Evaristo Mendes


 

Evaristo Mendes

 

Redução do capital por perdas. Operação de acordeão. Nota de jurisprudência

 

Lê-se no sumário do Acórdão do TRC de 10.07.2014, recentemente publicado na Colectânea de Jurisprudência[i]:

I – Com o Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de Janeiro, não teve o legislador a intenção de alterar, no domínio da redução do capital para cobertura de perdas, o que resultava do quadro normativo anterior.

II – Estando em causa a redução do capital social para cobertura dos prejuízos, não opera a limitação imposta pelo art. 95.º, nº 1, do CSC (na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 8/2007, 17.01).

III – Não é nula a deliberação social através da qual se procedeu ao aumento do capital social cuja assembleia deliberativa não foi precedida do anúncio/publicitação a que se refere o art. 459.º, nº 1, do [CSC] (condições do exercício do direito de preferência dos sócios a subscreverem as novas acções) e respectivo pacto social, porquanto se trata de mero vício de procedimento fora do âmbito do art. 56.º do CSC.

O Acórdão resolve, antes de mais, um problema de falta de rigor legislativo. Como se sabe, a reforma de 2006 do CSC, que em parte se completou em 2007, teve duas vertentes distintas: uma respeitante sobretudo à governança das sociedades abertas e das grandes sociedades e a outra de simplificação de formas e procedimentos de diversos actos e operações societárias. Quanto à primeira, pode discutir-se a bondade de uma ou outra das soluções consagradas, mas nota-se que os assuntos foram convenientemente estudados e as respectivas soluções ponderadas. Não assim quanto à segunda, inserida no chamado programa «simplex». Com efeito, o modo como o objectivo de simplificação foi levado a cabo, além de ter resultado numa acentuada quebra da segurança jurídica – de que é exemplo acabado o chamado registo por depósito das quotas, paradoxalmente, aliás, um regime inutilmente complicado, disperso pelo CSC [arts. 242-A ss] e pelo CRCom [máxime, arts. 29.5 e 29-A], e que faz impender sobre as pequenas sociedades portuguesas uma missão de controlo que elas não estão em condições de cumprir satisfatoriamente –, tornou algumas das disposições alteradas do CSC dificilmente inteligíveis e/ou de sentido duvidoso. É o que sucede com o DL 8/2007, que, levado à letra, inviabilizaria, em boa medida, as reduções do capital social por perdas, uma vez que, após a redução, o capital próprio teria que suplantar a respectiva cifra em pelo menos 20%. O Aresto, na linha de parte da doutrina, perfilha a única interpretação razoável do regime vigente: uma tal exigência não vale para a redução por perdas, mantendo-se neste aspeto o que de forma inequívoca resultava da versão originária do Código.

 

Apêndice

 

Redução do capital a zero. Operação de acordeão[ii]. Jurisprudência francesa[iii]

 

A) Caso L’Amy (2002)[iv]

 

Sumário

Operação de acordeão sobre a sociedade L’Amy, com redução do capital social a zero justificada por perdas superiores a ele, e aumento do mesmo capital mediante subscrição integralmente reservada a um terceiro, efectuada no âmbito de processo amigável de recuperação empresarial e votada maioritariamente pela colectividade social. Consequente anulação das acções preexistentes e perda da qualidade de sócio por todos os anteriores accionistas, passando a sociedade a «pertencer» ao novo investidor. Acção de responsabilidade contra a mesma sociedade por parte de um grupo de minoritários, designadamente, por alegada expropriação (ou exclusão) ilícita. Decisão favorável à sociedade.

 

Factos[v]

A SA L’Amy, na sequência de importantes dificuldades financeiras e de perdas transitadas várias vezes superiores à cifra do capital social, decidiu – no quadro do processo de recuperação (redressement) amigável da lei 94-148 (de 1.3.1984)[vi] – a respectiva reestruturação e aquisição pela KGL, sociedade de direito inglês (cotada em Londres e filial de um importante grupo americano). Para formalizar o acordo das partes acerca das condições e modalidades de «renflouement» da L’Amy, foi concluído um protocolo entre os seus accionistas maioritários, os treze bancos credores e a KLG. Em execução deste protocolo e tendo em conta o relatório dos «commissaires aux comptes», a respectiva AGE deliberou: reduzir a zero o capital social e anular as correspondentes acções existentes; aumentar o capital social por emissão de novas acções com subscrição reservada à KLG, suprimindo o direito de preferência dos accionistas existentes. Alguns sócios minoritários, considerando ter sido objecto de uma exclusão ilícita (resultante da operação indivisível de redução-aumento com reserva deste a favor da KLG e correspondente supressão do direito de subscrição preferencial), accionaram a L’Amy, pedindo a reparação do prejuízo causado. Solicitaram também, designadamente, que os bancos credores da L’Amy comunicassem as garantias (cautionnements) de que eram ou haviam sido beneficiários, o que, num primeiro aresto de 1997.04.11, o TA de Besançon recusou.

A alegada ilicitude da exclusão foi baseada pelos minoritários em 4 ordens de razões: 1ª) fraude à lei (actuação concertada dos maioritários e da KLG); 2ª) violação do princípio da igualdade de tratamento (no quadro da redução a zero, uns saíram por acordo e os outros teriam sido excluídos em execução de convenção em que foram partes os primeiros); 3ª) violação do «interesse comum» dos sócios; 4ª) expropriação «pour cause d’utilité privée». Além disso, os mesmos solicitaram ao tribunal que ordenasse a junção de certos documentos. A sociedade – lembrando que o que estava em causa era uma pretensa responsabilidade delitual – considerou não haver prova de uma, para o efeito necessária, faute da sua parte.

 

Aresto do TA de Besançon de 1998.12.02

O Tribunal considerou, antes de mais, que os apelantes não tinham feito o menor começo de prova de que os documentos solicitados eram de interesse para a solução do litígio – em particular, devido à possibilidade de certos maioritários terem beneficiado de vantagens particulares, designadamente, relacionadas com as garantias (cautionnements) que poderão ter dado -, pelo que não havia justificação para que fosse ordenada a respectiva junção. Quanto ao fundo, concluiu pela licitude das deliberações tomadas, argumentando[vii]:

1º Quanto à fraude (art. 186-3 L 1966) – que a KLG não votara as deliberações, nem directa, nem indirectamente, por intermédio dos maioritários (concertadamente com eles), sendo os seus interesses opostos aos destes (que saíram, enquanto ela entrou) e dependendo ainda a concretização da operação da atitude de terceiros, os bancos credores. Por isso, o motivo era infundado.

2º Quanto à violação da igualdade – que os votos dos participantes na votação haviam perfeito a maioria qualificada legalmente exigida e que os maioritários tinham sofrido a mesma sorte dos minoritários (saído nas mesmas condições); que os próprios minoritários reconheciam não ter havido abuso de maioria e que os «commissaires aux comptes» tinham aprovado a redução a zero. Por isso, este fundamento também não se verificava.

3º Por conseguinte, também não tinha ocorrido a alegada violação do interesse comum dos sócios. Quanto a este, pode acrescentar-se que a operação visou, manifestamente, assegurar a perenidade da empresa e desse modo privilegiou o interesse social, uma vez que, sem ela, a sociedade estaria próxima do «dépôt du bilan», como resultava das contas (de 1997); mas, com isso, de maneira nenhuma se lesou o interesse dos accionistas – mesmo dos minoritários -, que, de uma maneira ou de outra (realização da operação ou «dépôt du bilan»), ficariam numa situação quase idêntica.

