Evaristo Mendes


 

Palavras-chaves: Patentes de medicamentos – arbitragem necessária – inconstitucionalidade – competência dos tribunais arbitrais - invalidade da patente – Lei 62/2011 – sanção pecuniária compulsória

Key-words: drug patents – compulsory arbitration – constitutionality

Mots-clés: médicaments – nulité du brevet d’invention - arbitrage nécessaire - constitucionalité

 

 

Evaristo Mendes

 

Professor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da UCP

 

 

Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária. Comentário de jurisprudência. Súmula da Lei nº 62/2011

[Texto provisório, destinado a ser publicado no nº 4 da revista Propriedades Intelectuais (2015)]

 

Resumo: Mediante acórdãos recentes, por um lado, o TRL veio colocar em causa a constitucionalidade da arbitragem necessária instituída pela Lei 62/2011; por outro lado, o TC pronuncia-se a favor da constitucionalidade de um aspeto da Lei. Num outro acórdão, o TRL considera a matéria da invalidade das patentes fora do âmbito da competência dos tribunais arbitrais necessários, mesmo quando invocada a título incidental. Aquela Lei regula uma ação arbitral especial no artigo 3.º, distinta das comuns ações de infração. Pode discutir-se se estas últimas estão compreendidas no âmbito da arbitragem necessária, embora essa seja a orientação dominante. Quando entrar em funcionamento o futuro tribunal unificado de patentes, não é claro o que acontecerá àquelas ações especiais.

 

Abstract: The main theme of this paper relates to the constitutionality of the original regime of compulsory arbitration imposed by statutory law in the field of medicines. The scope of the regime is also commented.

 

Résumé: La présente chronique de jurisprudence aborde les problèmes du champs d’application et de la constitucionalité du régime d’arbitrage nécessaire imposé par la Loi 62/2011, concernant les medicaments.

 

Índice: 1. Acórdão do TRL de 14.05.2015. Afirmada inconstitucionalidade da Lei nº 62/2011; 2. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/15. Afirmada constitucionalidade da não consideração dos direitos de patente (e CCP) nos processos administrativos de índole sanitária; 3. Observações gerais; 4. Arbitragem necessária e ações de infração; 5. Arbitragem necessária e invalidade das patentes e CCP; 6. Acórdão do TRL de 21.05.2015. Ainda o problema da invalidade. Ação de infração e condenação indemnizatória; 7. Epílogo. Súmula da Lei nº 62/2011. Breve referência ao TUP

 

Na jurisprudência recente dos tribunais superiores relativa à Lei nº 62/2011, salientam-se, antes de mais, dois Acórdãos – um do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 14.05.2015, e o outro do Tribunal Constitucional (TC), de 8.04.2015. O primeiro toma uma posição desfavorável à sua constitucionalidade; o segundo declara conforme à Constituição certo aspeto da mesma. Além deles, merece referência um outro acórdão do TRL, relativo a uma ação arbitral de infração, com data de 21.05.2015.

 

1. Acórdão do TRL de 14.05.2015. Afirmada inconstitucionalidade da Lei nº 62/2011

 

Decidiu-se no Acórdão do TRL de 14.05.2015[i]: «i) Declarar inconstitucionais as formulações normativas contidas nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, por violação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 20.º, n.ºs 1 e 4, 26.º, n.º 1, e 209.º, n.º 2, da CRP; ii) Consequentemente, sendo competentes os tribunais do Estado para conhecer do ajuizado litígio, (…) absolver a requerida da instância».

1.1 Segundo se depreende do texto do Aresto, estava em jogo um procedimento cautelar instaurado por duas farmacêuticas estrangeiras contra a filial portuguesa de uma multinacional de medicamentos genéricos, por alegada infração de uma patente europeia, num tribunal arbitral constituído ao abrigo daquela Lei nº 62/2011. Mediante sentença de 3.06.2014, o tribunal arbitral condenou a requerida: a abster-se de, em território português ou tendo em vista a comercialização neste território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, etc., os medicamentos genéricos controvertidos, até 10.10.2026; bem como a retirar do mercado tais medicamentos. E associou a tal condenação uma sanção pecuniária compulsória.

A requerida interpôs recurso, alegando não se verificarem os «pressupostos» da aparência do direito (por caducidade do direito de iniciar a arbitragem[ii] e por uma invocada invalidade da patente, donde decorreria a ausência de infração[iii]) e o «requisito» do periculum in mora, pedindo a revogação da sentença arbitral e a sua absolvição. As requerentes também interpuseram recurso, por outros motivos.

Convidadas a pronunciar-se sobre a eventual inconstitucionalidade do regime da arbitragem necessária instituído pela Lei nº 62/2011, as requerentes defenderam em geral a sua constitucionalidade. A Requerida foi de opinião que: atentos os custos da arbitragem, o regime é inconstitucional, por violação dos artigos 64.º e 80.º da CRP; é ainda inconstitucional por violação do artigo 20.º se os artigos daquela Lei forem interpretados no sentido de não permitir aos demandados opor aos demandantes no processo arbitral a invalidade das patentes e/ou CCP invocados.

Em face disso, o TRL entendeu que a única questão a decidir seria esta, ou seja, saber se as normas da Lei nº 62/2011 «relativas ao tribunal necessário», constantes dos artigos 2.º e 3.º, são ou não conformes à Constituição. De facto, decidida a mesma no sentido da não conformidade, ficavam prejudicadas as demais questões suscitadas nos recursos.

Mais especificamente - após uma análise geral acerca da natureza da arbitragem, voluntária e necessária, e da compatibilidade desta com o artigo 202.º, nº 4, da Constituição[iv], em que se conclui ser problemática a questão de saber se os tribunais arbitrais necessários têm nele cobertura, visto que com eles os litigantes ficam impedidos de recorrer diretamente a tribunais ordinários que normalmente seriam competentes – acrescenta-se: «No caso sujeito, está apenas em causa indagar da constitucionalidade das normas integrantes da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, ‘’enquanto sistema de resolução de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial sobre medicamentos de referência, quando seja desencadeado um procedimento administrativo, perante o INFARMED, conducente à produção da autorização no mercado de medicamentos genéricos”».

1.2 Ainda segundo o relatado no Acórdão, foi junto aos autos um parecer do Prof. Gomes Canotilho em que se sustenta deverem os litígios em apreço ser dirimidos perante os tribunais estaduais, sob pena de inconstitucionalidade material, por violação: dos princípios da aplicação direta dos direitos, liberdades e garantias e da vinculação das entidades públicas e privadas (art. 18.º, nº 1, da CRP); e do princípio da reserva constitucional do juiz estadual. Na verdade, a não ser assim, haverá uma flagrante lesão do regime geral dos direitos fundamentais (em que se incluem os direitos de propriedade industrial), «designadamente dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva».

Por um lado, a «sujeição, por lei ordinária, da resolução desses litígios a um sistema de arbitragem ‘’forçada’’ ou ‘’necessária’’, significa uma subtração inconstitucional dos titulares dos direitos fundamentais invocados ao exercício do direito fundamental de acesso aos tribunais estaduais para defesa desses mesmos direitos, ao mesmo tempo que os coloca indiscutivelmente numa situação de desigualdade, quando confrontados com a proteção jurisdicional conferida a outros titulares de outros tantos direitos fundamentais». Por outro lado, o «próprio iter processual desenhado pelo legislador ordinário no artigo 3.º confirma a conclusão anterior, traduzindo-se numa violação do princípio da proibição do arbítrio ou do princípio da proporcionalidade na sua tripla vertente de adequação, de necessidade e de proporcionalidade em sentido estrito: as peculiaridades  processuais prescritas naquele artigo transformam a arbitragem necessária numa alternativa desprovida de adequação à proteção ou à tutela jurisdicional efetiva dos direitos fundamentais; a concreta conformação do processo arbitral viola o princípio do due process que postula a proteção dos direitos fundamentais através de um processo ’’jurisdicional’’ adequado»[v].

Segundo o TRL, este entendimento merece ser acolhido. Na verdade, como também opina José Acácio Lourenço (ROA, 73: 517ss), «salvo melhor opinião, a possibilidade de existência de tribunais arbitrais, consagrada no n.º 2 do art. 209º da Constituição, refere-se aos tribunais arbitrais voluntários e não aos necessários, dado que é o caráter voluntário que está na origem e na essência da própria arbitragem». Além disso, «cabendo aos tribunais/órgãos de soberania, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 202.º da Constituição, a administração da justiça para assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, não se afigura que sobre as matérias para os quais os mesmos são competentes se possa impor e obrigar os cidadãos a recorrer à arbitragem necessária, sob pena de se violar a norma do referido n.º 2 do art. 202.º da Constituição e o direito fundamental de acesso aos tribunais, pois este direito de acesso refere-se aos tribunais que são órgãos de soberania e não os tribunais arbitrais».

Todavia – acrescenta o mesmo autor -, se assim não se entender, «então o legislador deverá dizer, de forma clara, em que situações considera legalmente conforme com a Constituição a supressão do direito de acesso a esses tribunais e a imposição de tribunais arbitrais necessários e não servir-se de referências indiretas que remetem para leis especiais que os prevejam, ficando-se à mercê de um casuísmo de conveniências políticas do momento».

1.3 Em suma, afirma-se no Acórdão que o regime de composição de litígios instituído pela Lei nº 62/2011 – na medida em que consagra a arbitragem necessária (art. 2.º) e o iter processual constante do artigo 3.º -, por um lado, não assegura aos direitos de propriedade industrial envolvidos a proteção efetiva requerida pela sua condição de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos (cfr. o art. 20.º, nºs 1 e 4, da CRP): quer porque nega aos seus titulares o acesso aos tribunais estaduais (cfr. o art. 202º, nº 4, e o art. 209º, nº 2), quer porque o processo instituído é desadequado (cfr. o art. 18.º, nº 2). Por outro lado, discrimina desse modo negativamente os seus titulares, no confronto com outros titulares de patentes (art. 13º da CRP). E, em última análise, um regime restritivo desse tipo sempre deveria ser claro e de índole geral, evitando o casuísmo.

Porém, este ponto de vista – centrado na proteção efetiva dos direitos da propriedade industrial – não é o único que releva; salientando-se, aliás, que as titulares de tais direitos defenderam no presente processo a constitucionalidade geral do regime em apreço, ao abrigo do qual obtiveram uma decisão arbitral que, no essencial, lhes foi favorável[vi]. Na verdade, assume igualmente importância o ponto de vista da requerida, segundo o qual: por um lado, a imposição da arbitragem, pelos custos associados, também viola a Constituição [arts. 64.º (direito à saúde) e 80.º[vii]]; por outro lado, o processo arbitral não será equitativo se excluir a invocação da invalidade como meio de defesa (cfr., ainda, o art. 20.º, nº 4, da CRP).

 

2. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 216/15. Afirmada constitucionalidade da não consideração dos direitos de patente (e CCP) nos processos administrativos de índole sanitária

 

No Acórdão do TC nº 216/15, de 8.04.2015[viii], decidiu-se: «i) Não julgar inconstitucional a norma extraída da conjugação dos artigos 25º, n.os 1 e 2[ix], e 179º, n.os 1 e 2[x], do Estatuto do Medicamento (…)[xi] e do artigo 8º, n.os 3 e 4[xii], da Lei n.º 62/2011 (…), quando interpretada “no sentido de que a mesma proíbe que o INFARMED (…)[xiii]afira, no contexto do processo de concessão de AIM ou de PVP, da violação de direitos de propriedade industrial por parte do medicamento objeto desse procedimento e, desse modo, obrigando-o a deferir requerimento de concessão de AIM ou PVP para medicamento violador desses direitos ou impedindo-o de alterar, suspender ou revogar uma AIM ou um PVP com fundamento na violação dos mesmos direitos por parte do medicamento dela objeto”; ii) Não julgar inconstitucional o artigo 9º, n.º 1[xiv], da Lei n.º 62/2011».

