Evaristo Mendes


Plavras-chaves: Concorrência - concorrência desleal - modelo económico constitucional - efetividade do Direito - concorrência e Estado de Direito - concorrência nas relações de consumo

Keywords: competition - unfair competition - competition and rule of law  - unfair trade practices

 

Evaristo Mendes

Docente da Faculdade de Direito da UCP

 

Direito da concorrência desleal. Considerações gerais

 

ÍNDICE SUMÁRIO

Nota introdutória - p. 2

A - Sede legal da matéria - p. 4

1. Código da Propriedade Industrial, Código da Publicidade e CUP - p.  4

B - Atos «contrários aos usos honestos em matéria industrial ou comercial» -  p. 5

2. Antecedentes históricos e CPI de 2003. ADPIC/TRIPS - p. 5

3. Nota intercalar - p.

C - Confronto do CPI com leis estrangeiras - p. 8

4. Tipologia dos atos de concorrência desleal - p. 8

5. Sanções - p. 12

6. (Cont.) Ações inibitórias e de responsabilidade civil - p. 13

D - CPI e Modelo económico constitucional - p. 16

7. Modelo económico constitucional. A Concorrência como catalisador do sistema e a ideia de concorrência equilibrada e salutar. Aquisição de vantagem concorrencial através da violação de normas, desagregação económica e social, Estado de Direito e «Estado de facto» - p. 16

8. Liberdade de decisão esclarecida, liberdade de imitação e princípio da apropriação por cada um dos frutos do seu trabalho e investimento. Funções clássicas do direito da concorrência desleal e objetivos primordiais contemporâneos. Necessidade de reenquadramento do DCD - p. 20

9. Sistema concorrencial efetivo, equilibrado e salutar e respeito pela lei. O ilícito concorrencial da violação das normas reguladoras das atividades económicas e/ou com impacto competitivo - p. 23

E – Direito da concorrência desleal no âmbito das relações de consumo. Implicações de índole geral - p. 25

10. Concorrência desleal, defesa da concorrência, direito da publicidade e proteção do consumidor - p. 25

11. (De novo o) problema da efetividade do DCD - p. 34

12. Diretiva relativa às práticas comerciais desleais (2005/29/CE, 11 de maio 2005) e Diretiva relativa à publicidade enganosa e comparativa (84/450/CEE, hoje, Diretiva 2006/114/CE ) - p. 36

13. EUA (segredos e práticas comerciais enganosas) - p. 37

F - Notas finais - p. 38

14. Princípios fundamentais - p. 38

15. Aspetos que merecem ser especialmente realçados - p. 39

 

 

Nota introdutória

 

O presente texto foi escrito no final de 2005, início de 2006, no âmbito de um projeto editorial coletivo mais vasto dedicado ao tema «regulação e concorrência», com preocupações de mera divulgação do tema. Representa a versão então aprontada para integrar uma prevista publicação conjunta de vários outros artigos, de diversos autores, que acabou por não ver a luz do dia[i].

A atual lecionação da matéria no Mestrado em Direito Empresarial da Faculdade de Direito da Universidade Católica (Escola de Lisboa) justifica a sua divulgação, com algumas notas de atualização. A novidade maior encontra-se na regulação da matéria no âmbito das relações de consumo, através do DL nº 57/2008, relativo às práticas comerciais desleais, que transpõe para o ordenamento português a Diretiva 2005/29/CE, a que se alude no texto. As restantes alterações mais significativas, entretanto ocorridas, indicam-se em rodapé.

Realçam-se alguns tópicos. Existem, por um lado, atos de concorrência desleal conexos com os direitos privativos, associados à sua violação, real ou potencial, sendo tradicional a afirmação de um caráter complementar da tutela proporcionada pelo direito da concorrência desleal em relação à proteção específica conferida por tais direitos; e existem, por outro lado, atos de concorrência desleal autónomos, independentes desses direitos. Quanto ao primeiro aspeto, salienta-se, aliás, a dimensão concorrencial do sistema dos direitos privativos espelhada no art. 1 do CPI: «A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza»[ii]. No que respeita ao relacionamento do direito da concorrência desleal (DCD) com outras leis reguladoras da concorrência, pode colocar-se a questão de saber se não haverá uma relação de complementaridade semelhante. Seguro é, no entanto, que a proteção através do DCD não pode ser tal, que prejudique a realização dos objetivos subjacentes quer à instituição de um sistema de direitos privativos registados, quer a normas concorrenciais especiais, como as da Lei de defesa da concorrência e do regime relativo às práticas individuais restritivas do comércio.

Olhando para o CPI, o DCD surge como um ramo do Direito parado no tempo, estagnado desde 1940. Para além desta inércia legislativa, na doutrina e na jurisprudência, houve designadamente dois fatores que obstaram a um desenvolvimento do mesmo semelhante ao que ocorreu, por exemplo, na Alemanha, na Suíça e na Espanha: por um lado, o apego à ideia de que um ato de concorrência desleal pressupõe uma relação de concorrência entre quem o pratica e quem sofre as suas consequências concorrencialmente negativas, a que se liga também  uma outra - a de que se trata de um direito profissional, regulador da atividade dos agentes económicos entre si, mesmo quando estamos no âmbito das relações de consumo e a «vítima» direta do comportamento desleal é o consumidor; e, por outro lado, a tutela penal, que, em virtude de não se separarem da mesma os meios de reação civis, acabou por ter um efeito contraproducente. Com a transposição da aludida diretiva relativa às práticas comerciais desleais (Diretiva 2005/29/CE), pelo DL 57/2008, o panorama normativo alterou-se. O grande desafio consiste agora em conceber um DCD a partir dos dois pilares legais existentes - o CPI e este último diploma -, tendo ainda em conta outras leis como o chamado Código da Publicidade, tanto mais que o paradigma regulatório é diferente: o CPI, na interpretação tradicional dominante do mesmo, corporiza um modelo regulatório interprofissional; o DL 57/2008 e outras leis avulsas regulam a matéria primacialmente, mas não só, numa ótica do consumidor.

Um outro tópico merecedor de atenção particular é o de saber se deve qualificar-se como comportamento desleal, para os efeitos do DCD, a obtenção de uma vantagem competitiva através da inobservância de normas, legais, regulamentares ou convencionais; e, em caso afirmativo, com que latitude. Alguns ordenamentos jurídicos europeus, como os citados, já deram um passo nessa direção. Este aspeto é de grande alcance, tendo implicado o próprio Estado de Direito. Daí o destaque que se lhe dá no texto (cfr., em especial, os nºs 7.2, 9 e 15.2), podendo acrescentar-se que o teor do art. 317, numa interpretação atualista, até fornece um bom ponto de apoio no mesmo sentido.

Finalmente, dentro desta breve nota de apresentação, cabe referir o problema da efetividade do DCD. A jurisprudência existente, em contraste com a situação que se verifica em Espanha, na França, na Itália, na Suíça, na Alemanha, etc., revela que são poucos os casos decididos pelos nossos tribunais superiores relativos a atos de concorrência desleal autónomos, sem conexão com os direitos privativos; - o que é sintomático da sua falta de efetividade prática.

A mudança do sancionamento penal das condutas ilícitas para o sancionamento das mesmas com coimas (art. 331), colocando a matéria sob a administração da ASAE e do INPI, operada pelo CPI vigente (arts. 343 e 344), mostra-se discutível e, em rigor, pouco significa. De facto, por um lado, há comportamentos que, como leis estrangeiras revelam, mereceriam sancionamento penal. Por outro lado, não é por essa via que a concorrência desleal essencialmente se combate, mas através dos meios de reação civis, mormente as ações inibitórias e indemnizatórias, incluindo os correspondentes procedimentos cautelares, a intentar na medida do possível em tribunais com algum grau de especialização na matéria.

Através da Lei 16/2008, o legislador introduziu no CPI uma série de disposições destinadas a tornar mais eficaz a tutela dos direitos privativos, transpondo para o direito interno a chamada diretiva do enforcement (Diretiva 2004/48/CE). Porém, na matéria da concorrência desleal, apenas foi acrescentado um nº 2 ao art. 317, que manda aplicar, com as necessárias adaptações, o novo art. 338-I, relativo à tutela cautelar dos direitos. É alguma coisa, mas muito mais há a fazer.


 

A - Sede legal da matéria

 

1. O Código da Propriedade Industrial de 2003 (abreviadamente, CPI) dispõe no art. 331 que os atos de concorrência desleal «definidos nos artigos 317 e 318» constituem ilícitos contraordenacionais, passíveis de coima que pode ir de 750 a 7.000 € para as pessas singulares, e de 3.000 a 30.000 € para as pessoas coletivas. Por sua vez, no art. 24.1d), considera-se motivo de recusa do registo de um sinal distintivo, patente, modelo ou topografia o reconhecimento de que o requerente pretende fazer concorrência desleal ou que esta é possível independentemente dessa intenção[iii].

Em parte, os ilícitos concorrenciais do art. 317 respeitam a informações, mensagens ou declarações de caráter publicitário. O Código da Publicidade (de 1990, mas com diversas alterações) qualifica, igualmente, como contraordenações a publicidade enganosa e a publicidade comparativa ilícita, embora as sanções variem de montante (art. 34.1, als a) e d)). A primeira encontra-se caracterizada no art. 11, que, designadamente, dispõe no nº 1: «É proibida toda a publicidade que, por qualquer forma, e devido ao seu caráter enganador, induza ou seja suscetível de induzir em erro os seus destinatários, independentemente de lhes causar qualquer prejuízo económico, ou que possa prejudicar um concorrente». A segunda surge regulada no art. 16, que, na condensada versão inicial (anterior ao DL 275/98), determinava: «1. É proibida a publicidade qua utilize comparações que não se apoiem em características essenciais, afins e objetivamente demonstráveis dos bens ou serviços ou que os contraponha com outros não similares ou desconhecidos. 2. O ónus da prova sobre a verdade da publicidade comparativa recai sobre o anunciante». O assunto será ulteriormente retomado[iv].

Várias leis especiais esclarecem que o respetivo regime não prejudica a aplicação das normas da concorrência desleal ou mandam-nas observar. Exemplos disso são o Código do Direito de Autor (CDADC, art. 212) e a lei dos programas de computador (DL 252/94, art. 15).

Um caso clássico de concorrência desleal é aquele que se traduz em comportamentos obstrutivos, designadamente de índole oportunista, destinados a obter um ganho, vantagem ou contrapartida patrimonial. Atualmente, o art. 327 CPI autonomiza como ilícito «a se», punível com pena de prisão até 3 anos ou multa, o requerimento do registo de sinal distintivo que reproduza ou imite um outro pertencente a nacional de qualquer país da União de Paris (instituída por uma convenção geral sobre propriedade industrial, abreviadamente, CUP[v]), com a finalidade comprovada de constranger essa pessoa a uma disposição patrimonial que acarrete para ela um prejuízo ou para dela obter uma ilegítima vantagem económica.

No art. 10bis da CUP, impõe-se aos Estados membros da União a proteção efetiva de todos os nacionais de qualquer deles contra a concorrência desleal e, no nº 2, considera-se ato de concorrência desleal «qualquer ato de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial»[vi]. O art. 317 CPI contém preceito análogo, mas estende essa contrariedade às «normas» de qualquer ramo de atividade económica. Esta cláusula geral foi introduzida no direito interno português pelo CPI de 1940, que, além dela, continha uma tipificação exemplificativa dos atos de concorrência desleal, como sucede no atual[vii].

 

B - Atos «contrários aos usos honestos em matéria industrial ou comercial»[viii]

 

2. Antecedentes históricos. 2.1 Antes do CPI de 1940, o diploma legal mais bem elaborado em Portugal na matéria em causa, vigorava a Lei da Propriedade Industrial de 1896, que, designadamente, punia como atos de concorrência desleal, sem prejuízo da reparação dos danos causados, os a seguir indicados (art. 201).

1) Em primeiro lugar, achavam-se os atos tendentes a acreditar ou fazer sobressair falsamente a oferta do agente, mediante indução em erro ou engano dos respetivos destinatários, mais concretamente, consistentes em fazer passar, falsamente, os produtos por si comercializados ou destinados ao comércio: como provenientes de certo território, localidade ou zona geográfica «conhecida pelos seus produtos»; como sendo de certo fabricante (diferente do verdadeiro, salvo autorização); como sendo produtos «depositados» ou «registados» no estrangeiro; ou como sendo produtos de certa marca, havendo-se eliminado, para o efeito, uma marca não registada neles aposta. A eles acrescia a indicação de que certo produto era fabricado segundo certa fórmula ou processo de determinada fábrica (não do domínio público), sem o comprovativo escrito de autorização concedida para o efeito.

2) Em segundo lugar, encontravam-se os atos ou expedientes de industrial ou comerciante consistentes em fazer confundir o seu estabelecimento com um outro da mesma natureza, contíguo ou muito próximo (por meio do uso de tabuletas, pintura da fachada, modo de instalação ou disposição).

3) Em terceiro lugar, surgiam atos de aproveitamento ou exploração do crédito de mercado ou reputação comercial de «concorrente», mais especificamente, aqueles em que o comerciante ou industrial – para acreditar os seus produtosinvoca, por qualquer forma ou maneira, o nome, a marca ou o estabelecimento de outro comerciante ou industrial que fabrique ou comercialize produtos análogos, sem este ter autorizado.

4) Finalmente, considerava-se desleal a utilização ou divulgação por certo industrial de segredo de fábrica de outrem, com suborno, espionagem, compra de empregados ou operários, ou outro meio criminoso.

Esta tipologia – abrangendo atos geradores de confusão, engano ou indução em erro, acreditamento por colagem não autorizada e violação de segredos – seria retomada e desenvolvida pelo CPI de 1940 e, com tais desenvolvimentos, viria a passar para o Código vigente.

2.2 O Código da Propriedade Industrial vigente. Assim, no atual art. 317, encontramos uma série de atos de concorrência desleal, que podem agrupar-se como a seguir se indica.

1) Em primeiro lugar, aparecem aqueles atos (ou práticas) que geram ou criam um risco de confusão (com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes), qualquer que seja o meio utilizado (al. a); cfr. o art. 10bis, nº 3, 1º, da CUP)[ix].