4º Enfim, quanto à expropriação ilícita – esta também não se verificava, dado que a operação havia sido realizada em conformidade com as regras legais.

 

Aresto da Cour de Cassation de 2002.06.18

No recurso para a Cassação, os minoritários alegaram: 1º o «interesse comum» dos sócios é distinto do «interesse social»; deduzir do suposto carácter benéfico da operação do ponto de vista do interesse social que a mesma não atentava contra tal interesse comum, como o fez o TA, representa uma violção do art. 1833 CCiv[viii]; 2º a redução a zero do capital e o subsequente aumento deste reservado a um terceiro, mediante supressão do direito de subscrição preferencial dos accionistas anteriores, constitui uma expropriação ilegal destes, por não ser justificada por uma causa de utilidade pública nem precedida de justa indemnização, como prescreve o art. 545 CCiv[ix]; 3º a mesma operação traduz-se, ainda, num aumento das obrigações dos sócios, violando o art. 153 da L de 1966 [actual art. L. 225-96 CCom], e viola também o art. 183 da L de 1966 [actual art. 225-132 CCom, que atribui aos accionistas o direito de subscrição preferencial dos aumentos de capital]; 4º a mera afirmação abstracta, pelo TA, da conformidade da operação com as regras legais significa uma falta de motivação da decisão, violando o art. 455 do novo CPC.

A Cassation contrapôs, porém:

1º Contra o afirmado pelos recorrentes, TA não deduziu de meras considerações relativas ao interesse social – em particular, da circunstância de a operação ter sido concebida e concretizada para assegurar a perenidade da empresa, em conformidade com esse interesse social - a falta de atentado contra o interesse comum dos sócios; ela afirmou, paralelamente, que esse interesse comum dos accionistas, mesmo dos minoritários, não fora lesado, uma vez que, de uma maneira ou de outra – realização da operação ou «dépôt du bilan» -, teriam uma situação idêntica, suportando os accionistas maioritários, de resto, a mesma sorte.

2º A decisão do TA, ao considerar que a operação não representava uma expropriação ilegal, foi devidamente motivada. Com efeito, ela baseou tal conclusão: no facto de a operação haver sido decidida pela AG dos accionistas para reconstituir os fundos próprios da sociedade – a fim de assegurar a perenidade da empresa, sem ser condenada ao «dépôt du bilan»; e na circunstância de a mesma não lesar os accionistas, incluindo os minoritários, que, de uma maneira ou de outra – realização da operação ou «dépôt du bilan» -, ficariam numa situação idêntica, suportando os accionistas maioritários, de resto, a mesma sorte. Desse modo, ele pôs em evidência que a redução do capital a zero não atentava contra a propriedade dos accionistas, mas sancionava a sua obrigação de contribuir para as perdas até ao limite das suas entradas.

 

Daqui extrai-se a seguinte doutrina:

1º) A redução a zero do capital de uma sociedade que ficou sem cobertura patrimonial em virtude das perdas sofridas por esta – com a correspondente anulação das partes sociais ou acções – é, em princípio, admissível, desde que integrada numa operação que respeite as regras legais do capital mínimo[x].

2º) Quando a situação patrimonial e financeira de uma sociedade é tal, que, por um lado, a operação de acordeão – com redução a zero do capital, afectado por perdas, e correspondente extinção das acções preexistentes – é a única alternativa ao «depósito do balanço» e, por outro lado, em ambos os casos a situação dos accionistas seria idêntica, essa operação de acordeão pode realizar-se, mesmo com integral supressão do direito de subscrição preferencial, isto é, com reserva da subscrição do aumento de capital a favor de terceiro.[xi]

3º) Com efeito, nessas circunstâncias, a redução do capital a zero – com a correspondente extinção das partes sociais ou acções preexistentes - apenas sanciona a obrigação do sócio de contribuir para as perdas sociais no limite da respectiva entrada[xii]. Não se trata, pois, de uma expropriação ou de uma exclusão ilícitas.[xiii]

 

Nota: Na decisão do caso, que já fora desfavorável aos minoritários na 1ª instância, terão pesado fortemente circunstâncias particulares e locais, bem como a intervenção dos poderes públicos, no plano de salvação da empresa (espécie de «razão de estado»)[xiv].

 

B) Caso Usinor (1994)

Sumário

Acção de impugnação de operação de acordeão, por minoritários que, de facto, não tinham vontade e/ou capacidade financeira para subscreverem o número mínimo de novas acções exigido[xv]. Restando-lhes a escolha entre pagar um valor relativamente elevado e ser excluídos (cfr. Guyon), optaram, a título principal, por contestar a validade da operação.

 

Factos

Na sequência da crise da siderurgia da Lorena, a sociedade Usinor precisou de ser fortemente subvencionada pelo Estado, que desse modo se tornou seu accionista largamente maioritário (76% do capital). Apesar dessa injecção de capital, cerca de três anos depois, a sociedade apresentava uma situação líquida inferior a ½ do CS. Rejeitada a dissolução, viria, mais tarde, a ser aprovada pela AGE – numa altura em que o montante das perdas era muito superior ao CS - uma complexa operação de acordeão que, no essencial e com interesse para a presente análise, consistiu na redução desse CS[xvi] (de 5,7 mil milhões Fr) a zero, sob condição suspensiva de um aumento para 23,55 mil milhões de francos, relativamente ao qual os accionistas poderiam exercer o seu direito de subscrição preferencial – correspondendo a cada lote de 10 das antigas acções 41 das novas - mas tendo cada um, para o efeito, de subscrever um mínimo de 157 das novas acções (o que representava um investimento mínimo de perto de 2.000 Fr).

Na realidade, a operação foi mais abrangente. Assim, a indicada AGE, de 1986, aprovou: 1º um aumento do capital de 4,7 para 5,7, por conversão de obrigações convertíveis emitidas nos três anos anteriores, passando o Estado a deter 80% do CS; 2º uma redução desse capital a zero, com anulação da totalidade das acções existentes, apurando-se ainda um elevado remanescente de perdas (mais de 16 mil milhões); 3º um aumento para 23,55 mediante emissão ao par de novas acções com o mesmo VN das anteriores (12,5 Fr), com prioridade reconhecida aos accionistas e o mencionado limite inferior de subscrição, mas com renúncia do Estado a exercer os seus direitos na medida necessária para os demais fazerem uso desta faculdade - e, ainda, com a promessa de assegurar o êxito da operação, designadamente por compensação com créditos seus sobre a sociedade - e com transformação em acções de 7,29 mil milhões de obrigações convertíveis; 4º redução do capital novamente para 1,5 mil milhões, mediante troca de cada lote de 157 acções novas por um lote de 10; afectação do valor restante (22,05) à cobertura das perdas remanescentes,  à constituição de uma reserva especial e a uma provisão relativa às perdas pevisíveis do ano em curso[xvii].

A isso acresce que, segundo informa Guyon (p. 135), apesar da magnitude das perdas e da competente publicidade legal, as acções continuaram a ser cotadas a cerca de ½ do respectivo VN.

Em resultado da operação, o Estado ficou com o domínio total da sociedade e, portanto, os demais perderam as respectivas posições sociais. Um certo número de pequenos aforradores – incapazes ou impedidos de facto de subscrever o valor mínimo do aumento exigido - contestou a operação e pediu que a mesma fosse declarada «nula», no seu todo.