Quanto ao primeiro aspeto, o TC considera não implicar uma afetação desproporcionada do «conteúdo essencial» dos direitos de propriedade industrial envolvidos – seja enquanto manifestações do «direito pessoal à proteção da criação científica» (art. 42.º da CRP), seja enquanto «direitos de propriedade análogos aos direitos, liberdades e garantias» (art. 62.º da CRP; cfr. o art. 17.º)[xv] – a sua desconsideração nos processos administrativos de concessão de AIM para medicamentos genéricos e de autorização do respetivo PVP[xvi]. E afasta igualmente qualquer violação do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), uma vez que, por um lado, apesar dessa desconsideração, a proteção dos direitos se mantém e, por outro lado, os medicamentos apresentam especificidades que não se observam nos produtos de outros domínios da técnica e da atividade económica.

Na verdade, aquele conteúdo essencial dos direitos não é afetado de forma desproporcionada: em primeiro lugar, porque a lei confia a sua proteção ao INPI e aos tribunais arbitrais, competentes para dirimir os litígios a eles relativos; em segundo lugar, porque a mera concessão de uma AIM (ou a autorização do PVP) - enquanto ato preparatório destinado a permitir a comercialização do medicamento[xvii], sob o ponto de vista da saúde pública – não implica a violação de tais direitos, só produzindo efeitos plenos quando tenha decorrido o prazo do exclusivo. Quer dizer, a AIM não confere, de forma automática, qualquer direito de comercialização imediata; pelo contrário, uma vez que os seus beneficiários apenas podem legalmente exercê-la após a caducidade do direito, ela mostra-se um «ato administrativo sob condição suspensiva (de fonte legal)».

Significa isto que a concessão da AIM nem colide com o conteúdo essencial dos direitos, nem com o princípio da proporcionalidade (seja na sua expressão constante do artigo 18.º, nº 2, da CRP, seja enquanto decorrência do Estado de Direito). Mas, mesmo que não fosse esse o caso, haveria uma compressão destes justificada pela necessidade de proteger a liberdade de iniciativa privada das empresas de medicamentos genéricos (art. 61.º da CRP) e o próprio direito à saúde (art. 64.º). Com efeito, ocorrendo uma eventual violação de um desses direitos, o titular pode reagir jurisdicionalmente contra o infrator, designadamente promovendo a constituição de tribunal arbitral para esse efeito (art. 2.º da Lei 62/2011); e pode ainda reagir ao abrigo do artigo 321º do CPI, uma vez que se trata de um crime[xviii].

Quanto ao segundo aspeto referido – o relativo ao caráter interpretativo das novas normas que separam os litígios relativos aos direitos de propriedade industrial dos processos e dos atos administrativos de AIM e PVP – também não há nenhuma inconstitucionalidade, porque a norma que assim o determina (art. 9.º, nº 1, da Lei 62/2011) apenas consagra uma das interpretações previamente existentes, de resto a perfilhada pelo Infarmed e acolhida no direito da UE (em especial, no Reg. 1993/2309/CEE), pondo termo ao estado de incerteza e insegurança jurídicas reinante. Não há, pois, nenhuma ofensa do princípio da segurança jurídica. A invocada retroatividade inadmissível é tão-só aparente, não uma retroatividade em sentido próprio.

 

3. Observações gerais

Não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional se pronuncia sobre a constitucionalidade da Lei nº 62/2011. E, tanto na presente decisão como nas anteriores, admitiu uma geral conformidade à Constituição do sistema de resolução de litígios nela consagrado, incluindo a arbitragem necessária estabelecida no artigo 2.º

Importa, contudo, assinalar que, no presente Aresto, o TC julgou conforme à garantia constitucional dos direitos de propriedade industrial relativos a patentes e CCP a não consideração destes nos processos de AIM e de autorização do PVP de medicamentos genéricos, porque, por um lado, para a proteção de tais direitos existem o INPI e os tribunais arbitrais e, por outro lado, no seu entender, durante a vigência dos direitos, a AIM constitui um ato administrativo sujeito a uma condição legal suspensiva: os interessados apenas podem fazer uso dela, comercializando os seus medicamentos genéricos, depois de findar o exclusivo; só nessa altura produzindo efeitos plenos.

Quer dizer, o TC apenas declarou conforme à Constituição o regime estabelecido na Lei nº 62/2011 com este sentido. No âmbito dos processos de AIM, nem os direitos podem ser invocados, nem o Infarmed, ao emitir a AIM, pode declará-la sujeita a uma condição suspensiva de eficácia, enquanto tais direitos existirem, se for este o caso. Na verdade, a apreciação acerca da existência ou não de tais direitos e a declaração dos seus limites pertence aos tribunais arbitrais e, quanto às ações de invalidade, ao TPI. Porém, segundo o Acórdão do TC, havendo direitos em vigor, a AIM só produzirá legalmente efeitos plenos quando eles se extinguirem, ficando por isso sujeita, não a uma condição negocial, mas a uma condicio iuris suspensiva. É com este sentido que declara a Lei conforme à Constituição[xix].

Nos outros arestos do mesmo Tribunal, realça-se o Acórdão nº 123/15, de 12.02.2015, no qual, designadamente, se decidiu: «a) Não julgar inconstitucional a dimensão normativa resultante do artigo 2.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, segundo a qual o titular de direito de propriedade industrial apenas pode recorrer à arbitragem necessária, precludindo o recurso direto ao tribunal judicial no que se refere a providência cautelar».[xx], [xxi]

O mencionado Acórdão do TRL vai contra tal entendimento. Justificam-se, por isso, algumas observações sobre o assunto.

3.1 Como se sabe, na origem da Lei nº 62/2011 esteve um maciço contencioso administrativo de impugnação de atos de concessão de AIMs para medicamentos genéricos, de autorização do respetivo PVP e de aprovação da comparticipação pública nesse preço, caracterizado por uma cavada divergência de opiniões e decisões, com as correspondentes incerteza e insegurança jurídicas[xxii]. A situação tinha associados importantes obstáculos «artificiais» à entrada dos medicamentos genéricos no mercado logo que o exclusivo termina e desse modo um prolongamento de facto deste[xxiii].

A Lei teve, justamente, como principais objetivos últimos a libertação dos tribunais administrativos desse contencioso, pondo do mesmo passo termo à situação de insegurança jurídica existente, e a eliminação de tais obstáculos artificiais – criando condições para que os medicamentos genéricos possam estar disponíveis no mercado no dia a seguir ao termo do direito conferido por patente ou CCP[xxiv]. Adicionalmente, visou tornar mais célere a resolução dos litígios relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos.

Note-se, no entanto, que o sistema gizado permite, ainda, atingir um outro objetivo, imposto pelo princípio do Estado de Direito: evitar a comparticipação de medicamentos lançados no mercado com violação de direito existente. Este último objetivo assume inclusive um especial significado, uma vez que tal comparticipação, a acontecer, fomentaria a contrafação.

Para atingir tais objetivos, a Lei nº 62/2011 seguiu dois caminhos. Em primeiro lugar, determinou uma separação das águas: as autoridades administrativas, mormente o Infarmed, deveriam cuidar apenas da sua missão de zelar pelo interesse público da saúde, declarando-as incompetentes para apreciarem os pedidos de AIM, bem como de autorização do PVP e de aprovação da comparticipação, do ponto de vista dos direitos de propriedade industrial eventualmente existentes; e proibindo-as, mesmo, de atenderem a estes direitos [novo art. 23.º-A e novos nºs 2 dos arts. 25.º e 179º do EM (AIM), novo art. 2.º-A do DL n.º 48-A/2010, de 13 de maio (comparticipação), e art. 8.º da Lei (PVP)]. Conseguindo, desse modo, arredar dos tribunais administrativos os litígios fundados nos direitos[xxv].

Em segundo lugar, a Lei criou um «sistema alternativo de resolução dos litígios» envolvendo tais direitos, submetendo-os à arbitragem (arts. 1º e 2º) e estabelecendo regras processuais específicas (art. 3.º). No essencial, instituiu a publicidade dos novos pedidos de AIM (ou de registo) (novo art. 15.º-A do EM)[xxvi], e permitiu aos titulares dos direitos, em face deles, o desencadeamento de um processo arbitral, destinado a correr em paralelo com o procedimento administrativo relativo à AIM e a concluir-se idealmente antes de ele findar (art. 3.º). O sistema compreende, ainda, a notificação obrigatória das sentenças arbitrais ao Infarmed e ao INPI e a publicidade legal das mesmas (art. 3.º, nº 6)[xxvii], sendo completado com as disposições transitórias do artigo 9.º

Embora a Lei não o diga de forma explícita, deduz-se do regime instituído, de resto em conformidade com o prescrito no artigo 205.º, nº 2, da Constituição, que, uma vez notificado de uma sentença arbitral, o Infarmed se encontra vinculado pela mesma[xxviii]. Infere-se, ainda, que, embora a validade da AIM que está na base da ação arbitral não dependa dos direitos invocados, a decisão arbitral determina, explicitamente ou não, os termos em que a comercialização de medicamentos genéricos ao abrigo da mesma será compatível com tais direitos e portanto lícita ou ilícita, independentemente de quem seja o seu titular. Observou-se, inclusive, que, em face do Acórdão do TC que se comenta, havendo direitos conferidos por patente ou CCP em vigor, a AIM é um ato administrativo sujeito a uma condição legal suspensiva (objeto de possível acertamento por tribunal arbitral); sendo com tal interpretação da Lei que as normas questionadas se consideraram conformes à Constituição.

Interpretando a condição de que fala o Aresto como uma condição legal suspensiva de eficácia, operando desde que os direitos existam, a posição do Tribunal apresenta, em termos práticos, alguma semelhança com a de autores que se pronunciaram acerca da constitucionalidade do EM sob a ótica dos direitos em causa enquanto direitos fundamentais, como Vieira de Andrade[xxix]. Mas pode dar-se-lhe um alcance mais limitado. Vejamos.

Havendo direitos em vigor, eles devem, legalmente, ser respeitados e, portanto, uma eventual comercialização do medicamento genérico para que se pede a AIM será ilícita mesmo que levada a cabo ao abrigo desta. Nessa medida, existirá também um uso da AIM proibido por lei. Para verificar se os direitos existem e em que termos - e, portanto, implicitamente, se a utilização da AIM que o Infarmed concede (segundo exclusivos critérios sanitários) será lícita ou ilícita em face deles –, com o objetivo de promover a certeza e a segurança jurídicas, foi criada a ação arbitral especial do art. 3.º da Lei nº 62/2011. Concluindo o tribunal arbitral (ou o TRL se houver recurso, que no entanto, tem mero efeito devolutivo) que os direitos existem e ainda se conservarão em vigor durante certo tempo, proferirá uma sentença condenatória, proibindo a exploração económica do medicamento genérico em apreço, mesmo que já haja para ele uma AIM (cfr. o art. 3.º, nº 2, da Lei). Ou seja, fica proibida - não apenas por lei (cfr. o art. 101.º do CPI) mas também por uma concreta decisão de um tribunal - a exploração económica desse medicamento ao abrigo da AIM; donde pode retirar-se uma correspondente proibição da utilização desta AIM, por quem não esteja autorizado a proceder àquela exploração pelo titular do direito. Decorrendo, ainda, do sistema instituído e do artigo 205.º, nº 2, da Constituição que o Infarmed estará vinculado a tal decisão (cfr. também, acerca dos direitos nesta reconhecidos, os arts. 17.º e 18.º, nº 1, da CRP). Deve, neste caso, considerar-se a AIM, adicionalmente, sujeita a uma condicio iuris suspensiva de eficácia?

À primeira vista, dir-se-ia ser esse o entendimento do TC. Todavia, este Tribunal também esclarece que, havendo direitos em vigor, a AIM só não produzirá efeitos plenos, ganhando eficácia plena apenas quando os direitos se extinguirem. Ora, vendo bem, para a devida proteção dos direitos em causa, no caso da introdução do medicamento genérico no mercado para que a AIM tenha sido concedida, não se torna necessário afirmar que tal introdução ocorre sem a necessária autorização sanitária (em virtude de a AIM ainda não produzir efeitos); basta entender que essa introdução, apesar de coberta pela autorização sanitária, continua proibida, sob um outro ponto de vista, o dos direitos. Olhando as coisas de um outro ângulo, a AIM, apesar de existir e produzir efeitos enquanto ato sanitário, tem a sua utilização interditada até os direitos cessarem, representando a sua eventual utilização uma infração destes, não das leis sanitárias.

