Evaristo Mendes


Evaristo Mendes

Docente da Faculdade de Direito da UCP (Escola de Lisboa)

 

Palavras chaves: Patentes de medicamentos - Arbitragem necessária - Invalidade da patente - Lei 62/2011 - Prazo para propor ação arbitral

 

Arbitragem necessária. Invalidade de patente, direito a uma tutela jurisdicional efetiva e questões conexas. Nota de jurisprudência[i]

 

Na jurisprudência dos tribunais superiores de 2014 e 2015, relativa à Lei 62/2011, salientam-se dois Acórdãos - um do Tribunal da Relação de Lisboa[ii] e o outro do Tribunal Constitucional[iii]. No Aresto do TRL, declara-se, designadamente, que um tribunal arbitral não tem competência para apreciar, ainda que por via de mera exceção, a validade de uma patente, competindo essa competência ao Tribunal da Propriedade Intelectual (TPI). No Acórdão do TC, afirma-se, por um lado, a constitucionalidade da arbitragem necessária instituída por aquela Lei e, por outro lado, a inconstitucionalidade do respetivo art. 3º, nº 1, quando interpretado no sentido de que, após o decurso do prazo de um mês aí previsto, o titular de um direito de patente (ou conferido por CCP) deixa de o poder fazer valer em tribunal[iv].

Adicionalmente, estabelece-se, ainda, no primeiro Aresto: «A empresa de medicamentos genéricos, ao requerer autorização de introdução no mercado de medicamento respeitante a direitos de propriedade industrial em vigor, dá causa à ação arbitral que a empresa do respetivo medicamento de referência se viu obrigada a instaurar para não perder os seus direitos perante a demandada, atento o disposto no art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011, pelo que o facto de não contestar a ação não a exime de comparticipação nos encargos do processo»[v]. Em sentido idêntico se pronunciou a mesma Relação no subsequente Acórdão de 2.12.2014[vi].

Consideram-se em seguida estes tópicos. Começa-se pelo da competência para apreciar a invalidade das patentes.

 

1.      Invalidade da patente. Competência exclusiva do TPI

 

Lê-se no mencionado Acórdão do TRL de 13.02.2013: «O tribunal arbitral previsto no art.º 3.º da Lei n.º 62/2011 (para dirimir litígios entre empresas de medicamentos genéricos e entre empresas de medicamentos de referência respeitantes a direitos de propriedade industrial) não tem competência para apreciar, ainda que a título de mera exceção, a invalidade de patente.»[vii] Na competente fundamentação, discorre-se:

«Como é sabido, uma patente de invenção é um título que confere um direito exclusivo de exploração de um invento (art.º 101.º n.º 1 do CPI), atribuindo-se ao respetivo titular, durante 20 anos a contar do respetivo pedido (art.º 99.º do CPI), no território nacional (art.º 101.º n.º 1 do CPI), o direito “de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objeto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados” (n.º 2 do art.º 101.º do CPI). Por sua vez o certificado complementar de proteção é um mecanismo de prorrogação do prazo de duração da patente, admitido para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos (artigos 115.º e 116.º do CPI e Regulamento n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009, que codificou esta matéria, inicialmente regulada pelo Regulamento (CEE) n.º 1786/2, do Conselho, de 19 de julho de 1992).

As patentes serão concedidas - sem prejuízo de determinadas limitações -, para quaisquer invenções, em todos os domínios tecnológicos, desde que sejam novas, envolvam atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial (art.º 51.º n.º 1 do CPI).

A concessão de patente confere ao seu titular a presunção jurídica (ilidível) da ocorrência dos respetivos requisitos (art.º 4.º do CPI). Emanando de uma autoridade administrativa, no exercício de um poder público regulado pela lei, presume-se que o direito de propriedade industrial é válido até decisão em contrário do tribunal competente que declare nulo ou anule o respetivo registo (Código da Propriedade Industrial anotado, Coordenado por Jorge Campinos e Luís Couto Gonçalves, Almedina, 2010, pág. 91).

De entre os motivos de nulidade das patentes enunciados no art.º 113.º do CPI conta-se a falta de novidade, de atividade inventiva e de aplicação industrial (alínea a)).

A declaração de nulidade da patente só pode ser efetuada por tribunal judicial (art.º 35.º n.º 1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação podem resultar de decisão judicial”). Para tal será instaurada ação pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da ação (art.º 30.º n.º 1 alínea d) e n.º 4 do art.º 35.º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a ação é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (art.º 35.º n.º 2 do CPI). Atualmente a competência para julgar tais ações cabe ao Tribunal da Propriedade Intelectual (art.º 89.º-A n.º 1 alínea c) da Lei n.º 3/99, de 13.01, após a alteração introduzida pela Lei n.º 46/2011, de 24.6). Quando a decisão definitiva transitar em julgado, a secretaria do tribunal remeterá ao INPI cópia para efeito da respetiva publicação e respetivo aviso no Boletim da Propriedade Industrial, bem como do respetivo averbamento (n.º 3 do art.º 35.º do CPI).

O aludido regime afasta, como é opinião generalizada, a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei n.º 62/2011, decretar, com efeitos erga omnes (v.g., na sequência de pedido reconvencional), a nulidade de uma patente.

A controvérsia circunscreve-se, assim, à possibilidade de o tribunal arbitral previsto na Lei n.º 62/2011 apreciar a validade de uma patente que tenha sido questionada apenas a título de exceção, para obstar à procedência do pedido, com efeito tão só inter partes.