 

Aresto do TA de Versailles de 1990.11.29[xviii]

Argumentos dos minoritários: 1º abuso de maioria tendo como efeito uma expropriação abusiva  -desapossamento das acções, mediante redução do capial a zero, que provocou a correspondente aniquilação do seu valor e o desaparecimento definitivo dos respectivos direitos - fora de um processo colectivo (de reestruturação ou liquidação forçada universal) ou de uma liquidação amigável; 2º aumento das obrigações dos accionistas, na medida em que, para se manterem na sociedade (não serem excluídos), teriam que efectuar novas entradas.

Rejeição dos argumentos pelo TA. - O TA começa por salientar que – embora o litígio se colocasse no âmbito de aplicação da lei societária - não estava em jogo uma sociedade anónima qualquer, ainda que importante, mas uma sociedade em que o Estado adquirira a maioria absoluta em nome do interesse geral, no quadro de uma estratégia publicamente anunciada de reestruturação do sector siderúrgico. E, depois, contrapõe:

1º Como resulta do art. 71 da Lei de 1966 [actual art. ... Ccom], nada impede a redução do CS a zero seguida de aumento imediato para o mínimo legal; e, implicando tal redução o desaparecimento das acções em virtude da álea própria destas, ela não se mostra atentatória dos preceitos, nacionais e supranacionais, que asseguram o respeito pela propriedade privada; de facto, a perda da entrada – que constitui «a álea mais desfavorável inerente à operação especulativa que é a posse de acções» - realizou-se sem violação dos textos legais;

2º A operação (em especial, a votação do aumento, nos termos em que foi feita) também não implicou um aumento das obrigações dos accionistas, uma vez que, por um lado, se limitou a fazer «desaparecer os seus direitos» em consequência da realização da referida álea própria das acções e, por outro lado, a subscrição do aumento era facultativa;

3º Na verdade, a operação – em especial a redução a zero - apresentava-se legitimada pela existência de uma situação líquida negativa e a sobrevivência da sociedade vinha a ser assegurada apenas pelo apoio do Estado, credor e accionista «complaisant»; as acções tinham perdido, de facto, todo o valor e, num «processo colectivo» banal, os accionistas não receberiam nada;

4º Além disso, o Estado, como os demais accionistas, perdeu, com a redução a zero, a sua entrada, tal como os demais - e, inclusive, fez incidir essa perda sobre as acções resultantes da conversão inicial de um crédito que detinha sobre a sociedade (no valor de mil milhões), renunciou a favor de outros accionistas, na medida do necessário, ao seu direito de subscrição e, ainda, assegurou o bom fim da operação -, pelo que não estava provado o alegado abuso de maioria ou qualquer ruptura de igualdade;

5º Também do ponto de vista procedimental e informativo a operação foi baseada em relatório suficiente dos «commissaires aux comptes» e os accionistas foram devidamente informados[xix].

 

Aresto da Cour de Cassation de 1994.05.17

No recurso para a Cassação, os minoritários retomaram, «inter alia», o argumento do aumento das suas obrigações e, no que toca aos efeitos da redução a zero, insistiram, agora, em que a mesma levava à sua exclusão. Quanto a esta, afirmavam que a AG só poderia excluir um sócio baseada na lei ou nos estatutos, como sanção pelo incumprimento das suas obrigações sociais. Ora, no caso, em análise, a operação representava um «sistema de exclusão» dos sócios não participantes no aumento reconstitutivo do capital social (violando o art. 1844 Cciv).

Mas a Cassação, confirmando a licitude da operação de acordeão com redução a zero do capital social e a consequente perda da qualidade de sócio por um não subscritor do aumento, respondeu:

1º Quanto à alegada exclusão ilícita: se a situação líquida da sociedade era largamente inferior a ½ CS, sendo mesmo negativa, e se a AG deliberara a sua não dissolução, a sobrevivência da mesma legitimava a redução do capital a zero sob condição suspensiva de aumento até pelo menos o mínimo legal, como entendera o TA; aliás, aos accionistas foi-lhes dada a possibilidade de permanecerem na sociedade subscrevendo este aumento[xx].

2º Quanto ao aumento das obrigações: como afirmara o mesmo TA, a operação não imputou aos accionistas «dívidas» para além do montante da sua subscrição, sendo a subscrição do aumento (e consequente manutenção na sociedade) uma faculdade e não um dever, pelo que nenhuma obrigação nova lhes fora imposta.

 

Doutrina que se extrai do Aresto:

1º Sendo a situação líquida de uma sociedade largamente inferior a ½ CS, apresentando-se mesmo negativa, e se a AG deliberara a sua não dissolução, a sobrevivência da mesma legitima a redução do capital a zero sob condição suspensiva de aumento até pelo menos o mínimo legal, não podendo os sócios afectados invocar uma exclusão ilícita; isso é, pelo menos, assim se lhes foi dada a possibilidade de permanecerem na sociedade subscrevendo o aumento[xxi].

2º Se a subscrição do aumento é facultativa, da operação não resulta nenhuma obrigação nova.

 

 

C) Casos Demenois, BIF/SEMACS, Picard, Héritot

 

1. Caso Demenois (2000)

Sumário

Operação de acordeão afectando todas as acções da sociedade SEDEC, parte das quais haviam sido objecto de promessa de compra pela accionista maioritária, que fez aprovar a medida com abstenção do queixoso, accionista minoritário e beneficiário da promessa. A promessa de compra for a feita pela maioritária quando adquirira, mediante contrato com minoritário, a respectiva posição de controlo. Pedido de anulação das pertinentes deliberações sociais.

 

Factos

O sócio Demenois alienou à sociedade SCR a maioria das acções que compunham o capital da SEDEC (Société des entreprises Demenois et compangnie), comprometendo-se a adquirente, ainda, a comprar-lhe as restantes. Esta opção de venda era válida por 5 anos. Cerca de 8 meses depois da celebração deste contrato, a SEDEC aprovou – com os votos favoráveis da SCR e a abstenção do sócio minoritário – uma operação de acordeão, nos seguintes termos: redução do capital a zero, por perdas, com extinção de todas as acções existentes; aumento do mesmo capital, com respeito pelo direito de subscrição preferencial dos accionistas, mas com elevado prémio de emissão tendente a compensar uma importante perda residual (revelada pelo balanço relativo ao ano em que se concluiu o referido negócio relativo às acções[xxii]). O novo capital foi quase integralmente subscrito pela SCR, ficando Demenois a deter uma participação ultraminoritária (6 acções em 1007, sendo o valor unitário da emissão de 3.500 Fr). Com a operação pretendeu-se evitar a dissolução da sociedade – por falta de cobertura patrimonial do capital social – e, ao mesmo tempo, reconstituir os respectivos capitais próprios numa medida capaz de refazer e consolidar o crédito e assegurar a sobrevivência da empresa social em bases sãs.

Alguns dias após a reunião da AGE que aprovara as deliberações controvertidas, o beneficiário da opção pretendeu exercer o respectivo direito, mas foi-lhe oposto que as acções que constituíam o seu objecto haviam sido anuladas por essa AG.

 

Aresto do TA de Nancy de 1997.10.01

Em face dos factos sumariados, o TA de Nancy considerou infundado o pedido de anulação das pertinentes deliberações e admitiu que, com a redução do capital a zero e consequente anulação das acções, incluindo aquelas sobre as quais incidia a indicada opção de venda, se extinguira esse direito de opção e a correspondente obrigação de compra. E, em especial, entendeu[xxiii]:

I - Que a redução do capital a zero – no âmbito de uma operação de acordeão – justificada por perdas superiores ao mesmo e fundada no relatório favorável dos «commissaires aux comptes»  não constitui atentado contra o direito de propriedade dos accionistas, mas sanciona uma das suas obrigações principais, que é a de contribuir para as perdas sociais até ao limite das respectivas entradas;

II – Que o «subsequente» aumento do mesmo capital com direito de subscrição preferencial preserva o direito fundamental do accionista de permanecer na sociedade, não provocando a operação em que se integra a evicção dos accionistas contra a sua vontade; e que um prémio de emissão elevado pode ser justificado pela necessidade de reconstituir os capitais próprios atingidos por perdas não compensadas com a redução do capital;

III – Que uma operação de acordeão justificada por perdas e tendente a assegurar a sobrevivência da sociedade – evitando a sua dissolução - é conforme ao interesse social.