2) Em segundo lugar, surgem os atos que visam em geral obter um benefício ou vantagem concorrencial indevida, por meios diferentes do anterior (recondutíveis a um conceito geral de publicidade). Distinguem-se duas sub-modalidades:

(i) as falsas indicações sobre o crédito ou reputação próprios, bem como sobre os seus produtos ou serviços, seja qual for o meio adotado [als. d) e e)); cfr., ainda, o art. 10bis, nº 3, 3º, da CUP, onde se referem as indicações ou afirmações cuja utilização seja suscetível de induzir em erro sobre a natureza, características, etc., das mercadorias];

(ii) as invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou reputação comercial de nome, estabelecimento ou marca alheios (al. c)).

3) Em terceiro lugar, identificam-se os atos, perpetrados por vendedor (ou intermediário), de supressão, ocultação ou alteração de denominação de origem ou indicação geográfica dos produtos, bem como de marca registada do produtor ou fabricante em produtos destinados à venda sem serem modificados (al. f)).

4) Em quarto lugar, temos uma novidade relativa do CPI de 1940, também acolhida pelo atual: a categoria dos atos denegritórios ou de descrédito, traduzida na emissão de falsas afirmações, no exercício de uma atividade económica (máxime, comércio ou indústria), com o fim de desacreditar os concorrentes, em especial, a respetiva reputação comercial, o estabelecimento ou a oferta de bens ou serviços, como se especificava anteriormente (al. b); cfr. o art. 10bis, nº 3, 2º, da CUP).

5) Finalmente, continuam a identificar-se como atos de concorrência desleal a divulgação ou exploração de segredos, agora já sem a restrição aos segredos de fábrica ou indústria. Mas estes passaram a constar de um artigo à parte, o art. 318, salientando-se, desse modo, por um lado, a importância da matéria e, por outro lado, que ela sofreu uma importante remodelação ou atualização, relativamente aos textos precedentes. Está em causa a tutela dos conhecimentos ou informações reservados (saber-fazer, know-how) com valor comercial.

Dispõe-se nesse art. 318 que, «nos termos do artigo anterior, constitui ato ilícito, nomeadamente, a divulgação, a aquisição ou a utilização de segredos de negócios de um concorrente, sem o consentimento do mesmo», desde que tais informações cumpram três requisitos:

a) Sejam secretas – no sentido de não serem geralmente conhecidas ou facilmente acessíveis (na sua globalidade ou na configuração e ligação exatas dos respetivos elementos constitutivos) a pessoas dos círculos que lidam normalmente com esse tipo de informações;

b) Tenham valor comercial em virtude desse caráter secreto; e

c) Tenham sido objeto de diligências consideráveis (atendendo às circunstâncias) para se manterem secretas, por parte de quem detém o seu controlo.

O preceito vem na sequência de um dos acordos anexos ao Tratado constitutivo da Organização Mundial do Comércio (abreviadamente, OMC), o Acordo sobre os Aspetos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio, correntemente conhecido pelas siglas ADPIC/TRIPS, que no nº 1 do art. 39 dispõe que, ao assegurar uma proteção efetiva contra a concorrência desleal, como previsto no art. 10bis da CUP, os membros protegerão as informações não divulgadas em conformidade com o nº 2 (e protegerão também certos dados fornecidos a organismos públicos no setor farmacêutico e dos produtos químicos para a agricultura nos termos do nº 3). Consigna-se nesse nº 2 que as pessoas singulares ou coletivas terão a possibilidade de impedir que informações legalmente sob o seu controlo sejam divulgadas, adquiridas ou utilizadas por terceiros sem o seu consentimento de uma forma contrária às práticas comerciais leais, desde que cumpram os mesmos três requisitos reproduzidos na lei nacional.

A este respeito, cabe esclarecer, ainda, que, no mínimo, deverão considerar-se desleais as seguintes práticas: a rutura de contrato, o abuso de confiança e a incitação à infração. Equipara-se-lhes a aquisição do saber-fazer por terceiro que conhecia ou devia conhecer a existência de tais práticas. Observe-se, ainda, que a violação do segredo pode ser punida como crime (arts. 195 e 196 Código Penal), dependendo a ação de queixa.

 

3. Nota intercalar. Em suma, se excetuarmos o novo regime do know-how, o CPI, apesar de datar de 2003, não acrescentou nada de realmente significativo, nesta matéria da concorrência desleal. O art. 317 apresenta praticamente o mesmo conteúdo e redação do CPI de 1940, concebido para uma economia fechada e pouco desenvolvida, enquadrada numa ordem corporativa acentuadamente protecionista, e, portanto, instituindo um sistema de normas repressivas da concorrência desleal de matriz profissional e corporativa, destinadas a disciplinar as relações entre concorrentes em conformidade com as normas emanadas das Corporações e os padrões de comportamento setoriais aceitáveis (normas e usos honestos de qualquer ramo ou setor de atividade económica), isto é, protegendo cada um dos membros das várias profissões económicas contra atos ou comportamentos de concorrentes seus reprovados pela ordem corporativa ou contrários às práticas usuais na respetiva profissão socialmente aceitáveis por um profissional honesto.

Assim, tal Código nem reflete as novas conceções deste ramo do direito acolhidas por exemplo no direito alemão e nas excelentes leis suíça de 1986 e espanhola de 1991, nem revela qualquer preocupação de dar cumprimento os objetivos constitucionais de instituição de um sistema de concorrência efetiva, equilibrada e salutar, apenas realizados, quanto ao primeiro aspeto, pela Lei de defesa da concorrência, objeto dos artigos que precederam o presente[x].

 

C - Confronto do CPI com leis estrangeiras

 

4. Começa-se por uma breve alusão a essas leis, salientando dois pontos claramente desconsiderados pelo legislador português, no caso do CPI. O primeiro tem a ver com a tipificação ilustrativa ou exemplificativa dos principais grupos de casos de concorrência desleal compreendidos nas respetivas cláusulas gerais. O segundo respeita ao elenco das sanções aplicáveis.

4.1 Tipologia. Os objetivos prosseguidos com uma delimitação relativamente desenvolvida dos atos de concorrência desleal são sobretudo os seguintes: 1º reforçar o caráter pedagógico da lei, através de uma mais clara e direta delimitação das fronteiras daquilo que é proibido, ou seja, de uma melhor identificação dos comportamentos desleais típicos, nesta fase do desenvolvimento das relações sócio-económicas; 2º assegurar um melhor e mais fácil conhecimento do direito, contribuindo para a sua aplicação mais uniforme, segura e eficaz; 3º tomar posição sobre certas práticas especialmente falseadoras do jogo concorrencial, mas que, por já serem ilícitas a outra luz, a conceção tradicional tende a excluir do domínio deste ramo do direito.

Salienta-se, em particular, o facto de esta necessidade de «democratizar» o setor do direito em apreço - tornando-o mais acessível à generalidade dos interessados e contribuindo, desse modo, para uma maior clareza e eficácia do sistema - ser uma preocupação revelada por países em que existe uma cultura jurídica excecional nesta matéria, isto é, aparentemente menos carecidos de uma lei pormenorizada, como sucede com a Alemanha ou a Suíça. Como se verá, é essa também a orientação do direito europeu, no âmbito das relações de consumo.

4.2 Tais objetivos aparecem concretizados de duas maneiras. Por um lado, afirmam-se certos princípios clássicos, tais como: 1) o da proibição dos atos ou omissões suscetíveis de gerar confusão, induzir em erro ou enganar de forma relevante os destinatários das ofertas concorrentes de bens e serviços ou mensagens publicitárias; 2) o da proscrição de atos denegritórios, de obstrução e de desorganização empresarial; 3) e o da interdição da exploração anómala dos resultados da atividade alheia, da violação de segredos com valor comercial, etc., afetando, em qualquer caso, o jogo normal da concorrência. Por outro lado, identificam-se certas situações típicas e, a respeito delas, estabelece-se a fronteira entre o lícito e o ilícito. Salientam-se os seguintes exemplos ilustrativos:

1) Quanto aos atos de confusão em geral, na linha sobretudo do direito das marcas, esclarece-se que o risco relevante é não apenas o de confusão em sentido estrito, mas também o de associação quanto à origem ou proveniência das ofertas presentes no mercado;

2) Quanto aos atos ou práticas enganosas, indica-se que a proibição tem como pressuposto a mera suscetibilidade de indução em erro, independentemente da falsidade ou não da comunicação e de o problema se situar nas relações de consumo ou interprofissionais. E especifica-se, designadamente, que se consideram desleais: a) as comparações, imitações ou vendas com prejuízo que produzam esse efeito (cfr. «infra»); b) a promoção de bens ou serviços mediante ofertas, prémios ou vantagens análogas quando, igualmente, ela induza ou possa induzir o consumidor em erro acerca do nível de preços de outros produtos ou serviços do mesmo estabelecimento, ou quando lhe dificulte gravemente a apreciação do valor efetivo da oferta ou a sua comparação com ofertas alternativas (presumindo-se que isso acontece quando o custo efetivo da vantagem exceda uma certa percentagem do preço da prestação principal).

3) Ainda quanto aos mesmos prémios ou ofertas, eles serão, também, considerados desleais quando, pelas circunstâncias em que se realizem, criem no consumidor a convicção de que está obrigado a contratar a prestação principal.

4) No que respeita aos atos denegritórios ou depreciativos, consideram-se desleais, em geral, as afirmações ou declarações sobre a atividade, a oferta, o estabelecimento ou as relações comerciais de um outro agente económico que sejam aptas a prejudicar a sua reputação ou crédito comercial, salvo se forem exatas, verdadeiras e pertinentes, bem como a sua divulgação ou difusão; esclarecendo-se que não são pertinentes aquelas que respeitem circunstâncias de índole pessoal do visado, tais como a nacionalidade, as crenças, a ideologia ou a vida privada do mesmo. Em especial, consideram-se desleais as vendas com prejuízo (cfr. «infra») e as comparações que produzam esse efeito denegritório, bem como, em geral, os atos de comparação quando incidam sobre elementos ou características que não sejam análogos, relevantes ou comprováveis.

5) Acerca dos atos de aproveitamento ou exploração da reputação de mercado conquistada por um comerciante ou profissional liberal, considera-se desleal, em geral, o aproveitamento indevido das inerentes vantagens, em benefício próprio ou alheio. E concretiza-se que será esse o caso quando, em relação a um produto, se aluda a sinais distintivos de outrem ou denominações de origem que não lhe correspondam, ao mesmo tempo que se indica a verdadeira (e distinta) proveniência desse produto, ou se utilizam expressões como sistema, modelo, tipo, etc..

6) Quanto aos atos de imitação, a lei espanhola, por exemplo, começa por esclarecer que a mesma, quando incida sobre prestações ou iniciativas empresariais não cobertas por um direito de exclusivo, é livre. Todavia, ela considera-se desleal quando se verificar alguma das seguintes circunstâncias: a) quando criar um evitável risco de confusão ou induzir em erro o consumidor, traduzido, em especial, numa associação com a prestação imitada; b) quando comportar um aproveitamento indevido e evitável da reputação ou do esforço alheio; c) quando for relativa a um concorrente, tiver caráter sistemático e se destinar a impedir ou dificultar a sua afirmação no mercado, excedendo o que, nas circunstâncias do caso, possa considerar-se uma resposta natural desse mercado.

7) Em estreita conexão com a imitação, encontra-se uma figura conhecida sobretudo no espaço de influência germânica sob a designação de «exploração de uma prestação de outrem». Dispõe, por exemplo, o art. 5 da lei suíça que age de forma desleal, nomeadamente, quem incorrer numa das seguintes situações: a) explore de forma indevida o resultado de um trabalho que lhe foi confiado (por exemplo, ofertas, cálculos ou planos); b) explore um resultado análogo de terceiro que lhe foi entregue ou tornado acessível de forma indevida; c) proceda a uma apropriação direta – utilizando processos técnicos de reprodução e sem os custos ou sacrifícios correspondentes - e explore como tal o resultado de um trabalho alheio pronto a ser lançado no mercado.

8) Ainda numa linha semelhante, no que respeita à violação de segredos, dispõe a lei espanhola que se considera desleal, quando efetuada com intenção de obter um proveito, para si ou terceiro, ou de prejudicar o respetivo titular: a) a divulgação ou exploração, não autorizada por esse titular, de segredos empresariais aos quais se tenha acedido legitimamente mas sob reserva, ou ilegitimamente, mediante incitação a uma violação de deveres contratuais (referida a seguir); b) a aquisição de segredos por meio de espionagem ou procedimento análogo.

9) Os atos de indução a uma infração contratual (máxime, rutura ou violação de um contrato) merecem, igualmente, uma referência explícita nalgumas leis mais modernas, como a espanhola ou a suíça. Assim, para além da incitação de trabalhadores ou outros colaboradores de outrem a «trair ou a surpreender» os seus segredos (com o objetivo da respetiva divulgação ou exploração), considera-se desleal: a) a indução de trabalhadores, fornecedores, clientes e outros obrigados a infringir os respetivos deveres contratuais básicos que os ligam a um concorrente; b) a incitação de um cliente a romper um contrato existente com terceiro para concluir com ele um outro, no seu lugar; c) a oferta de vantagens ilegítimas a trabalhadores e outros colaboradores de outrem que são de natureza a incitá-los ao não cumprimento dos seus deveres contratuais, como meio para conseguir um benefício ou vantagem para si ou para terceiro; d) a indução a pôr termo regular a um contrato conhecido com o objetivo de aceder e divulgar ou explorar os segredos da outra parte; e) a mesma incitação a uma cessação regular quando acompanhada de engano, feita com a intenção de eliminar um concorrente do mercado ou em circunstâncias análogas; f) o aproveitamento, em benefício próprio ou de um terceiro, de uma infração contratual alheia.

10) A venda com prejuízo (abaixo do custo ou preço de aquisição) considera-se desleal se ocorrer uma das seguintes circunstâncias: a) for suscetível de induzir os consumidores em erro acerca do nível de preços de outros produtos ou serviços do mesmo estabelecimento; b) tiver como efeito o descrédito ou depreciação da imagem de um produto o de um estabelecimento alheios; c) fizer parte de uma estratégia destinada a eliminar um ou mais concorrentes do mercado ou setor de atividade em causa.