Ora, a admissibilidade do reconhecimento da nulidade de uma patente (ou de outro direito de propriedade industrial) a título meramente incidental ou por via de exceção processual, mesmo perante um tribunal estadual, é duvidosa (no sentido da sua inadmissibilidade, vide Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, 2011, Coimbra Editora, pág. 448). É que, como realçam os defensores da tese propugnada, in casu, pelo tribunal recorrido, admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da exceção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respetivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados. Tal põe em causa a transparência e a segurança jurídica visados pelo sistema público de atribuição de direitos de propriedade industrial e bem assim leva à estranha situação de, tendo em determinado caso sido reconhecido que não se justificava o exclusivo que fora excecionalmente concedido (restringindo-se a liberdade económica em atenção ao interesse público de recompensar o contributo social trazido pelo inventor com a invenção e de estimular o aparecimento de novas invenções), tal atribuição pública do exclusivo não só se manterá como passará a beneficiar outro ou outros particulares, sem controle dos restantes interessados nem publicitação dessa extensão do privilégio.

A criação de tal situação no âmbito de uma arbitragem, ou seja, no decurso de uma atividade jurisdicional exercida num ambiente privado, suscita ainda maiores dúvidas.

Na falta de disposição legal clara em sentido contrário, entendemos, pois, por estas razões sinteticamente expostas, ser de manter a decisão arbitral nesta parte.

As possibilidades de defesa das demandadas mantêm-se intactas, pois poderão requerer a declaração da nulidade da patente perante os tribunais judiciais, atualmente no Tribunal da Propriedade Intelectual».


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Como se assinala no Aresto, mostra-se praticamente consensual a ideia de que o TPI possui competência exclusiva para as ações de invalidade das patentes. Isso é assim apesar do teor amplo do art. 2.º da Lei 62/2011[viii]. A questão da suscetibilidade de invocação do vício como exceção apresenta-se, no entanto, controvertida; quer em Portugal, quer nalguns países estrangeiros, mormente quando estejam em causa ações de infração e, sobretudo, quando as ações sejam intentadas pelo titular do direito contra um seu licenciado. No direito vigente - pelo menos até à entrada em cena do previsto (embora não consensual) tribunal unificado de patentes -, a respeito das patentes de medicamentos, o problema coloca-se em três contextos distintos: o da contestação da validade da patente por quem é parte numa relação contratual existente entre ele e o titular do direito, mormente um licenciado; o das ações de infração em geral, incluindo providências cautelares; e o das ações especiais reguladas no art. 3.º da Lei 62/2011, instauradas via de regra com base num simples pedido de AIM e destinadas a correr em paralelo com o processo administrativo de concessão dessa AIM, dotadas de um procedimento simplificado e célere, com vias de recurso limitadas, um sistema de publicidade legal especial, etc.[ix]

Neste último contexto, temos defendido que, embora haja ponderosos argumentos tanto no sentido da competência como no da incompetência dos tribunais arbitrais, a balança pende para a afirmação da incompetência[x]. Entre os defensores da tese contrária, salienta-se Remédio Marques[xi].

Com efeito, no nosso ponto de vista, a melhor interpretação do direito vigente - tendo em conta aquele art. 35.º, n.º 1, do CPI, o teor dos arts. 2º e 3º da Lei nº 62/2011, bem como os valores e interesses envolvidos - é a de considerar que a matéria da nulidade é da competência exclusiva do TPI e que o vício só pode ser invocado perante este, mediante ação destinada a declará-lo com eficácia geral. Por conseguinte, quem pede uma AIM - sabendo que fica sujeito, por esse facto, a uma provável ação arbitral -, se quiser fazer valer tal meio de defesa, deverá propor a competente ação no TPI e, vindo a ser envolvido em subsequente arbitragem, requerer uma «suspensão» do processo até o TPI se pronunciar. O TA deferirá a pretensão se - excecionalmente, dados os termos em que o exclusivo é concedido e a circunstância de se tratar de patentes em fim de vida, via de regra já escrutinadas a nível mundial - houver fortes indícios capazes de vencer a presunção de validade de que a patente goza.

