválidos ou improcedentes, Fry, Aidan, Medeva ruling may render third of combi SPCs invalid, pág. 24.

[xxxix] Colectânea de Jurisprudência, 2011, Tomo IV, págs. 94 e ss.

[xl] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 235. De forma semelhante, Gassner entende que “Medeva and the later decisions based thereon did not foster R&D”: Recent developments in the area of supplementary protection certificates, pág. 57.

[xli] Marques, J.P. Remédio, O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 316. Com opinião semelhante, Snodin, Mike, Miles, John, Pears, Michael, Supplementary protection certificates (…), pág. 62, afirmando que “the Medeva and Georgetown et al. decisions should be welcomed by the pharmaceutical and agrochemical industries as representing a carefully balanced approach that rewards genuine innovation with an appropriate degree of protection”.

[xlii] Marques, J.P. Remédio, O objecto do certificado complementar de protecção (…), pág. 43. Sobre as práticas de evergreening, destinadas, essencialmente, a “protrair no tempo o exclusivismo merceológico desses medicamentos de referência, retardando ou impossibilitando a introdução dos medicamentos genéricos no mercado”, cf. Marques, J.P. Remédio, Medicamentos versus Patentes – Estudos de Propriedade Industrial, págs. 76 e ss., e Howard, Leighton, Strategic use of supplementary protection certificates (Part 1) e Strategic use of supplementary protection certificates (Part 2).

[xliii] Cf. Ac. TJUE Actavis Group PTC e Actavis UK, de 12/12/2013 (C-443/12), n.º 41.

[xliv] Gonçalves, Luís Couto, Manual de Direito Industrial, pág. 92.

[xlv] Cf. Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 234.

[xlvi] Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 47 e O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 307. Repare-se, contudo, que o Autor pronuncia-se antes do Ac. Eli Lilly and Company Ltd, que veio admitir as reivindicações funcionais, nas circunstâncias já referidas.

[xlvii] Sublinhando o estado de incerteza que ainda persiste quanto ao grau concreto que deve ser observado na especificação do produto nas reivindicações, cf., entre outros, Snodin, Mike, Miles, John, Pears, Michael, Supplementary protection certificates (…), pág. 60, Kuipers, Gertjan, Douma, Tjibbe, Kokke, Margot, Recent European developments regarding patent extensions (…), pág. 131, Cook, Trevor, The Court of Justice Recasts the EU Patent Term Extension System, pág. 143, Arcalá, Luis Alberto Marco, El controvertido ámbito y alcance de los certificados (…), pág. 554 e Zimmer, Franz-Josef, Quest, Benjamin, Grammel, Markus, Recent Decisions of the European Court of Justice of the European Union on Supplementary Protection Certificates (…), pág. 176.

[xlviii] Neste sentido, afirma a Advogada-Geral Verica Trstenjak, nas respectivas Conclusões nos processos Medeva e Georgetown University, que, “para efeitos do artigo 3.°, alínea a), […], o juiz chamado a aplicar este artigo deve examinar, no essencial, se existe um produto que constitui o objecto da patente de base. Se esta questão for respondida pela afirmativa, é, em regra, preenchida eo ipso a outra condição do artigo 3.°, alínea a), de que este produto deve estar protegido por uma patente de base em vigor” (n.os 98 e ss.).

[xlix] Ver também Ac. Farmitalia, n.os 23-29 e Gassner, Ulrich M., Recent developments in the area of supplementary protection certificates, pág. 59.

[l] O que tem gerado diferentes interpretações por parte das autoridades competentes em matéria de propriedade industrial de cada Estado-membro: por exemplo, o Instituto de Patentes do Reino Unido considera que não é necessário, nos termos do art. 3.º, al. b), do Regulamento, que a AIM seja ainda válida no momento do pedido – cf. Manual of Patent Practice of the UK-IPO, SPM 3.03, disponível em https://www.gov.uk/government/publica-tions/patents-manual-of-patent-practice, e Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), págs. 315 e ss. Cf. também, no entanto, o disposto no art. 14.º, al. d), do Regulamento.

[li] Cf., entre outros, Ac. Medeva, n.º 42, Ac. Georgetown University, n.º 35, e Despacho University of Queensland, n.º 36.

[lii] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 236.

[liii] Desde logo, pela Organização Mundial de Saúde: cf. o 39.º Relatório WHO Expert Committee on specifications for pharmaceutical preparations, págs. 95 e ss.