3.2 O aludido processo arbitral, destinado a correr em paralelo com o procedimento administrativo relativo à AIM que lhe está na base, apresenta as especificidades constantes do artigo 3º. Ou seja: i) diferentemente do que acontece em geral (arts. 321.º, 338.º-I, e 338.º L a N do CPI[xxx]), não pressupõe qualquer infração, atual ou iminente, bastando a publicitação do pedido de AIM (ou registo) (nº 1); ii) deve ser desencadeado no prazo de um mês (nº 1); iii) confirmando o tribunal arbitral a existência do direito invocado, a falta de contestação terminará com uma condenação inibitória (nº 2), dentro dos limites do direito apurados; iv) limitam-se os articulados, com os quais devem ser oferecidas as provas, e estabelece-se prazo para a audiência, de modo a acelerar a conclusão da ação (nºs 3 a 5); v) limita-se o recurso a uma instância (nº 7); etc. [xxxi].

No essencial, trata-se, portanto, por um lado, de um “processo especial” de acertamento de direitos: i) suscetível de ser desencadeado em face da publicitação de um simples pedido de AIM (altura em que não haverá, via de regra, qualquer infração ou ameaça iminente de infração); ii) que os titulares de direitos podem instaurar ou não, consoante o interesse que vejam nele; iii) que apenas pode ser instaurado dentro do prazo de um mês a contar dessa publicitação, porque isso se enquadra na lógica de um processo rápido, destinado a concluir-se idealmente antes de haver uma decisão do Infarmed sobre o pedido de AIM; e iv) com uma única instância de recurso. Por outro lado, de um processo que, existindo os direitos invocados, terminará com uma sentença inibitória[xxxii].

Daqui retiram-se duas outras conclusões. Primeira: como se observa no Acórdão do TRL, citando Gomes Canotilho, o processo em apreço não é um processo adequado (due process) para as ações de infração (cfr. o art. 2.º, nº 4, da CRP). E a sua hipotética imposição para estas violaria seguramente o princípio da igualdade (art. 13º da CRP), quer no confronto com outros direitos de patente, quer com os titulares de direitos e interesses protegidos em geral. Segunda: enquanto regra circunscrita ao processo especial em apreço, o prazo do artigo 3º, nº 1, é um prazo de caducidade e não levanta quaisquer problemas de constitucionalidade[xxxiii].

Quer dizer, as ações arbitrais especiais do artigo 3º devem ser claramente distinguidas das ações de infração. E o que se mostra constitucionalmente inadmissível é a aplicação do regime do artigo 3º a estas últimas; não apenas a aplicação do nº 1, mas do preceito em si, em que se realça também a limitação das instâncias de recurso (nº 7).

4. Arbitragem necessária e ações de infração

Vejamos mais de perto este ponto. Onde se enquadram juridicamente as ações de infração, com os correspondentes procedimentos cautelares?

4.1 Para responder a esta questão, importa começar por esclarecer que a proposição da ação especial prevista no artigo 3.º da Lei nº 62/2011 é facultativa («não obrigatória»), no sentido de que, vindo a ocorrer uma infração ou estando ela iminente, nos termos gerais, a falta da mesma nem obsta à proposição da competente ação penal (art. 321 do CPI), nem preclude o direito de propor uma ação cível de infração e a instauração de correspondentes procedimentos cautelares (arts. 338.º-I, e 338.º L a N do CPI, art. 2.º do CPC). De facto, a solução oposta seria claramente contrária à CRP, ao ADPIC/TRIPS e à Diretiva do enforcement, máxime por violação do direito à tutela efetiva de um direito fundamental[xxxiv].

4.2 Mais do que isso. Como se concluiu no ponto anterior, deve igualmente considerar-se inadequado para as ações em apreço o regime processual do artigo 3.º da Lei nº 62/2011.

A resposta à questão formulada só pode, portanto, ser esta: tais ações estão sujeitas ao regime geral aplicável às infrações dos demais direitos da propriedade industrial, incluindo o constante do CPI; não ao regime especial do artigo 3.º da Lei nº 62/2011. É certo que a simples leitura da Lei, mormente dos artigos 2.º e 3.º e da epígrafe deste último, poderia levar à conclusão contrária, mas a uma tal interpretação opõem-se, mais uma vez, a CRP, o ADPIC/TRIPS e a Diretiva do enforcement, máxime porque ela ofenderia o direito à tutela efetiva de um direito fundamental, considerando sobretudo neste a exigência de processo justo e equitativo (cfr. o art. 20.º da CRP).

Além disso, a preocupação fundamental do legislador foi a de desembaraçar os medicamentos genéricos de barreiras processuais artificiais à sua entrada no mercado logo que termine o exclusivo e de libertar os tribunais administrativos do contencioso preexistente, através da instituição de um processo arbitral paralelo ao procedimento de concessão das AIM. É disso que se ocupam os artigos 2.º e 3º da Lei nº 62/2011. Não se vislumbra qualquer preocupação de regular também especialmente as ações de infração.

4.3 Todavia, se devemos ter, assim, como certa a não aplicação do artigo 3.º às ações de infração, já o mesmo não sucede com o artigo 2.º, ou seja, com a imposição da arbitragem necessária. Daí a ulterior questão: as ações cíveis de infração e os correspondentes procedimentos cautelares estão sujeitos à regra da arbitragem necessária contida no artigo 2.º da Lei nº 62/2011? Noutros termos: qual é o âmbito da arbitragem necessária instituída por esta Lei? Circunscreve-se aos processos especiais regulados no artigo 3º (como a epígrafe deste sugere)? Ou abrange também as ações de infração cíveis e respetivos procedimentos cautelares (incluindo as ações e procedimentos inibitórios em caso de ameaça iminente de infração)[xxxv], como sugere o teor literal do art. 2.º e a alusão no mesmo a estes procedimentos e como tem sido entendimento dominante nos tribunais[xxxvi]?

Uma eventual resposta positiva a tal questão seria conforme à Constituição, ao ADPIC/TRIPS e à Diretiva? Este aspeto é relevante, desde logo, em virtude do princípio da interpretação das leis conforme à Constituição, ao direito convencional internacional aplicável e ao direito europeu, afastando, na medida do possível, interpretações desconformes.

Importa analisar o problema de um duplo ponto de vista: da efetividade dos direitos da propriedade industrial envolvidos (cfr. o Acórdão do TRL); e da liberdade de empresa e de concorrência, das empresas de medicamentos genéricos, considerando aqui em especial os custos da arbitragem (problema levantado pela requerida no processo decidido pelo TRL)[xxxvii]. Principia-se pela primeira questão: a imposição da arbitragem necessária às ações de infração e respetivos procedimentos cautelares é compatível com a tutela efetiva dos direitos, requerida pela CRP, o ADPIC/TRIPS e a Diretiva?

Há um dado perturbador num sistema de arbitragem necessária compreensiva do contencioso civil da infração: a falta de tribunal arbitral constituído a que os titulares dos direitos possam prontamente recorrer em caso de infração ou ameaça iminente da mesma. Na verdade, se não há um tribunal a que se possa recorrer para prevenir uma infração em vias de ser cometida e para fazer cessar rapidamente uma infração já consumada, parece não haver uma tutela efetiva dos direitos; com ulteriores implicações de desigualdade concorrencial entre o infrator e os demais titulares de empresas de medicamentos genéricos, mormente quando a infração ocorre perto do termo do exclusivo.

Em termos práticos, no sistema da Lei nº 62/2011, o problema encontra-se, substancialmente atenuado, porque a obtenção do reconhecimento do direito invocado e de uma condenação inibitória no âmbito de uma ação arbitral ao abrigo do artigo 3.º, sobretudo se essa condenação for acompanhada de uma sanção pecuniária compulsória, prevenirá a maioria das possíveis infrações[xxxviii]. Ainda assim, se o mesmo não tiver solução adequada, além de essa ação especial regulada no artigo 3.º se tornar para os titulares dos direitos uma quase imposição[xxxix], o direito à tutela efetiva estará em crise.

Daí que seja de considerar a possibilidade de recorrer provisoriamente ao TPI, requerendo-lhe a tomada de medidas cautelares, enquanto o tribunal arbitral não se encontrar constituído (ou seja, reconhecendo a esse tribunal pelo menos esta competência cautelar residual)[xl]. Tendo sempre presente que, sobretudo na fase terminal do exclusivo, assegurar a efetividade dos direitos é também garantir a igualdade concorrencial dos titulares de empresas de medicamentos genéricos, impedindo que os infratores ganhem, com a infração, vantagem concorrencial no mercado livre dos medicamentos.

Cabe ainda referir o seguinte. O artigo 27, nº 1, do ADPIC/TRIPS dispõe que, sem prejuízo do disposto no número 4 do artigo 65, no número 8 do artigo 70 e no número 3 deste artigo, será possível obter patentes e gozar de direitos de patente sem discriminação quanto ao local da invenção, ao domínio tecnológico e ao facto de os produtos serem importados ou produzidos localmente. Pode a arbitragem necessária – no que toca às ações de infração e respetivos procedimentos cautelares, aquilo que é comum às demais patentes – considerar-se discriminatória para os titulares de patentes relativas a medicamentos e portanto violadora deste preceito e do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição? Numa interpretação rigorosa dos preceitos, mostra-se defensável uma resposta positiva. Mas também se pode entender que o sistema instituído pela Lei nº 62/2011, com a aludida competência cautelar provisória e residual do TPI, é globalmente favorável aos titulares de patentes e justificado pelas especificidades do setor em causa; ao menos como solução provisória, até à prevista entrada em vigor do Tribunal Unificado de Patentes.

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Vejamos agora a segunda faceta do problema: a arbitragem necessária, atendendo aos custos envolvidos, é de molde a desincentivar o requerimento de AIMs durante o exclusivo – tendo um efeito contraproducente, em relação ao objetivo fundamental da lei de desembaraçar os medicamentos genéricos de obstáculos processuais –, limita o direito à saúde enquanto direito à disponibilidade de medicamentos acessíveis, bem como o acesso à justiça mormente por parte de PMEs de medicamentos genéricos, e restringe indiretamente a liberdade de empresa e a liberdade de concorrência? Levando a um resultado constitucionalmente intolerável?

A questão coloca-se tanto a respeito das ações de infração, como das ações ao abrigo do artigo 3.º da Lei nº 62/2011. Quanto a estas últimas, salientam-se, à cabeça, dois dados. Primeiro: os custos das arbitragens instauradas ao abrigo deste artigo 3.º tem vindo em geral a diminuir, de forma muito significativa – o que se deve em grande parte à circunstância de estarmos perante ações no essencial padronizadas e ao facto de uma parte dos árbitros que nelas participam ativamente ter entretanto adquirido conhecimento e experiência na matéria. Segundo: os tribunais arbitrais têm em geral repartido as custas do processo pelas partes, mesmo quando a ação não é contestada e, portanto, uma vez apurada a existência do direito invocado, existe pelo menos uma condenação inibitória dos demandados (requerentes da AIM que está na base da ação); e o TRL tem aceitado esse entendimento, fundado nas regras gerais de repartição das custas processuais[xli].