Uma vez que os pertinentes argumentos a favor da competência dos tribunais arbitrais podem encontrar-se nos escritos de Remédio Marques, identifica-se a seguir um conjunto de razões no sentido contrário, que completam a fundamentação do Acórdão em análise. São elas: (i) a nulidade respeita a um ato público de atribuição do direito, sendo tal direito de caráter absoluto, isto é, oponível erga omnes; a patente, ao atribuir ao titular o exclusivo temporário da exploração económica da invenção, impede a concorrência de se desenvolver livremente, pelo que, se o ato atributivo é nulo, no todo ou em parte, máxime por falta de novidade ou nível inventivo, importa favorecer a sua destruição, através de uma competente ação de declaração de nulidade, com eficácia erga omnes; ou seja, a nulidade das patentes é uma questão de interesse público económico (concorrencial), importando favorecer a sua declaração com eficácia geral; o meio apropriado para isso é uma ação de declaração de nulidade assim concebida; (ii) o art. 35.º, nº 1, do CPI confirma-o; o ato público de atribuição do direito, em questão, é dotado de especiais garantias de legalidade, com vista, por um lado, a evitar restrições injustificadas à concorrência e, por outro lado, a assegurar o máximo de segurança e clareza jurídicas, importantes para o sistema de patentes cumprir a função de orientação e qualificação da concorrência, promovendo a inovação e a competição pela inovação - culminando um processo de exame, publicidade e/ou oportunidade de oposição, com possível recurso para os tribunais (incluindo, se for o caso, arbitrais); nessa medida, sendo também incomum (excecional, hoc sensu) a sua invalidade, mormente por falta dos requisitos materiais da novidade ou da atividade inventiva; (iii) a oponibilidade do direito erga omnes - e a correspondente eventual invalidade do ato que o concede - é fundamental para a igualdade concorrencial; admitir uma defesa por exceção, se esta for aceite pelo TA, significa colocar em vantagem quem o faz; além disso, a admissão da defesa por exceção, perante o TA, favorece conluios, entre o titular da patente e o requerente da AIM para produto genérico, mais uma vez contrários à igualdade concorrencial; (iv) dado o modo como a arbitragem necessária em apreço está concebida, a defesa por exceção, a admitir-se como princípio, poderá ocorrer numa multiplicidade de processos, sendo contrária à economia processual; um sistema de «ação de nulidade única» apresenta maior racionalidade económica e processual; (v) em suma, a defesa por exceção não é a melhor forma de defender o interesse público na eliminação de exclusivos/monopólios injustificados; a ação de nulidade - com possível «legitimidade aberta» e intervenção de todos os interessados, incluindo o MP e a entidade cujo ato é contestado (no caso, o INPI), e com decisão eficaz erga omnes - é, pois, a via preferível; a defesa por exceção cria um risco de decisões contraditórias, no caso um risco enorme de ocorrência de múltiplas decisões contraditórias; o que constitui um fator de desorganização da concorrência; o facto de haver recurso para o TRL limita, mas não elimina o alcance do risco; (vi) a defesa por exceção nos processos arbitrais em apreço - que, repete-se, podem ser vários apesar de a patente ser a mesma - é, ainda, contra o sentido fundamental de concentrar o contencioso da propriedade industrial no TPI, favorecendo a especialização/competência e evitando decisões contraditórias; os TA necessários são mera solução limitada e de recurso para resolver a atual insuficiência da via judicial; (vii) a arbitragem necessária respeita a patentes em fim de vida - sobejamente escrutinadas, a nível mundial; o legislador seguramente teve isso presente; e o texto da Lei - máxime, em conjugação com o art. 35.º, n.º1, do CPI - parece confirmá-lo, uma vez que a arbitragem se destina a permitir aos titulares das patentes a sua invocação contra quem requer uma AIM, não a discussão da sua validade/existência (art. 2º); o processo especial regulado no art.º 3.º pode ser desencadeado pelo mero pedido de AIM e está limitado, nos termos aí definidos; se - excecionalmente (com o processo existente e o «escrutínio universal», as invalidades são a exceção) - o ato atributivo da patente for inválido, a ação de nulidade pode ser facilmente proposta quando se requer a AIM; (viii) a solução da arbitragem necessária representa uma considerável limitação ao exercício dos direitos de patente, no setor em causa, colocando problemas de constitucionalidade que devem ser minorados, evitando interpretações da Lei que tornam inviável, nos exclusivos em fim de vida, que são a regra, a conclusão atempada dos processos, pondo em causa o princípio da justiça efetiva; sendo neste contexto que se situa a questão de saber se é excessivo ou não exigir aos demandados que queiram contestar a validade o recurso ao TPI; (ix) se o TA se considerasse competente, a eventual não invocação por um demandado da exceção de nulidade significaria, ao menos para alguns autores, a impossibilidade de o fazer também no futuro, mesmo não estando em causa o uso da AIM em questão, pelo que a solução também não é necessariamente a solução mais favorável aos demandados; (x) é certo que a solução preconizada, tendo a decisão valia geral, pode favorecer comportamentos oportunistas, levando alguns possíveis contestantes da validade a esperar que alguém proponha a competente ação no TPI; mas o oportunismo existe igualmente por parte de quem opta por não o fazer, preferindo opor-se à validade por via de exceção quando até tinha à sua disposição a via judicial; (xi) a questão é distinta das relativas ao âmbito da patente, à sua eventual caducidade e a uma possível inoponibilidade; não devendo as soluções defensáveis para estas estender-se a ela[xii].

 

2.      Arbitragem necessária e artigo 3.º da Lei 62/2011. O problema constitucional

 

O mencionado Acórdão do TC proferiu a seguinte decisão: «a) Não julgar inconstitucional a dimensão normativa resultante do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial apenas pode recorrer à arbitragem necessária, precludindo o recurso direto ao tribunal judicial no que se refere a providência cautelar; b) Julgar inconstitucional a dimensão normativa resultante do artigo 3.º, n.º 1, conjugado com o artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de Autorização de Introdução no Mercado ou o requerente de pedido de AIM para além do prazo de trinta dias, a contar da publicação pelo Infarmed referida no artigo 9.º, n.º 3, da mesma Lei, por violação do artigo 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa; (...)»[xiii].

Quanto a este segundo aspeto, salienta-se na respetiva fundamentação:

«14.2. A questão que cumpre responder, no caso que nos ocupa, é a de saber se a dimensão normativa resultante da interpretação seguida pelo Tribunal recorrido, dada configuração e os efeitos do prazo de trinta dias para recurso à justiça arbitral necessária, contado desde a data da publicitação eletrónica do requerimento de autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento genérico, pode consubstanciar uma restrição desrazoável ou desproporcionada do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva em face da invocação de direitos patentários sobre medicamentos de referência. (...)

14.2.1 Desde logo, a configuração pelo legislador do momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo impõe ao detentor do direito de patente uma especial onerosidade quanto ao modo do seu conhecimento. (...)

14.2.2 Além disso, afigura-se determinante a própria insuficiência do prazo – trinta dias – face, por um lado, à escassez de informação na disponibilidade do titular do direito de patente no momento em que, por imposição legal, deve recorrer à arbitragem necessária, e, por outro, à complexidade da matéria em causa. (...)

14.3 Verifica-se ainda que da interpretação subjacente à decisão recorrida decorre que o decurso do prazo – cujo conhecimento do termo inicial implica uma especial onerosidade para o titular do direito e se afigura insuficiente face à informação limitada e à complexidade da matéria – acarreta a impossibilidade (definitiva) do exercício do direito (fundamental) de acesso à justiça para proteção do direito de patente relativo a medicamentos de referência face ao fabrico e comercialização de medicamento genérico por terceiro (não autorizado).