 

Aresto da Cour de Cassation de 2000.10.10

No recurso para a Cassation, o recorrente argumentou, em síntese: 1º que, atingindo os direitos dos accionistas, as deliberações impugnadas requeriam a unanimidade dos votos e que a redução do capital a zero  - com correspondente anulação das acções - constitui uma medida de expropriação privada que requeria o consentimento de cada accionista, não se tendo verificado nenhuma dessas condições; 2º que toda a pessoa física tem direito ao respeito do seus bens, ninguém podendo ser privado da sua propriedade a não ser por «cause d’utilité publique», e que tais redução e anulação das acções constitui uma medida de expropriação privada, cuja aprovação por maioria viola o art. 1º do protocolo adicional à CEDH; 3º que é «nula» toda a deliberação manchada por um abuso de maioria, como sucedia no caso vertente, em que, por um lado, a sócia controladora usara o seu voto determinante para fazer aprovar uma operação de acordeão que lhe permitia subtrair-se às suas obrigações para com o minoritário e em que, por outro lado, a operação se baseara num balanço «orientado», reflectindo uma política de gestão voluntariamente deficitária levada a cabo pela maioritária e não o estado real da sociedade; 4º que, com a votação da operação, a maioritária visara subtrair-se à mencionada obrigação de compra – quando estava obrigada a proporcionar ao beneficiário o exercício da sua opção antes de a concretizar -, sendo a mesma por isso fraudulenta, o que invalidava as deliberações; 5º que o dissuasor prémio de emissão aprovado era injustificado; 6º que, sendo o interesse comum dos sócios distinto do interesse social, o respeito do primeiro não podia deduzir-se da conformidade da operação com este; 7º que, numa operação como a presente, o relatório dos «commissaires aux comptes» era uma exigência de ordem pública (garantia de legalidade), sendo inválidas as deliberações tomadas sem a respectiva comunicação e debate prévio e sem que nele se houvesse fundaado a votação; 8º que a abstenção do queixoso na votação não implicava renúncia ou impedimento ao exercício dos seus direitos.

Mas a Cassation contrapôs:

1º Tendo-se os capitais próprios da sociedade tornado negativos em virtude das perdas verificadas, estando em causa assegurar a sobrevivência da sociedade, evitando a sua dissolução, e havendo sido reconhecido a todos os accionistas o direito de subscreverem preferencialmente o aumento do capital, a operação realizada era lícita, como afirmara o TA; de facto, o aumento do capital, nessas condições, impedia a evicção dos accionistas contra a sua vontade e a redução não constituía qualquer atentado contra a sua propriedade, antes sancionando a sua obrigação de contribuir para as perdas sociais no limite das respectivas entradas; além disso, não havia qualquer aumento das obrigações dos mesmos accionistas (requerendo a unanimidade da sua aprovação ou o voto dos afectados);

2º Ainda segundo o TA, a situação justificativa da operação – perdas importantes e capitais próprios tornados negativos – verificava-se já no fim de 1988, não se tendo demonstrado qualquer intenção fraudulenta nem, designadamente, que, quando do contrato de aquisição do controlo (cerca de 2 meses antes), a adquirente já sabia que os dados reais da exploração não coincidiam com as estimativas constantes do relatório de auditoria por ela promovido;

3º Quanto ao prémio de emissão, em especial, ele encontrava-se justificado pela necessidade de reconstruir os fundos próprios atingidos por perdas sem modificar o capital social;

4º Como bem afirmou o mesmo TA, o interesse comum é o mesmo para cada sócio e permite a cada um deles perceber um lucro (benefício) pessoal na proporção do lucro (benefício) colectivo; foi, portanto, pertinente a sua observação de que a redução do capital litigiosa não atentava contra tal interesse, mas sancionava a indicada obrigação essencial dos sócios de contribuir para as perdas sociais na proporção das suas entradas;

5º Para satisfazer as exigências legais de informação dos accionistas, basta que o controvertido relatório dos «commissaires aux comptes» fique à disposição dos mesmos no prazo e demais condições previstas no art. 215, al. 2, da L de 1966; e que isso se verificou resulta da acta da mencionada AGE, como observou, sem reparo, o TA.

 

A Cassação reafirma, pois, a doutrina do aresto recorrido, do TA de Nancy, já exposta no essencial. Ou seja:

I - A redução do capital a zero – no âmbito de uma operação de acordeão – justificada por perdas superiores ao mesmo e fundada no relatório favorável dos «commissaires aux comptes» não constitui atentado contra o direito de propriedade dos accionistas, mas sanciona uma das suas obrigações principais, que é a de contribuir para as perdas sociais até ao limite das respectivas entradas;

II – O aumento do capital com direito de subscrição preferencial dos accionistas, presente na mesma operação, preserva o seu direito fundamental de permanecer na sociedade, não provocando tal operação a respectiva evicção forçada; e um prémio de emissão elevado pode ser justificado pela necessidade de reconstituir os capitais próprios atingidos por perdas não compensadas com a redução do capital;

III – Uma operação de acordeão justificada por perdas e tendente a assegurar a sobrevivência da sociedade – evitando a sua dissolução - é conforme ao interesse social e não lesa o interesse comum dos sócios.

IV – Este interesse comum, que é o mesmo para todo e cada um dos sócios, permite a cada um deles perceber um lucro (benefício) pessoal na proporção do lucro (benefício) colectivo, não sendo lesado por uma redução do capital extintiva das acções preexistentes que se limita a sancionar a indicada obrigação essencial dos sócios de contribuir para as perdas sociais na proporção das suas entradas.

V – A redução a zero do capital, com extinção das correspondentes acções, extingue também, em princípio legitimamente, os direitos e obrigações contratuais incidentes sobre as mesmas, ainda que a sua fonte seja um contrato concluído entre a sócia maioritária - que usou do poder do voto para fazer aprovar a medida - e um minoritário que, mediante tal negócio, lhe proporcionou a aquisição do controlo da sociedade[xxiv].

Comentário de Thierry BONNEAU[xxv]

No respectivo comentário ao aresto da Cassação, Bonneau apresenta-o sob o seguinte título: «Coup d’accordéon. De l’impossibilité de lever une option d’achat en raison de l’annulation des actions». E sumaria-o desta maneira: «A deliberação de redução do capital a zero sob a condição do seu aumento com direito de subscrição preferencial reconhecido a todos os proprietários das acções antigas, motivada por perdas da sociedade e a sobrevivência desta, não atenta contra o direito de propriedade dos accionistas nem contra o seu interesse comum, mas sanciona uma obrigação essencial dos sócios de contribuir para as perdas sociais na proporção das suas entradas».

De resto, salientam-se as seguintes observações:

1ª Se, no momento em que o beneficiário de uma promessa de compra de acções exige o seu cumprimento, as acções ainda existem, o comprador deve pagar o preço mesmo se posteriormente elas desaparecem em virtude da respectiva anulação[xxvi]. Em contrapartida, se esta anulação ocorre antes, o desaparecimento das acções impede a entrega e o pagamento do preço: a promessa caduca, em virtude da perda da coisa. Daí que, no caso em análise, o beneficiário da promessa de compra tenha tentado pôr em causa a própria anulação das acções, consequência da redução do capital a zero, impugnando as deliberações que aprovaram a operação.

