Evaristo Mendes


Evaristo Mendes - Exoneração 2012

 

Exoneração de sócios.

Direito geral de exoneração por justa causa nas sociedades por quotas?

in

AAVV, II Congresso DSR, Coimbra (Almedina) 2012, p. 13-89

 

Índice-sumário

Introdução - p. 13-16

1. Direito de exoneração e direito à exoneração - p. 16-40

1.1 Noção geral - p. 16-18

1.2 Exoneração por acordo dos sócios e exoneração mediante ato unilateral do sócio, no exercício de um direito legal ou estatutário. Configuração clássica deste direito - p. 18

1.3 Sociedades por quotas. Configuração atual do direito no art. 240 do CSC - p. 18-20

1.4 Direito ao contravalor da participação - p. 20-33

1.5 Pressupostos da exoneração e da respetiva efetivação. Quotas não liberadas. Prazo de exercício do direito - p. 33-35

1.6 Direito subsidiário de requerer a dissolução (administrativa) - p. 35-37

1.7 Direito de/à exoneração em sentido lato. Modalidades especiais - p. 37-40

2. Âmbito de aplicação do direito. Exoneração e cessão de quotas. Inexistência no texto do CSC de um direito geral de/à exoneração nas sociedades por quotas. Cláusulas de exoneração por justa causa - p. 41-52

2.1 Casos legais de exoneração. Falta no texto do art. 240 do CSC um direito geral à exoneração por justa causa - p. 41-49

2.2 Exoneração e cessão de quotas. A cessão como via normal de o sócio se desvincular da sociedade e de realizar ou liquidar o investimento representado pela quota. Cláusulas de exoneração - p. 49-52

3. Sociedades fechadas e o problema da saída voluntária dos sócios com recebimento do valor do seu investimento. Dilema do sócio prisioneiro do seu investimento estéril - p. 52-63

3.1 Tipo legal e tipo social ou real nas sociedades por quotas - p. 52-56

3.2 Falta de mercado das quotas - p. 56-58

3.3 Consequente insuficiência da cedibilidade de quotas, mesmo com associados mecanismos legais de saída/desinvestimento para resolver o problema. Dilema das minorias - p. 59-60

3.4 Mecanismos de solução alternativos? Sentido e alcance do art. 240.1b) - p. 60-63

4. Modelos de exoneração conhecidos - p. 64-76

4.1 Direito geral de exoneração por justa causa de exercício judicial contra a sociedade - p. 65

4.2 Direito geral de exoneração por justa causa de exercício extrajudicial contra a sociedade - p. 66-67

4.3 Direito geral de exoneração por justa causa, de exercício judicial, contra os sócios que lhe deram causa - p. 68

4.4 Direito geral de «exoneração» por justa causa, de exercício judicial, contra a sociedade ou os maioritários, segundo o critério do juiz - p. 68-74

4.5 Direito ordinário de exoneração (exoneração ad nutum) - p. 74-76

5. Proposta de solução - p. 76-82

5.1 SQ. Direito geral de exoneração por justa causa, de exercício judicial e contra os maioritários - p. 77-80

5.2 Modalidades admissíveis de direito de exoneração contra a sociedade - p. 81-82

6. Quadro sintético de questões e respostas - p. 82-89

 

Resumo/Abstract

 

Versão publicada

 

Segundo o CSC, a via normal de o sócio de uma sociedade por quotas sair desta, realizando o valor do investimento que nela tem, é a cessão de quotas. Apenas em casos limitados o sócio tem um direito a exonerar-se, contra a sociedade, recebendo o pleno valor da sua participação. O pacto social pode modificar este modelo regulatório, aproximando-o do mundo real, mas o uso desta faculdade é pouco significativo. A realidade prática é bastante variada. Mas há pelo menos um tipo real de sociedade que justifica o reconhecimento aos sócios minoritários, em certas situações, de um direito de exoneração contra os maioritários.

 

According to the Portuguese Companies Code, the assignment of the member's share is the normal way to withdraw from a limited liability company (private company, statutory close corporation). However, mainly in quasi-partnership companies the minorities should have the right, in some circumstances, to sell out their interest to the majority members for a fair value.