 Como decorre da própria letra da lei – o prazo do artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro (reproduzido na disposição transitória do artigo 9.º, n.º 3) reporta-se ao exercício do direito de tutela dos direitos de propriedade industrial em causa, face à previsível e futura emissão de uma AIM, sendo o prazo contado a partir da publicitação do respetivo pedido, ainda não decidido (quer no regime geral, quer no regime previsto nas disposições transitórias do artigo 9.º). É nesse prazo que «o interessado que invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada», o único meio facultado aos titulares de direitos de propriedade industrial fundados em patentes de medicamentos para a resolução de «litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência, na aceção da alínea ii) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto – Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e medicamentos genéricos» (artigo 2.º).

 Ora, a antecipação do único meio de composição de litígios disponibilizado ao titular de uma patente sobre medicamento de referência, por via do recurso necessário à justiça arbitral nos trinta dias subsequentes ao da publicitação do requerimento de concessão de uma AIM para um medicamento genérico, com a cominação de, não sendo iniciado processo arbitral no prazo estabelecido, se mostrar vedado o exercício do direito de tutela jurisdicional para defesa dos direitos de propriedade industrial derivados daquela patente, não deixa de se refletir na tutela dos direitos de propriedade industrial em causa.

 Com efeito, da conjugação dos artigos 3.º, n.º 1, e 2.º resulta, tal como decorre da decisão recorrida, que a arbitragem necessária imposta pelo artigo 2.º não só é a única forma permitida pelo legislador de composição dos litígios visados pelo regime legal (os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência em face da introdução no mercado de medicamentos genéricos), como esta forma única de tutela é confinada a um momento temporal preciso – o momento pré-decisório da AIM.

 Em consequência fica precludida qualquer tutela jurisdicional, relacionada com os referidos litígios abrangidos (invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e genéricos), que se pretenda exercer em momento temporal posterior – preclusão que não deixa de se projetar sobre o conteúdo essencial do direito de patente (exclusivo). Com efeito, ainda que a patente (e o direito de exclusivo que titula) subsista, os seus efeitos, do ponto de vista da sua tutela face a medicamentos genéricos, ficariam ‘paralisados’ por força da impossibilidade do exercício do direito à tutela jurisdicional em momento posterior ao fixado pela Lei n.º 62/2011. E esta impossibilidade – total e definitiva – de tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência face a medicamentos genéricos não deixa igualmente de afrontar o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva para defesa dos direitos patentários e, assim, do direito de exclusivo titulado pela patente.

 Se o decurso do prazo (por ser um prazo de caducidade específico no âmbito do regime de composição de litígios que o contempla) preclude, após o seu termo, qualquer forma de tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência face a medicamentos genéricos (isto é, quanto aos específicos litígios para os quais o legislador institui o regime de arbitragem necessária em causa), assim afetando o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva e, por essa via, o próprio direito fundamental em causa – pois decorrido o prazo em questão, não mais pode comportar tutela ainda que subsista o direito de exclusivo que lhe está subjacente –, importa ponderar se tal afetação ainda se pode mostrar justificada e admissível no confronto com os direitos e interesses em presença.

 Estando em causa a tutela de direitos de patente sobre medicamentos de referência em face da possibilidade de introdução no mercado de medicamentos genéricos cuja comercialização possa afetar o direito de exclusivo da comercialização do produto protegido pela patente, pretende o legislador – já o vimos – prosseguir o objetivo de celeridade na resolução daquele conflito de modo a minorar os óbices à célere introdução de genéricos no mercado dos medicamentos (o legislador fala em «estrangulamentos»).  

 Como se pode retirar da exposição de motivos da respetiva proposta de lei, o regime de composição de litígios assim configurado propõe-se conciliar os interesses relevantes em presença. Se devemos ter em conta que a proteção dos direitos de patente, ao garantir a confiança no investimento realizado na investigação e inovação dos produtos farmacêuticos, propicia o desenvolvimento científico e tecnológico ao serviço da saúde das pessoas, invoca o legislador que o incremento da comercialização de medicamentos genéricos, com menores custos para os cidadãos e para o Estado, serve finalidades de igual relevância «como é o caso do direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, bem como dos direitos dos consumidores» (Cfr. Exposição de Motivos, cit.).

 Contudo, sem prejuízo da relevância dos interesses e direitos invocados, há de ser tido em conta que a configuração do mecanismo de composição de litígios estabelecido na Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro – confinado aos estritos limites temporais estabelecidos para efeitos da tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial invocados – vedando o acesso à tutela jurisdicional para proteção destes direitos para além do momento estabelecido para o efeito, redunda numa compressão do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva que resulta na desproteção do próprio direito (de patente relativo a medicamentos de referência) que se pretende tutelar.

É que do regime normativo em análise resulta que a tutela jurisdicional dos direitos de propriedade industrial em causa em face da introdução de medicamentos genéricos no mercado é antecipada para momento anterior ao da autorização administrativa concedida para o efeito. Assim, em face da ocorrência de eventuais violações do direito de patente derivada da comercialização de medicamentos genéricos ou da tomada de conhecimento dessa ocorrência que se verifique em momento posterior ao estabelecido no artigo 3.º, n.º 1 (e 9.º, n.º 3) da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, mostra-se vedada a tutela jurisdicional do direito afetado. E, tendo o legislador optado, como já se referiu, pela dissociação entre o procedimento administrativo conducente à emissão de uma AIM e o procedimento jurisdicional arbitral para tutela dos direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência, o ato autorizativo não garante, por si mesmo, a inexistência de eventuais violações do direito de propriedade industrial invocado.