11) Na lei espanhola, ainda se identificam como atos de concorrência desleal os seguintes: a) a subordinação da conclusão de um contrato à aceitação de prestações adicionais ou suplementares, sem relação com o objeto desse contrato, quando, nomeadamente, ela dificulte gravemente a apreciação do valor efetivo da oferta ou a sua comparação como ofertas alternativas; b) o tratamento injustificadamente discriminatório do consumidor em matéria de preços e restantes condições de venda; c) os abusos de situação de dependência económica e situações análogas. Acerca desta última figura, esclarece-se que ficam compreendidas:

(i) a exploração de uma situação de dependência económica de um fornecedor ou cliente que não disponha de alternativa equivalente para o exercício da sua atividade (presumindo-se essa situação quando um fornecedor, além dos descontos ou condições habituais, deva conceder ao seu cliente, de forma regular, vantagens adicionais não concedidas a compradores similares);

(ii) a rotura, ainda que parcial, de uma relação comercial estabelecida, se não tiver existido pré-aviso escrito e preciso com pelo menos 6 meses de antecedência; só não será assim em casos de incumprimento grave ou de força maior;

(iii) a obtenção - sob ameaça de rotura das relações comerciais existentes - de preços, condições de pagamento, modalidades de venda, pagamento de encargos adicionais e outras condições de cooperação comercial não consignadas no contrato de fornecimento celebrado.

12) Finalmente, dando corpo a uma corrente de opinião formada sobretudo na Alemanha, a mesma lei espanhola contém a seguinte disposição acerca da violação de normas (legais ou regulamentares, na interpretação que os tribunais têm feito): «1. Considera-se desleal o prevalecer-se no mercado de uma vantagem competitiva adquirida mediante a infração das leis. A vantagem deve ser significativa.

2. Considerar-se-á também desleal a simples infração de normas jurídicas que tenham por objeto a regulação da atividade concorrencial» (art. 16).

Dispõe-se, ainda, no nº 3 que será, igualmente, desleal a contratação de estrangeiros sem autorização de trabalho em conformidade com o previsto na legislação sobre estrangeiros. E, no art. 7 da lei suíça, considera-se concorrência desleal, nomeadamente, o desrespeito pelas condições de trabalho legais ou convencionais que também se impõem aos concorrentes ou que são conformes aos usos profissionais ou locais.

Esta última lei considera desleal, ainda, a utilização de condições comerciais abusivas (art. 8). Mais especificamente, a utilização de cláusulas contratuais gerais suscetíveis de induzir em erro uma parte contratante e que: representam uma derrogação considerável do regime legal aplicável, diretamente ou por analogia; preveem uma repartição de direitos e obrigações que se afasta consideravelmente do que decorre da natureza do contrato.

 

5. No que toca às sanções, elas são, em geral de natureza civil. Nos casos mais graves, existem também sanções penais, inclusive a pena de prisão. O procedimento penal depende de queixa.

5.1 Refletindo uma conceção alargada do direito da concorrência desleal (também dita social, por contraposição à tradicional de índole profissional), a legitimidade processual para a proposição de algumas ações cíveis é estendida a associações profissionais ou de classe. Assim, por exemplo, na lei suíça estabelece-se que aquele que, mediante um ato de concorrência desleal, sofra um «atentado» ou efeito negativo na sua clientela, crédito ou reputação profissional, bem como nos respetivos negócios ou interesses económicos em geral, ou sobre o qual penda a ameaça de produção desse «atentado» ou efeito negativo, pode pedir ao juiz: 1) que o proíba se é iminente; 2) que o faça cessar, se perdura; 3) que afirme a sua ilicitude se o incómodo ou perturbação causado persiste (art. 9). E pode, em especial, pedir a retificação devida ou a publicitação da sentença.

Possuem, igualmente, legitimidade ativa para tais ações as associações profissionais e económicas, para defesa dos interesses económicos dos seus membros, bem como as organizações de defesa do consumidor (art. 10). E, se o ato é cometido por trabalhador ou outro auxiliar, também podem ser propostas contra o empregador (art. 11).

Além disso, admite-se que o lesado peça, nos termos do Code des Obligations, indemnização pelos danos sofridos, incluindo danos morais, bem como exigir a entrega do ganho ilicitamente obtido pelo réu, segundo as disposições da gestão de negócios (art. 9.3). As mesmas ações podem ser intentadas por clientes cujos interesses patrimoniais tenham sido lesados ou se encontrem ameaçados (art. 10).

5.2 Na mesma linha, o art. 18 da lei espanhola admite a proposição das seguintes ações:

1. Ação tendente a declarar a deslealdade do ato, se a perturbação por ele criada subsiste.

2. Ação de cessação do ato, ou de proibição do mesmo se ainda não foi posto em prática.

3. Ação de remoção dos efeitos produzidos pelo ato.

4. Ação de retificação das informações enganosas, incorretas ou falsas.

5. Ação de ressarcimento dos danos e prejuízos «ocasionados» pelo ato, em caso de dolo ou culpa do agente. O ressarcimento poderá incluir a publicação da sentença.

6. Ação de enriquecimento sem causa (ou injusto), que só procederá quando o ato lese uma posição jurídica protegida por um direito de exclusivo ou outra de análogo conteúdo económico.

De acordo com o art. 19, qualquer participante no mercado cujos interesses económicos fiquem diretamente prejudicados ou ameaçados pelo ato de concorrência desleal pode propor as ações correspondentes aos nºs 1 a 5. As contempladas nos nºs 1 a 4 poderão também ser propostas pelas associações, corporações profissionais ou representativas de interesses económicos quando fiquem afetados os interesses dos seus membros, bem como pelas associações de defesa dos consumidores se o ato afetar diretamente os interesses desses consumidores. A ação de enriquecimento só pode ser intentada pelo titular da posição jurídica violada.[xi]

 

6. Como acaba de ver-se, nestas leis há uma clara intenção de clarificar o sentido da cláusula geral sobre a concorrência desleal – traduzida numa cuidadosa tipificação das práticas mais importantes atualmente conhecidas, em especial daquelas que assumiram particular relevo nas últimas décadas, e numa mais esclarecedora delimitação de certas zonas de fronteira – que não se encontra no CPI. E existe idêntica preocupação de clareza jurídica no que respeita às medidas de combate a este tipo de concorrência nociva, elencando-se as diversas ações judiciais de que os interessados podem lançar mão e definindo-se (de forma abrangente, em conformidade com o leque de interesses envolvidos) quem tem legitimidade para as mesmas. Salienta-se, ainda, uma clara preferência pelos meios de reação civis, designadamente aqueles que não pressupõem a culpa do agente, como a ação inibitória. Alguns comportamentos especialmente graves também surgem sancionados criminalmente, dependendo a ação penal de queixa.

6.1 Deixando de parte o problema da legitimidade processual, centremo-nos nos tipos de ações ou meios de combate à concorrência desleal. O CPI limita-se:

1) Por um lado, a considerar os atos de concorrência desleal como ilícitos contraordenacionais (art. 331), sendo competente para a instrução dos processos a Inspeção-Geral das Atividades Económicas (art. 343) [hoje, ASAE]] e cabendo ao conselho de administração [hoje, conselho diretivo] do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) decidir e aplicar as coimas; a esse respeito, remete-se, ainda, para o DL 28/84, designadamente no que toca à responsabilidade contraordenacional das pessoas coletivas e à responsabilidade por atuação em nome de outrem (art. 320);

2) Por outro lado, a indicar que a «propriedade insdustrial» tem as garantias da propriedade em geral (art. 316), sendo aplicável o procedimento cautelar comum (art. 339)[xii].

O acento tónico é, pois, colocado na repressão pública deste tipo de concorrência. No confronto com o CPI de 1940, a novidade consiste em substituir a anterior incriminação das condutas por uma forma de ilícito mais suave – a contraordenação –, com a correspondente «administrativização» do sistema, em conformidade com tendências atuais, também refletidas, por exemplo, na Lei de defesa da concorrência, no Código da Publicidade e no DL 370/93[xiii], que regula as chamadas práticas restritivas da concorrência de caráter individual (cfr. «infra»).

6.2 Um intérprrte não especializado na matéria – nomeadamente, um empresário que queira conhecer, ainda que por alto, os respetivos meios de defesa – não retira daqui nenhuma orientação consistente. Pode, até, criar a convicção errada de que o assunto é, em primeira linha, de ordem pública e de que já não tem a gravidade que dantes possuía. Mesmo para um jurista, as coisas não apresentam a clareza desejável. Vejamos mais de perto.

 A lesão de concretos «bens» patrimoniais poderá, seguramente, dar origem a uma ação de responsabilidade civil. Porém, esta requer a prova, em geral difícil, dos respetivos pressupostos – isto é, da ilicitude do ato, da produção de um dano, da atuação culposa do agente e de um nexo de causalidade adequada entre o ato e o dano - e, em especial, uma problemática quantificação desse dano, que a tornam naturalmente demorada e de resultado muitas vezes incerto[xiv]. As demais garantias da propriedade a que alude o art. 316 poderão funcionar aqui, mas o preceito sujeita-se a discussão por ser contestada nalguns meios a recondução da matéria à «propriedade industrial» (cfr. «infra»).

A doutrina tem salientado sobretudo a existência de situações de desconformidade objetiva com o direito (práticas ou comportamentos objetivamente desleais), causando pelo menos um «dano concorrencial», atual ou potencial/iminente, justificativas de ações tendentes a prevenir e a fazer cessar tais práticas (genericamente, ações inibitórias), bem como a remover os seus efeitos (por exemplo, através da imposição de ato ou conduta retificativa). Tais ações não dependem da prova de um comportamento culposo, que tanto a ação de indemnização como o sancionamento contraordenacional exigem; e, em conexão com elas, há que referir, em especial, o disposto no art. 829-A do Código Civil, que permite ao juiz decretar sanções pecuniárias compulsórias para o caso de as respetivas ordens (de atuação positiva ou negativa) não serem imediata e integralmente acatadas. A essa via judicial acresce, no mesmo plano objetivo, uma possível intervenção preventiva de caráter administrativo (cfr., a respeito do INPI e das alfândegas, os arts. 24.1d)[xv], 240(s) e 319 CPI).

Seja como for, como o demonstram, entre outras, as leis referidas, o fenómeno regulado tem especificidades que justificavam uma mais cabal regulação da matéria, nomeadamente, indicando os vários tipos de ações admitidas e respetivos pressupostos [incluindo as ações de enriquecimento sem causa ou semelhantes (cfr. «supra» as leis espanhola e suíça)] e as pessoas com legitimidade para as mesmas.

Em especial, falta no CPI a mensagem fundamental de que as ações obstativa e inibitória são os principais mecanismos de reação a ter em conta[xvi]. Para esse inevitável papel central de tais ações concorrem diversos fatores: por um lado, as empresas tenderão a analisar as potenciais coimas numa ótica de custos-benefícios da infração; por outro lado, os pressupostos da responsabilidade civil são, aqui, de prova particularmente difícil e as correspondentes ações demoradas, faltando-lhes uma necessária dimensão de oportunidade; finalmente, na porventura maioria dos casos, não se mostra viável reparar adequadamente, a posteriori, as consequências danosas de uma prática desleal, uma vez que afetação incidirá sobre certa posição ou situação concorrencial (de uma ou mais empresas) e esta, por ser uma posição de vantagem meramente imaterial e de facto, mostra-se impossível de ser reposta através de uma sentença; quando muito, serão eliminados alguns dos efeitos nocivos produzidos (Bercovitz).

Mas mais do que isso: em face desta última consideração, não basta admitirem-se tais ações; torna-se imperiosa a existência de um processo de decisão rápida. A esse respeito, o CPI também não é esclarecedor, uma vez que se limita a remeter para o regime do processo cautelar comum[xvii]. Acresce que não há, igualmente, notícia de terem sido ponderados conhecidos esquemas alternativos ao binómio procedimento cautelar / processo judicial comum, como a instituição de um processo sumário obstativo ou inibitório capaz de prevenir ou atalhar rapidamente comportamentos mais ostensivamente inadmissíveis, cabendo aos visados pela decisão reagir através de uma ação comum, se tiverem interesse nisso.

Estas observações, embora possam parecer um tanto exageradas ou excessivas, têm uma razão de ser: quando confrontado com outros ordenamentos jurídicos, o nosso tem-se revelado, neste domínio, de uma ineficácia dificilmente sustentável. Quem está em contacto com a prática conhece as dificuldades de, em tempo útil e com um mínimo de segurança quanto ao resultado final, obter decisões capazes de combater a «praga» em questão. Em parte reflexo disso, a nossa jurisprudência apresenta, na matéria, uma expressão mínima, sem paralelo com a de estados ou jurisdições de dimensão análoga e a de países como a Alemanha, a França ou a Itália, estabelecidas as devidas proporções. É verdade que existe um corpo significativo de decisões dos tribunais superiores que respeitam à concorrência desleal. Porém, na esmagadora maioria dos casos, eles reportam-se a questões relacionadas com direitos privativos; não a problemas autónomos de concorrência desleal.

6.3 Concluindo, o combate eficaz da concorrência desleal passa sobretudo por mecanismos como os da ação inibitória, preventiva ou de cessação da atividade ilícita, sobre a qual tem que incidir uma decisão em tempo muito curto para ter efeito útil. Se esse sistema não funcionar, o combate não será eficaz. Dado o tipo de bens e valores lesados – altamente voláteis ou perecíveis – e as dificuldades de prova inerentes à aplicação do sistema comum de responsabilidade civil, as correspondentes ações têm uma eficácia limitada. As contraordenações, mormente atendendo aos valores das coimas, apresentam uma força dissuasora limitada, sobretudo no que toca às grandes organizações empresariais. Dado que o CPI não cumpre aqui a função pedagógica e de promoção da eficácia do direito que seria de esperar, salienta-se o caráter orientador que outras leis poderão ter na sua interpretação e explicitação. Acima aludiu-se a algumas leis estrangeiras. Mais adiante, ver-se-á, sobretudo, o contributo que, neste como noutros assuntos, o Código da Publicidade (CódPub) pode dar.

 

D - CPI e Modelo económico constitucional

 

7. Para além deste fenómeno de desenquadramento do CPI em relação ao mais recente movimento legislativo internacional, afirmou-se também que ele se manteve à margem das diretrizes constitucionais existentes, mormente a de fazer prevalecer uma concorrência equilibrada e salutar. De facto, como se salientou, o texto atual não revela nenhuma diferença substancial ou qualitativa no confronto com o texto do CPI de 1940.

Isso não significa, no entanto, que, no presente contexto constitucional, o Código tenha o mesmo sentido e alcance que era dado ao de 1940, no respetivo ambiente corporativo. Na verdade, a sua interpretação deve, por um lado, ser conforme às novas diretrizes constitucionais; e, por outro lado, terá que ter em conta as atuais circunstâncias sócio-económicas e políticas em que terá de ser aplicado (art. 9 CC). Importa, pois, atentar brevemente neste ponto.