 

Versão ampliada (inédita)

 

1. O CSC configura a sociedade por quotas como uma sociedade personificada com responsabilidade limitada, de base capitalista e poder censitário, organicamente diferenciada embora tendo como órgão superior a coletividade dos sócios, relativamente fechada mas de membros variáveis, sendo a cessão de quotas, com os mecanismos legais de desinvestimento associados (art. 231), a via normal de um sócio sair da sociedade, liquidando o investimento que nela tem. O direito do sócio a exonerar-se, recebendo o pleno valor societário da quota, apenas surge reconhecido em casos limitados, quase todos relacionados com deliberações que aprovam alterações fundamentais da sociedade e do pacto social e, ainda assim, deixando de fora operações que noutros ordenamentos jurídicos justificam tal direito (cfr. o art. 240.1).

Em conformidade com o paradigma de personalidade jurídica colectiva que se impôs na primeira metade séc. XX, a relação de socialidade estabelece-se essencialmente entre a sociedade e cada um dos sócios; não entre estes, como sucede nas sociedades não personificadas. Daí que o direito à exoneração, em sentido estrito, seja um direito do sócio perante a sociedade: o direito a que ela lhe proporcione a desvinculação do status socii e o valor do investimento representado pela quota (art. 240.3/4). A ideia de deveres dos sócios para além das obrigações ou vinculações estatutárias (que são sobretudo obrigações patrimonial-contributivas) - máxime de um dever de colaboração pessoal na realização do fim comum a que alude o art. 980 do CC - mostra-se contrária a tal paradigma (cfr. o art. 197.2).

Mais especificamente, no que respeita à posição de sócio, um dever de fidelidade a esse fim comum - com implicados princípios de promoção diligente e/ou de lealdade dos sócios - está, igualmente, fora dos quadros conceptuais que predominaram na doutrina nacional e de países da Europa continental próximos do nosso até ao fim do terceiro quartel do séc. XX. No CSC, já pode ver-se nos arts. 58.1b)/3 (voto abusivo) e 242.1 (exclusão de sócios) um afloramento do mesmo, mas a perspetiva continua a ser a de uma lealdade do sócio para com a sociedade-pessoa jurídica, enquanto entidade concebida para promover a realização desse fim comum.

Em termos puramente lógicos, poderia pensar-se que esta sujeição do sócio desleal à exclusão teria como reverso da medalha o direito de exoneração do sócio que seja vítima de um comportamento desleal da sociedade; e, como outros ordenamentos jurídicos demonstram, sobretudo com o movimento de tutela das minorias que se afirmou a partir de finais da década de 70 do séc. XX, há seguramente motivos ponderosos capazes de justificar tal solução quando a deslealdade e/ou as suas consequências na sociedade sejam de tal modo graves, que se torne inexigível ao sócio a sua permanência na corporação. Todavia, esta ideia apenas tem algum reflexo, e muito imperfeito, no caso previsto no art. 240.1b), que considera fundamento de exoneração, em certos termos, a manutenção na sociedade de um sócio merecedor de exclusão.

Quer dizer, o legislador, na sequência de uma evolução que se deu por via doutrinal e jurisprudencial no domínio da LSQ, valoriza a lealdade das partes na relação societária, mas apenas unilateralmente: a deslealdade do sócio é, nos termos do art. 242.1, fundamento de exclusão, mas a eventual deslealdade da sociedade para com um sócio não confere a este um direito à exoneração, contra a mesma sociedade. Apontam-se duas razões. Por um lado, porque se entendeu que o sócio, para além dos direitos de defesa que compõem a sua posição de sócio, quando vítima de comportamentos desleais para si intoleráveis e portanto de consequências irremediáveis, tem a opção de abandonar a sociedade através da cessão de quotas e dos aludidos mecanismos de garantia de saída-desinvestimento associados (art. 231). Por outro lado, porque se achou de importância primordial, numa SQRL, proteger a sua base financeira, em especial contra a incerteza que o potencial exercício de gerais direitos de exoneração por justa causa geraria.

À semelhança do que acontece, por exemplo, na Alemanha, todo o sistema do Código assenta nesta base: havendo fundamento para isso, o sócio deve ter, contra a sociedade, o direito a exonerar-se, recebendo dela o pleno valor societário da sua quota (ou participação). Apenas nas margens desse sistema - no emergente setor dos grupos de sociedades - encontramos um direito de proteção das minorias com uma configuração distinta: a de um direito de saída-desinvestimento dos sócios minoritários contra um consócio maioritário (art. 490.5/6).