[liv] Cf. também Cook, Trevor, The Court of Justice Recasts the EU Patent Term Extension System, pág. 143.

[lv] Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 51.

[lvi] Processo n.º 107/08.6TYLSB.L1-7, Relator Abrantes Geraldes.

[lvii] Cf. Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 236.

[lviii] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 239, nota n.º 66.

[lix] Processo n.º 108/08.4TYLSB.L1-8, Relator Carlos Marinho.                                                          

[lx] Cf. Snodin, Mike, Miles, John, Pears, Michael, Supplementary protection certificates (…), pág. 61, nota 10. Tendo em conta esta jurisprudência, afirma Brückner que “it is to be assumed that the original wording of «one protection certificate per product» is no longer applicable. It is instead to be interpreted in the sense of «one certificate per product and applicant». This thus abandons the basic rule of “first come first served”: Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 393.

[lxi] Questão não despicienda, mas que tem sido considerada alheia ao direito de patentes, diz respeito aos critérios que permitam distinguir diferentes titulares de patentes, nomeadamente, quando, por exemplo, dois titulares constituam entidades jurídicas diversas, mas haja relações de domínio ou de grupo entre elas.

[lxii] Afastou-se, assim, a situação intolerável de a probabilidade de atribuição de um certificado depender da rapidez de resposta de cada autoridade competente em matéria de propriedade industrial.

[lxiii] Remédio Marques chama a atenção para o facto de esta prática constituir uma estratégia de actuação das empresas titulares de patentes dirigida a prolongar o seu exclusivo económico. Com o mesmo objectivo, refere o Autor ser também comum as empresas titulares de patentes obterem uma AIM apenas para uma parte da invenção patenteada, pelo que a empresa (ou outra empresa, com autorização da primeira) carecerá de uma nova AIM, se desejar comercializar um medicamento diferente contido no âmbito de protecção da patente – Licença de Medicamento (…), pág. 59.

[lxiv] Defendida pela Advogada-Geral Verica Trstenjak, nas respectivas Conclusões no processo Neurim, n.os 28 e ss.

[lxv] Cf. Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 119.

[lxvi] Como afirma a Advogada-Geral Verica Trstenjak, nas respectivas Conclusões no processo Neurim, com a adopção deste critério, e uma vez que a nova interpretação da expressão “primeira autorização de introdução no mercado” vale também para efeitos do art. 13.º, n.º 1, do Regulamento (cf. n.º 31 do Ac. Neurim), evita-se “que os fabricantes de medicamentos possam optimizar o período de validade da protecção assegurada por uma patente de base, mediante a apresentação de um pedido de autorização, escalonado no tempo, para várias utilizações de um produto protegido por uma patente de base, como medicamento, e assim, com base em várias «primeiras» autorizações de colocação no mercado de diferentes utilizações, como medicamento, de um só produto, que são abrangidas todas pelo âmbito de aplicação da mesma patente de base, contornar o limite da duração do certificado complementar de protecção previsto pelo legislador.” (n.º 56).

[lxvii] Neste sentido, Snodin, Mike, Pears, Michael, A Brave New World for Supplementary Protection Certificates?, págs. 26 e ss., e Neurim wins the battle but not (yet) the war for innovators e Gassner, Ulrich M., Recent developments in the area of supplementary protection certificates, págs. 52 e ss.

[lxviii] Brückner entende, no entanto, que, com o Ac. Neurim, o TJUE clarificou o conceito de “produto”, cuja definição depende agora do âmbito de protecção da patente de base: Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 435-437. Apesar de desejável, não nos parece que esta consequência decorra do acórdão em análise, nunca se referindo nele o Tribunal ao conceito de “produto”.

[lxix] Cf. Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 241-242. Este Autor explica que esta limitação é justificada face ao escopo dos CCP, que consiste na “prorrogação do prazo de protecção do invento que não pôde ser explorado comercialmente pelo titular da patente antes da indispensável autorização administrativa”.

[lxx] Na formulação de Remédio Marques, o CCP não confere, pois, uma “protecção absoluta da substância activa presente nas reivindicações da patente de base, oponível a terceiros, independentemente da concreta aplicação (terapêutica ou não terapêutica): Licença de Medicamento (…), pág. 43, nota 45.

[lxxi] Contudo, como afirma Brückner, “this does not constitute a genuine restriction of protection, since a third party is in any event prohibited from using the product for other pharmaceutical purposes without a marketing authorisation”: Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 489.