Esta última posição merece ser revista. Na verdade, em face da interpretação dada ao artigo 3.º, numa ação não contestada que tenha na base um requerimento de AIM apresentado com uma antecedência razoável em relação ao termo do exclusivo, via de regra, não há motivo para afirmar que o requerente da AIM - e por isso demandado – dá causa à ação. E, mesmo nas ações que terminam numa condenação inibitória – inclusive com associada sanção pecuniária compulsória - apesar de haver contestação, a especificidade das mesmas justifica, em regra, um desvio ao regime geral de repartição das custas, em benefícios dos demandados[xlii]. Na verdade, embora tais ações hajam sido concebidas pelo legislador sobretudo para desembaraçar a comercialização de medicamentos genéricos de obstáculos processuais, destinando-se a obter esse efeito de interesse geral, na prática acabam por favorecer sobretudo os titulares de direitos, que – em contrapartida da imposição da arbitragem, com os problemas acima identificados – obtêm antecipadamente, sem que haja uma lesão ou ameaça iminente de lesão desses direitos, uma sentença inibitória, que reforça a efetividade prática dos mesmos.  

No que toca às ações de infração, os custos da arbitragem tenderão a ser mais elevados, e mesmo substancialmente superiores, dada a maior complexidade, probatória e jurídica, que em geral tais ações apresentam. Todavia, por um lado, este problema também existirá, porventura de forma ainda mais visível, quando entrar em funcionamento o previsto tribunal unificado de patentes. Por outro lado, como, via de regra, os titulares de direitos proporão a ação regulada no artigo 3.º da Lei nº 62/2011, o grosso das situações litigiosas terá a ver com o não acatamento da decisão aí tomada, correndo nos tribunais do Estado. Expectavelmente, apenas em casos residuais poderão as empresas de medicamentos genéricos considerar fundadamente que a introdução de um seu medicamento no mercado, antes de terminar o exclusivo formalmente em vigor, não viola tal exclusivo, sujeitando-se, se o fizerem, a uma dispendiosa ação arbitral de infração. Pelo menos em termos globais, a limitação indireta do acesso à justiça, bem como da liberdade de empresa e de concorrência, e do direito à saúde na vertente da disponibilidade de medicamentos mais baratos afigura-se, pois, pouco significativa. Este ponto merece, em todo o caso, maior reflexão, tanto mais que a proteção constitucional dos direitos e liberdades fundamentais é apreciada numa ótica individual.

5. Arbitragem necessária e invalidade das patentes e CCP

Como se observou, a requerida no processo a que respeita o Acórdão do TRL de 14.05.2015 alegou que o sistema de resolução de litígios instituído pela Lei nº 62/2011 seria inconstitucional quando interpretado no sentido de que os demandados não podem defender-se através da exceção de invalidade dos títulos relativos aos direitos invocados. Colocam-se aqui duas ordens de questões: uma tem a ver com a interpretação do direito vigente; a outra respeita à constitucionalidade do mesmo. No âmbito da primeira, importa saber: 1) é possível aos demandados nos processos arbitrais especiais do artigo 3.º opor uma tal exceção? 2) podem os acionados em processo de infração fazê-lo? 3) sendo positiva a resposta à pergunta anterior, a exceção também é invocável num processo cautelar?

Sobre esta questão, pronunciou-se recentemente o TRL no Acórdão de 21.05.2015, adiante analisado, no sentido de que o TPI possui competência exclusiva na matéria. Em comentário anterior, concluímos que não existe uma resposta inequívoca num sentido ou no outro, elencando uma série de razões para uma resposta negativa de princípio (comportando exceções) e remetendo para os estudos de Remédio Marques quanto aos argumentos a favor da tese oposta[xliii]. Escreveu-se aí:

«Com efeito, no nosso ponto de vista, a melhor interpretação do direito vigente - tendo em conta aquele art. 35.º, n.º 1, do CPI, o teor dos arts. 2.º e 3.º da Lei nº 62/2011, bem como os valores e interesses envolvidos - é a de considerar que a matéria da nulidade é da competência exclusiva do TPI e que o vício só pode ser invocado perante este, mediante ação destinada a declará-lo com eficácia geral. Por conseguinte, quem pede uma AIM - sabendo que fica sujeito, por esse facto, a uma provável ação arbitral -, se quiser fazer valer tal meio de defesa, deverá propor a competente ação no TPI e, vindo a ser envolvido em subsequente arbitragem, requerer uma «suspensão» do processo até o TPI se pronunciar. O TA deferirá a pretensão se - excecionalmente, dados os termos em que o exclusivo é concedido e a circunstância de se tratar de patentes em fim de vida, via de regra já escrutinadas a nível mundial - houver fortes indícios capazes de vencer a presunção de validade de que a patente goza.»

Estando em causa ações arbitrais de infração, justifica-se solução análoga[xliv]. Ou seja, em vez de desrespeitar o direito pelo menos formalmente existente e confiar na subsequente defesa por exceção, o interessado deverá começar por propor uma ação de invalidade no TPI[xlv], arriscando ou não em seguida a exploração da invenção protegida antes de haver uma decisão definitiva sobre o assunto.

Significa isto que numa interpretação da lei no sentido de que, ao menos no que respeita à invalidade, o TPI tem competência exclusiva na matéria (ratione materiae), o problema da constitucionalidade não pode encarar-se, simplesmente, como um problema de suficiente ou insuficiente garantia dos meios de defesa dos demandados nos processos arbitrais, abstraindo das opções que aos mesmos são oferecidas.

Concretamente, admitindo uma interpretação do artigo 2.º da Lei nº 62/2011 no sentido de que os tribunais arbitrais também são competentes para as ações de infração, a questão constitucional pode formular-se do seguinte modo: é conforme à Constituição um sistema de apreciação da invalidade das patentes relativas a medicamentos e dos CCP apenas através de ações de invalidade a intentar no TPI, excluindo a sua invocação como meio de defesa, seja nas ações arbitrais de infração, seja nas ações ao abrigo do artigo 3.º da Lei nº 62/2011, embora possa haver em casos excecionais uma suspensão do processo arbitral até a questão da validade ficar decidida numa ação previamente intentada no TPI?

6. Acórdão do TRL de 21.05.2015. Ainda o problema da invalidade. Ação de infração e condenação indemnizatória

Já se aludiu ao Acórdão do TRL de 21.05.2015[xlvi]. Lê-se, designadamente, no respetivo sumário: «O tribunal arbitral, bem como o tribunal estadual, ainda que a título meramente incidental ou por via de exceção processual, carece de competência para decidir da nulidade ou anulabilidade de patente ou outro direito de propriedade industrial, cabendo ao Tribunal da Propriedade Intelectual declarar a nulidade em ação declarativa instaurada com essa finalidade, nos termos do art.º 35.º do C. P. I.»; «Não sendo alegado, nem estando demonstrado, ter a demandante, titular do direito patenteado, sofrido qualquer dano com a comercialização do medicamento genérico, falha um dos pressupostos da responsabilidade civil, razão pela qual carece de fundamento legal a condenação da recorrente no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença.»

6.1 Estava em causa uma ação arbitral de infração por violação de uma antiga patente de processo (relativa a produto novo) concedida ao abrigo do CPI de 1940. A demandada admitiu a comercialização do respetivo medicamento genérico antes de terminado o exclusivo. Na contestação, defendeu-se invocando designadamente a invalidade da patente, mas em fase já adiantada do processo propôs uma ação de invalidade no TPI, requerendo na ação arbitral a suspensão da instância até essa questão se encontrar decidida. O tribunal arbitral entendeu que, em face da prova produzida, estava em condições de decidir acerca do assunto e que, havendo o exclusivo entretanto caducado, não havia razões bastantes para proceder de outro modo, tanto mais que os elementos apurados depunham claramente no sentido da validade da patente na parte respeitante ao medicamento em questão. Rejeitou, por isso, o pedido (tardio) de suspensão da instância[xlvii].

Em recurso, o TRL, por um lado, veio afirmar que a exceção de invalidade não podia ser apreciada pelo tribunal arbitral, por não ser a ação arbitral o meio processual próprio, cabendo tal competência em exclusivo ao TPI, no âmbito de ação com esse objeto específico (págs. 42 ss)[xlviii]. Por outro lado, rejeitou, no entanto, a pretensão da demandada, uma vez que a ação de invalidade no TPI havia entretanto terminado por extinção da instância.

6.2 No Acórdão do TRL, realça-se ainda, por um lado, que, sendo uma ação indemnizatória proposta pelo titular do direito de patente (ou conferido por CCP) e por um seu licenciado exclusivo, que comercializa o medicamento de referência em Portugal, a circunstância de haver danos resultantes da violação do direito para este último não confere àquele qualquer pretensão indemnizatória se não se alegou e provou - também quanto a ele - um dano (cfr. o segundo trecho do sumário, acima transcrito). Por outro lado, sabendo-se que há danos, resultantes da violação do exclusivo, mas não se encontrando concretizados e quantificados os prejuízos efetivamente sofridos, devem eles ser liquidados em execução de sentença, não cabendo nesse caso ao tribunal (arbitral) proferir uma condenação no pagamento de indemnização, ainda que provisória.

7. Epílogo. Súmula da Lei nº 62/2011. Breve referência ao TUP

Termina-se esta crónica com um apanhado das observações anteriores, no quadro geral Lei nº 62/2011, e uma breve apresentação sistemática desta. Far-se-á, ainda, uma referência ao futuro tribunal unificado de patentes.

7.1 A Lei institui um sistema original de resolução de litígios ainda envolto num clima de incerteza e insegurança, quanto ao seu âmbito de aplicação e ao exato sentido de algumas das suas disposições, incluindo dúvidas de conformidade ou não à Constituição. A originalidade consiste, mais especificamente, na criação de um processo arbitral facultativo, de que os titulares de patentes e CCP podem lançar mão se virem vantagem nisso, com base num simples pedido de AIM, no qual o tribunal irá verificar se o direito invocado existe e definir os seus termos de vigência, condenando, se for o caso, o demandado (requerente da AIM) a observá-lo, isto é, a não explorar economicamente o medicamento genérico para que foi pedida a AIM enquanto o direito se conservar em vigor. Condenação que poderá ser completada com uma condenação acessória em sanção pecuniária compulsória, que se efetivará caso haja incumprimento da condenação principal inibitória.

Na conceção do legislador, esse processo arbitral é um processo simplificado, destinado a concluir-se tendencialmente antes de terminado o procedimento administrativo relativo à AIM, permitindo atingir o objetivo de interesse geral consistente em desembaraçar os medicamentos genéricos de obstáculos processuais que, anteriormente, obstavam à entrada dos medicamentos genéricos no mercado no dia a seguir à expiração do exclusivo. Do mesmo passo, previne-se também a comparticipação do Estado em medicamentos genéricos contrafeitos, que é naturalmente incompatível com um Estado de Direito.

Um tal sistema, para funcionar de modo a atingir estes objetivos de interesse geral, precisa de ser se algum modo atrativo para os titulares de patentes relativas a medicamentos e de CCP, levando-os a propor as ações em apreço. No momento presente, há dois motivos fundamentais para tal acontecer: o reforço da efetividade prática dos direitos, através da mencionada condenação inibitória eventualmente assistida de SPC, importante porque, como é sabido, a aprovação de uma AIM, do PVP e da comparticipação num dado medicamento genérico cria um risco de infração particularmente forte; e a falta de um tribunal arbitral pronto a funcionar, a que se possa recorrer em caso de violação ou ameaça de violação iminente dos direitos – no pressuposto de que o artigo 2.º da Lei nº 62/2011 estabelece a arbitragem necessária também para as ações de infração.

Mas o sistema assim gizado, além de envolver um contencioso maciço de acertamento de direitos (embora com custos limitados para o Estado), pode ter um efeito contraproducente: se as custas dos processos arbitrais instaurados ao abrigo do artigo do 3.º forem fixadas e repartidas pelas partes em conformidade com os critérios gerais, as empresas de medicamentos genéricos[xlix], mormente as PMEs, serão desincentivadas de requerer AIMs antes de terminar o exclusivo ou, inclusive, de o fazerem com uma antecedência razoável. Daí a aludida necessidade de criar regras específicas para o caso.