 

2. É este, em traços breves, com relevância para o tema que nos propusemos tratar, o tipo legal «stricto sensu» ou tipo legal legislado. Porém, a sociedade por quotas é uma estrutura jurídica flexível: constitui um modelo estrutural, funcional e regulatório maleável, podendo os interessados configurá-la de maneira substancialmente distinta daquela que supletivamente consta da lei. A configuração, para ser plenamente eficaz, deve ser feita através dos estatutos, sujeitos a um conveniente controlo de legalidade por parte do conservador do registo comercial e a uma competente publicidade legal, sobretudo registal.

Temos assim possíveis espécies de sociedades por quotas - e admissíveis tipos estatutários, recortados na prática contratual, ou melhor, tipos legal-estatutários, definidos pela lei e pelos pactos sociais - materialmente diferentes do legislado. O dever de fidelidade (ou lealdade), por exemplo, pode ser explicitado e ampliado nos estatutos, colhendo os desenvolvimentos do Direito e da dogmática jurídica das últimas décadas. Os mesmos estatutos podem atribuir aos sócios um direito geral de exoneração por justa causa, configurá-lo como um direito potestativo contra a sociedade ou contra os consócios, regular o valor a pagar ao sócio dentro dos limites impostos pelo art. 240.8/1ª parte, etc. E, inclusive, apesar do disposto no art. 240.8/2ª parte (de resto, uma norma singular numa óptica histórica e comparativa), como decorre do art. 229.1, a exoneração pode substituir a cessão como via normal de saída-desinvestimento do sócio.

 

3. Sucede, no entanto, que, salvo algumas exceções, a prática estatutária nacional das últimas décadas, relativa às sociedades por quotas, é muito pobre; em nítido contraste com o rigor e o desenvolvimento que os pactos sociais tinham nos primeiros anos de vigência da LSQ de 1901 e a situação que encontramos em países como a Alemanha. O próprio legislador-administrador contemporâneo favorece a criação de sociedades por quotas sem verdadeiro conteúdo estatutário, fornecendo aos interessados modelos de pactos sociais que pouco mais contêm que os elementos essenciais do acto constitutivo.

Além disso, desde a sua criação em 1901 - mas sobretudo desde que a erosão monetária tornou pouco significativa a exigência legal de capital mínimo - que o tipo legal em apreço tem vindo a ocupar no tecido produtivo nacional o lugar anteriormente ocupado pelas sociedades mercantis de pessoas (SNC e SCS), a ponto de, em contraste com a situação de outros países, estas estarem em vias de extinção. O legislador-administrador atual não só não contraria essa tendência, mas ainda a estimula. Por dois modos: desde 2005, com a política de simplificação da constituição de sociedades por quotas, deixando de fora dessa política as sociedades de pessoas (que, essas sim, justificavam muito maior simplicidade de formas); a partir de 2011, segundo certa tendência europeia, com a eliminação da exigência legal geral de capital mínimo, operada operada pelo DL 33/2011.

Acresce que, com esta eliminação da exigência de capital mínimo, o mesmo legislador-administrador faculta o aparecimento, sem entraves, de sociedades por quotas elementares e até meramente experimentais ou contingentes. Trata-se ainda de sociedades de responsabilidade limitada e estruturadas numa base capitalista, mas sem capital real e que podem ser constituídas e dissolvidas «na hora».

Isto significa a existência de um número muito grande de sociedades por quotas que, segundo a ideia dos fundadores, aderentes e respetivos sucessores, se afastam decisivamente do modelo legal, aproximando-se do tipo ou modelo legal das sociedades de pessoas (máxime, SNC), cujo espaço elas vieram substancialmente ocupar. Mas sem que as espécies concretas ou os tipos reais assim concebidos tenham tradução formal e pública, através dos estatutos e do registo. Tudo se passa no âmbito das relações entre os sócios ou essencialmente neste plano.

Nalguns casos, a sociedade que os fundadores realmente querem - para além da estrutura jurídico-formal e legalmente típica que criam, através de procedimento escrito, controlado e público, o ator corporativo que a «sociedade por quotas de responsabilidade limitada» representa - é revelada através de pactos ou acordos constitutivos e omnilaterais, celebrados entre eles, por vezes com alguns afloramentos estatutários. Tornando claro que - a par da relação de socialidade que, como decorrência da lei e do ato constitutivo da sociedade, se estabelece entre cada um deles e a sociedade - existe ainda, entre os mesmos, moldada por um contrato desse género, uma relação «social» ao serviço do fim comum que justifica a existência da corporação. No tipo legal é enxertado, particularmente, um tipo real contratual[i].