E a afetação do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva decorrente da dimensão normativa retirada da conjugação do artigo 3.º, n.º 1 (e, bem assim, do artigo 9.º, n.º 3) com o artigo 2.º, todos da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro afigura-se tanto mais excessiva quanto se atenda à natureza dos direitos a tutelar – que se enquadram no âmbito de proteção dos artigos 42.º, n.ºs 1 e 2, e 62.º, n.º 1, da Constituição, beneficiando eles próprios do regime garantístico dos direitos, liberdades e garantias, ou dos que lhe são análogos, plasmado no artigo 18.º da Constituição.     

Não obstante os interesses invocados pelo legislador – de celeridade enquanto meio para alcançar uma mais rápida introdução de medicamentos genéricos no mercado em prol do consumidor e com menor onerosidade para estes e para o próprio Estado – se afigurarem muito relevantes, o modo escolhido para os prosseguir encerra a desproteção, desde logo em termos de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, de um direito jusfundamental para além do momento temporal fixado para o efeito pelo regime legal em causa. Com efeito a impossibilidade de acesso à justiça para além daquele estrito momento traduz-se na impossibilidade de obter tutela – qualquer tutela – jurisdicional contra violações que podem pôr em causa a própria subsistência do direito de exclusivo quando tutelado por uma patente em vigor, face a medicamentos genéricos.

Para mais, sendo o resultado do regime assim instituído a preclusão da tutela jurisdicional do direito em causa – quanto a eventuais violações decorrentes da comercialização de medicamentos genéricos que possam contender com o direito protegido pela patente relativa a medicamentos de referência – tal consubstanciaria a final a prevalência do direito de livre iniciativa económica privada (artigo 80.º, alínea c) da Constituição) sobre um direito desde logo ancorado na liberdade de criação cultural (artigo 42.º da Constituição) – esta concebida aliás como direito, liberdade e garantia – e no direito de propriedade (artigo 62.º da Constituição) em termos que o quadro normativo de proteção de direitos fundamentais constitucionalmente consagrado não consente.

O caráter definitivo da impossibilidade de tutela dos invocados direitos de patente (tutelados por período de vinte anos), decorrido o prazo de trinta dias contado da publicitação eletrónica dos elementos relativos a um pedido de concessão de AIM, não se compadece com a fundamentalidade dos direitos envolvidos, assim se concluindo pela violação do direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva.»[xiv]

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Quanto a esta segunda questão apreciada pelo TC, há, efetivamente, jurisprudência arbitral no sentido de que o prazo do art. 3.º, nº 1, da Lei 62/2011 é um prazo de caducidade, cuja inobservância faz precludir o futuro exercício coercivo do direito - seja em absoluto (segundo algumas decisões), seja apenas em relação a certo requerente de AIM (segundo outras decisões). Este último sentido surge igualmente acolhido num recente Acórdão do TRL[xv], que o considerou conforme à Diretiva 2004/48/CE, ao ADPIC/TRIPS e à CRP. Lê-se no respetivo sumário: «IV - O prazo para a proposição de ações é um prazo de caducidade, conforme resulta do disposto no art. 298º, nº2, do C.Civil. Logo, se a ação não for proposta dentro do prazo estabelecido, o interessado perde o direito de a intentar. V - A função do prazo para a propositura de uma ação é, pois, determinar o período de tempo dentro do qual pode exercer-se o direito concreto de ação, sendo tal prazo um elemento integrante do regime jurídico da respetiva relação de direito material, revestindo natureza substantiva e não processual. VI – A consequência da não propositura da ação arbitral no prazo de 30 dias a que alude o citado art. 3º, nº1, traduz-se na caducidade do direito à invocação do direito de propriedade industrial da demandante perante a demandada, deixando aquela de poder invocar contra esta aquele seu direito, quer perante um tribunal arbitral, quer perante um tribunal estadual.»

Embora se trate de uma interpretação da Lei menos atentatória dos direitos identificados no Acórdão do TC do que aquela que preconiza a preclusão absoluta dos direitos industriais, afigura-se pertinente entender que ela também se encontra afastada. Ou seja, também se mostra incompatível com a CRP.

Ainda na jurisprudência arbitral, a ideia de caducidade e de correspondente preclusão dos direitos tem igualmente fundamentado, inter alia, uma comparticipação nas custas do processo, mesmo por parte de requerentes ou beneficiários de AIM que não contestem as ações que lhes movidas ao abrigo do art. 3.º. Apesar de não haver em sentido técnico-jurídico uma violação ou ameaça iminente de violação dos direitos invocados, entende-se que tais requerentes dão causa à ação. Tal jurisprudência surge confirmada pelos indicados Arestos do TRL de 13.02.2014 e de 2.12.2014. Consignou-se neste último: «A empresa de medicamentos genéricos, ao requerer autorização de introdução no mercado de medicamento respeitante a direitos de propriedade industrial em vigor, dá causa à ação arbitral que a empresa do respetivo medicamento de referência se viu obrigada a instaurar para não perder os seus direitos perante a demandada, atento o disposto no art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011, pelo que o facto de não contestar a ação não a exime de comparticipação nos encargos do processo»[xvi].

Em face do entendimento perfilhado pelo Acórdão do TC, coloca-se, portanto, a questão: sendo instaurada uma ação ao abrigo do art. 3.º, em face de um simples pedido de AIM, e não sendo ela contestada nem tendo o requerente outra participação significativa no processo, justifica-se, ainda assim, condená-lo em custas, na medida do seu decaimento? Volta-se a este tema adiante.