O entendimento dominante da Lei nº 62/2011 tem sido, ainda, no sentido de que as ações de infração, com os correspondentes procedimentos cautelares, também estão abrangidas pela regra da arbitragem necessária do artigo 2.º[l] Seja como for, tais ações devem ser claramente distinguidas das ações especiais referidas anteriormente, reguladas no artigo 3.º

Tendo em conta tal distinção, o prazo do nº 1 deste artigo 3.º é um prazo de caducidade, não levantando nenhum problema de constitucionalidade. E, em relação pelo menos à generalidade das ações aí contempladas, os elementos publicitados nos termos do artigo 15.º-A do Estatuto do Medicamento também se afiguram bastantes, com ressalva dos pedidos de AIM apresentados por quem não venha a ser o seu beneficiário e de outros eventuais casos particulares análogos.

O problema da arguibilidade ou não de uma suposta invalidade da patente ou CCP invocados em certa ação arbitral envolve uma questão de interpretação da lei vigente (mormente do art. 35.º, nº 1, do CPI em articulação com a Lei nº 62/2011) e, sendo a solução negativa, também um problema de constitucionalidade. Mas o que deve submeter-se ao crivo de constitucionalidade é o sistema globalmente considerado, o qual – apesar de considerar o TPI dotado de competência exclusiva na matéria - contempla soluções capazes de satisfazer os interesses de quem pretende invocar tal invalidade que vão para além da defesa por exceção nas ações arbitrais.

Sendo os tribunais comuns competentes para as ações criminais de infração, intentada uma destas ações, se for invocada pelo réu a invalidade da patente ou do CCP, o processo deve, naturalmente, suspender-se até a questão ser decidida pelo TPI; mesmo entendendo que nas ações arbitrais (de caráter cível) essa suspensão só é de admitir em condições mais apertadas e excecionais.

7.2 Para facilitar uma compreensão mais ampla e articulada daquela Lei nº 62/2011, enunciam-se de seguida os seus traços fundamentais[li]. São eles:

I - A Lei nº 62/2011 cria uma ação especial simplificada, destinada a correr em paralelo com o processo administrativo relativo à AIM, sujeita a arbitragem necessária (arts. 1º e 2º) e regulada no art. 3º. Tal ação distingue-se, designadamente, das ações de infração – e respetivos procedimentos cautelares, quer haja infração consumada quer apenas iminente – e das ações de invalidade. A ação está sujeita a um prazo de caducidade de 30 dias (art. 3º, nº 1). Se os titulares de patente e/ou CCP deixarem passar esse prazo, o seu concreto direito de ação caduca.

II - Isso não os impede de – em caso de violação ou ameaça iminente de violação dos direitos (nos termos previstos no CPI) – propor a competente ação de infração e instaurar os pertinentes procedimentos cautelares; e, nessa medida, aquela solução da caducidade não suscita problemas de constitucionalidade.

III - A Lei não resolve de forma clara a questão de saber se a arbitragem também é necessária para as ações de infração, embora a jurisprudência existente se oriente em sentido positivo. Sendo esta a solução, coloca-se um problema de efetividade prática dos direitos de patente e CCP, na medida em que, vindo a ocorrer a violação ou uma ameaça iminente de violação destes, não existe tribunal arbitral constituído a que se possa recorrer. Daí que os titulares dos direitos possuam, via de regra, um considerável interesse na proposição (atempada) daquela ação especial, na medida em que, obtendo aí uma condenação inibitória, grande parte das potenciais infrações será prevenida. De facto, desse modo o problema da efetividade dos direitos fica minorado.

IV - O grau em que essa minoração acontece depende, no entanto, em grande medida, de duas ulteriores condições: por um lado, da eficácia da condenação inibitória não apenas em relação ao requerente da AIM que está na base da ação, mas também em relação a qualquer beneficiário da mesma, incluindo eventuais transmissários; por outro lado, de uma acessória condenação em sanção pecuniária compulsória (SPC), dado que se trata de prestação de facto (negativa) infungível.

V - Quanto à primeira, embora o tema não seja pacífico, após o TRL haver fixado jurisprudência no sentido de que a condenação inibitória também vale para os transmissários da AIM, acolhendo a tese que se afigura dominante nas decisões arbitrais, ela pode considerar-se preenchida. Daí que não se justifique uma restrição à liberdade de transmissão das AIMs como aquela que os titulares de patentes/CCP têm defendido.

VI - Quanto à SPC, a jurisprudência arbitral encontra-se dividida e o TRL tem decidido que não há lugar à sua aplicação, defendendo uma interpretação restritiva do art. 829º-A do CC. Salvo o devido respeito, temos defendido solução diferente, no essencial (i) por razões de economia processual, evitando a proposição de nova ação no caso de a violação da condenação principal vir a ocorrer no futuro, (ii) porque estamos perante um contexto especial, em que existe uma condenação inibitória em prestação de facto negativa infungível independente de qualquer infração ou ameaça iminente de infração, cuja eficácia prática importa assegurar[lii], mas também por (iii) outros motivos, que aqui não cabe explanar[liii].

VII - Apurada a existência dos direitos invocados, havendo uma condenação inibitória, por um lado, assistida de uma condenação acessória em SPC e, por outro lado, eficaz em relação a possíveis transmissários da AIM, as potenciais infrações sofrerão, plausivelmente, uma redução drástica; pelo que o aludido problema da eficácia prática desses direitos também fica com uma dimensão reduzida. Ainda assim, existe aqui uma aparente lacuna regulatória que, a não ser preenchida, suscita fundadas dúvidas de constitucionalidade e conformidade à Diretiva do enforcement e ao ADPIC/TRIPS.

VIII - Uma solução possível consiste em admitir uma competência cautelar provisória do TPI, enquanto tribunal competente na matéria salvo na medida em que a sua competência se encontra comprimida pelo art. 2.º da Lei nº 62/2011, transitando o processo para o competente tribunal arbitral após a sua constituição[liv].

IX - Na falta de uma condenação em SPC, aquelas dúvidas tornam-se quase certezas, «forçando» uma solução deste tipo. Daí que a admissão de uma tal condenação acessória seja a mais de acordo com a regra da arbitragem necessária, vista à luz de normas hierárquicas superiores.

X - A ação especial regulada no art. 3.º tem na base um pedido de AIM (ou de registo da mesma no Infarmed); logo, a condenação não vale para outras eventuais futuras AIM, embora vincule a demandada mesmo que esta transmita a AIM que dá causa à ação, obtendo ou não outra[lv]. Nesta medida, ainda que o assunto seja controvertido, entendemos que os titulares de patentes/CCP, embora possam definir de forma ampla o objeto do litígio, não devem poder obter do tribunal uma condenação relativa a AIMs futuras, eficaz também perante eventuais transmissários das mesmas.

XI - Pode ocorrer que o pedido de AIM que está na base da ação tenha (ou venha a ter) um beneficiário distinto do requerente, encontrando-se esse dado ausente na publicação do pedido pelo Infarmed. Neste caso, a ação deve poder ser proposta contra o beneficiário, contando-se o prazo do art. 3º, nº 1, a partir do momento em que o titular dos direitos teve conhecimento oficial dessa circunstância.

XII - Para proferir sentença inibitória, mesmo que a ação especial do art. 3º não seja contestada (cfr. o nº 2), o tribunal não pode ater-se ao que é requerido pelo demandante; tem que verificar, em face da prova produzida, se o direito existe e quais os seus limites, mormente temporais. É frequente verem-se decisões arbitrais que se limitam a proferir uma condenação inibitória pelo tempo de duração do exclusivo; mas, no nosso ponto de vista, para criar a certeza jurídica almejada pela Lei nº 62/2011, o tribunal deve ser mais rigoroso, declarando a data em que, em face dos dados do processo, o exclusivo terminará.

XIII - Sendo requerida uma AIM, os titulares de eventuais direitos de patente/CCP em vigor são livres de propor ou não a ação especial mencionada. No nosso ponto de vista, se o não fizerem, não só não violam nenhum dever, como também, em caso de eventual infração, atual ou iminente, não deixam de poder agir contra o infrator, como se assinalou. Neste sentido, a arbitragem não é obrigatória como o Tribunal Constitucional já afirmou[lvi].

XIV - Questão distinta consiste em saber se, na ausência de infração ou ameaça iminente de infração, quem invoca o seu direito nos termos do art. 3º tem ou não interesse em agir. Quanto a ela, resulta do próprio sistema instituído pela Lei que - em face da simples publicitação pelo Infarmed de um pedido de AIM (ou de registo de AIM), logo quanto ainda não haverá tipicamente qualquer infração ou ameaça iminente de infração - poderão os titulares dos direitos recorrer à arbitragem, no mencionado prazo de 30 dias, destinando-se esta a correr em paralelo com o processo administrativo de concessão da AIM e subsequentes processos de autorização do PVP do medicamento e de aprovação de comparticipação financeira, para que, desejavelmente antes de obtidas as necessárias autorizações sanitárias, a situação dos direitos fique esclarecida, impedindo desse modo entraves artificiais à entrada do medicamento genérico no mercado. E, sendo a arbitragem necessária, como se assinalou, os titulares dos direitos possuem um típico e relevante interesse em propor tais ações, obtendo uma condenação inibitória preventiva das infrações, dado que, em caso de eventual futura infração, não existe tribunal arbitral constituído, a que possam recorrer imediatamente. Daqui decorre um natural interesse em agir; e, mais uma vez, a distinção entre a ação especial em apreço e as ações de infração torna clara a solução do problema[lvii].

XV - A mesma distinção leva, ainda, a considerar inaplicável às ações de infração a limitação das instâncias de recurso prevista no artigo 3º, nº 7, e inadmissível a coligação de demandados, quando o que se pretende em relação a algum deles seja uma condenação por infração.

XVI - O tema da admissibilidade da invocação da invalidade da patente e/ou CCP, como exceção, no âmbito dos processos arbitrais em apreço é controvertida. Na verdade, existem bons argumentos no sentido dessa admissibilidade, mas são também ponderosos os argumentos no sentido oposto, sobretudo de ordenação económico-cponcorrencial, reconhecendo ao TPI competência exclusiva na matéria. Em todo o caso, tudo somado, estes últimos prevalecem sobre aqueles[lviii].

XVII - Assim, no caso das ações especiais do artigo 3.º da Lei nº 62/2011, se uma entidade interessada em lançar no mercado um medicamento genérico entender que o título do direito é inválido, cabe-lhe, quando (ou antes de) requer a AIM, propor no TPI a competente ação. Vindo o titular do direito, em face da publicitação do pedido de AIM, a propor uma ação arbitral, poderá o oponente requerer nesse processo a suspensão da instância até este aspeto ficar definitivamente decidido - requerimento que será de atender se, num exame preliminar, ele se revelar ao tribunal arbitral fundado. Tal posição baseia-se sobretudo no modo como a Lei nº 62/2011 configura a ação especial em apreço (um ação simplificada e com recurso limitado, destinada idealmente a terminar antes de concluídos os processos administrativos ou, até, mais especificamente o de concessão da AIM, porque o Estado de Direito também tem implicada a ideia de que o Estado não deve comparticipar em medicamentos contrafeitos) e em razões de boa ordenação jurídico-concorrencial, que naturalmente se sobrepõem aos interesses particulares em presença[lix]. Admite-se, no entanto, que este ponto merece ser repensado; e, além disso, há casos em que a solução deverá ser outra[lx].

XVIII - Distinto do problema anterior é o da caducidade do direito ou falta dos pressupostos legais para que o CCP efetivamente vigore, prolongando, em relação ao seu objeto, o exclusivo conferido pela patente. Na verdade, aqui estamos no âmbito da arbitragem necessária.

7.3 Antes de terminar, importa aludir brevemente ao futuro tribunal unificado de patentes (TUP), uma vez que, mediante o Decreto do Presidente da República nº 90/2015, de 6 de agosto, foi ratificado o Acordo relativo ao mesmo, assinado em Bruxelas em 19.02.2013[lxi]. O Acordo inclui normas relativas não apenas ao tribunal, mas também, designadamente, ao âmbito de proteção das patentes abrangidas (arts. 25 ss) e dos correspondentes CCP (art. 30).