Contudo, na grande maioria dos casos, na base da sociedade e da decisão de associação de cada um dos fundadores e aderentes não está nenhum contrato formal e articulado, mas um conjunto de entendimentos, pressupostos e eventuais acordos implícitos, ou explícitos mas informais, desses fundadores e aderentes. Tais entendimentos e pressupostos - por exemplo, de que se trata de uma sociedade de «co-empresários», assente, no todo ou em parte, na colaboração pessoal e activa de cada um na vida e na gestão dos negócios sociais, sendo esse o seu modo de vida, etc., ou então de que não existe nenhuma sociedade real, mas a simples adopção da sociedade por quotas como mecanismo de autonomização da actividade profissional de um dos membros do casal que a compõem, em lugar de uma SuQ - são correntes nos meios interessados, traduzem concepções generalizadas acerca da sociedade; e, nessa medida, estamos perante tipos reais informais divergentes do modelo legislado, via de regra muito divergentes.

Também nestes casos, em que há uma verdadeira sociedade de pessoas enxertada na estrutura legal da sociedade por quotas, vêm para primeiro plano as relações entre sócios. Mas falta a competente conformação estatutária e, nessa medida, existe uma lacuna regulatória. O tipo real pretendido - com um correspondente regime jurídico, talhado à medida - não tem expressão formal e pública, legal ou estatutária. Nem tão-pouco se encontra recortado com um mínimo de rigor em complementar contrato escrito particular.

No entendimento dos sócios e em boa medida segundo as conceções dos meios interessados, a sociedade por quotas é para funcionar tendo em conta esta base informal da participação de cada um, com os direitos, deveres e expectativas associadas, mormente no que toca ao acompanhamento ou à participação no desenvolvimento do negócio e ao acesso às vantagens corporativas. Mas ela fica-se pelas relações sociais entre os seus membros. As relações pessoais e familiares pré-societárias e a confiança mútua que explicam comummente esta informalidade são também o regulador fundamental da vida social.

Em sociedades por quotas desta índole, de forte cunho personalista e participação ativa no empreendimento social, não existe um verdadeiro mercado para as quotas e, portanto, a cessão não é um meio efetivo de saída dos sócios. Ou, pelo menos, não o é com liquidação do investimento representado pela quota por um valor razoável. A via comum de saída de um sócio é a exoneração por acordo. Apesar de, em regra, esta se realizar através da aquisição da quota ou das quotas do exonerando pela sociedade, pelos demais sócios e/ou por familiares destes ou pessoas do círculo das respetivas relações pessoais, não estamos perante verdadeiras transações de mercado. Se sobrevém uma situação de crise entre os sócios, ainda mais difícil se torna encontrar um adquirente para a quota; sobretudo se as razões do mal-estar social já passaram para o exterior. Por vezes, nem por um valor simbólico ela se consegue vender.

Quando em tais sociedades o aludido mecanismo regulador fundamental das relações pessoais extra-societárias e da confiança mútua deixa de funcionar - especificamente, quando a maioria controladora, servindo-se do poder corporativo que o regime legal lhe reconhece, deixa de respeitar ou de ter em devida conta a base da participação de um sócio minoritário, os seus pressupostos e as correspondentes legítimas ou razoáveis expectativas, quando sobretudo pela sua atitude ou comportamento a relação de confiança em que se fundou a sociedade desaparece, quando esta quebra de confiança decorre de comportamentos desleais e, inclusive, é acompanhada de um prejuízo, real ou potencial, para o negócio, empresa ou património sociais, quando, genericamente, usa a estrutura legal, com o incorporado investimento de todos, como coisa própria, no seu benefício exclusivo, etc. - a situação em que os minoritários se encontram é radicalmente diferente daquela que existia ao entrarem para a sociedade e ao investirem nela. Em vez de serem parte numa relação de colaboração, são parte subalterna numa relação de poder pura e dura. As iniciais expectativas de participação no desenvolvimento do projeto comum e de realização profissional estão goradas. Nos casos mais graves, a sociedade só serve os maioritários; restando-lhes a eles um simples investimento estéril e sujeito a perda, fora do seu controlo. Não por contingências do negócio ou do mercado, mas por falta de lealdade e correção dos maioritários.