2ª Todavia, sabe-se que uma operação de acordeão é lícita[xxvii], pelo menos sob certas condições. Encontrando-se estas preenchidas no caso em análise, compreende-se que a Cassação haja confirmado o aresto do TA de Nancy[xxviii].

3ª Uma dessas condições reside na legitimidade da redução do capital social. Tal é o caso quando os capitais próprios se tornam inferiores a metade do CS e os accionistas rejeitam a dissolução da sociedade: de facto, eles não têm outras alternativas que não sejam a reconstituição destes capitais ou, não sendo esta possível, a redução do capital, eventualmente a zero, sob a condição do aumento necessário para o mesmo perfazer o mínimo legal. É certo que, no caso vertente, se invocou um abuso de maioria do accionista controlador e devedor da promessa de compra; mas, sendo as perdas incontestáveis e não se havendo provado nenhuma fraude, carecia de fundamento tal invocação.

4ª Outra das condições da licitude da operação é que os direitos dos accionistas preexistentes sejam salvaguardados. Segundo o beneficiário da promessa de compra, tal não seria o caso, porque a operação, realizando uma expropriação, requereria o voto unânime dos accionistas. Mas também, quanto a este ponto, sem razão: por um lado, se o aumento das obrigações dos sócios requer o seu consentimento unânime (arts. 1836, al. 2, Cciv, e L. 225-96 CCom), ele não se verifica se os accionistas são livres de participar na subscrição das novas acções; por outro lado, nenhuma exclusão resulta da operação se os mesmos beneficiam do direito de subscrição preferencial das novas acções[xxix]. É verdade que alguns podem não ter os meios financeiros necessários para participar no aumento, mas a validade da operação é independente da situação pessoal de cada accionista: o que conta é que todos tenham a possibilidade de participar, para evitar toda a ruptura de igualdade, apreciando-se esta objectiva e não subjectivamente; é irelevante a circunstância de certos accionistas não poderem de facto subscrever o aumento por terem fracos rendimentos[xxx] ou devido ao elevado prémio de emissão (cfr. o aresto).

5ª Uma vez que a operação de acordeão não leva à exclusão, mesmo quando as antigas acções desaparecem, a redução do capital também não representa um atentado contra a propriedade dos accionistas. E também não lesa o interesse comum dos sócios.

6ª A decisão em apreço tem, aliás, o mérito de tomar partido sobre esta noção, controversa[xxxi], do «interesse comum» (cfr. o aresto).

7ª A redução do capital também pode ser vista sob uma óptica positiva, aliás incontestável: ela sanciona a obrigação essencial dos sócios de contribuirem para as perdas sociais, na proporção das suas entradas (cfr. o aresto). Na verdade, «a redução do capital traduz a perda das entradas e é o meio mais seguro de contribuir para as perdas sociais». Trata-se de uma obrigação tão essencial, como a de realizar as entradas. Por conseguinte, sendo a operação de acordeão motivada por perdas, é vão discutir a sua validade, salvo em caso de fraude. Importa, no entanto, observar as regras de procedimento legais para que uma operação materialmente fundada não venha, porventura, a ser anulada com base na sua violação.

 

2. Caso BIF/SEMACS (2002)

Sumário

Operação de acordeão incidindo sobre a totalidade das acções da sociedade SEMACS, parte das quais onerada com penhor e objecto de promessa de compra ao credor pignoratício. Tutela do credor pignoratício (não).

O credor pignoratício - potencial adquirente executivo das acções empenhadas e beneficiário de promessa de compra das mesmas por parte da accionista maioritária - não foi avisado da operação. O titular das acções empenhadas não exerceu o direito de subscrição preferencial. Estava em causa uma acção de direito comum dos contratos e da responsabilidade civil, proposta pelo credor pignoratício e duas sociedades do mesmo grupo, contra a sócia maioritária e promitente compradora, fez aprovar a operação de acordeão. Isto é, tratava-se de saber se o comportamento «social» dessa sócia maioritária - em especial a votação da operação – violara ou não um contrato relativo às acções. Não se discutiu a operação de acordeão enquanto acto da sociedade e seus efeitos quanto aos sócios titulares das acções.

 

Factos

A SLE e a PGT haviam constituído a SA SEMACS. Para garantia de um empréstimo concedido pelo banco BIF – filial do grupo GAN - a uma sociedade de que um sócio da PGT era accionista, esta deu em penhor as suas acções na SMACS, a favor desse banco. Na sequência de uma aquisição de 33,4% das acções à SLE, o capital da SEMACS ficou assim repartido: SLE, 36,6%; GAN, 33,4%; e PGT, 30%. Devido a desinteligências entre os accionistas, a sociedade sofreu uma intervenção judicial e, depois, a SLE propôs ao grupo GAN a (re)aquisição das suas acções e a aquisição daquelas de que o BIF poderia vir a ser titular pelo preço global de 70 milhões. Daí resultou a assinatura de um protocolo, em que também interveio o BIF, nos termos do qual, a SLE comprava a participação da GAN por c. 41 milhões [ficando, pois, novamente titular de 70% das acções] e se obrigava a comprar as acções de que o BIF viesse a ser titular por c. 28,7 milhões. Cerca de meio ano depois, a AG da SEMACS deliberou, pela maioria legal, a aprovação de uma operação de acordeão, com redução do capital a zero, aumento para 65 milhões e nova redução para 5 milhões (por anulação de 12/13 das acções). A PGT, apesar de o prazo para o exercício do direito de subscrição preferencial ter sido alargado a pedido de um sócio seu, não participou no aumento, ficando as acções que anteriormente detinha – e sobre as quais incidia o referido penhor - sem valor. A SLE, que passou a deter a (quase) totalidade das acções da sociedade, viria a vendê-las posteriormente.

Antes, porém, no seguimento da operação de acordeão, o BIF reclamou da SLE a mencionada soma de c. 28,7 milhões, «em contrapartida das acções anuladas da PGT», nos termos do referido protocolo. A SLE recusou tal pagamento. Daí a presente acção, fundada no mesmo protocolo, em que o BIF e duas sociedades GAN pedem essa importância, acrescida de indemnização. A Cassation, confirmou o aresto do TA de Versailles, de 1998.11.19, desfavorável a essa pretensão.

Por conseguinte, o problema que estava em jogo era essencialmente de interpretação e cumprimento do contrato assinalado. A operação de acordeão – aprovada com os votos de uma das partes no acordo, a SLE - aparece no litígio em virtude de ter provocado a extinção das acções que esta mesma SLE se comprometera a comprar pelo indicado preço [ao BIF, na qualidade de bens futuros, que adviriam à sua titularidade em execução do penhor], cerca de meio ano antes. Com essa extinção, cessou, igualmente, o penhor e ficou sem objecto qualquer obrigação tendente à sua aquisição e entrega. Quer dizer, entre os efeitos da operação contavam-se a extinção do objecto do penhor – facto que não está em discussão – e também da obrigação de compra (obrigação de aquisição das acções e pagamento do preço ajustado). Como tal extinção foi «materialmente» provocada, justamente, pela devedora, importava, no fundo, apreciar, em face do contrato, a licitude do seu comportamento.[xxxii] Em termos algo simplistas, o BIF argumenta: a SLE extinguiu o objecto que se obrigara a comprar [impedindo a sua aquisição e consequente transmissão pelo credor] e, portanto, deve na mesma pagar o preço.