 

 

3.      Antecedentes, alcance e consequências desta jurisprudência constitucional

 

Já em anterior ocasião o TC foi chamado a pronunciar-se sobre um outro aspeto da Lei 62/2011, relacionado com o respetivo art. 3.º. Fê-lo no Acórdão nº 2/2013, de 9.01.2013[xvii], em que decidiu «julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 188.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, por violação conjugada dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1 e 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição (...)». O problema aí discutido tinha a ver com a invocada insuficiência de informação dos titulares de direitos de patente (e CCP) que se veem confrontados com a publicitação pelo Infarmed de um pedido de AIM para um medicamento genérico e apenas têm conhecimento dos dados publicitados nos termos do art. 15.º-A do EM, ou seja, «a) Nome do requerente da autorização de introdução no mercado; b) Data do pedido; c) Substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; d) Medicamento de referência». De facto, é em face desses dados que, legalmente, lhes compete decidir se propõem ou não uma ação nos termos daquele art. 3.º.

Entendendo – na respetiva fundamentação - que a arbitragem instituída pela mesma Lei é necessária, mas não obrigatória, afirmou o TC que os titulares de direitos devem ter acesso à informação relevante para decidirem se propõem ou não a ação. O que, após a redação conferida por essa Lei, o art. 188.º, nº 5, do EM lhes veda. Com efeito, o preceito dispõe: «Sempre que o requerente da informação sobre um pedido de autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano for um terceiro que, nos termos do artigo 64.º do Código do Procedimento Administrativo, demonstre ter legítimo interesse no conhecimento desses elementos, e ainda não tenha sido proferida decisão final sobre aquele pedido, é fornecida, apenas, a seguinte informação: a) Nome do requerente da autorização de introdução no mercado; b) Data do pedido; c) Substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; d) Medicamento de referência.»[xviii]

De certo modo, nesta fundamentação do Acórdão, já podia porventura descortinar-se a ideia agora presente na decisão do Aresto n.º 123/2015 segundo a qual é incompatível com a Constituição a interpretação do art. 3.º, nº 1, da Lei 62/2011 no sentido de que, se o titular de patente (ou CCP) não propuser a ação aí prevista no referido prazo de um mês, deixa de poder fazer valer os seus direitos, mesmo que eles venham efetivamente a ser infringidos. Seja como for, tal ideia surge afirmada em diversas sentenças arbitrais, em parte baseadas nele[xix]. Com duas ulteriores consequências: o ressurgimento em novos moldes da discussão sobre a existência ou não de interesse em agir quando a ação não tem na base uma infração dos direitos, atual ou iminente, nos termos do CPI; e, ultrapassado este problema, havendo pelo menos o decretamento de uma condenação inibitória, a ulterior discussão sobre a existência de fundamento para condenar em custas os demandados que não contestam as ações[xx].

Não cabe nesta crónica o aprofundamento destes temas. Limitamo-nos, por isso, a enunciar algumas ideias gerais.

Primeira. Como se encontra agora explicitado pelo TC, a arbitragem necessária estabelecida no art. 2º da Lei 62/2011 é conforme à Constituição. O que retira as ações em apreço da competência do TPI.

Segunda. Como também decorre do Acórdão nº 123/2015 do TC, mesmo que o titular de patente (ou CCP) não proponha, no prazo previsto no art. 3º, nº 1, da mesma Lei nenhuma ação, nem por isso está impedido de – em caso de infração ou ameaça iminente de infração dos seus direitos – fazer valer estes direitos, propondo nos tribunais arbitrais a competente ação e requerendo nessa jurisdição as pertinentes providências cautelares. Aqui, levanta-se um problema. Faltando a ação em apreço, o titular da patente sabe que, a partir da futura concessão da AIM, o risco de infração aumenta muito consideravelmente; e, se esse risco vier, de facto, a verificar-se, ele não tem um tribunal arbitral constituído a que possa recorrer para, de forma pronta e eficaz, pôr fim à infração (ou para a prevenir, se ela for iminente)[xxi].

Este problema fica substancialmente minorado se optar pela proposição da ação e obtiver uma decisão favorável. Com efeito, obtendo aí uma condenação inibitória - válida não apenas para o demandado mas também para quem venha a ser titular da AIM que está na base da ação, como pode inferir-se da Lei 62/2011 e parece resultar da lei processual - e uma condenação acessória em sanção pecuniária compulsória, que se efetivará no caso de a condenação principal não ser acatada (e a penas nesse caso), serão poucas as situações em que a infração ocorrerá. A ação funcionará, portanto, como um importante mecanismo de tutela preventiva[xxii].

Terceira. A Lei 62/2011 é clara, no sentido de que o direito de ação previsto no art. 3.º deve ser exercido no prazo de um mês fixado no nº 1. Logo, passado esse prazo, como resulta dos princípios gerais, esse direito caduca[xxiii].

Quarta. Este dado legal não levanta qualquer problema, em face da jurisprudência do TC, do ADPIC e da Diretiva do enforcement. Na verdade, para se compreender corretamente aquela Lei, torna-se necessário distinguir as ações de infração - com os respetivos procedimentos cautelares - da ação especial regulada no art. 3.º, que não pressupõe tal infração, atual ou iminente, destinando-se a correr em paralelo com o procedimento administrativo de concessão da AIM que lhe está na base e a justifica, que se encontra concebida para terminar num prazo curto, apresenta um processo simplificado e apenas uma instância de recurso, etc. A arbitragem é necessária para todas elas (art. 2º). Mas não é, naturalmente, obrigatória: o titular dos direitos pode optar por propor ou não esta ação e por reagir ou não contra eventual infração, atual ou iminente. E, neste quadro, a caducidade circunscreve-se ao direito de propor essa ação especial[xxiv].