7.1 No texto constitucional, colhe-se um modelo económico que pode assim sintetizar-se:

a) Trata-se de uma economia mista, na medida em que se toma por base, num grau que poderá variar em função das opções político-legislativas que se forem sucedendo no tempo, a iniciativa económica privada, cooperativa e autogestionária, mas também a iniciativa económica pública, bem como as correspondentes formas de propriedade (cfr. os arts. 80b)/c), 82s, 86 e 61s da CRP);

b) Apesar de ser uma economia mista, é uma economia de mercado concorrencial (cfr. os arts. 81e) e 99 CRP);

c) A concorrência deve ser efetiva, equilibrada e saudável ou salutar (arts. 81e) e 99 a)/c) CRP);

d) A liberdade de iniciativa económica privada – com a respetiva dimensão não apenas operacional, mas também organizativa (cfr. o art. 80c) CRP) – deve ser exercida tendo em conta o interesse geral (art. 61.1 CRP).

Salientam-se, ainda, entre outros (cfr., quanto aos trabalhadores, o art. 59 CRP), dois princípios orientadores capitais, que o sistema económico deve «internalizar» ou incorporar: o do respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos consumidores e o da salvaguarda ou proteção do ambiente. Quanto ao primeiro, o próprio texto da Constituição consagra alguns desses direitos (salientando-se o direito à qualidade dos bens e serviços de que são destinatários, o direito à informação, o direito à proteção da saúde e à segurança, e o direito à proteção dos seus interesses económicos, incluindo a reparação dos danos sofridos) e, nesse contexto, comete-se ao legislador a disciplina da publicidade, proibindo-se expressamente as formas mais graves de publicidade enganosa (a chamada publicidade dolosa), bem como a publicidade oculta e indireta (arts. 60, 81h) e 99e) CRP)). Quanto ao segundo, explicita-se que o desenvolvimento económico pretendido é um desenvolvimento ambientalmente sustentável ou equilibrado, cabendo, igualmente, ao Estado fazer com que isso aconteça (arts. 9e) e 66 CRP).

Vendo as coisas do ponto de vista dos objetivos e políticas a prosseguir, verifica-se que a eficiência das organizações produtivas e dos mercados é também um elemento em destaque. Mais latamente, compete ao Estado:

a) Incentivar a atividade empresarial (apoiando sobretudo das PMEs) e fiscalizar o cumprimento das leis pelos respetivos agentes (cfr., em especial, o art. 86.1).

b) Assegurar a eficiência quer das organizações produtivas (cfr. o art. 64.3d)), quer do funcionamento dos mercados (art. 81e)), e zelar pela do próprio setor público (art. 81c)); garantir uma concorrência equilibrada e salutar entre as empresas (arts. 81e) e 99 a)); reprimir as práticas comerciais restritivas e especulativas, os abusos de posição dominante e, genericamente, todas condutas lesivas do interesse geral (arts. 99c) e 81e)); contrariar a formação de monopólios (art. 81e)).

c) Proteger os consumidores, garantindo a defesa dos seus direitos e interesses (arts. 60, 81h) e 99e) CRP)).

Em última análise, o sistema deverá ser capaz de promover o progresso económico e social e a efetivação de um Estado Social ecologicamente responsável, no respeito pelos interesses e direitos dos consumidores. A isso acresce a ideia de que está em causa um espaço de liberdade e de realização pessoal e profissional dos participantes, num ambiente de paz social e segurança das suas legítimas expectativas.[xviii]

7.2 A concorrência é vista como um princípio energético ou catalizador do sistema, um mecanismo promotor da eficiência das organizações produtivas e dos mercados, da continuada melhoria das ofertas de bens e serviços e da consequente melhor satisfação das necessidades e interesses dos respetivos destinatários – máxime, consumidores. Em suma, encontra-se, supostamente, ao serviço do progresso económico e da melhoria da condição dos consumidores (utilidade social). Daí a ênfase colocada, nas últimas décadas, na sua defesa institucional, que culminou, recentemente, com a aprovação do novo regime jurídico da concorrência, pela Lei 18/2003[xix], e, sobretudo, com a criação da Autoridade da Concorrência.

Porém, a concorrência nem é um fim em si, nem tem, em quaisquer circunstâncias, efeitos económica e socialmente positivos. O fenómeno da «nivelação concorrencial por baixo» (ou race to the bottom) é sobejamente conhecido. Mesmo em termos de pura eficiência económica, o seu contributo tanto pode ser positivo como negativo, designadamente se dificulta ou impede estratégias empresariais de médio e longo prazo, aumenta excessivamente os custos de informação, etc..

Compreende-se, por isso, a alusão enfática do texto constitucional ao caráter equilibrado e salutar da concorrência, bem como à incumbência do Estado de assegurar o respeito da lei, em especial, pelas empresas. Este ponto é crucial, porque, sem a efetiva observância das normas legais com significado ou impacto concorrencial, não há concorrência equilibrada e salutar. Pelo contrário, a consequência pode ser um efeito multiplicador negativo que, inclusive, ultrapassa de largo o fenómeno económico para invadir os próprios domínios do Estado de Direito.

Na verdade, a competição económica é um processo dialético de continuada diferenciação-uniformização: a aquisição por parte de um concorrente de vantagens competitivas (diferenciação) desencadeia uma natural reação dos demais concorrentes – tendente a imitar ou incorporar na sua empresa os fatores que lhe subjazem – que leva a um novo estádio de uniformização, sucessivamente superado, repetindo-se este esquema «ad infinitum». Sendo assim, que sucederá se começarem a surgir manifestações não eficaz e prontamente combatidas de que certos agentes económicos funcionam com menores custos (vantagem concorrencial) em virtude da inobservância de regras fundamentais relativas ao ambiente, à segurança no trabalho ou rodoviária, devido ao incumprimento de obrigações contributivas para a segurança social ou de índole fiscal, etc.? Ou, mais diretamente, que se pode esperar, num ambiente competitivo, se as normas de proteção dos consumidores, reguladoras das atividades económicas, do funcionamento dos mercados e da concorrência, etc., não forem cumpridas por alguns?

Como infelizmente a experiência confirma, a resposta afigura-se óbvia: a concorrência, aliada à necessidade de sobrevivência ou de simples afirmação no mercado, leva – ou pode levar – a que as situações de cumprimento das normas se tornem economicamente insustentáveis. Consequentemente, estimulará um fenómeno de incumprimento generalizado, o definhamento ou eliminação de quem cumpre, um sentimento geral de injustiça, a descrença na capacidade e «vontade» reguladora do Estado e, em última análise, o descrédito do mesmo Estado. Quer dizer, a concorrência funcionará neste contexto como fator de desagregação económica e social, atingindo, mesmo, uma dimensão política, na medida em que é o próprio Estado que, em vez de se afirmar como Estado de Direito, se resigna à condição de uma espécie de «Estado de facto». A função de seleção dos empresários mais eficientes e das melhores ofertas que o sistema deveria cumprir (ou função de saneamento), com o inerente progresso económico, perde-se. Em última análise, perante uma já conhecida ou experimentada ineficácia do sistema de administração da justiça (ou de aplicação do Direito), os destinatários das normas já nem se preocuparão com o seu acatamento; ou seja, uma grande parte dessas normas nem sequer chegará alguma vez a ter aplicação significativa.

Reafirma-se, pois, o ponto de partida enunciado: a concorrência tanto pode ser benéfica ou socialmente útil, como contribuir para agravar as insuficiências naturais de um sistema composto por pessoas e organizações com as suas fraquezas e, inclusive, pôr em causa o próprio Estado de Direito. A seguir, vai ver-se, mais de perto, que implicações se podem extrair daqui para a construção, atual, do direito da concorrência desleal.

 

8. Enquanto espaço de interação comunicativa, o sistema de mercado concorrencial assenta na liberdade de decisão esclarecida dos vários participantes nesse mercado, em especial dos destinatários de ofertas concorrentes de bens e serviços (máxime, consumidores). E tem, igualmente, na base a liberdade de imitação das iniciativas e resultados da atividade alheia (corolário da liberdade de concorrer, implícita no sistema e, em particular, na liberdade de iniciativa económica), numa medida compatível com essa liberdade de decisão esclarecida e com a apropriação por cada um dos frutos do seu trabalho e investimento (natural pressuposto da iniciativa económica privada e, igualmente, um corolário do reconhecimento constitucional da liberdade de iniciativa ou empresa e da garantia da propriedade privada[xx]).

A separação das águas, isto é, daquilo que é permitido e que é proibido, não se põe, assim, em termos de tudo ou nada: torna-se necessário encontrar um ponto de equilíbrio civilmente justo e economicamente adequado. Para além de critérios de índole económica e utilidade social final, importa ter presente que se está perante um espaço de liberdade e de realização pessoal e profissional dos agentes, requerendo um ambiente de paz social e a proteção das suas legítimas expectativas.

8.1 As funções clássicas do direito da concorrência desleal, como direito geral da concorrência que é, residem sobretudo aqui: ele é, juntamente com o sub-sistema de direitos privativos, o setor do ordenamento jurídico tendente assegurar as bases do sistema concorrencial e a definir o ponto de equilíbrio capaz de lhe conferir um caráter salutar. Tradicionalmente, havia uma ênfase especial na ideia de «propriedade» empresarial (proteção da respetiva componente imaterial, ou dos valores de mercado) e na necessidade de fazer valer, neste domínio, um mínimo ético ou de correção profissional. Hoje em dia, as considerações de ordem económica (ineficiência gerada pela concorrência desleal, perdas de eficácia, etc.) assumem importância crescente. Os objetivos primordiais (já com as atualizações devidas) são os seguintes:

1) Em primeiro lugar, há que assegurar a verificação da condição essencial da própria competição económica que é a identificação ou diferenciação (real) dos concorrentes e das respetivas ofertas, sem a qual não há verdadeira possibilidade de escolha e, portanto, não há concorrência. De facto, a indicada decisão (livre e tanto quanto possível esclarecida) dos destinatários das ofertas concorrentes de bens e serviços depende, antes de tudo, da clara individualização ou identificação dessas ofertas. Mais latamente, o sistema pressupõe um mínimo de transparência, traduzida numa clara diferenciação dos agentes e suas ofertas. Tal função encontra-se preenchida pelo sub-sistema de direitos privativos da propriedade industrial relativos aos sinais distintivos (incluindo as firmas, embora estas tenham enquadramento jurídico próprio) e pelo direito da concorrência desleal. Os atos que tornam impossível a sua diferenciação ou criam um risco de confusão ou associação entre ofertas na realidade distintas e independentes são proibidos.

2) Em segundo lugar, importa garantir que a informação de mercado relevante exista e seja verdadeira, tendo em conta que as práticas comerciais enganosas, por ação e por omissão, além de atentarem contra a dignidade das pessoas afetadas (cfr. o art. 1 da CRP), impedem uma escolha esclarecida daquilo que é oferecido e, portanto, falseiam a concorrência. Noutros termos, o segundo pressuposto da competição económica é a possibilidade de informar ou comunicar e a veracidade da comunicação; sem estas não há decisão esclarecida. A transparência dos mercados deve estender-se ao conteúdo veiculado pelos mencionados sinais distintivos e a outras formas de comunicação comercial. Para além dos anteriores atos de confusão, todos os demais atos ou práticas tendentes a enganar ou suscetíveis de induzir em erro, influenciando significativa e anomalamente as decisões de transação dos destinatários de ofertas concorrentes, são, igualmente proibidos. Eventuais barreiras impeditivas ou dificultadoras em excesso de um nível de informação e comunicação adequado devem rejeitar-se ou ser tratadas com reserva, como o demonstra a evolução sofrida pelas figuras da publicidade enganosa (mormente no que toca ao respetivo critério de aferição, que passou a ser o do consumidor médio) e da publicidade comparativa (tradicionalmente interdita, mas agora permitida dentro de certos parâmetros), sobretudo em virtude da integração no sistema de considerações relativas ao consumidor e à defesa da concorrência (cfr. «infra»).

3) Em terceiro lugar, há que assegurar também a liberdade de decisão, reprimindo as práticas agressivas que a limitam ou coartam excessivamente. Isto é, além de esclarecida, a decisão deve ser livre. Práticas agressivas suscetíveis de relevantemente pôr em causa essa liberdade devem também ser banidas ou circunscritas dentro de limites aceitáveis.

4) Numa outra ordem de ideias, cumpre também defender os agentes industriosos contra atos de descrédito e criadores de um risco de depreciação dos respetivos elementos ou fatores de  distinção comercial (em especial, sinais distintivos com valor publicitário, bom nome e crédito de mercado), contra a exploração dos respetivos segredos e desses elementos de distinção comercial, bem como, contra a divulgação de informação reservada e outros atos de desorganização ou impeditivos de uma normal afirmação no mercado.

5) Finalmente, a liberdade de imitação dos resultados da atividade alheia terá que se confinar dentro de limites compatíveis com os objetivos anteriores (não confundibilidade ou engano, não exploração do crédito comercial alheio e não bloqueio anormal da afirmação no mercado de um concorrente) e, em complemento do sistema de direitos privativos (numa medida compatível com ele), proibir a «apropriação direta» e exploração desses resultados, ao menos em certas circunstâncias [cfr., na sequência da doutrina alemã, sobretudo o art. 5 da lei suíça, «supra», 4.2 7)].

A respeito destes dois últimos pontos, cabe salientar que a liberdade de empresa, com a correspondente liberdade de concorrer, é constitucionalmente reconhecida enquanto liberdade económica - desenvolvendo-se num espaço juridicamente ordenado, tendo em conta o interesse geral - e apresenta como limite a liberdade e a «propriedade» dos demais. A atuação dos vários agentes deve basear-se no seu próprio esforço, assentando a concorrência em ofertas que traduzam esse esforço, por parte de cada um (concorrência de prestações), e não numa depreciação ou exploração do mérito alheio. Designadamente, a conquista do mercado - ou conquista da clientela e correlata implantação e acreditamento nos mercados - deve apoiar-se no mérito próprio e no das respetivas ofertas e não ser reflexo ou consequência de manobras de depreciação dos competidores.