 

Aresto da Cassation de 2002.05.06

Os recorrentes alegaram, em primeiro lugar, que a SLE não executara de boa fé o contrato com eles celebrado, segundo a economia do qual ela deveria adquirir por 70 milhões as acções da GAN e do BIF, quanto a este, após a competente atribuição judicial das acções empenhadas. Com efeito, após haver adquirido da GAN as acções que lhe permitiam fazê-lo, fez aprovar «em segredo» a operação de acordeão, sem pagar o preço ajustado e sem sequer informar o BIF [credor pignoratício e beneficiário de promessa da respectiva compra], furtando-se desse modo, abusivamente, ao pagamento das acções do BIF (cfr. o art. 1134 Cciv). Além disso, dependendo o negócio, na parte por executar, de uma condição suspensiva – a atribuição judicial das acções ao BIF -, a SLE, ao tornar a verificação da condição impossível (através da operação de acordeão), teria agido ilicitamente (cometido uma «faute») (arts. 1134 e 1181 Cciv).

Em resposta, a Cassação contrapôs que o TA tinha poderes para apreciar soberanamente o sentido e alcance do protocolo de acordo e havia concluído que – ao realizar a operação de acordeão sem informar o BIF, após adquirir, pelo negócio controvertido, a maioria necessária para o efeito - a SLE, sem tirar proveito da sua posição maioritária da SEMACS, não violara o seu dever de boa fé ou cometido qualquer «faute».

Em segundo lugar, invocaram os mesmos recorrentes, perante a Cassação, a causa do contrato (cfr. o art. 1131 Cciv). Segundo eles, essa causa residia, para a GAN, na aquisição pela SLE das respectivas acções e das que a sua filial ia obter após atribuição judicial, pelo que interpretar e aplicar a transacção de maneira a reduzir o objecto da aquisição às da GAN, espoliando o BIF do valor das suas acções, significaria privá-la de causa. A Cassação, porém, objectou que se tratava de questão nova, de facto e de direito, por isso insusceptível de ser apreciada, uma vez que, perante o TA, apenas se invocara a falta de execução de boa fé do contrato.

Em terceiro lugar, a execução da operação de acordeão – mesmo que salutar para a SEMACS -, permitindo à SLE a aquisição da totalidade do capital desta por 36,7 milhões em vez dos 70 mil previstos, seria contrária à economia do contrato e à lealdade contratual (cfr. o art. 1134 Cciv). Mas a Cassação respondeu que, no aresto recorrido, o TA considerara, fundadamente, a operação de acordeão legítima, uma vez que: era necessária para a SEMACS reconstituir os seus fundos próprios; e oferecia à minoritária PGT (titular das acções emprenhadas e em discussão) uma melhor possibilidade de manter a sua participação no capital do que um aumento do capital sem redução prévia (teria que subscrever c. de 31,2 milhões, em vez de 19,5). Por conseguinte, procurara saber se a operação era ou não contrária à economia do contrato e à lealdade contratual e concluira que não era, muito pelo contrário: era o mecanismo mais favorável à manutenção dos direitos sociais da PGT e, portanto, também aos interesses do BIF (credor pignoratício)[xxxiii].

 

Doutrina que pode extrair-se do Aresto:

I - Sendo a operação de acordeão, com direito de subscrição preferencial, justificada pela necessidade de reconstituir os fundos próprios e sendo mais favorável aos sócios minoritários – titulares de acções empenhadas - do que um aumento do capital sem prévia redução, ela apresenta-se, em princípio legítima.

II – A realização de tal operação não carece de comunicação ao credor pignoratício - mesmo que aprovada com os votos de sócio que tenha prometido comprar por certo preço as acções empenhadas a esse credor, uma vez conseguida por este a sua atribuição judicial, se tal sócio não tira proveito da sua posição maioritária – nem se mostra contrária à boa fé e à lealdade e economia contratuais.

 

3. Caso Picard (1995)

Sumário

Estava em causa uma operação de acordeão com a redução a zero afectando, entre outras, certas acções oneradas com penhor, e participação do titular destas no aumento. A questão consistia em saber se as novas acções se encontravam ou não abrangidas pelo mesmo penhor. Acção proposta pelo credor pignoratício tendente a fazer-se pagar por essas novas acções. Trata-se, portanto, de um problema exterior à sociedade que aprova a operação de acordeão, mas relacionado com esta, na medida em que importa analisar os seus efeitos nesse plano.

Factos

A, presidente do CA da sociedade TAR, para garantia da dívida da mesma perante a sociedade Go Voyages, deu em penhor a esta as suas acções na sociedade D&I. No âmbito de processo de recuperação desta, A, que viria a ser condenado a pagar a dívida, foi forçado a transmitir as acções a Picard, por valor simbólico. Cerca de 9 meses depois desta transmissão, a AG da D&I deliberou a redução do CS a zero, imediatamente seguida de aumento, com criação de novas acções, das quais Picard subscreveu uma certa quantidade [mais precisamente, a maioria[xxxiv]]. Não tendo este pago a dívida do A, a credora pignoratícia accionou-o para se fazer pagar através dessas novas acções.

A pretensão baseava-se numa disposição legal que dispunha que «tout titre venant en substitution ou en complément» daqueles que estivessem onerados com penhor, «par suite d’échanges, de regroupements, de divisions, d’atributions gratuites, de subscrituion en numéraire ou autrement», se considerava compreendido no penhor salvo convenção em contrário. O TA de Colmar de 1992.09.09 dera razão à credora, considerando o penhor constituído por A extensivo às novas acções de Picard. O aresto foi, porém, cassado.

 

Aresto da Cour de Cassation de 1995.01.10

Segundo o TA de Colmar, a posse das novas acções resultara de uma subscrição em numerário no quadro de um aumento de capital indissociável da respectiva redução, só possível porque seguida desse aumento; eram, pois, um acessório das acções antigas, que só puderam deixar de existir porque imediatamente substituídas pelas novas. Daí a extensão do penhor a estas.

A Cassação considerou, porém, tal motivação imprópria para se concluir que as novas acções haviam sido subscritas em virtude de um direito inerente («attaché») às antigas e, portanto, representavam um substituto das mesmas capaz de justificar a aplicação do indicado texto da lei.

 

Doutrina que se extrai do Aresto:

Incidindo a redução do capital a zero, no âmbito de uma operação de acordeão, sobre acções oneradas com penhor, o penhor não se estende às novas acções subscritas pelo titular das primitivas (extintas com a redução). De facto, as novas acções não são recebidas pelo subscritor em substituição das antigas (nem - está implícito na argumentação - representam um seu acessório das mesmas, nem são subscritas em virtude de um direito inerente a elas). [xxxv]

 

Nota: Em rigor, sendo a eficácia da redução (que implica a extinção das acções preexistentes) dependente (suspensivamente) do aumento, parece haver direito de subscrição preferencial. Se não exercido pelo accionista titular de acções empenhadas, não deveria o mesmo devolver-se ao credor pignoratício? – Ou, pelo menos, admitir a extensão do penhor a esse direito e eventual alienação do mesmo por conta do crédito?

Se exercido, não deveria calcular-se o seu valor e conceber-se uma qualquer forma de «sub-rogação» (eventualmente sobre as novas acções na medida desse valor)? Ou é mais um obstáculo à possível realização da operação (dissuadindo o titular das acções extintas de participar no aumento)?