[lxxii] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 247.

[lxxiii] Constituirá, assim, uma infracção do direito de exclusivo do titular do CCP a comercialização de um medicamento que contenha os produtos A e B quando o CCP apenas proteja o produto A, por exemplo. Neste sentido, a decisão do TJUE no Ac. Novartis AG, de 09/02/2012 (C-442/11), n.º 23.

[lxxiv] A questão relativa à infracção, por meios equivalentes, do direito de exclusivo do titular de um CCP coloca-se nos mesmos termos que a relativa ao direito de exclusivo do titular de uma patente, pelo que se remete para a bibliografia geral sobre o tema, nomeadamente, Gonçalves, Luís Couto, Manual de Direito Industrial, págs. 93 e ss.

[lxxv] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 248.

[lxxvi] Quanto ao desenvolvimento deste regime, remete-se igualmente para a bibliografia geral sobre o problema, designadamente, Gonçalves, Luís Couto, Manual de Direito Industrial, págs. 89 e ss. e Mendes, Manuel Oehen, A inversão do ónus da prova na violação das patentes de processo.

[lxxvii] Assim, Segade, José A. Gómez, Tecnología y derecho (…), pág. 513 e Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 509. Mostrando dúvidas quanto a esta conclusão quando estejam em causa obrigações de natureza contratual e não legal, De La Rosa, Fidel Porcuna, The Extension of the Exclusive Right to Pharmaceuticals (…), pág. 69.

[lxxviii] Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 37.

[lxxix] Sendo, tipicamente, mais demorado o procedimento de obtenção de uma AIM do que o de atribuição de uma patente e considerando que, normalmente, o pedido da AIM é posterior à data do pedido da patente correspondente, nomeadamente, para não tornar questionável o requisito da novidade (Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 220), a última hipótese, prevista no art. 7.º, n.º 2, do Regulamento, parece de verificação menos provável.

[lxxx] Bently e Sherman advertem, contudo, que, se os procedimentos administrativos tendentes à autorização de introdução de um determinado medicamento no mercado forem mais céleres nos outros Estados-membros do que no Estado-membro onde é apresentado o pedido de CCP, o titular da patente verá reduzido o seu exclusivo de exploração, mas não terá a compensação devida, atendendo às regras do cômputo da duração do CCP: cf. Bently, Lionel, Sherman, Brad, Intellectual Property Law, pág. 554. Reconhecendo o mesmo problema, o ponto 14 da Exposição de Motivos.

[lxxxi] O que significa que o pedido de AIM é gerido pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e que a AIM assim obtida será válida em todos os Estados-membros da UE.

[lxxxii] Para um comentário a este acórdão e suas repercussões, cf. Snodin, Mike, The CJEU Calls Extra Time For SPCs – But There May Be Further Battles Ahead For Companies. Este Autor estima que, com esta decisão do TJUE, “a significant proportion (perhaps up to 30% or even 40%) of SPCs for medicinal products will become eligible for additional days of protection in all EU member states”. Repare-se que, antes do Ac. do TJUE Seattle Genetics, em Portugal, o Tribunal da Propriedade Intelectual havia já proferido uma decisão no mesmo sentido e, no essencial, com os mesmos fundamentos: processo n.º 457/12.7YHLSB, publicado no Boletim da Propriedade Industrial, de 24/09/2014.

[lxxxiii] Assim, Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 55.

[lxxxiv] Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 243.

[lxxxv] A proposta inicial da Comissão Europeia apontava para uma duração máxima do CCP de 10 anos e um período máximo de exclusividade de 16 anos, solução que acabou por não vingar, em virtude, nomeadamente, da pressão das empresas de medicamentos genéricos: cf. Goldberg, Richard, Lonbay, Julian, Pharmaceutical Medicine (…), pág. 198 e Exposição de Motivos, ponto 14.

[lxxxvi] Cf. Snodin, Mike, Every cloud has a silver lining: Portugal’s loss may be the UK’s gain, pág. 1.

[lxxxvii] Cf. Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), pág. 244 e o Ac. do TRL, de 27/03/2014, Processo n.º 1203/13.3YRLSB-6, Relatora Maria de Deus Correia.

[lxxxviii] Ver, por exemplo, os acórdãos do TJUE Manfredi, de 25/11/1998, C-308/97, n.º 30, Deutsches MilchKontor, de 24/11/2005, C136/04, n.º 32, e Caronna, de 28/06/2012, C7/11, n.º 40.