Concretizando, importa encontrar um ponto de equilíbrio entre: por um lado, as «necessidades» de informação e transparência (filocorrenciais e/ou favoráveis ao consumidor), o objetivo de manter abertos os mercados e a liberdade de imitação dos métodos, ofertas ou resultados da atividade alheia não especialmente protegidos; por outro lado, os objetivos de estimular a atividade empresarial inovadora, de criar condições para o retorno do investimento, de desincentivar o parasitismo e de proteger valores de mercado intangíveis contra o risco de depreciação. O ponto de partida é, seguramente, o de que todo o agente económico pode conformar a sua oferta, os seus veículos e métodos de comunicação comercial levando em linha de conta os dos demais, incluindo os concorrentes (liberdade de imitação). Ou seja, poderá incorporar na sua oferta e estratégia de mercado os elementos não protegidos constantes de ofertas e atividades concorrentes.

Na verdade, esse é, antes de mais, um postulado da liberdade de concorrência e um elemento característico do sistema concorrencial; nas palavras de um autor (Bercovitz), essa contínua interação entre as ofertas dos concorrentes é consubstancial à concorrência. Além disso, é o pano de fundo contra o qual adquire sentido o sistema de direitos privativos da propriedade industrial (em particular, os incidentes sobre obras do engenho), do direito de autor e dos direitos conexos, que seguem o figurino de proteção deste.

Todavia, como refere o mesmo autor, deverá partir-se sempre da ideia de que cada concorrente faz o seu próprio esforço, no qual se integram os resultados da reação às ofertas dos demais e ao seu impacto no mercado. Assim, importa, em primeiro lugar, distinguir a imitação propriamente dita de uma inadmissível apropriação direta ou pura e simples das manifestações ou resultados do esforço alheio, mediante dispositivos ou mecanismos de reprodução, designadamente técnico-mecânicos. Em segundo lugar, uma coisa é a imitação e outra coisa é a imitação sistemática, tipicamente com inaceitáveis efeitos obstrutivos para o normal desenvolvimento da atividade imitada, impedindo a vítima de diferenciar convenientemente a respetiva oferta de bens ou serviços. Em terceiro lugar, também não é mera imitação a exploração de conhecimentos reservados comunicados sob reserva ou obtidos com violação de acordos de confidencialidade. Nem, por último, tão-pouco o é aquela que é utilizada como expediente destinado à exploração ou aproveitamento do crédito ou reputação comercial alheios, mesmo que não haja risco de confusão ou de depreciação.

8.2 A emergência das empresas em rede de base contratual (máxime, redes de distribuição mas também de sub-contratação industrial) e das relações contratuais de clientela trouxe, designadamente, o problema da proteção contra novas formas de desorganização como o incitamento à rutura contratual e consequente aproveitamento dessa rutura, em «diálogo» com as orientações de política concorrencial pública (cfr. «supra», 4.2 9)). Além disso, a intensa regulação das atividades económicas, dos mercados e de novas facetas da concorrência que ocorreu nas últimas décadas implica uma necessidade de enquadrar o direito da concorrência desleal nesse novo e mais complexo quadro jurídico, redefinindo o seu papel em ordem à preservação da unidade e eficácia do sistema jurídico.

 

9. DCD e violação de leis com impacto concorrencial. Um outro pressuposto fundamental da existência de um sistema concorrencial efetivo, equilibrado e salutar (não distorcido ou falseado), promotor do desenvolvimento de iniciativas económicas socialmente úteis, é, como se salientou, o de que as atividades económicas se deverão desenvolver no respeito pela lei, condição necessária para a concorrência se poder desenrolar num plano de igualdade mínimo (pressuposto da igualdade concorrencial), cabendo ao Estado assegurar que isso aconteça (cfr. os arts. 13, 61, 86.1, 81b) CRP). O eventual não preenchimento desta condição pode representar um falseamento da competição económica e comprometer a função social que o sistema concorrencial é suposto cumprir: a de promover o progresso económico como via para a concretização do Estado social (cfr. os arts. 58ss, 81, etc., da CRP).

9.1 Este aspeto, frequentemente afastado das preocupações ou objetivos do direito da concorrência desleal com base em argumentos jurídico-intelectuais diversos, é decisivo. De facto, estando em causa leis reguladoras do próprio mercado concorrencial (leis de proteção do consumidor, da publicidade, de ordenação dos mercados e, inclusive, de defesa da concorrência, bem como normas reguladoras de concursos públicos, etc.) ou cujo cumprimemnto ou incumprimento possa ter um impacto significativo nas condições de concorrência (normas de acesso às atividades económicas, normas ambientais, fiscais, da segurança social, de segurança rodoviária e laboral, reguladoras da atribuição de subsídios ou outros benefícios, etc.), só havendo uma estrita observância das mesmas a competição económica dos vários agentes se dará em condições de igualdade, ou assentará numa plataforma igualitária.

Trata-se, pois, de uma regra do jogo fundamental. Ganhar uma significativa vantagem concorrencial em virtude do seu incumprimento só pode entender-se como uma violação das regras básicas do jogo competitivo, caindo sob a alçada do direito da concorrência desleal, entendido como direito «comum» da concorrência.

O caso do incumprimento das leis fiscais, laborais ou da segurança social é paradigmático. Quem não cumpre as respetivas obrigações e evita desse modo os custos correspondentes, fica numa posição de vantagem na concorrência com os cumpridores capaz de lhe permitir não só fazer negócios que de outro modo seriam realizados pelos concorrentes, como, inclusive, conquistar ou melhorar a respetiva posição de mercado à custa deles.

Num sistema jurídico eficaz, a via da ação de concorrência desleal não deveria ser necessária, para assegurar este pressuposto geral. Todavia, essa eficácia será sempre meramente tendencial e, na situação atual, ela simplesmente não existe num grau aceitável. Por conseguinte, reconhecer legitimidade aos empresários e demais profissionais para combaterem tais práticas, que falseiam e distorcem a concorrência, através do direito da concorrência desleal afigura-se plenamente justificado.

Mas a isso acresce um segundo ponto de vista. Havendo um incumprimento significativo, por parte de alguns competidores, de direitos privativos, leis fiscais, laborais, etc., que torna insustentável ou não compensadora a situação dos que cumprem, que pode esperar-se? – Seguramente o desaparecimento de iniciativas meritórias ou o acatamento de uma outra regra básica do jogo concorrencial: a imitação do comportamento incumpridor dos outros...[xxi]

Quer dizer, se este ou outros pressupostos da competição económica não forem garantidos, a própria lógica da concorrência, em vez de ter efeitos socialmente úteis, funcionará como um importante fator de desagregação económica, social e, até, política. E, encarando o direito da concorrência desleal no seu todo, a conclusão vai no mesmo sentido: pela própria lógica do fenómeno regulado, se o direito não for eficaz, vencidos os escrúpulos iniciais, o desrespeito de regras de comportamento básicas poderá vir a tornar-se a «norma».

9.2 Compreende-se, assim, a mais moderna orientação no sentido de incorporar no direito geral da concorrência – ou direito da concorrência desleal – o ilícito da violação das normas reguladoras das atividades económicas e/ou com impacto competitivo. Em face da cláusula geral do art. 317 CPI, o seu reconhecimento no direito português não deveria suscitar dúvidas especiais quanto ao seu acolhimento, sobretudo tendo em conta o atual contexto jurídico-constitucional. Nessa medida, afigura-se injustificada a subsistente orientação em sentido contrário.

É certo que a referência às normas aí feita tem o significado histórico de uma remissão para a ordenação corporativa das atividades económicas do Estado Novo. Porém, a referência sobreviveu a essa ordem corporativa e, podendo ela ter um importante sentido útil no modelo jurídico-económico atual, não se compreenderia a sua desconsideração ou reinterpretação restritiva no sentido de, por exemplo, remeter apenas para os códigos deontológicos e outras normas profissionais semelhantes (designadamente, nos setores da publicidade, financeiro, das profissões liberais, etc.).

9.3 Reafirmam-se as observações tecidas a respeito do modelo económico constitucional («supra», 7.2): a concorrência é o princípio energético ou catalizador de um sistema económico ao serviço do interesse geral, com pressuposta utilidade social, na medida em que promove a eficiência, a continuada melhoria das ofertas e, em suma, o progresso económico-social. Mas ela é tão-só um mecanismo. Num contexto normal, verificados certos pressupostos – em que seguramente avulta o de uma envolvente jurídica clara e segura ou efetiva –, cumpre uma função social positiva. Num contexto diferente, designadamente se tal pressuposto não se verificar, pode continuar a funcionar como elemento dinamizador ou catalizador, mas, agora, de sentido negativo: tem perniciosas consequências desagregadoras, de ordem económica, social e, inclusive, política (com o desrespeito generalizado da lei, vem descrédito das instituições, máxime da Justiça; e o próprio Estado de Direito é posto em causa).

Quer dizer, ela não pode olhar-se simplesmente como «agente benéfico». Representa também um perigo. O direito da concorrência desleal deve dar o seu contributo para reduzir esse perigo. Por exemplo, o não pagamento do IVA por um concorrente não é um problema simplesmente fiscal. É, igualmente, um problema concorrencial, devendo ter tratamento adequado também nessa sede, tanto mais que, pelo jogo normal da concorrência, o problema ainda assume uma dimensão mais vasta e preocupante.

 

E – Direito da concorrência desleal no âmbito das relações de consumo. Implicações de índole geral

 

10. O breve panorama acabado de traçar não reflete, por si só, o estado atual do direito da concorrência desleal. Por um lado, ele precisa de ver-se em estreita ligação com o direito de defesa da concorrência, quer nos aspetos em que ambos vão no mesmo sentido ou direção, quer nas zonas de fricção, em que importa encontrar uma solução de equilíbrio. O critério de fundo é o de que o direito da concorrência desleal – enquanto direito geral da concorrência –, pode completar ou reforçar sub-sistemas regulatórios especiais, como o da lei de defesa da concorrência, dos direitos privativos, etc., mas não pode ir contra o respetivo regime ou comprometer a realização dos seus objetivos. Neste contexto, para além da Lei de defesa da concorrência, merece menção expressa o DL 370/93 [alterado pelo DL 140/98 e republicado em anexo][xxii], cuja função filo-concorrencial e, simultaneamente, pró-lealdade da concorrência, num âmbito mais alargado do que aquele que corresponde à conceção tradicional do direito da concorrência desleal, o próprio legislador salienta.

Por outro lado, no âmbito das relações de consumo, dando concretização às diretrizes constitucionais de proteção do consumidor e, em particular, de disciplina da publicidade (art. 60 da CRP), a par do CPI, existem diversos diplomas legais a ter em conta, nos quais de destaca o chamado Código da Publicidade[xxiii]. O direito da concorrência desleal terá que ser reconstruído com base em todos eles. E, até junho de 2007, haverá de estar transposta para o direito interno (legal, regulamentar e administrativamente) a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais (2005/29/CE, 11 de maio 2005), que de certa forma funciona como diretiva-quadro, proibindo tais práticas e procurando assegurar a existência de mecanismos eficazes de controlo e sancionamento das mesmas, nas relações com os consumidores. Por conseguinte, nessa altura teremos harmonizada, a nível comunitário, uma parte do direito da concorrência desleal, nesse segmento das relações de consumo[xxiv].

A Diretiva acolhe, designadamente, o critério do consumidor médio com padrão de aferição da existência ou não de uma prática enganosa juridicamente relevante, conciliando desse modo os objetivos de tutela do consumidor, da lealdade e da liberdade/efetividade da concorrência. Igual atitude conciliadora se verifica, por exemplo, a respeito do atual regime da publicidade comparativa.

10.1 Antes de mais, cabe realçar que – embora o CPI se tenha mantido à margem da evolução económico-social, política e jurídica das últimas três décadas – o legislador procurou concretizar, através de outros instrumentos jurídicos, os assinalados objetivos constitucionais de instituir um sistema de concorrência efetiva, equilibrada e salutar, destinada a desenvolver-se no respeito pelos direitos e interesses do consumidor. Apesar de o quadro legal existente apresentar um acentuado grau de descoordenação, designadamente com o CPI, verificam-se progressos. Em seguida salientam-se os principais passos dados nesse sentido.

10.2 Em primeiro lugar, concretizando e desenvolvendo o art. 60 da CRP, assistiu-se à proliferação de diplomas legais da mais diversa índole, contendo normas e mecanismos destinados especificamente à proteção do consumidor. Assume aqui natural relevo a Lei de defesa do consumidor (L. 24/96, abreviadamente, LDCons[xxv]). A entidade chave neste contexto é o Instituto do Consumidor (art. 21)[xxvi], adiante referido a respeito da publicidade. Salienta-se que a primeira Lei de defesa do consumidor continha uma disposição final anunciando que legislação especial regularia a prevenção e repressão da publicidade enganosa e das práticas desleais ou restritivas da concorrência (art. 16 da Lei 29/81).

10.3 Em segundo lugar, no essencial ainda na mesma linha, foi publicada nova regulamentação sobre a publicidade, que veio acrescer à que já constava do CPI. Esta tem o seu assento principal no citado Código da publicidade. O novo direito da publicidade contém uma disciplina geral da atividade, centrada na proteção dos destinatários das mensagens publicitárias (mais especificamente, os consumidores) - na salvaguarda da respetiva liberdade de decisão esclarecida e dos seus interesses -, mas levando em conta também o interesse dos empresários ou agentes económicos; implícita está, igualmente, a ideia de favorecer a concorrência e contribuir para um regular funcionamento do mercado. No preâmbulo, o legislador afirma expressamente que o objetivo geral visado foi o de estabelecer um justo equilíbrio entre o papel de fomento concorrencial e de «grande motor do mercado» que a pubblicidade desempenha, benéfico para o desenvolvimento do país, para as empresas e para os respetivos clientes, por um lado, e, por outro lado, a proteção dos consumidores e das suas legítimas expectativas, contra práticas desvirtuadoras do próprio mérito intrínseco da atividade publicitária, como a criadora de situações enganosas. Os dois institutos capitais da publicidade enganosa e, sobretudo, da publicidade comparativa – dantes regulados pelo CPI segundo o paradigma dominante do empresário-guardião dos seus interesses e, reflexa ou mediatamente, dos consumidores, do regular funcionamento do mercado e da existência de um espaço de interação comunicativa leal - ilustram bem o leque de interesses protegidos e a necessidade de encontrar um novo ponto de equilíbrio entre eles.