 

4. Caso Héritot (1993)

Sumário

Estava em causa uma acção de pagamento do preço de certas acções após o exercício de uma opção de venda, posterior à perda «integral» de valor das mesmas por insubsistência de capital próprio das sociedades emitentes, mas anterior à respectiva anulação no âmbito de uma operação de acordeão com redução a zero do capital social preexistente, cuja aprovação foi promovida pelos titulares da opção.

FACTOS

Os d’Héritot haviam constituído as sociedades A e B, dando como entradas (em espécie) as acções da sociedade C, e transmitido as acções das primeiras às sociedades D e E. Depois disso, através de dois negócios jurídicos separados, embora do mesmo dia, estas sociedades D e E prometeram revender uma parte das acções aos anteriores alienantes [conferindo-lhes uma opção de compra] e estes prometeram comprá-las [atribuindo desse modo às D e E uma opção de venda]. Em consequência da depreciação das acções da sociedade C, os capitais próprios das A e B (cujos patrimónios eram integrados por tais acções) haviam-se perdido totalmente, o que motivou uma operação de acordeão, com redução a zero do capital social preexistente e a correspondente anulação das acções que lhe correspondiam. A operação foi aprovada, nas respectivas AG, pelas accionistas D e E.

Já após essa perda patrimonial, mas quase dois anos antes da operação de acordeão, estas accionistas tinham exercido a referida opção de (re)venda de parte das acções, agora extintas, exigindo dos d’Héritot o pagamento do preço. Estes recusaram tal pagamento invocando a completa perda de valor das acções controvertidas muito antes do exercício da opção e, portanto, o desaparecimento do objecto da sua obrigação de compra. Posteriormente, viriam, ainda, a argumentar que a operação de acordeão provocara a anulação de tais acções e, por isso, a sua obrigação se extinguira pelo mesmo motivo, isto é, pelo desaparecimento do objecto.

Proposta pelas D e E a competente acção de pagamento, o TA de Versailles, por aresto de 1991.11.20, viria a dar-lhes razão, condenando os d’Héritot nesse pagamento. Nas alegações de recurso para a Cassação, retomaram-se, no essencial, os mesmos argumentos. Mais especificamente, alegou-se: 1º que a operação de acordeão operara a anulação das acções controvertidas e, portanto, a extinção da obrigação (desaparecimento do objecto); 2º que já antes do exercício da opção essa extinção havia acontecido, em virtude de o valor das acções ter ficado reduzido a zero (não permitindo a lei, em geral, acções com VN inferior a 100 Fr.); 3º que, a ser verdade que, com o exercício da opção, a propriedade e o risco das acções litigiosas se tinham transferido para os «compradores», as accionistas titulares de tal opção haviam ilicitamente tornado impossível a sua entrega, visto que não poderiam, sem «faute», ter realizado, sozinhas e sem mais, uma série de operações sociais entre as quais se contava a da anulação das mesmas acções.

 

Aresto da Cour de Cassation de 199312.07

A Cassação respondeu: 1º Como decidiu o TA, a redução a nada do valor das acções, por desaparecimento do capital próprio («activo líquido») das respectivas sociedades, não implica a sua extinção, pelo que as acções litigiosas ainda existiam ao tempo do exercício do direito de opção; 2º Como também decidiu o mesmo TA, com o exercício da opção, dera-se a transferência da propriedade e do risco, pelo que o preço era devido apesar da posterior perda da coisa – ou seja, das acções, anuladas através da operação de acordeão -, uma vez que esta perda não for a imputável a «faute» das vendedoras, tendo antes na base uma devida reconstituição do património das sociedades emitentes, afectado pela depreciação das acções da sociedade C, isto é, por um facto estranho à gestão das vendedoras.

 

Doutrina que se retira do Aresto:

1º A perda integral do capital próprio de uma sociedade (situação líquida de valor zero ou negativa) não implica a automática extinção das correspondentes acções ou partes sociais; [de facto, como observa Chartier no respectivo comentário (p. 75), a qualidade de accionista não depende do valor intrínseco da acção, encontrando-se ligada à sua simples existência];

2º Por conseguinte, se sobre as mesmas incidir uma opção de venda (ou obrigação de compra), este direito subsiste e pode ser exercido, devendo o comprador o pagamento do preço;

3º Vindo as acções a ser posteriormente anuladas, no âmbito de uma operação de acordeão, em virtude da redução a zero do capital social motivada por perdas resultantes da ocorrência de um facto objectivo, independente da vontade das partes no contrato de opção, o preço continua a ser devido, já que, com o exercício da opção, a titularidade e o risco (de perda) das acções passa para o comprador; esta conclusão não é prejudicada pela circunstância de tal operação ter sido aprovada por iniciativa e com os votos dos titulares da opção [«vendedores potestativos»], se não se prova um comprtamento «faltoso» dos mesmos.



[i] CJ 2014/III, p. 49-56 (Fonte Ramos). O Aresto encontra-se também disponível em www.dgsi.pt/jtrc, com um sumário um pouco diferente: «1. No quadro normativo vigente, estando em causa a redução do capital social para cobertura de prejuízos, não opera a limitação imposta pelo art.º 95º, n.º 1, do CSC (na redacção conferida pelo DL n.º 8/2007, de 17.01). 2. A anulabilidade constitui o regime regra em matéria de invalidade de deliberações sociais, abrangendo, entre outras, as deliberações cujo procedimento ou cujo conteúdo se opõem a cláusulas estatutárias. 3. Os casos de nulidade traduzem as situações mais gravosas expressamente previstas pelo legislador, envolvendo, em regra, o desrespeito do interesse público (stricto sensu) ou do interesse de terceiros (mormente, de futuros accionistas).»

[ii] Cass. Com. 2002.06.18 (caso L’Amy), D (aff.) 2002, p. 2190ss (n. Lienhard), JCP EA 2002.1556 (p. 1728ss, n. Viandier), JCP G 2002.II.10 180 (n. H. Hovasse), confirmando TA Besançon 1998.12.02, RS 1999.362ss (n. Le BARS); RTDCom 2002, p. 496s (crón. J.-P. Chazal/Y. Reinhard); cfr. também Tcom Lons Le Saunier 1995.07.07, RTDCom 1996.75s (crón. Y. Reinhard). Cass. Com. 1994.05.17 (caso Usinor), RS 1994.485ss (n. Danat-Demaret), Dsoc 1994, nº 142, GazPal 1994(16-17 Nov) (n. Y. Chartier), Bull Joly 1994.816 (n. Daigre), confirmando TA Versailles 1990.11.26, D 1991.133ss (n. Guyon), JCP E 1991.II.168 (n. M. Jeantin); cfr., ainda, RTDCom 1991.225ss (crón. Y. Reinhard - TA), 1996.73ss (crón. B. Petit/ Y. Reinhard - Cass). Cass. Com. 2000.10.10 (caso Demenois), DSoc 2001 (Fev.), nº 20 (n. T. Bonneau), JCP E 2001.85 (n. Viandier), JCP 2001.85 (n. M. Keita). Adde: Cass. Com. 1995.01.10 (caso Ricard), RS 1995.70ss (n. Le Cannu), D 1995.203ss (n. Couret), D 1996 (somm), obs. Piédelièvre, cassando TA Colmar 1992.09.09; Cass. Com 2002.05.06, http://www.lexinter.net; Cass. Com. 1993.12.07 (caso Héritot), RS 1994.72ss (n. Chartier). 