O TUP é constituído por duas instâncias e uma secretaria (art. 6). A primeira instância compreende: uma divisão central (com sede em Paris e secções em Londres e Munique); bem como divisões locais e regionais, nos Estados membros contratantes ou grupos de Estados membros que o requererem (art. 7). Funciona, em geral, com 3 juízes (art. 8).

O TUP destina-se a resolver os litígios relativos a patentes europeias (sem efeito unitário) e a patentes europeias a que tenha sido atribuído efeito unitário nos termos do Regulamento (UE) nº 1257/2012, bem como aos correspondentes CCP (art. 1; cfr. os arts. 2 e 3). Dentro deste âmbito, a competência do TUP acha-se regulada nos artigos 32 e seguintes. Para as ações que não caibam na competência exclusiva especificada no nº 1 do artigo 32 continuam a ser competentes os tribunais nacionais. No artigo 32, nº 1, salientam-se as ações de infração e invalidade, incluindo procedimentos cautelares, e as ações de simples apreciação negativa da infração.

No que toca à invalidade, via de regra, nos termos dos artigos 33 e 65, a decisão do Tribunal pode ser tomada: (i) numa ação tendente a esse fim, instaurada na divisão central (art. 33, nº 4); ou (ii) numa ação de infração, proposta na divisão local ou regional competente (cfr. o art. 33, nºs 1 e 2), mediante pedido reconvencional (art. 33, nº 3). Especificamente, neste último caso, o tribunal da infração, ouvidas as partes, pode optar: (i) por apreciar ambas as pretensões e requerer ao Presidente do Tribunal de primeira instância a nomeação de um juiz adicional com formação técnica e especializado no setor tecnológico em questão [art. 33, nº 3, al. a); cfr. o art. 8, nº 1]; (ii) por remeter o pedido reconvencional à divisão central para ser aí decidido, suspendendo ou não o processo de infração [art. 33, nº 3, al. b)]. Se as partes estiverem de acordo, pode, ainda, remeter todo o caso à divisão central, para ser aí decidido [art. 33, nº 3, al. c)]. Assumidamente, esta solução procura conciliar o sistema alemão da separação jurisdicional das ações de infração e de invalidade com o da unidade[lxii].

Atendendo a que, no setor dos medicamentos, a generalidade das patentes e CCP vigentes em Portugal são - e provavelmente continuarão a ser - patentes europeias, com ou sem efeito unitário, a entrada em funcionamento do TUP significará, sobretudo após o período transitório de 7 anos previsto no artigo 83[lxiii], que o grosso das ações lhe ficará atribuído, deixando de ser competentes para as mesmas o TPI e os tribunais arbitrais instituídos ao abrigo da Lei nº 62/2011. Pode, no entanto, discutir-se o que acontece às ações arbitrais especiais reguladas no artigo 3.º desta Lei que sejam relativas a patentes europeias (incluindo as que possuam efeito unitário).

Acerca deste ponto, importa, antes de mais, recordar o que se segue. A Lei nº 62/2011 foi concebida: i) para desembaraçar os medicamentos genéricos de entraves processuais artificiosos, criando um processo arbitral especial simplificado destinado a correr em paralelo com o processo administrativo relativo às AIM que são pedidas para medicamentos genéricos; ii) para libertar os atos e os tribunais administrativos do contencioso preexistente, separando a sua dimensão sanitária do problema relativo aos direitos privativos porventura existentes; iii) para pôr termo ao estado de incerteza e insegurança jurídicas que anteriormente se verificava; e iv) para promover uma resolução célere dos litígios que envolvem medicamentos de referência e medicamentos genéricos São estas, à luz dos trabalhos preparatórios, as suas finalidades explícitas, tendo como pano de fundo o direito à saúde, especificamente o direito de acesso a medicamentos a preços comportáveis, e a sustentabilidade do SNS.

O ponto de vista dos direitos relativos a patentes e CCP também surge referido nesses trabalhos preparatórios - enquanto instrumentos de promoção da inovação no setor dos medicamentos, designadamente criando condições para o surgimento de novas substâncias ativas com propriedades terapêuticas e o desenvolvimento de novos fármacos (outra vertente do direito à saúde) -, mas ocupa nos motivos declarados um lugar secundário.

Porém, a análise da Lei e da prática revela um panorama mais matizado. Em primeiro lugar, o legislador não se limitou a pôr termo ao contencioso administrativo existente, separando as águas. Instituiu – de forma inovadora, no plano histórico e jurídico-comparado - um processo arbitral especial, destinado a correr em paralelo com o procedimento relativo à AIM quando esta é solicitada. Vinculando a decisão que vier a ser tomada, não apenas o requerente ou beneficiário do pedido de AIM (e eventuais transmissários desta), mas também outras pessoas, designadamente o Infarmed, a quem a sentença arbitral é notificada.

Em segundo lugar, a ação arbitral cumpre, na realidade, uma função não apenas de acertamento de direitos, criando certeza e segurança jurídicas, mas também de reforço da efetividade prática desses direitos, na medida em que, apurando-se eles, termina com uma condenação inibitória, prevenindo a generalidade das infrações, sobretudo quando essa condenação seja acompanhada de uma condenação acessória em SPC. Noutros termos, a ação arbitral (também) cumpre uma fundamental função de prevenção das infrações de patentes relativas a medicamentos e correspondentes CCP. Este aspeto assume particular relevância porque, como é sabido, o risco de infração aumenta extraordinariamente a partir do momento em que uma empresa obtém para o seu medicamento genérico uma AIM, a autorização do PVP e a aprovação da comparticipação financeira pública[lxiv].

Uma vez que a comparticipação desempenha aqui um papel decisivo e que o Estado não deve comparticipar na venda de medicamentos violadora dos direitos, a solução lógica seria a de, após o Infarmed haver sido notificado de uma sentença arbitral inibitória, não ser emitida uma aprovação pura e simples da comparticipação (cfr. a ideia de suspensão da AIM perfilhada no Acórdão do TC). Mas, ainda que assim não se entenda, com ou sem tal aprovação o Estado deve, em concreto, recusar a comparticipação a tais medicamentos enquanto os direitos estiverem em vigor.

Sendo assim, estando nós perante um processo arbitral especial e inovador - distinto das ações comuns de infração, com os correspondentes procedimentos cautelares, das ações de invalidade e mais latamente destinadas a declarar extinto ou a fazer cessar os direitos, das ações de simples apreciação negativa, etc., que entram na competência do TUP -, ainda pode fazer sentido manter tal processo após a entrada em funcionamento deste tribunal; problema que o legislador por certo ponderará.

Na verdade, como se observou, tal mecanismo especial funciona como uma forma adicional de tutela dos direitos em apreço num contexto específico - em que existe um grande risco de infração -, prevenindo a generalidade das violações desses direitos e, portanto, reforçando a sua efetividade prática. Estando em causa patentes nacionais (ou correspondentes CCP), a situação presente não se altera: a Lei manter-se-á, em princípio, em vigor, com os problemas acima expostos. Mas, no que toca especificamente à ação do artigo 3.º, enquanto ação distinta das contempladas no Acordo relativo ao TUP, a solução também parece poder ser essa (ressalvando em todo o caso que o TUP não estará vinculado pelo que decidirem os tribunais arbitrais necessários). Se assim não se entender, as patentes nacionais terão, coeteris paribus, uma vantagem comparativa.

 

 

 



[i] Fonte: www.dgsi.pt, proc. nº 1109-14.9YRLSB-8. Relator: Luís Correia de Mendonça.

[ii] Possivelmente, o prazo do artigo 3.º, nº 1, da Lei nº 62/2011 terá sido ultrapassado.

[iii] A demandada ter-se-á defendido invocando a invalidade da patente como excepção. Reconhecendo-se tal invalidade, a patente não valeria contra ela, pelo que estaria afastada a infracção. Como se observará, isto levanta um problema de índole geral: pode, numa acção de infracção de patente, o demandado defender-se alegando e demonstrando que a patente é inválida? (cfr. «infra», 5). Se a resposta for positiva, surge uma ulterior questão mais específica: pode essa defesa por excepção ocorrer num procedimento cautelar? Ou, neste, basta a aparência do direito (fumus boni iuris) conferida pelo respectivo título (cf. os arts. 4.º, nº 2, 7.º e 27.º do CPI), pelo que se exclui, ao menos em princípio, essa forma de defesa?

[iv] O artigo 204.º da CRP dispõe, designadamente: «1. Os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. 2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (…) 4. A lei poderá institucionalizar instrumentos e formas de composição não jurisdicional de conflitos.» O artigo 209.º, depois de enunciar as categorias gerais de tribunais (nº 1), acrescenta: «Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz» (nº 2).

[v] Citam-se também, no mesmo sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, II, Coimbra, 2010, pág. 551: «problemática  é a questão de saber se a cobertura constitucional dos tribunais arbitrais abrange apenas os tribunais ‘’voluntários’’ (…) ou também os ‘’necessários’’ (…), visto que estes implicam que os litigantes ficam impedidos de recorrer diretamente aos tribunais ‘’ordinários’’ que normalmente seriam competentes, podendo por isso pôr em causa não apenas o direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 2), mas também o princípio da igualdade (artigo 13.º)». No Aresto, adere-se a tal entendimento, mencionando, ainda, José Acácio Lourenço (cfr. a seguir, no texto), que alude também ao Tribunal arbitral do desporto. Acerca deste último, cfr., no entanto, a Lei nº 74/2013, de 6 de setembro, com o respectivo anexo, bem como a redação que lhe foi dada pela Lei nº 33/2014, de 16 de junho, e, ainda, acerca do limitado problema constitucional suscitado, entretanto superado, os Acórdãos do TC nº 230/2013 (relativo ao precedente Decreto da AR) e, sobretudo, nº 781/2013, de 20.11.2013 (relativo à versão inicial da Lei), disponíveis no sítio do Tribunal na Internet: www.tribunalconstitucional.pt.

[vi] Note-se que o TRL decidiu o recurso contra quem obteve ganho de causa na primeira instância – as requerentes, titulares dos direitos invocados – porque, no seu entender, o regime da Lei nº 62/2011 é inconstitucional, mas o fundamento da inconstitucionalidade exposto no Acórdão, na linha do parecer do Prof. Gomes Canotilho, reside na circunstância de tal regime não cautelar devidamente tais direitos.

[vii] Os preceitos constitucionais que se afiguram relevantes são sobretudo, numa perspectiva individual, o artigo 61.º (liberdade de empresa) e o artigo 20.º (direito à tutela jurisdicional efetiva). O artigo 64.º releva apenas numa perspectiva colectiva, de tutela do interesse dos consumidores em aceder a medicamentos mais baratos.

[viii] Fonte: www.tribunalconstitucional.pt. Relatora: Ana Guerra Martins.

[ix] Depois de no nº 1 deste artigo 25.º se elencarem os possíveis casos de recusa de concessão de AIM, após a Lei nº 62/2011, o nº 2 estatui: «O pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 18.º».

[x] Após enunciar no nº 1 um conjunto exemplificativo de possíveis motivos de suspensão, revogação e alteração de uma AIM (ou registo), reza o nº 2 deste artigo 179.º: «A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial».

[xi] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.

[xii] Este artigo 8.º respeita à autorização de preços do medicamento (PVP). Lê-se nos nºs 3 e 4: «3 – O pedido que visa a obtenção da autorização prevista nos números anteriores não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial. 4 – A autorização do PVP do medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial».

[xiii]  Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P.

[xiv] Este dispõe: «A redação dada pela presente lei aos artigos 19.º, 25.º e 179.º do Decreto -Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, bem como o aditamento introduzido ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos e o disposto no artigo anterior, têm natureza interpretativa». O que estava em causa no processo era, além da questão anteriormente enunciada, esta natureza interpretativa, afirmada pelo legislador.

[xv] Na linha do Acórdão do TC nº 123/15, aceita-se que o direito de patente, na sua complexidade, envolve, «quanto ao âmbito de proteção normativa, a confluência do direito de propriedade privada (artigo 62.º, nº 1, CRP) com o direito de criação cultural (artigo 42.º, idem), ambos protegidos pela Constituição portuguesa», donde resulta uma protecção constitucional reforçada deste tipo de «propriedade». Já antes, no mesmo sentido, o Acórdão n.º 577/2011, citando sobretudo Gomes Canotilho.