Assim, no caso da publicidade enganosa, salienta-se uma melhor explicitação da cláusula geral do CPI nesta matéria, ultrapassando as especificações do ilícito constantes do mesmo (se abstrairmos das mensagens confusórias, circunscritas às falsas afirmações ou invocações), e passa a coexistir com a tradicional tutela de primeira linha dos concorrentes uma nova tutela centrada no consumidor, embora com expressa inclusão também dos concorrentes (art. 11[xxvii]). As mesmas condutas passam a ser visadas por dois sistemas de tutela de interesses, ao menos nas relações de consumo, sendo o novo mais abrangente. Nem num caso nem no outro se esclarece um ponto que tem gerado controvérsia a nível europeu: o do critério de aferição do engano ou indução em erro relevante. Seguindo nas pisadas do Tribunal de Justiça, a nova Diretiva sobre as práticas comerciais desleais no âmbito das relações de consumo, de 2005, adiante referida, veio estabelecer como tal o critério do consumidor médio, afastando a excessiva restrição da concorrência que um critério como o do consumidor pouco instruído e desatento significaria.

Quanto à publicidade comparativa, a posição tradicional do direito da concorrência desleal (do CPI), centrada nos empresários e respetivas ofertas, era-lhe, como se assinalou, claramente adversa, fundamentalmente por envolver o risco de deslocação da luta concorrencial do confronto das ofertas ou prestações para o do ataque depreciativo, causando danos irreparáveis ou de muito difícil reparação (ótica pró-empresarial, não raro confundida com defesa de posições de mercado adquiridas). O novo direito da publicidade, constante do CódPub, começou por adotar uma perspetiva mais alargada, fazendo intervir o interesse dos consumidores numa melhor informação (ótica pró-consumidor) e o interesse geral numa maior transparência e atenuação de existentes barreiras à entrada ou penetração nos mercados por parte de novos concorrentes ou concorrentes secundários (ótica filo-concorrencial). O recorte do instituto feito na primeira parte deste trabalho reflete de forma sintética essa ideia, ainda hoje plenamente válida. Todavia, o texto atual do art. 16 do CódPub [na redação que lhe deu a lei de transposição da Diretiva existente nesta matéria (o DL 275/98)] explicita melhor os limites do instituto e, ao mesmo tempo, torna mais claro o próprio sentido do direito da concorrência desleal na atualidade. Dispõe-se aí:

«1 - É comparativa a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.

2 - A publicidade comparativa, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão, só é consentida, no que respeita à comparação, desde que respeite as seguintes condições:

a) Não seja enganosa, nos termos do artigo 11.º;

b) Compare bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objetivos;

c) Compare objetivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço;

d) Não gere confusão no mercado entre [os profissionais,] o anunciante e um concorrente ou entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente[xxviii];

e) Não desacredite ou deprecie marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, atividades ou situação de um concorrente;

f) Se refira, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação;

g) Não retire partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;

h) Não apresente um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço cuja marca ou designação comercial seja protegida.

3 - Sempre que a comparação faça referência a uma oferta especial deverá, de forma clara e inequívoca, conter a indicação do seu termo ou, se for o caso, que essa oferta especial depende da disponibilidade dos produtos ou serviços.

4 - Quando a oferta especial a que se refere o número anterior ainda não se tenha iniciado deverá indicar-se também a data de início do período durante o qual é aplicável o preço especial ou qualquer outra condição específica.

5 - O ónus da prova da veracidade da publicidade comparativa recai sobre o anunciante.».

Como se observa, a respeito desta figura, o legislador reafirma alguns dos principais princípios do direito da concorrência desleal, estabelecendo um novo equilíbrio destinado a ter em conta todos os interesses envolvidos – dos empresários (concorrentes), dos clientes destes ou destinatários das respetivas ofertas e comunicações comerciais (consumidores) e da coletividade em geral (quanto à existência de um regular e eficiente funcionamento dos mercados, com níveis de competitividade, atual e potencial, adequados). Assim, ela será proibida se ocorrer alguma das seguintes circunstâncias:

a) Não for rigorosamente objetiva e pertinente;

b) Criar um risco sério de indução em erro do consumidor médio visado, com ou sem adicional prejuízo para um concorrente;

c) Criar, em especial, um risco de confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente, os respetivos sinais distintivos, produtos ou serviços;

d) Provocar um aproveitamento indevido do renome de sinais distintivos de um concorrente ou que o anunciante não está autorizado a usar, designadamente marcas e denominações de origem; e, em especial, apresentar a respetiva oferta como uma imitação ou reprodução de marca ou «designação comercial» protegida (note-se que, neste caso, havendo uma referência não necessária a essa marca, o problema pode também ser de violação do respetivo direito privativo);

e) Tiver, em geral, um efeito inutilmente nocivo para um ou mais concorrentes, desacreditando-os a eles próprios, às suas atividades, estabelecimentos, produtos ou serviços, ou afetando o caráter distintivo das respetivas marcas ou outros sinais distintivos.

Tal como sucede com a publicidade enganosa em geral, também aqui se coloca a questão de saber se a regulamentação do CódPub se circunscreve às relações de consumo ou abrange igualmente as relações interprofissionais. Seja como for, há um aspeto filoconcorrencial deste recorte do instituto que não pode deixar de ser considerado, mesmo neste domínio estritamente profissional.

Em qualquer dos casos, a violação da lei, ainda que meramente negligente, representa um ilícito contraordenacional punível com coima que, no caso dos infratores pessoas coletivas, pode ultrapassar os 45 000 € (art. 34.1 a)), contra os 30 000 € previstos no mais recente CPI. Nos casos mais graves, à coima podem acrescer sanções acessórias, incluindo a publicação, por conta do infrator, de notícia da condenação (art. 35). Além disso – independentemente de culpa ou da prova de uma perda ou prejuízo real –, a entidade competente para a aplicação das coimas, sob proposta das entidades fiscalizadoras, pode, cautelarmente, ordenar a suspensão temporária, a cessação ou a proibição da publicidade, conceder um prazo para a eliminação dos elementos ilícitos e, nos casos mais graves, ordenar uma publicação de retificadora (art. 41).

A entidade fiscalizadora geral, também responsável pela instrução dos processos, é o Instituto do Consumidor, que atua «motu proprio» ou mediante denúncia (arts. 37s.). A aplicação das coimas e medidas cautelares cabe a uma comissão cuja composição consta do art. 39.1, a qual é apoiada por aquele Instituto (art. 39.2). As sanções acessórias são da competência do membro do governo responsável pela defesa do consumidor, que decide sob proposta da comissão (art. 39.3).[xxix]

Em contraste com esta panóplia específica de mecanismos sancionatórios, o CPI limita-se a estabelecer no art. 331 que os atos de concorrência desleal são punidos com coima, que se aplica subsidiariamente do DL 28/84 (art. 320) e que os tribunais poderão decretar providências cautelares nos termos gerais (art. 339), acrescentando, ainda, que a «propriedade industrial» tem as garantias da propriedade em geral (art. 316, de mais duvidosa aplicação nesta matéria)[xxx].

Saliente-se, ainda, que, no quadro de uma relação de consumo, existe um direito de ação inibitória sumária e isenta de custas, destinada, designadamente, a prevenir, corrigir ou fazer cessar quaisquer práticas comerciais lesivas dos direitos dos consumidores que a lei expressamente proíba (arts. 10.1 1 11.1/2 da LDCons), sendo a sentença inibitória publicada (art. 11.3 LDCons) e podendo ser acompanhada de sanção pecuniária compulsória, idependente de eventual indemnização devida (art. 10.2 LDCons). A ação pode ser proposta pelos consumidores lesados, associações de consumidores e, estando em causa interesses coletivos ou difusos (ou individuais mas homogéneos), pelo Ministério Público e o Instituto do Consumidor (art. 13 LDCons).

10.4 Em terceiro lugar, promulgaram-se outros diplomas legais mais diretamente orientados para o funcionamento regular dos mercados, designadamente, contendo normas relativas aos preços de venda (tabelamento, reduções, venda com prejuízo injustificada, etc.), proibindo comportamentos discriminatórios, práticas de boicote, certos abusos de situação de dependência económica, etc.. A este propósito, cabe pôr em evidência o regime constante de alguns diplomas legais, em que se destacam o DL 253/86[xxxi] e o citado DL 370/93. Este último ilustra sobretudo uma terceira dimensão do direito da concorrência desleal, mais institucional, relativa ao funcionamento regular dos mercados (e já sem os estrangulamentos tradicionais, em especial, o tradicional requisito da «relação de concorrência»).

10.4.1 No DL 253/86[xxxii], relativo às vendas com redução de preços (designadamente, saldos e liquidações), às vendas diretas ao consumidor e, originariamente, também respeitante às vendas ao mesmo consumidor com prejuízo (hoje regidas pelo DL 370/93[xxxiii]), o legislador afirma-se preocupado com a crescente vulgarização de práticas comerciais não raro «restritivas de uma leal concorrência», impondo-se o estabelecimento de uma regulamentação que, sem coartar a iniciativa empresarial, favoreça uma «sadia concorrência e uma transparência de mercado». A esse diploma legal seguiu-se um outro (o DL 272/87) que, disciplinando em geral as vendas fora do estabelecimento do vendedor, entre outras coisas, proibia as chamadas «vendas agressivas» (vendas em cadeia, vendas forçadas e envio de produtos não solicitados), contrárias a uma saudável atividade comercial, por destruirem o equilíbrio e a razoabilidade dos contratos. O objetivo foi o de promover um «adequado clima concorrencial», tutelando a liberdade de escolha e de aquisição refletida do consumidor. Em 1990, com o assinalado objetivo de transparência e, ainda, de proteção do consumidor e de instituição de uma «sã e leal concorrência empresarial», foi refinido o regime da exibição dos preços nas vendas ao consumidor (DL 138/90[xxxiv]; ver, com maior latitude, o DL 370/93, a seguir).

10.4.2 Neste quadro legal, o diploma mais significativo é, porém, o indicado DL 370/93[xxxv]. Este ocupa-se:

1) Do tabelamento e exibição dos preços de bens e serviços e respetivas condições de venda por parte dos profissionais, quer no âmbito das relações de consumo quer nas relações interprofissionais. Há aqui uma imposição legal desse tabelamento e exibição, naturalmente com o objetivo de aumentar a transparência dos mercados (art. 2).

2) Da venda com prejuízo, também nas mesmas relações, de consumo e interprofissionais (após 1998). Quer a venda quer a oferta para venda são proibidas, salvo se estiver em causa uma regular venda em saldo ou liquidação ou se verificarem outras circunstâncias justificativas previstas na lei (art. 3).

3) Da recusa de venda e bens ou de prestação de serviços, nas relações interprofissionais (após 1998), igualmente proibida se desconforme com os usos ou normas legais/regulamentares aplicáveis e em relação à qual não haja uma causa especial justificativa. A proibição abrange também o condicionamento da venda à aquisição de bem ou serviço diferente do solicitado. (art. 4)

4) Da prática de preços ou condições de venda discriminatórios, nas relações interprofissionais (após 1998), também ela interdita (art. 1).

5) E, finalmente, da prática que consiste em um agente económico – em regra um grande distribuidor (ou industrial) – obter de um fornecedor (presumivelmente «pressionado» para o efeito, embora essa exigência não conste do texto da lei) preços, condições ou modalidades de venda, bem como condições de cooperação comercial, que se mostrem exorbitantes em relação às suas condições gerais de venda (art. 4-A). Também aqui estamos no domínio das relações interprofissionais, embora não se exclua que o fornecedor possa exercer uma profissão civil.

Quando da sua promulgação, o legislador justificou assim o diploma: o regime instituído deveria desempenhar um papel pedagógico, no que toca aos agentes económicos, e, simultaneamente, contribuir para a transparência do mercado; trata-se de práticas restritivas sem efeitos graves ao nível da concorrência (não atingindo o grau restritivo das práticas restritivas que caem na alçada da lei de defesa da concorrência e, correspondentemente, também não podendo ser justificadas através de um balanço sócio-económico), mas «menos transparentes». Por sua vez, na altura dos ajustamentos introduzidos em 1998 (DL 140/98), acrescentou-se que, para além da promoção da transparência, o objetivo é também o de promover o equilíbrio entre os agentes económicos, designadamente no setor da «grande distribuição», e, em geral, reprimir comportamentos impeditivos de uma «concorrência leal entre as empresas».

Os ilícitos em causa têm natureza contraordenacional, embora as coimas sejam significativamente menores do que as contempladas no CPI e no CódPub; a entidade competente para a instrução e decisão dos respetivos processos é, presentemente, a Autoridade da Concorrência (DL 10/2003, art. 5.1b)[xxxvi]). A intervenção desta não esgota, porém, o campo de aplicação do direito. Por exemplo, alguns dos atos em causa podem, além da ilicitude aqui tipificada, apresentar um caráter enganoso ou de boicote, que os coloca também na órbitra do CódPub e do CPI, sendo então mais severamente punidos. Além disso, deverá considerar-se desleal toda a conduta violadora das  normas em apreço que implique a aquisição de uma vantagem competitiva significativa. Já a qualificação como desleal de qualquer violação, independentemente do seu concreto significado ou impacto concorrencial, é de molde a suscitar dúvidas. Interpretando literalmente o art. 317 CPI, a conclusão poderá ser essa. E, construindo o regime do diploma como um mínimo regulador, tal conclusão parece aceitável. Todavia, nesse art. 317 CPI, a violação de normas não deverá ver-se, sem mais, como um ato de concorrência desleal, ainda que, em casos como este, se possa «presumir» a existência de um suficiente significado concorrencial do regime em análise; - o que, na prática, redundará numa via de tutela complementar dos (potencialmente) lesados[xxxvii].

10.4.3 Considerando este breve quadro legal, verifica-se que o ordenamento jurídico contém elementos bastantes para se acolher uma conceção alargada do direito da concorrência desleal. Como o último diploma analisado demonstra, uma tal conceção não se circunscreve sequer às relações de consumo, nem pressupõe necessariamente uma relação de concorrência. Ou seja, podemos afirmar que houve uma evolução no sentido da formação, a par do direito de defesa da concorrência «stricto sensu», de uma espécie de «direito comum da concorrência», concebido para a proteção dos interesses de todos os participantes no mercado (concorrencial), incluindo o interesse geral no regular e eficiente funcionamento dos mercados e na existência de níveis de competição económica adequados.