Quinta. Daí decorrem várias consequências ulteriores. Indicam-se algumas: (i) a limitação dos articulados, das instâncias de recurso, etc., prevista no art. 3.º, não vale para as ações de infração; (ii) no âmbito da ação especial em apreço, não é fundamento do pedido a existência de infração ou ameaça iminente de infração; e, pelas razões expostas, em face da publicitação de um pedido de AIM para medicamento genérico, o titular de direitos de patente (ou CCP) terá, via de regra, interesse em agir[xxv]; (iii) uma vez fixado com nitidez o sentido da Lei 62/2011, mormente pelo TRL, se o demandado não contestar tal ação nem tiver outra intervenção relevante no processo, a menos que o exclusivo ainda possua um período de duração considerável, em princípio, não deverá ser condenado em custas; e mostra-se natural que as ações em apreço, na sua configuração típica, se tornem ações padronizadas de «baixo custo»; (iv) embora seja de admitir em geral uma coligação de demandados, não deve ser possível, numa ação ao abrigo do art. 3.º, demandar quem já infringiu o direito que se invoca, juntamente com não infratores.

 

 

Evaristo Mendes



[i] O presente texto foi publicado no nº 3 da revista Propriedades Intelectuais (2015), pp. 103-110. Acrescentou-se a nota 21.

[ii] Trata-se do Acórdão do TRL de 13.02.2014 (Jorge Leal), proc. n.º 1053/13.7YRLSB-2, disponível em www.dgsi.pt.

[iii] Trata-se do Acórdão do TC de nº 123/2015 (Maria José Rangel de Mesquita), de 12.02.2015, proc. n.º 763/13, decidindo um recurso interposto do Acórdão do TRL de 11.07.2013, que confirmara uma decisão do TPI (de 24/04/2013) em que este se declarou incompetente para apreciar uma providência cautelar (máxime, inibitória) requerida por titular de patente contra uma «empresa» de medicamentos genéricos. O Aresto encontra-se disponível na página do Tribunal na Internet e, especificamente, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150123.html.

[iv] Recorda-se que este preceito dispõe: «No prazo de 30 dias a contar da publicitação a que se refere o artigo 15.º- A do Decreto- Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redacção conferida pela presente lei, o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos do artigo anterior deve fazê-lo junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efectuar pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada». O nº 1 desse art. 15.º-A do Estatuto do medicamento (EM) estabelece: «O INFARMED, I. P., publicita, na sua página electrónica, todos os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, independentemente do procedimento a que os mesmos obedeçam».

[v] Cfr. o nº IX do respetivo sumário (elaborado pelo relator). Do mesmo relator, lê-se, ainda, no sumário do Acórdão do TRL de 06.02.2014, proc. 866/13.4YRLSB-2: «IX – No silêncio da lei e na falta de acordo entre as partes e os árbitros aceita-se que na fixação da repartição dos encargos com a arbitragem se atenda ao critério da percentagem do decaimento, sem prejuízo de correções decorrentes de situações casuísticas, que justifiquem desvios à regra geral». Acrescentou-se o itálico.

[vi] Trata-se, mais especificamente, do Acórdão do TRL de 2.12.2014 (Maria do Rosário Barbosa), proc. 1158/13.4YRLSB, disponível em www.dgsi.pt. Cfr. o nº 2 do respetivo sumário (redigido pela relatora).

[vii] Cfr. o nº 4 do respectivo sumário. No caso, uma das demandadas alegou a nulidade da patente por falta de novidade e actividade inventiva, tendo o tribunal arbitral necessário, com um voto de vencido, decidido no sentido da sua incompetência para apreciar o assunto.

[viii] Sob a epígrafe Arbitragem necessária, dispõe-se nele: «Os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência (…) e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.»

[ix] Cfr. Evaristo Mendes, nesta revista, nº 2/2014, pp. 63s, e as indicações aí fornecidas.

[x] Estando em causa, numa acção de infração, um direito entretanto caducado, defendemos, no entanto, que a balança já pende no sentido oposto, como ficou decido na Sentença arbitral de 30.06.2014 [BPI 2014/08/28, pp. 6-67], da qual fomos subscritores, juntamente com Rui Medeiros e Nunes Barata. E há vícios susceptíveis de afetar a validade dos CCP que também merecem idêntica solução.

[xi] A posição deste Professor encontra-se, designadamente, desenvolvida em anotação crítica ao Acórdão em análise, sob o título «A arbitrabilidade da exceção de invalidade de patente no quadro da Lei nº 62/2011», publicada na Revista de Direito Intelectual, nº 2/2014, pp. 211-257, 215ss. Já antes, cfr., por ex., «A apreciação da validade de patentes (ou certificados complementares de protecção) por tribunal arbitral necessário - Excepção versus reconvenção na Lei nº 62/2011», BFDC 87 (2011), p. 197-212. Defende tese idêntica Dário Moura Vicente, mormente no voto de vencido anexo ao Despacho saneador de 3.09.2014, proferido por um tribunal arbitral a que presidiu Fernando Ferreira Pinto, adiante referido.

[xii] Em boa medida, estes argumentos foram acolhidos no citado Despacho Saneador de 3.09.2014, proferido por um TA composto por Fernando Ferreira Pinto, M. Oehen Mendes e Moura Vicente (que votou vencido), o qual se louva, ainda, no Acórdão do TRL em apreço, e acrescenta outras razões, mormente de direito comunitário (Regulamento de Bruxelas I e jurisprudência do TJUE) e respeitantes ao Projeto de Patente comunitária e ao Acordo Relativo ao TUP, de 19.02.2013.

[xiii] Acrescentou-se o itálico. O Aresto foi tomado pela 3ª secção do TC e tem voto de vencido de Catarina Sarmento e Castro.