[xvi] Note-se que, como se verá adiante, esta desconsideração é, no sistema da Lei nº 62/2011, «compensada» com a criação paralela do processo arbitral especialmente regulado no artigo 3.º, pressupondo-se que os tribunais definirão neste quadro os termos em que a utilização da AIM (rectius, a comercialização do medicamento ao abrigo da AIM) é compatível com os direitos em apreço e que essa definição será vinculativa para as autoridades administrativas, designadamente o Infarmed.

[xvii] Ato esse que, para obstar a eventuais monopólios de facto após a expiração do direito de exclusivo, deverá poder ocorrer antes da data desta expiração. Nessa medida, existe aqui também uma pretensão dos particulares protegida pelo direito de iniciativa privada e pelo direito à saúde.

[xviii] A isto acresce, ainda, o que se observa na antepenúltima nota.

[xix] Retoma-se este tópico adiante (nº 3.1, «in fine»).

[xx] O Acórdão, relatado por Maria José Rangel de Mesquita, foi contemplado na nossa crónica de jurisprudência do nº 3 da Pi (2015), «Arbitragem necessária. Invalidade de patente, direito a uma tutela jurisdicional efectiva e questões conexas», págs. 103-110, 106 ss. Decidiu-se aí um recurso interposto do Acórdão do TRL de 11.07.2013, que confirmara uma decisão do TPI (de 24/04/2013) em que este se declarou incompetente para apreciar uma providência cautelar (máxime, inibitória) requerida por titular de patente contra uma «empresa» de medicamentos genéricos. Como se observa, o caso afigura-se semelhante ao do Acórdão do TRL referido acima, no texto, que, no entanto, decidiu de modo diverso. O TC considerou, no entanto, inconstitucional a interpretação normativa do nº 1 do artigo 3.º segundo a qual o titular de um direito de propriedade industrial não pode demandar o titular de AIM ou o requerente de pedido de AIM para além do prazo de trinta dias aí referido. Quer dizer, também aqui o regime legal foi considerado conforme à Constituição, mas apenas desde que interpretado no sentido de que, após ter decorrido o prazo do artigo 3.º, nº 1, da Lei 62/2011, os titulares dos direitos continuam a poder fazê-los valer nas instâncias competentes, mesmo que não hajam feito uso da faculdade prevista no preceito, dentro do prazo nele estabelecido.

[xxi] Anteriormente, cabe referir o Acórdão nº 2/2013, de 9.01.2013, com a mesma relatora do acórdão nº 123/2015 e disponível, designadamente, na página do TC na Internet: www.tribunalconstitucional.pt. A respeito dele, veja-se a nossa crónica referida na nota precedente, pág. 109. Decidiu-se aí «julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 188.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, na redação introduzida pela Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, por violação conjugada dos artigos 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1 e 268.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição (...)». O problema discutido tinha a ver com a invocada insuficiência de informação dos titulares de direitos de patente (e CCP) que se veem confrontados com a publicitação pelo Infarmed de um pedido de AIM para um medicamento genérico e apenas têm conhecimento dos dados publicitados nos termos do art. 15.º-A do EM, ou seja, «a) Nome do requerente da autorização de introdução no mercado; b) Data do pedido; c) Substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento; d) Medicamento de referência». De facto, é em face desses dados que, legalmente, lhes compete decidir se propõem ou não uma ação nos termos daquele art. 3.º Entendendo – na respetiva fundamentação - que a arbitragem instituída pela mesma Lei é necessária [aspeto não contestado], mas não obrigatória, afirmou o TC que os titulares de direitos devem ter acesso à informação relevante para decidirem se propõem ou não a ação. O que, após a redação conferida por essa Lei, o art. 188.º, nº 5, do EM lhes veda, uma vez que o dever de informação do Infarmed ficou circunscrito aos dados que são tornados públicos nos termos do art. 15.º-A. Acerca do carácter não obrigatório da arbitragem em apreço, cfr. também o Acórdão do TRL de 30.09.2014, contemplado na nossa crónica de jurisprudência constante do nº 2 (2014) desta revista, págs. 63 s.

[xxii] Cfr., por ex., a sentença arbitral de 11.02.2014, contemplada na nossa crónica de jurisprudência inserida no nº 1 (2014) desta revista, págs. 49 s. Para um enunciado das principais questões controvertidas relativas à Lei nº 62/2011, com posições não totalmente coincidentes com as que se perfilham, cfr. também Margarida Sameiro, «Lei 62/2011: Algumas questões controvertidas na perspectiva do titular do direito», RDI nº 1-2015, págs. 309-342.

[xxiii] Os obstáculos «processuais», entre outros, também aparecem salientados no Farmaceutical Sector Inquiry – Final report (2009), da Comissão Europeia – cfr. págs. 200 ss (no resumo em português, cfr. o ponto 3.2.2). Cfr., ainda, o ponto 3.60 do conhecido Memorando de Entendimento sobre as Condicionalidades de Política Económica, de 17.05.2011, celebrado entre Portugal e a Comissão Europeia, o BCE e o FMI, aliás referido no Acórdão do TC (p. 6).

[xxiv] Na realidade, atento o conteúdo do direito de patente (e conferido por CCP), isso poderá não ser exatamente assim (cfr. o art. 101.º, nº 2, do CPI), pelo menos em todos os casos, mas compreende-se que, dentro do permitido por tal direito, o objectivo seja esse. Criticando a solução legal - sobretudo do ponto de vista do acesso a medicamentos a preços comportáveis e da sustentabilidade do SNS e em face do ADPIC/TRIPS (com a Declaração de Doha de 2001) -, que no entanto também surge no artigo 25 do Acordo relativo ao TUP (referido a final), cfr. Aquilino P. Antunes, «O tribunal unificado de patentes: alguns problemas do acesso a medicamentos em Portugal», in Dário Moura Vicente e outros (coord.), Estudos de Direito Intelectual – Em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, Coimbra, Almedina, 2015, págs. 695-714, 703 ss.

[xxv] Cfr., «supra», as notas 9, 10 e 12. Este objectivo foi conseguido também através das disposições transitórias do artigo 9.º, parcialmente em discussão no Acórdão do TC.

[xxvi] Os dados que a Lei sujeita expressamente a publicação revelam-se, na prática, insuficientes quando a pessoa a favor da qual se requer a AIM é diferente do requerente. Nesses casos, o Infarmed deveria acrescentar tal dado, colmatando-se desse modo a lacuna do texto legal. Cfr., ainda, na nota 21, o Ac. do TC nº 2/2013.

[xxvii] Note-se que, nas acções «comuns» de violação de patentes, a sentença apenas será publicada a pedido do lesado (art. 338º-O do CPI).

[xxviii] Realça-se, no entanto, que as sentenças arbitrais são passíveis de recurso para o TRL, ainda que este tenha mero efeito devolutivo, o que relativiza esta afirmação.

[xxix] Cfr. Vieira de Andrade, «A protecção do direito fundado em patente no âmbito do procedimento de autorização de comercialização de medicamentos», RLJ 138 (2008), págs.70 ss, máxime, 81 ss, 87 ss.

[xxx] Tenham-se presentes também as especificidades do requisito do interesse processual: cfr. a citada sentença arbitral de 11.02.2014, BPI 2014/05/07, págs. 7-108, 74ss.

[xxxi] Sobre o assunto, cfr. Evaristo Mendes, «Patentes de medicamentos. Arbitragem necessária» (Notícia relativa ao Ac. do TRL de 30.09.2014), Pi nº 2 (2014), págs. 63 s.

[xxxii] Cfr., ainda, a sentença arbitral de 11.02.2014 e Evaristo Mendes, Pi nº 1 (2014), págs. 49 s, Pi nº 2 (2014), págs. 63 s, e Pi nº 3 (2015), págs. 103ss, salientando sempre a necessidade de distinguir os dois tipos de acções.

[xxxiii] Cfr. também Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2025), cit., págs. 108 ss.

[xxxiv] Cfr. a citada sentença arbitral de 11.02.2014 e Evaristo Mendes, Pi nº 2 (2014), págs. 63 s, Pi nº 3 (2015), págs. 108 s. Também no sentido de que a arbitragem instituída pela Lei nº 62/2011 é necessária mas não obrigatória, cfr. o supracitado Acórdão do TC nº 2/2013 («supra», nota 21). Mantém, no entanto, posição diferente Aquilino P. Antunes, «O tribunal unificado de patentes: alguns problemas do acesso a medicamentos em Portugal», in Dário Moura Vicente e outros (coord.), Estudos de Direito Intelectual – Em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão (2015), cit., págs. 695-714, 710 e 712.

[xxxv] Uma vez que a infracção de uma patente ou CCP constitui um ilícito penal (art. 321º do CPI), os titulares de direitos poderão naturalmente promover a instauração de uma acção penal, desde que se verifiquem os respectivos pressupostos.

[xxxvi] Cfr., por ex., o Acórdão do TRL sobre que incidiu o Acórdão do TC nº 123/15. A opinião dominante encontra-se também reflectida na sentença arbitral de 11.02.2014 – cfr. Evaristo Mendes, Pi nº 1 (2014), pág. 49 -, embora se trate aí de uma acção nos termos do artigo 3.º da Lei nº 62/2011. Respeita, igualmente, a uma acção arbitral de infracção o Acórdão do TRL de 21.05.2015, analisado adiante, mas a questão da competência do tribunal arbitral não foi aí suscitada.

Defende a competência do TPI Dário Moura Vicente, «O regime especial de resolução de conflitos em matéria de patentes (Lei nº 62/2011)», ROA 72 (2012), págs. 971-990, 976, 979 s (embora o autor não trate expressamente da questão, parece interpretar a lei no sentido de que os titulares de patentes poderão socorrer-se da acção arbitral desde que o façam no prazo de um mês referido no artigo 3.º, nº 1; passado esse prazo, é-lhes facultado intentar nos tribunais judiciais (TPI) uma acção de infracção se houver uma violação do direito). Observando que a interpretação da Lei nº 62/2011 no sentido da não compreensão das acções de infracção é pelo menos a mais conforme ao artigo 27.º, nº 1, do ADPIC/TRIPS, cfr. Evaristo Mendes, «Arbitragem necessária. Invalidade de patente, direito a uma tutela jurisdicional efetiva e questões conexas. Nota de jurisprudência», nota 22, in evaristomendes.eu [= Pi nº 3 (2015), nota 20, onde por lapso não consta a referência ao ADPIC/TRIPS]. Note-se, ainda, que o Governo também parece perfilhar igual entendimento, na medida em que não apetrechou o TPI para lidar com o contencioso em apreço.

Acerca dos problemas de constitucionalidade da interpretação dominante, cfr. a mencionada sentença arbitral de 11.02.2014, BPI 2014/05/07, págs. 44 s, 49 s, 53 ss, 60 ss,  Evaristo Mendes, Pi nº 1 (2014), pág. 49 s, e «infra», no texto.

[xxxvii] O ulterior ponto de vista da invocação da invalidade dos títulos relativos aos direitos invocados como meio de defesa será analisado adiante.

[xxxviii] Aqui reside o principal interesse dos titulares dos direitos em lançar mão da acção facultativa deste artigo 3.º Acerca do assunto, cfr. a indicada sentença arbitral de 11.02.2014 e Evaristo Mendes, Pi nº 1 (2014), pág. 50, Pi nº 3 (2015), págs. 109 s.

[xxxix] Recorda-se que o TC, no Acórdão nº 2/2013, entendeu ser a arbitragem em apreço necessária, mas não obrigatória, no sentido de que os titulares dos direitos não são obrigados a propor a acção regulada no artigo 3.º («supra», nota 21)

[xl] Acerca de uma solução deste tipo, cfr. a referida sentença arbitral de 11.02.2014, BPI de 2014/05/07, págs. 45 e 50 (nota 76), e Evaristo Mendes, Pi nº 1 (2014), cit., pág. 50 (e nota 3).