Significativo também é o facto de a fiscalização e garantia dessa lealdade estar cometida não apenas aos concorrentes e aos tribunais, mas também a outras entidades, destacando-se, quanto ao DL 370/93[xxxviii], a Autoridade de Concorrência. Neste quadro, a questão de saber se e em que medida o campo de aplicação dos arts. 317 e 318 CPI ainda continua a pressupor uma «relação de concorrência» e qual o sentido desse requisito, bem como a de identificar os interesses a atender na sua interpretação e aplicação, poderá ter uma resposta diferente da que tradicionalmente lhe tem sido dada...

10.5 Finalmente, encontramos implantado um sistema especialmente articulado de garantia institucional da concorrência, corporizado nas sucessivas leis de defesa da mesma e atualmente «encabeçado» pela Autoridade da concorrência.

10.6 Em todos estes os casos, estamos perante normas, direta ou indiretamente, destinadas a promover o regular funcionamento do mercado concorrencial e a defender os interesses de todos os participantes no mesmo. Falta, é certo, uma articulação das várias fontes e a construção de uma unidade de conjunto, mas – no seguimento das orientações constitucionais - há aqui uma viragem, no confronto com a visão tradicional do direito da concorrência desleal. Sendo este, por assim dizer, o direito privado comum da concorrência, faz todo o sentido integrá-lo no novo modelo económico previsto na Constituição, ainda que isso possa significar um certo grau de publicização (ou, até, «administrativização»), dado não estarem em causa apenas interesses privados.

Mais especificamente, a par do sistema gerido pela Autoridade da concorrência, deveria admitir-se um direito geral ou comum da concorrência, essencialmente privado, integrando o clássico direito da concorrência desleal, agora com nova filosofia, e normas que se encontram dispersas por diplomas legais diversos, mormente, o Código da publicidade. Os objetivos a atingir são os acima assinalados: instituição de um sistema de concorrência efetiva, equilibrada e salutar, capaz de promover o progresso económico e social, no qual o direito da concorrência desleal terá que assumir um papel de primeira grandeza.

A manutenção da pluralidade de fontes existente não é forçosamente um problema, desde que haja um esforço de harmonização ou compatibilização que tem faltado. O que não parece aceitável é manter, nesta parte, o CPI como se nada se tivesse alterado desde 1940, salvo no que respeita aos segredos.

Observa-se, inclusive, que o art. 317, no que toca à publicidade enganosa, nem sequer se acha em sintonia com o disposto no art. 10bis da CUP, sendo injustificadamente mais restritivo que esta, como se referiu acima. No CPI de 1940, isso tinha a seu favor o facto de os atos de concorrência desleal especificados no então art. 212 serem punidos criminalmente. Abandonado esse sistema de tutela penal em favor do atual ilícito de mera ordenação social, a restrição é, no mínimo, discutível. Voltar-se-á ao assunto a propósito dos meios de reação contra a concorrência desleal («infra», 15.4; cfr., igualmente, «supra», 5 e 6).

 

11. Observou-se mais acima que a comparação dos casos de jurisprudência portugueses especificamente de concorrência desleal (não envolvendo simultaneamente a violação de um direito privativo) com os de outros países, mesmo comparando apenas países ou jurisdições de dimensão equivalente, revela uma incompreensível e clamorosa ineficácia do direito. A situação só apresenta algum progresso no âmbito das relações de consumo, em virtude da assinalada renovação normativa e da criação de novos mecanismos de efetivação das leis. Isso não chega para dar cumprimento à assinalada diretriz constitucional de instituir um sistema de concorrência efetiva, equilibrada e salutar.

11.1 Na realidade, subsistem vários fatores que podem favorecer a perduração do «status quo». O primeiro deles reside na não especificação adequada das práticas ou condutas típicas que, no atual estado do desenvolvimento económico e social, se consideram desleais. Como se salientou, com exceção da matéria dos segredos, em que o Estado deu cumprimento, no papel, aos compromissos assumidos no âmbito da OMC, o CPI traduz a situação existente no final dos anos trinta do século passado (e, com exceção da cláusula geral, ainda hoje carecida de uma densificação significativa pelos tribunais, nem sequer acrescenta algo de muito importante à Lei de 1896).

Este ponto não é de somenos importância porque o direito da concorrência desleal é, em grande medida, um direito conciliador de princípios, valores e interesses em parte convergentes e em parte divergentes, estando em causa encontrar um justo equilíbrio. O apontado caso da publicidade comparativa é elucidativo. Por isso, mesmo países com larga tradição cultural e um importante corpo de jurisprudência na matéria procedem a essa tipificação exemplificativa ou ilustrativa. Essa foi também a atitude do legislador espanhol e o mesmo sucede com o legislador europeu.

11.2 O segundo fator – que é simultaneamente um fator de insegurança jurídica – reside no caráter caótico ou anárquico das atuais fontes normativas. Designadamente, ainda que se abstraia de problemas estritamente jurídicos de conjugação do CPI com o CódPub, os respetivos campos de aplicação não se encontram claramente definidos. Mesmo entendendo que o segundo apenas regula as relações de consumo, o problema não fica inteiramente esclarecido. Embora talvez com menor acuidade, outro tanto se pode dizer de outras leis como as acima indicadas.

11.3 O terceiro fator tem a ver com as medidas destinadas a combater a concorrência desleal e, em geral, os mecanismos de efetivação do direito. Em ordenamentos jurídicos como o alemão, o suíço ou o espanhol, o legislador enumera uma panóplia alargada de medidas, principais e cautelares, e confere legitimidade para a ação de concorrência desleal a todos os participantes no mercado que tenham direto interesse nisso, bem como às respetivas associações representativas.

O CPI não revela preocupação semelhante. Praticamente, limita-se a considerar os atos de concorrência desleal como ilícitos contraordenacionais, a remeter para o DL /84 e as garantias da propriedade em geral, sendo aplicável o procedimento cautelar comum[xxxix]. Quem tem alguma prática nesta área conhece de sobra as dificuldades e incertezas inerentes. No mínimo, justificava-se aqui uma certa harmonização com o sistema do CódPub.

De facto, o combate eficaz da concorrência desleal passa sobretudo por mecanismos como os da ação inibitória, preventiva ou de cessação da atividade ilícita, sobre a qual tem que incidir uma decisão em tempo muito curto para ter efeito útil. Se esse sistema não funcionar, o combate não será eficaz. Dado o tipo de bens e valores lesados – altamente voláteis ou perecíveis - e as dificuldades de prova inerentes à aplicação do sistema comum de responsabilidade civil, as correspondentes ações têm uma eficácia limitada. As contraordenações têm um valor essencialmente dissuasor. Porém, em muitos casos, o valor das coimas não será, por certo, suficientemente «convincente».

11.4 Também a entidade encarregada da aplicação do direito é, neste ponto, importante. Considerando apenas o sistema do CPI, o INPI e os tribunais são os guardiãos da «legalidade». Mas não é indiferente ter, na primeira instância, tribunais especializados ou de competência genérica. Nem a eficiência do sistema de administração da justiça, nem a sua eficácia ou efetividade prática são, em condições normais, as mesmas num caso e no outro.

Sucede que, quanto a este ponto, também reina a insegurança: nos casos em que há tribunais de comércio, é controvertido se eles têm competência na matéria ou não[xl]. Talvez ainda pior, apesar de haver ponderosas razões de ordem prática e jurídica no sentido de admitir essa competência, parece desenhar-se uma tendência de sentido oposto.

 

12. Antes de terminar, cabe deixar um pequeno apontamento sobre o futuro. Como se observou, até junho de 2007, terá que estar transposta para o direito interno (legal, regulamentar e administrativamente) a Diretiva relativa às práticas comerciais desleais (2005/29/CE, 11 de maio 2005)[xli], que de certa forma funciona como diretiva-quadro, proibindo tais práticas e procurando assegurar a existência de mecanismos eficazes de controlo e sancionamento, no âmbito das relações de consumo. Por conseguinte, nessa altura teremos harmonizada, a nível comunitário, uma parte do direito da concorrência desleal, nesse segmento das relações de consumo.

Neste momento, ainda não há um consenso alargado, em especial quanto às relações profissionais. Segundo a Diretiva, uma prática é desleal se (i) for contrária às exigências relativas à diligência profissional e (ii) distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial, em relação a um produto, o comportamento económico do consumidor médio a que se destina ou afeta (art. 5.2, com esclarecimentos adicionais, aí e no nº 3). Especificam-se duas modalidades: são desleais as práticas enganosas definidas nos arts. 6 (ações) e 7 (omissões) e as práticas agressivas constantes dos arts. 8 e 9. No anexo I, apresenta-se uma lista de práticas, dos dois tipos, que se consideram, sem mais, em quaisquer circunstâncias, desleais.

No que respeita à publicidade enganosa e comparativa, a Diretiva 84/450/CEE[xlii] passou a ter como objeto a proteção dos profissionais contra a publicidade enganosa e suas consequências desleais e o estabelecimento das condições em que a publicidade comparativa é permitida. Quanto a esta última, resulta do art. 3-A uma proibição da mesma quando ocorra, designadamente, uma das seguintes circunstâncias ou situações: seja enganosa, designadamente em conformidade com o disposto nos arts. 6 e 7 da diretiva-quadro; desacredite ou denigra um concorrente, os seus sinais distintivos, atividades, bens ou serviços; crie confusão entre o anunciante e um concorrente, ou entre os respetivos sinais distintivos, bens ou serviços; apresente um bem ou serviço como imitação ou reprodução de um outro cuja marca ou designação comercial esteja protegida; compare bens ou serviços que não respondem às mesmas necessidades ou não se destinam aos mesmos fins; compare realidades de forma não objetiva; compare características não substanciais, pertinentes ou representativas dos bens ou serviços; compare características que, ainda que significativas, não sejam comprováveis.

A diretiva-quadro, por sua vez, considera enganosa uma prática comercial: [1] se contiver informações falsas ou não verdadeiras que induziram ou são suscetíveis de levar um consumidor médio a tomar uma decisão de transação que, de outro modo, não teria tomado (art. 6.1); [2] se contiver ou veicular informações que, embora realmente corretas, tenham induzido ou sejam suscetíveis de – por qualquer forma, incluindo a sua apresentação geral – induzir em erro o consumidor médio, levando-o a tomar uma decisão de transação que, de outro modo, não teria tomado, e que incidam sobre um ou mais dos seguintes elementos: a) existência ou natureza do produto; b) características principais do mesmo (disponibilidade, vantagens, riscos, finalidade, utilidade, serviço pós-venda, resultados de testes de controlo, etc.); c) preço; etc. (art. 6.1); [3] se, tendo em conta todas as características e circunstâncias, levar ou seja suscetível de levar o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que de outro modo não teria tomado e envolver: a) atividade de marketing (incluindo a publicidade comparativa) relativa a um produto criadora de confusão com produtos, marcas e outros sinais distintivos de um concorrente; b) um incumprimento de códigos de conduta vinculativos para o agente, se for invocada na prática em causa essa vinculação (art. 6.2); [4] quando, no respetivo contexto, tendo em conta todas as características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação: omita uma informação substancial, necessária no contexto considerado para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida e, portanto, leve ou seja suscetível de levar o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que de outro modo não teria tomado (art. 7.1); ou oculte essa informação, ou a apresente de modo pouco claro, ininteligível, ambíguo ou tardio, ou não refira a finalidade comercial da prática se ela não se deduzir do contexto, e, desse modo, leve ou seja suscetível de levar o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que de outro modo não teria tomado (art. 7.2).

 

13. Alargando, ainda, um pouco a perspetiva de análise, salientam-se nos EUA, sobretudo, o Uniform Trade Secrets Act (1979/1985)[xliii] e o Uniform Deceptive Trade Practices Act (1964/1966)[xliv]. Este último identifica como práticas comerciais enganosas, «sancionáveis» independentemente de prova da existência de concorrência entre as partes, bem como de erro ou confusão efetivos, designadamente:

1) As consistentes em alguém fazer passar os seus bens ou serviços como sendo de outrem [mediante uso não autorizado de sinal distintivo (trade identification) alheio ou substituição de um diferente brand of goods pelo requerido por um consumidor] – passing-off;

2) As criadoras de risco de confusão ou erro... quanto à origem comercial, patrocínio, aprovação ou certificação de bens ou serviços, mediante o uso de marcas suscetíveis de ser associadas a sinais distintivos do comércio preexistentes; ... ou envolvendo o risco de fazer crer que se trata de bens ou serviços fornecidos por alguém que tem alguma relação com outrem;

3) As que enganam quanto à origem geográfica de mercadorias ou serviços;

4) Os atos de publicidade enganosa acerca das mercadorias, serviços ou negócios: (i) fazendo crer que têm um patrocínio, aprovação, características, etc., que não têm (incluindo aqueles pelos quais alguém faz crer que é o representante, sucessor ou associado de outrem; que as mercadorias são aprovadas por outrem, etc.); (ii) consistentes em fazer passar por novas ou originais mercadorias usadas, deterioradas, recicladas, etc.; (iii) ou que apresentam tais mercadorias como correspondendo a certa gama, padrão ou qualidade, estilo ou modelo, quando pertencem a outros;

5) Falsas ou enganadoras alusões ou declarações depreciativas sobre as mercadorias, os serviços ou o negócio de outrem (falsas alegações de violação de patente, inferioridade de produto, classificação arbitrariamente baixa em guia ou roteiro, etc.);

6) Publicitação de mercadorias ou serviços sem intenção de as/os vender tal como publicitadas/os ou sem a intenção de satisfazer uma procura do público razoavelmente esperada, salvo se a limitação da quantidade é revelada;

7) Declarações falsas ou enganosas de facto relativas às razões, existência ou montantes de reduções de preços (reduções fictícias, vendas em saldo ou liquidação...);

8) Outra conduta que, de modo semelhante, crie risco de confusão ou indução em erro.

 

F - Notas finais

 

14. Termina-se esta apresentação geral do direito da concorrência desleal, por um lado, com a enunciação de um conjunto de princípios, por outro lado, com algumas observações finais, em parte recordando alguns pontos da exposição. Quanto aos princípios, realçam-se os seguintes:

-        Princípio da identificação do caráter comercial (ou profissional) da atuação dos agentes económicos, máxime, da comunicação comercial nas relações de consumo.

-        Princípio do respeito pela liberdade de decisão dos destinatários de bens ou serviços oferecidos no mercado, salvaguarda dos interesses dos consumidores e não violação dos seus direitos.

-        Princípio da diferenciação ou não confundibilidade dos atores económicos, respetivas organizações e ofertas.