[xiv] Acrescentou-se o itálico.

[xv] Trata-se do Acórdão do TRL de 30.09.2014 (Roque Nogueira), proc. 512/14.9YRLSB-A-7[xv], disponível em www.dgsi.pt.

[xvi] Cfr. o nº 2 do respetivo sumário. Acrescentou-se o itálico.

[xvii] O Acórdão tem a mesma relatora do agora comentado e encontra-se disponível, designadamente, na página do TC na Internet: www.tribunalconstitucional.pt.

[xviii] Ou seja, como salienta o TC no Acórdão em apreço, o dever de informação do Infarmed ficou circunscrito aos dados que são tornados públicos nos termos do art. 15.º-A.

[xix] Veja-se, a título de exemplo, a Sentença de 11.02.2014, proferida por tribunal arbitral de que o signatário desta crónica foi presidente e composto, ainda, por M. Oehen Mendes e Paula Costa e Silva, in BPI 2014/05/07, pp. 7-108, 43ss, 49, 53s.

[xx] Sobre o tema, cfr. a citada Sentença arbitral de 11.02.2014 [nota anterior], BPI 2014/05/07, pp. 7-108, 62s e 65, 69ss e 74ss.

[xxi] Uma solução possível deste problema consiste em admitir, embora a título excepcional em face do art.2.º da Lei 62/2011, uma competência cautelar provisória do TPI. Cfr., a este respeito, a citada Sentença arbitral de 11.02.2014 [nota 19], BPI 2014/05/07, pp. O problema desaparece, naturalmente, se se fizer uma diferente interpretação do âmbito da arbitragem necessária instituída pela Lei 62/2011, limitando-a, em princípio, às acções especiais do respectivo art. 3º (cfr. a nota a seguir).

[xxii] Esta eficácia preventiva será, naturalmente, mais fraca sem a SPC, que o TRL, nas decisões publicadas, tem rejeitado (cfr., além do supracitado Acórdão do TRL de 13.02.2014, os Acórdãos de 07.11.2013 (António Martins), proc. 854/13.0YRLSB-6, in www.dgsi.pt, de 12.12.2013 (Fátima Galante), proc. 617/13.3YRLSB-6, in www.dgsi.pt e CJ 2013/V, p. 100-113, de 26.06.2014 (Eduardo Azevedo), proc. 787/13.0YRLSB.L1-2, in www.dgsi.pt e de 26.06.2014 (Jorge Leal), in CJ 2014/III, p. 138-144). Este é, no entanto, um tema que merece tratamento autónomo, noutra ocasião. Salienta-se apenas que, sem a condenação acessória em apreço - cujos termos precisam naturalmente de ser definidos e isso entra no âmbito da arbitragem necessária -, o problema identificado no texto volta a ter uma dimensão importante, carecendo de solução adequada, por imperativo constitucional, comunitário e internacional. Sobre o tema, veja-se a citada Sentença arbitral de 11.02.2015, BPI 2014/05/07, pp. 7-108, 43ss, 55ss, 76ss e, por exemplo, a Sentença arbitral de 16.06.2014, BPI 2014/09/26, pp. 7-19, 17.

Cabe realçar que este é apenas um dos aspectos do sistema instituído pela Lei 62/2011. Na verdade, a finalidade primária da mesma é a de promover uma definição segura e atempada do termo dos exclusivos conferidos por patente e CCP, de modo a não entravar o lançamento dos medicamentos genéricos no mercado logo que esse termo ocorra. Cfr. aquela sentença arbitral de 11.02.2014.

Além disso, a Lei 62/2011 também comporta uma interpretação com resultado mais limitado - de resto, aquela que melhor respeita o princípio da não discriminação presente no art. 27, nº 1, do ADPIC/TRIPS. Segundo ela, a arbitragem necessária prescrita no art. 2º – e a correspondente compressão da competência do TPI – apenas valerá para as acções especiais do art. 3º, com possível «aproveitamento» de tribunal arbitral constituído para apreciar eventuais infracções ou ameaças iminentes de infracção que ocorram na pendência de uma dessas ações. A ser assim, o problema de constitucionalidade resolvido pelo TC no Acórdão nº 123/2015 fica, em boa verdade, sem objecto. Com efeito, se as acções de infracção estão fora do alcance da Lei (não sujeitas à arbitragem necessária), torna-se claro que o prazo do art. 3º, n.º, 1, apenas se reporta àquelas acções especiais; e, quanto a elas, não há razão para censurar ao legislador a fixação de um prazo de caducidade (que na proposta de lei ainda era menor) – que, de resto, está em plena sintonia com aquela finalidade fundamental da Lei.

[xxiii] Cfr., por ex., Sofia Ribeiro Mendes, «O novo regime de arbitragem necessária de litígios relativos a medicamentos de referência e genéricos», in Armando Marques Guedes, Maria Helena Brito, Rui Pinto Duarte, Mariana França Gouveia (Coords.), Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, II, Coimbra Editora, 2013, pp. 1005-1037, 1029ss (embora sem fazer a distinção a que se procede no texto e, portanto, terminando com uma conclusão que não pode aceitar-se, agora também explicitamente arredada pelo TC - cfr. p. 1036).

[xxiv] Cfr. Evaristo Mendes, nesta revista, nº 2/2014, pp. 63s, em nota ao Acórdão do TRL de 30.09.2014, que, contrariamente ao previsto, não pôde ser publicado no presente número. Este dado relativiza, naturalmente, sem o eliminar, o problema decidido no Acórdão nº 2/2013 do TC.

[xxv] Sobre este tópico, cfr. a citada Sentença arbitral de 11.02.2014, BPI 2014/05/07, pp. 7-108, 74ss.