[xli] Cfr. as informações por nós dadas no nº 3 (2015) desta revista, págs. 103 (e nota 4), 108 a 110.

[xlii] Cfr. a nota anterior.

[xliii] Cfr. Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2015), cit., págs. 103-110, 105s. No sentido da não admissibilidade da invocação da invalidade como exceção, cfr., também, neste número da revista, Manuel Oehen Mendes, «Da incompetência dos tribunais arbitrais portugueses para apreciarem a questão da invalidade das patentes e dos certificados complementares de protecção para medicamentos», págs. , e, já antes, «Breves considerações sobre a incompetência dos tribunais arbitrais portugueses para apreciarem a questão da invalidade das patentes e dos certificados complementares de protecção para medicamentos», in Dário Moura Vicente e outros (coord.), Estudos de Direito Intelectual – Em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão (2015), cit., págs. 927-947. Contra, além de Remédio Marques, cfr. Dário Moura Vicente, «O regime especial…», cit., ROA 72 (2012), págs. 981 ss.

[xliv] No caso de se entender que estas cabem na competência do TPI, a questão a resolver consistirá em saber se o tribunal não deverá então proferir sentença com eficácia geral, sendo ela favorável à invalidade, afigurando-se dever ser essa a solução. O problema é suscetível de se colocar também numa ação penal (de contrafacção) – justificando-se aí uma suspensão do processo até o TPI apreciar o assunto e haver uma decisão com trânsito em julgado. E assume contornos específicos quando a invalidade é invocada pelo titular da patente ou CCP contra um seu licenciado ou ao abrigo de um contrato análogo, fazendo valer direitos derivados desse contrato, quando estejamos perante uma ação indemnizatória por contrafacção e o direito já tenha caducado (sobre este aspeto, cfr., no entanto, o Acórdão do TRL de 21.05.2015, analisado adiante) e quando o problema respeite a certos vícios específicos de um CCP.

[xlv] Pode, em todo o caso, discutir-se se não conviria premiar de algum modo quem toma a iniciativa de propor tais ações, o que de resto tem vantagens mas também desvantagens, contando-se nestas últimas o favorecimento concorrencial das grandes farmacêuticas, mais apetrechadas para o fazerem.

[xlvi] Fonte: www.dgsi.pt, proc. nº 1465/14.9YRLSB-6. Relator: Tomé  Ramião.

[xlvii] A sentença encontra-se publicada no BPI de 2014/08/28, págs. 6ss.

[xlviii] Sobre o assunto, veja-se, neste número da revista, o já indicado estudo de Oehen Mendes, «Da incompetência dos tribunais arbitrais portugueses para apreciarem a questão da invalidade das patentes e dos certificados complementares de protecção para medicamentos», págs. Acerca do problema em geral (havendo um direito privativo em vigor), cfr. Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2015), págs. 103-106, a que já se aludiu e onde se comenta o Acórdão do TRL de 13.02.2014, também citado o presente aresto. Quanto à solução do caso concreto, cfr., aí, a nota 9 (pág. 105).

[xlix] Como é sabido, utiliza-se aqui o termo empresa em sentido subjectivo. Mais rigorosamente, neste como noutros passos semelhantes do presente texto, trata-se das entidades que exploram tais empresas (enquanto organizações objetivadas ou «coisas» produtivas).

[l] A situação apresenta, em todo o caso, um (provável) caráter transitório, dada a prevista sujeição destes litígios ao tribunal unificado de patentes (TUP). O Acordo relativo a este tribunal, a que se faz breve referência a final, foi assinado em Bruxelas, em 19 de fevereiro de 2013, aprovado pela Resolução da AR nº 108/2015, de 10.04.2015, e ratificado por decreto do Presidente da República nº 90/2015, de 6 de agosto (DR I Série n.º 152).

 

[li] As notas que se seguem são um desenvolvimento do exposto na nossa crónica de jurisprudência constante do nº 3 (2015) desta revista, págs. 103-110, 109 s.

[lii] Note-se que, enquanto no comum das situações, a condenação em prestação de facto infungível pressupõe uma situação de incumprimento de uma correspondente obrigação, atual ou iminente, no caso vertente, a Lei admite a proposição daquela ação e uma condenação inibitória, no âmbito da mesma, com base na mera publicitação de um pedido de AIM, independentemente de uma situação de incumprimento, atual ou iminente. Sendo certo que a eficácia prática dessa condenação principal também carece de ser assegurada e a condenação acessória em sanção pecuniária acessória é o meio adequado de o conseguir. Quer dizer, ainda que em geral se justifique uma interpretação restritiva da letra do art. 829.º-A do CC, neste contexto específico, tal não acontece.

[liii] Cfr., designadamente, as sentenças arbitrais de 4.02.2013, BPI de 2013/03/04, págs. 42ss, de 24.05.2013, BPI de 2013/07/02, págs. 29 ss, e de 11.02.2014, BPI de 2014/05/07, págs. 56 ss (e notas 84 ss), 76 s, bem como Evaristo Mendes, Pi nº 1 (2014), cit., pág. 50, e Pi nº 3 (2015), págs. 109 s e nota 20, com mais indicações.

Realça-se o seguinte: quando o tribunal decide se é de proferir ou não uma condenação em sanção pecuniária compulsória e define os seus termos, ainda está a declarar o Direito; e essa declaração cabe no âmbito da arbitragem necessária daquela Lei. Apenas no caso de o tribunal arbitral não se considerar habilitado a proferir tal condenação será de deixar ficar a solução para o juiz da execução. Além disso, como se assinala naquela sentença de 11.02.2014, a condenação principal que se obtém ao abrigo do art. 3.º da Lei nº 62/2011acaba por desempenhar uma função de prevenção da infração dos direitos invocados, aí residindo o principal interesse dos titulares de patentes e CCP em propor a correspondente ação. Por conseguinte, não faz aqui muito sentido exigir como pressuposto da condenação em sanção pecuniária compulsória uma situação de incumprimento. Este aspeto adquire redobrado significado porque, como também se assinada nessa sentença e se recordou acima, no texto, o caráter necessário da arbitragem faz com que, em caso de violação efetiva ou ameaça iminente de infração, não haja tribunal arbitral constituído a que se possa prontamente recorrer. De facto, esta circunstância realça a importância de tal prevenção, cuja efetividade depende em grande medida da condenação acessória em apreço.

Admitimos, no entanto, como é natural, rever a posição se o TRL vier a manter a jurisprudência existente após ponderar todos os argumentos em confronto.

[liv] Uma solução desse tipo encontra-se – na linha de uma evolução ocorrida a nível internacional (em que se salienta o Regulamento de arbitragem da CCI: art. 29 e Apêndice V) – no Regulamento de 2014 do CAC da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (art. 5º e Anexo I – Regulamento sobre o árbitro de emergência).

[lv] Cfr. a sentença arbitral se 11.02.2014, BPI de 2014/05/07, págs. 98 ss.

[lvi] Numa leitura superficial, a jurisprudência do Tribunal Constitucional pode, no entanto, suscitar dúvidas, dado que na formulação das questões que lhe foram submetidas não se teve presente a distinção que importa fazer entre as ações especiais do art. 3º da Lei nº 62/2011 e as ações de infração.

[lvii] Para maiores desenvolvimentos, cfr. a citada sentença de 11.02.2014, BPI de 2014/05/07, págs. 74 ss.

[lviii] Cfr. Evaristo Mendes, Pi nº 3 (2015), págs. 103-110,  e «supra», nº 5. Note-se ainda, por um lado, que a afirmação da competência exclusiva na matéria também atenua o problema dos custos das arbitragens, acima aflorado. Por outro lado, cabe referir que, na Alemanha, enquanto uma ação de infração demora em média 8 meses a decidir, a média das ações de invalidade é de 2 anos.

[lix] Cfr. a nota anterior.

[lx] Cfr. «supra», nº 5.

 

[lxi] Acerca deste, com mais indicações, cfr., por ex.: no nº 1 (2015) desta revista, Jean-Christophe Galloux/Bertrand Warusfel, «A patente Unitária e a futura jurisdição unificada», págs. 13-27; Pedro Sousa e Silva, «O Tribunal Unificado de Patentes», RDI nº 1 – 2014, págs. 273-287 (com o Acordo respectivo em apêndice: págs. 288 ss); Dário Moura Vicente, «Patente unitária, regime linguístico e jurisdição competente», in Dário Moura Vicente e outros (coord.), Estudos de Direito Intelectual – Em Homenagem ao Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, Coimbra, Almedina, 2015, págs. 695-714; Aquilino P. Antunes, «O tribunal unificado de patentes: alguns problemas do acesso a medicamentos em Portugal», ibidem, págs. 695-714; Pedro Miguel Asensio, «Tribunal Unificado de Patentes: competencia judicial y reconocimiento de resoluciones», RDI nº 2 – 2014, págs. 49-75.

Das condições necessárias para o Acordo entrar em vigor, previstas no artigo 89, falta completar-se a ratificação/adesão por pelo menos 13 Estados. Note-se, no entanto, que, nos termos das disposições transitórias, inter alia, durante os primeiros 7 anos de vigência, a generalidade das acções relativas a patentes europeias podem continuar a ser propostas perante os órgãos jurisdicionais nacionais ou outras autoridades nacionais competentes (nº 1) e as acções que aí estiverem pendentes no fim do período transitório não são afectadas (nº 2).

[lxii] Cfr., por ex., Dário Moura Vicente, estudo citado na antepenúltima nota, pág. 757.

[lxiii] Cfr. a nota anterior.

[lxiv] O risco é tal, que, em 2007, chegou a ser discutido no senado francês um projecto de lei a estabelecer uma espécie de presunção de ameaça iminente da infração quando é solicitada a aprovação do preço do medicamento genérico. O projecto (que no entanto acabaria por ser retirado) encontra-se consultável em http://www.senat.fr/amendements/2007-2008/9/jeu_classe.html (última vista: 10.10.2015). Propunha-se o seguinte: «En matière de médicament, sera considérée au sens de la loi comme une atteinte imminente, toute demande de prix d'une spécialité générique déposée auprès du Comité économique des produits de santé avant que le brevet protégeant le médicament de référence n'ait expiré». A justificação era esta: «En pratique, les fabricants de médicaments génériques procèdent aux demandes de prix de vente au public auprès du Comité économique des produits de santé (CEPS) avant l'expiration des brevets des princeps de manière à pouvoir être sur le marché le jour de l'expiration du brevet du princeps, conformément à la volonté des pouvoirs publics et dans le respect des droits de propriété intellectuelle si les brevets protégeant le produit sont expirés. // Or il est constaté que dès l'obtention du prix de vente au public, peu importe que les brevets des princeps soient encore valides, certains fabricants de génériques commercialisent immédiatement leurs produits au détriment des titulaires de droits, créant ainsi une situation de contrefaçon au préjudice des fabricants de princeps. // Si toute demande de prix déposée auprès du CEPS ne démontre pas l'intention du fabricant de génériques de commercialiser son produit avant l'expiration du brevet du princeps, lorsque une telle demande est déposée bien avant que le brevet protégeant le médicament d'origine n'ait expiré, la contrefaçon de ce dernier est par nature imminente. // L'expérience de nombreux industriels pharmaceutiques a démontré que les actions judiciaires dont ils disposent aujourd'hui pour faire respecter leur monopole d'exploitation se révèlent peu efficaces. Surtout, ils ne se trouvent en mesure d'agir qu'une fois que le processus de commercialisation de la spécialité générique a été lancé. // Dans l'attente d'une décision au fond (qui intervient après une longue procédure), le juge des référés est peu enclin à ordonner des mesures provisoires d'interdiction du générique litigieux, laissant ainsi persister des actes de contrefaçon. // Il conviendrait donc de doter le juge des référés de nouveaux moyens qui lui permettraient de prendre en temps utile, et surtout avant toute commercialisation, les mesures adéquates afin d'éviter des violations des droits de propriété intellectuelle.» (acrescentou-se o itálico)