S. SYLVESTER, Le coup d’accordéon, ou les vicissitudes du capital, thèse, Paris 1, 2002; D. COHEN, “La validité du «coup d’accordéon» (à propos d’une jurisprudence récente)”, D (aff.) 2003, p. 410ss; LE CANNU, Droit des sociétés (2002), nº 1123 (p. 671s; cfr. também nº 1284, p. 749); Ripert/Roblot/GERMAIN, Traité, 1/ 2 – Les sociétés commerciales (2002), nº 1965 (p. 637s; cfr. também nºs 1992s, p. 665s); Martine Boizard, «La réduction du capital social à zéro», RS 1999.735ss; Fabien KENDÉRIAN, «La contribution aux pertes sociales», RS 2002.617ss (em especial, 631ss, 641s).

Adde: Richard, DSoc 1987 (Jan.); Le Nabasque, «Les droits de conversion attachés aux obligations convertibles peuvent être exercés après réduction à zero ?», Actes pratiques 1997/34; Didier/Lacroix, Mélanges AEDBF 1997.171

Nota de actualização. Na jurisprudência mais recente, cfr. também o Acórdão da Cassação de 26.02.2006, nº 04-17566, disponível em http://www.legifrance.gouv.fr (abuso de maioria), e, acerca da tutela da posição dos titulares de obrigações reembolsáveis em ações, cfr. o Acórdão da mesma Cassação de 10.07.2012, consultável, por ex., no Bulletin 2012, IV, n° 158, e em http://www.legifrance.gouv.fr, bem como, a seu respeito, Laurence-Caroline HENRY, «Les obligataires et la sauvegarde: de l’art de se faire entendre», Rev. Soc. 2012, p. 536ss. Na doutrina, cfr. A. Fauchon, «L’opération d’accordéon», in Mélanges en l’honneur de Philippe Merle ( Liber amicorum), Paris (Dalloz) 2013, p. 253ss.

[iii] Texto de apoio destinado às aulas de Direito Comercial ministradas na Faculdade de Direito da UCP (2004/2005).

[iv] Cfr. a nota anterior e, ainda, D. Cohen, “La validité du «coup d’accordéon» (à propos d’une jurisprudence récente)”, D (aff.) 2003, p. (410) 411e 413.

[v] RS 1999, p. 362ss, e, por ex., JCP EA 2002.1556, p. 1729.

[vi] Plano de reestruturação com o acordo dos estabelecimentos financeiros credores e com intervenção dos poderes públicos (CIRI).

[vii] RS 1999, p. 365.

[viii] «Toda a sociedade deve ter um objecto lícito e ser constituída no interesse comum dos sócios».

[ix] «Ninguém pode ser obrigado a “ceder” a sua propriedade, a não ser por causa de utilidade pública e mediante justa e prévia indemnização». Cfr. também a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que tem valor constitucional.

[x] Regra implícita, já afirmada em anteriores arestos, designadamente, no de 1994.05.17.

[xi] Na admissibilidade da operação com supressão deste direito de subscrição preferencial reside a grande novidade do aresto.

[xii] Sobre esta, na doutrina, cfr., em especial, KENDÉRIAN, «La contribution aux pertes sociales», RS 2002, p. 617ss (em geral) e, em especial sobre a nova manifestação da mesma no âmbito da redução a zero do capital social, p. 631ss, 641s.

[xiii] Implícita está também a ideia de que a operação em apreço, mesmo com manutenção do direito de subscrição preferencial, não acarreta qualquer aumento das obrigações dos sócios. Concretiza tão-só o risco de perda que é próprio da condição de sócio.

[xiv] Cfr. B. Petit/Y. Reinhard, RTDCom 1996, p. 76.

[xv] Cfr. com o caso Demenois, em que estava em jogo um prémio de emissão considerado demasiado elevado.

[xvi] Afectado por perdas rondando os 22 mil milhões no fim do ano anterior àquele em que se concretizou a operação e que continuaram a ampliar-se a seguir.

[xvii] Cfr. D 1991(jur), p. 133.

[xviii] Confirmando a sentença do Tcom de Nanterre...

[xix] Desconsideraram-se observações adicionais relativas a uma segunda conversão de obrigações em capital, igualmente considerada justificada (D, p. 134s).

[xx] Referência incluída apenas de passagem na contestação do argumento relativo ao aumento das obrigações.

[xxi] Ao menos literalmente, a Cassação não fez depender a legitimidade da operação da existência de um direito de subscrição preferencial dos accionistas preexistentes (cfr. tb Daigre, Couret em anot ao aresto de 1995 (p. 205), etc.), embora a presença deste possa «reforçar» essa legitimidade.

[xxii] Isto é, sendo o balanço referido a 31.12.1988, tendo o contrato sido concluído no fim de Outubro do mesmo ano.

[xxiii] Como se deduz da exposição de motivos do aresto da Cassação.

[xxiv] Mesmo que se entendesse ter havido violação do contrato de opção, por parte da sócia maioritária, ao privar o direito do beneficiário do respectivo objecto (as acções sobrantes, extintas com a operação de acordeão), poderia ela fundar a anulação das deliberações controvertidas? – Não parece, embora falte uma resposta explícita a tal questão. Cfr. também o art. 29.4 da 2ª Directiva (quanto ao prémio de emissão).

[xxv] DSoc 2001 (Fev.), nº 20.

[xxvi] Cit. Cass. Com. 1993.12.07, RS 1994, n. Y. Chartier.

[xxvii] Cit. Cass. Com. 1994.05.17.

[xxviii] Publicado na RJDA 1998, p. 524.

[xxix] Cit. Le Nabasque, n. a Cass. Com 1994, e M. Jeantin, n. a TAVersailles 1990.11.20, JCP E 1991.I.168.

[xxx] Cit., a propósito, TA Paris 1997.02.14, DSoc 1997 (Jun.), nº 110, n. Bonneau, rejeitando o argumento da perda de emprego.

[xxxi] Cit. D. Schmidt, Les conflicts…, p. 16s, e sugere o cfr. com Q. Urban, “La «communauté d’intérêts», un outil de régulation du fonctionnement du groupe de sociétés”, RTD 2000, p. 1.

[xxxii] Observe-se, no entanto, que a SLE só seria efectivamente obrigada a pagar o preço das acções que o BIF viesse, eventualmente, a adquirir em execução do penhor que sobre elas tinha. Tal aquisição não se deu (o penhor não foi executado até ao momento da anulação) e, portanto, o BIF não estava em condições de fazer adquirir e entregar à SLE as acções pelas quais esta pagaria um preço. O cumprimento do contrato tornou-se, de facto, impossível, justamente, quanto ao BIF, que deveria proporcionar à SLE a titularidade e o gozo de uma «coisa» que se extinguiu entretanto; só em contrapartida disso teria direito ao preço. Daí a questão: essa impossibilidade resultou de um acto culposo da SLE? ou é fruto das circunstâncias objectivas respeitantes à SEMACS ? Ou, então: quando celebraram o contrato, a SLE assumiu, inclusive, o risco de as acções se perderem ou ficarem sem valor antes de adquiridas pelo BIF (titular de uma opção de venda?) e, portanto, por si ? E quanto tempo deveria esperar pela suposta execução do penhor?

[xxxiii] Seria assim? o BIF não teve oportunidade sequer de exercer ou executar o direito de subscrição preferencial das novas acções [que poderia considerar-se englobado no penhor]. E, se o BIF tivesse exercido tal direito, segundo o entendimento da Cassação – noutros arestos ... -, o penhor existente ter-se-ia extinto com a extinção das acções primitivas, não se estendendo às novas.

[xxxiv] Cfr. a anotação de P. Le Cannu, p. 72, nota 1, cfr. tb a nota 11, p. 74.

[xxxv] Cfr. A. Couret (D 1995, 204s), com indicações bibliográficas.