[lxxxix] No sentido da posição do TJUE, confrontar, na jurisprudência nacional, os Acórdãos do TRL, de 19/09/2013, Processo n.º 402/13.2YRLSB-2, Relatora Maria José Mouro, e de 13/10/2015, Processo n.º 203/14.0YHLSB.L1-1, Relator Manuel Marques: “E, embora o artigo 13.º do Regulamento não se refira ao período total de exclusividade de que o titular de uma patente e de um certificado poderá beneficiar, pressupõe, contudo, que será o limite máximo de 15 anos enunciado no considerando 9.º, uma vez que o articulado dos Regulamentos se dirige às situações nos termos desenhados na introdução constante dos «Considerandos» que contêm os respectivos propósitos”.

[xc] Na sequência do Despacho do TJUE Merck Canada Inc., o Conselho Directivo do INPI exarou a Directiva n.º 2/2014, de 10 de Abril, determinando, inter alia, que se deve proceder “à verificação e, quando necessário, à rectificação da vigência de todos os certificados complementares de protecção concedidos […], de modo a garantir que não seja excedido o período máximo de exclusividade definido pelo TJUE”.

[xci] Campinos, António, Gonçalves, Luís Couto (coord.), Código da Propriedade Industrial – Anotado, pág. 286.

[xcii] Cf. Deliberação do Conselho Directivo do INPI, n.º 01/2012, de 30 de Março, ponto 3.

[xciii] Adverte-se ainda, na doutrina, para o facto de a não concessão de CCP com duração nula ou negativa, precludindo a “prorrogação pediátrica”, poder levar a atrasos deliberados nos procedimentos de obtenção das AIM, provocados pelo respectivo requerente, de forma a alcançar uma duração positiva do CCP, o que levaria, indesejavelmente, ao atraso da comercialização de medicamentos inovadores: cf. Muller-Stoy, Tilman, Brückner, Christopher, Supplementary protection certificates with negative duration?, pág. 639.

[xciv] Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 58.

[xcv] Tanto é assim que o Considerando 28.º do Regulamento n.º 1901/2006 determina que “a recompensa deverá ser concedida mesmo nos casos em que a indicação pediátrica não seja autorizada”, ou seja, mesmo quando não se tenha demonstrado a segurança e eficácia do medicamento em causa para uso pediátrico.

[xcvi] Cf. Snodin, Mike, Miles, John, Making the Most of Paediatric SPC Extensions, pág. 388.

[xcvii] Ou, por outras palavras, quando, entre o pedido de patente e a obtenção da AIM, decorre um período compreendido entre 4 anos e meio e 5 anos.

[xcviii] Segundo a informação fornecida pelo INPI, acessível em http://www.marcasepatentes.pt/índex.php?-section=436.

[xcix] Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 42 e O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 292. No mesmo sentido, Cook, Trevor, EU Intellectual Property Law, pág. 543 (“It is not, strictly speaking, correct to speak of the SPC as conferring ‘patent extension’ even though it is convenient so to do – instead the SPC is a separate right which comes into force immediately on patent expiry”), Cerviño, Alberto Casado, El Reglamento comunitario relativo (…), pág. 788, Segade, José A. Gómez, Tecnología y derecho (…), pág. 511 (que qualifica o CCP como uma nova modalidade de direito de propriedade industrial, amparada num título, baseado numa patente em vigor) e Zbierska, Katarzyna, Relations between SPC and data exclusivity, págs. 76 e 77, entre outros.

[c] Marques, J.P. Remédio, Licença de Medicamento (…), pág. 40 e O objecto e o âmbito de protecção do certificado (…), pág. 292.

[ci] Sobre a possibilidade de modificação das reivindicações de uma patente ao abrigo das disposições da CPE, cf. Grubb, Philip W., Thomsen, Peter R., Patents for Chemicals, Pharmaceuticals, and Biotechnology, págs. 225-226.

[cii] Com desenvolvimentos, Brückner, Christopher [et al.], Ergänzende Schutzzertifikate (…), pág. 17 e Mendes, Manuel Oehen, Os certificados complementares de protecção (…), págs. 226 e ss.

[ciii] Cf., entre outros, Segade, José A. Gómez, Tecnología y derecho (…), pág. 512.

[civ] Posição a que parece aderir Oehen Mendes: Os certificados complementares de protecção (…), pág. 228.