Por conseguinte, mostrando-se a cessão de quotas realmente inviável como mecanismo de saída e realização do valor do investimento que representam, pelo menos quando na origem da situação esteja o comportamento dos maioritários, a minoria deve ter à disposição uma via alternativa; isto é, um direito de exoneração. De facto, nessas circunstâncias, é de todo inadequado argumentar que os minoritários, ao entrarem nesta condição para a sociedade, assumem o risco de mercado das suas quotas. E, como o fundamento do direito se situa no plano das relações entre os sócios, não no plano da sociedade por quotas enquanto ator corporativo formal e publicamente constituído, esse direito deve ser um direito contra os maioritários responsáveis, preservando na medida do possível a sociedade.

O princípio deve ser este: (i) nenhum sócio deve ser forçado a permanecer indefinidamente numa sociedade fundada numa relação pessoal de confiança e na sua participação ativa no projeto económico-produtivo acordado, mantendo nela o seu investimento, quando esta se converteu para si numa pura estrutura de poder arbitrário, ao serviço apenas dos maioritários; (ii) sendo a cessão da quota efetivamente inviável, deve-lhe ser reconhecido o direito de se exonerar, recebendo o justo valor da quota; (iii) respeitando o problema às relações entre sócios, a solução deve ser procurada preferencialmente neste plano, considerando a exoneração como um direito contra os sócios maioritários cujo comportamento desleal ou incorreto a justifica, deixando a sociedade por quotas actor corporativo tanto quanto possível imune às consequências da deslealdade e incorreção.

 

4. Igual direito devem ter os minoritários numa sociedade por quotas correspondente ao tipo legal, em situações de crise grave causadas essencialmente por comportamentos desleais dos maioritários. De facto, em tal caso os primeiros também muito dificilmente encontrarão quem esteja disposto a comprar-lhes a quota, associando-se, numa posição sem poder, com os segundos. E não lhes é exigível que mantenham sociedade com os prevaricadores. Ressalva-se apenas que tal direito de exoneração só é de reconhecer na medida em que os infratores não sejam excluídos da corporação e não esteja preenchido o caso legal previsto no art. 240.1b), uma vez que neste último caso já existe um direito legal à exoneração contra a sociedade. 

Na sua base está, pois, o princípio ou dever de lealdade que - segundo as modernas conceções da pessoa jurídica societária - impende sobre os sócios, nas relações entre si[ii]. De facto, tal como um sócio pode ser desleal em relação à sociedade e ficar sujeito a exclusão, também pode ser vítima de deslealdade, merecendo ser tutelado através de um direito de exoneração.

 

5. Ocorrendo justa causa, ou motivo ponderoso, para além das específicas causas legais (e estatutárias) de exoneração, é de admitir, ainda, um direito de exoneração, contra a sociedade, pelo valor da quota que esta, atuando de forma diligente e leal, consiga realizar; colocando o sócio, para o efeito, a quota à sua disposição e aplicando mutatis mutandis o disposto no art. 205. Efetivamente, nestes termos, desaparece a razão pela qual o legislador limitou o direito aos casos englobados no art. 240.1.

 

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[i] Tais pactos são comummente apelidados de parassociais e reconduzidos ao art. 17 do CSC. E, de facto, em face da estrutura jurídico-corporativa formal que a sociedade por quotas é, eles têm formalmente essa condição. Todavia, não têm por vocação a mera regulamentação, de fora, do funcionamento dessa sociedade e das correspondentes relações sociais. Trata-se de verdadeiros atos conformadores, com uma função configuradora e de regulação da sociedade por quotas complementar e derrogatória do regime legal; só lhes falta a elevação à condição de estatutos, com aplicação, sem mais, à sociedade e a todos os sócios, presentes e futuros. Noutros termos, para os participantes, a «sua» sociedade é a que resulta da lei, do pacto social e de um contrato desse tipo.

[ii] Sobre este, cfr. Evaristo Mendes, «Lucros de exercício», RDES 1996, p. 353ss (a respeito do Direito alemão) e 363, Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I, Coimbra (Almedina) 2011, p. 450ss (nºs 152-156), máxime, p. 454ss (nºs 153ss), Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, II - Das Sociedades (2009), p. 309ss. Já A. Caeiro, Temas 1984, p. 73s, nota 1, e Avelãs Nunes, O direito de exclusão..., p. 8ss, notas 97 e 99.