-        Princípio da veracidade ou da proibição do engano ou indução em erro dos veículos de comunicação comercial e do conteúdo desta.

-        Princípio da não depreciação ou denegrição dos concorrentes (máxime, do respetivo crédito de mercado ou reputação comercial), dos respetivos sinais distintivos ou outros veículos de comunicação e acreditação comercial e das respetivas ofertas (de bens ou serviços).

-        Princípio da não desorganização, obstrução ou boicote, da não discriminação e da não exploração de uma situação de dependência económica;

-        Em especial, princípio da não indução ou incentivo à violação de contratos ou à rutura dos mesmos.

-        Princípio da não apropriação ilegítima dos resultados da atividade, investimento e esforço alheios, ou exploração do trabalho alheio;

-        Em especial, princípio da não divulgação ou exploração de conhecimentos ou informação reservada alheia com valor comercial (ou concorrencial).

-        Princípio da não aquisição de vantagem concorrencial significativa mediante a inobservância de leis (laborais, fiscais, da segurança social, ambientais, etc.);

-        Em especial, princípio do respeito pelas leis reguladoras da atividade concorrencial (designadamente, a LDC, as leis da publicidade, de defesa do consumidor, etc.).

-        Princípio da não agressividade, em especial nas relações de consumo.

Embora permitam uma imagem daquilo que fundamentalmente está em jogo, o alcance destes não deve, no entanto, ser exagerado. Na verdade, estando em causa o estabelecimento de um ponto de equilíbrio adequado entre interesses, valores e considerações em parte divergentes, os mesmos não podem funcionar diretamente como normas de conduta.

 

15. Vejamos, agora, alguns aspetos do direito da concorrência desleal, que merecem ser especialmente realçados.

15.1 O primeiro é este: existe um conceito tradicional delimitador do campo de aplicação quer cláusula geral do CPI quer das respetivas especificações que, em certa medida, tem estrangulado o seu desenvolvimento. Trata-se do conceito de ato de concorrência: apesar de ele poder, com facilidade, significar um ato praticado com fim concorrencial - ou um ato tendo por objeto e/ou como efeito típico influenciar ou alterar, em princípio a favor do seu autor ou da entidade a que é imputável, determinada situação ou relação concorrencial -, o entendimento clássico entre nós é o de que só existe um ato de concorrência desleal quando há uma relação de concorrência entre o agente e o visado (ou vítima). Consideramos injustificada a manutenção deste fator de estrangulamento.

15.2 O segundo aspeto tem ainda a ver com o âmbito de aplicação deste ramo do direito: especificamente, com o assinalado incumprimento de normas com significativo impacto concorrencial. A orientação tradicional da nossa doutrina é no sentido de uma estrita separação das águas, delimitando restritivamente esse âmbito. O problema merece ser repensado, à luz de entendimentos mais modernos, espelhados designadamente nas leis alemã, suíça e espanhola.

Com efeito, como se observou («supra», 7.2 e 9), se o Estado não assegurar este pressuposto concorrencial básico - que é a efetividade das leis com significado concorrencial, direto ou indireto -, a desvantagem competitiva daí resultante tem efeitos negativos que vão muito para além do simples incumprimento de cada regra em concreto; podendo o jogo concorrencial nestas condições pôr em questão o próprio Estado de Direito. E, não se verificando as condições de exercício da liberdade económica que o respetivo reconhecimento constitucional pressupõe, é também esta liberdade que fica em causa.

15.3 O terceiro aspeto relaciona-se com a assinalada falta de especificação adequada das práticas ou condutas típicas que, no atual estado do desenvolvimento económico e social, se consideram desleais. Como se salientou, com exceção da matéria dos segredos, em que o Estado deu cumprimento aos compromissos assumidos no âmbito da OMC, o CPI traduz a situação existente no final dos anos trinta do século passado; e, com exceção da cláusula geral, ainda hoje carecida de uma densificação significativa pelos tribunais, nem sequer acrescenta algo de muito importante à Lei de 1896.

Este ponto não é de somenos importância porque o direito da concorrência desleal é, em grande medida, um direito conciliador de princípios (cfr. «supra»), valores e interesses em parte convergentes e em parte divergentes, estando em causa encontrar um justo equilíbrio. O apontado caso da publicidade comparativa é elucidativo. Por isso, mesmo países com larga tradição cultural e um importante corpo de jurisprudência na matéria procedem a essa tipificação exemplificativa ou ilustrativa. Essa foi também a atitude do legislador espanhol e o mesmo sucede com o legislador europeu.

15.4 O quarto aspeto a realçar tem a ver com as medidas de reação contra os atos de concorrência desleal. Historicamente, um importante entrave prático ao desenvolvimento deste ramo do direito resultou da combinação de um indiscriminado sancionamento penal dos atos de concorrência desleal com o princípio da conexão da ação penal com uma eventual ação cível indemnizatória. O legislador de 2003, neste aspeto, inovou: os atos de concorrência desleal passaram a ser meros ilícitos contraordenacionais.

Todavia, por um lado, a análise do direito comparado revela que a incriminação de certos tipos de condutas desleais pode justificar-se, embora dependendo a ação penal de queixa dos interessados, que poderão sempre optar, simplesmente, pelas vias civis. Por outro lado, o legislador do CPI abdica quase por completo de indicar as medidas de proteção civis – confiando na genérica remissão para os meios de tutela da propriedade em geral (art. 316) – e de regular os aspetos processuais mais relevantes. Perdendo o sistema, naturalmente, em clareza e, seguramente, em eficácia.

Em ordenamentos jurídicos como o alemão, o suíço ou o espanhol, o legislador enumera uma panóplia alargada de medidas, principais e cautelares, e confere legitimidade para a ação de concorrência desleal a todos os participantes no mercado que tenham direto interesse nisso, bem como às respetivas associações representativas. O CPI não revela preocupação semelhante. Praticamente, limita-se a considerar os atos de concorrência desleal como ilícitos contraordenacionais, a remeter para o DL /84 e as garantias da propriedade em geral. No mínimo, justificava-se alguma harmonização com o sistema do CódPub.

De facto, o combate eficaz da concorrência desleal passa sobretudo por mecanismos como os da ação inibitória, preventiva ou de cessação da atividade ilícita, sobre a qual tem que incidir uma decisão em tempo muito curto para ter efeito útil. Se esse sistema não funcionar, o combate não será eficaz. Dado o tipo de bens e valores lesados – altamente voláteis ou perecíveis - e as dificuldades de prova inerentes à aplicação do sistema comum de responsabilidade civil, as correspondentes ações têm uma eficácia limitada. As contraordenações possuem um valor essencialmente dissuasor. Porém, em muitos casos, o valor das coimas não será, por certo, suficientemente «convincente».[xlv]

15.5 O quinto aspeto tem a ver com o panorama das atuais fontes normativas, dispersas por diversos diplomas legais e revelando uma acentuada descoordenação. Designadamente, mesmo abstraindo de problemas estritamente jurídicos de conjugação do CPI com o CódPub, os respetivos campos de aplicação não se encontram claramente definidos. Ainda que se entenda, porventura, que o segundo apenas regula as relações de consumo, o problema não fica inteiramente esclarecido. Embora talvez com menor acuidade, outro tanto se pode dizer de outras leis como as acima indicadas.

15.6 O sexto aspeto é relativo a um ponto controvertido, que o legislador de 2003 não resolveu. Consiste em saber quem tem competência para decidir sobre estas questões, nos locais em que há tribunais de comércio. Quanto a ele, havia, mesmo, uma justificação especial para intervir, dado que se desenha uma corrente jurisprudencial favorável à competência dos tribunais cíveis, que não se afigura nem a melhor solução, nem a que corresponde ao conceito histórico da propriedade industrial, referido na al. f) do art. 89.1 da LOFTJ, nem à interpretação sistemática do mesmo preceito (cfr., em especial, as als. a) do nº 1 e c) do nº2)[xlvi].

15.7 O último aspeto apresenta um caráter mais geral. Em face da referida Diretiva de 2005 sobre as práticas comerciais desleais, importa distinguir dois contextos: o das relações concorrenciais interprofissionais e o das relações de consumo (ou equiparáveis).

Neste último caso, com a transposição da Diretiva, o direito disciplinador dos comportamentos dos concorrentes centrar-se-á nos consumidores, ficando a disciplina da concorrência desleal estreitamente ligada à proteção destes. Indo, portanto, em contraste com o entendimento tradicional do CPI, na mesma linha do CódPub e de outros diplomas legais avulsos.

No primeiro contexto, o direito da concorrência desleal poderá, eventualmente, conservar o tradicional caráter profissional e padrões de aferição das condutas próprios. Saber se convém ou não, também aí, ultrapassar os quadros clássicos de um direito apenas diretamente atinente aos que concorrem entre si para abranger igualmente os destinatários das ofertas concorrentes, é problema que se coloca em termos algo diferentes dos das relações de consumo.

Em todo o caso, por um lado, o legislador nacional tem aqui um motivo adicional para pôr ordem no caos normativo existente, construindo uma lei da concorrência desleal moderna - segundo o figurino, por exemplo, da lei espanhola ou não, mas - com um articulado coerente, no que toca aos dois tipos de relações de mercado em causa, interprofissionais e de consumo. Por outro lado, sempre se dirá que a melhor maneira de dar cumprimento à assinalada diretriz constitucional de instituir um sistema de concorrência efetiva, equilibrada e salutar ou saudável consiste em tomar como objeto da regulação as relações de mercado (concorrencial) com todos os respetivos participantes - oferentes de bens e serviços e destinatários das ofertas.[xlvii]

 



[i] O texto inicial encontra-se substancialmente publicado no Jornal de Negócios de novembro e dezembro de 2005, na coluna dedicada à regulação e concorrência, sob o título «Nótula sobre a concorrência desleal» (cfr. 17.11.2005, 15/22/26/29.2005). Reformatou-se em conformidade com o Acordo ortográfico.

[ii] Um afloramento especial da mesma ideia encontra-se no art. 242 do CPI, relativo à proteção das marcas de prestígio para além do princípio da especialidade (isto é, fora do círculo dos bens e serviços idênticos e afins), com origem no DCD. Cfr., ainda, o texto correspondente à nota a seguir. Na jurisprudência do TJUE relativa às marcas, cfr., por ex., o nº 48 do Acórdão de 12 de novembro de 2002 (C-206/01; caso Arsenal) [a marca é um elemento essencial do sistema de concorrência leal (ou não falseada) que o Tratado pretende assegurar], e os nºs 16, 24ss do Acórdão de 7 de Janeiro de 2004 (C‑100/02; caso Gerolsteiner Brunnen).

[iii] Esta disposição geral foi, em 2008, substituída por disposições de conteúdo análogo, inseridas no articulado relativo a cada um dos pertinentes direitos privativos: arts. 73.3, 137.3, 161.3, 197.5, 239.1e) e 304-I.1e).

[iv] Por lapso, na versão publicada faltou a indicação, neste passo, de que a citação respeitava à versão inicial da lei, cujo texto em vigor surge transcrito mais adiante, no lugar próprio («infra», 10.3).

[v] Convenção de Paris ou Convenção da União de Paris de 1883, objeto de várias revisões, a última das quais de 1967 (Estocolmo). Trata-se do primeiro texto jurídico internacional dedicado à propriedade industrial em geral. Portugal participou na sua elaboração e foi membro fundador da respetiva União. Na sua última versão, pode encontrar-se, por exemplo, na página da OMPI na Internet: veja-se em http://www.wipo.int/treaties/en/text.jsp?file_id=288514. Entretanto, também com um âmbito de aplicação alargado, foi aprovado, quando da constituição da OMC e no âmbito da mesma, em 1994, o ADPIC/TRIPS (Acordo sobre os aspetos dos direitos a propriedade intelectual relacionados com o comércio), que manda respeitar a CUP e aplicar as suas normas de caráter substantivo (cfr. o art. 2).

[vi] A primeira versão do artigo foi introduzida na CUP na revisão de 1911 (Washington).

[vii] Na sua redação atual, a cláusula geral dispõe que constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica.

[viii] No art. 317 do CPI, actos de concorrência contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de atividade económica.

[ix] Englobam-se aqui tanto os actos de confusão que envolvem, além de um comportamento desleal, uma violação de direitos privativos, mormente o direito à marca, como outros actos geradores de confusão, designadamente através da reprodução ou imitação de sinais distintivos alheios não registados. À semelhança do que sucede no actual direito das marcas, este risco de confusão deve entender-se em sentido amplo, abrangendo não apenas a confundibilidade dos sinais, mas também o chamado risco de associação.

[x] Quer a lei helvética, quer a lei espanhola sofreram, entretanto, alterações importantes, mormente, quanto a esta última, pela lei 29/2009, destinada a melhorar a protecção dos consumidores. Também a Lei alemã, de 2004, foi revista em 2010, para, nomeadamente, adaptação à Diretiva de 2005 sobre as práticas comerciais desleais, adiante referida.

[xi] A matéria das acções encontra-se actualmente regulada nos arts. 32ss.

[xii] Entretanto, acrescentou-se ao art. 317 um nº 2, que, ao mandar aplicar, mutatis mutandis, o art. 338-I, admite uma tutela cautelar inibitória, contra os atos de concorrência desleal, assistida de sanção pecuniária compulsória que o tribunal pode decretar, a pedido ou oficiosamente.

[xiii] Atualmente, DL 166/2013, de 27 de dezembro.

[xiv] A respeito dos direitos privativos, cfr., agora, o art. 338-L do CPI, introduzido pela Lei 16/2008, de 1 de abril, que transpôs para o direito interno a chamada Diretiva do enforcement (Diretiva 2004/48/CE, de 29 de abril).

[xv] Acerca deste preceito, cujo conteúdo passou para diversos outros artigos do Código [77.3, 239.1e), etc.], cfr. «supra».

[xvi] Desde 2008, isso já resulta do novo nº 2, acrescentado ao art. 317, mas, em termos literais, apenas para o plano cautelar…

[xvii] Hoje, em face do novo nº 2, a situação apresenta-se diferente.

[xviii] Para maiores desenvolvimentos, cfr. Evaristo Mendes, «Constituição e Direito Comercial», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Coimbra Editora 2012, p. 635-671, e «Modelo económico constitucional e Direito comercial», Estudos em memória do Prof. Doutor Paulo Sendin, Lisboa (UCE) 2012, p. 167-251. Acerca da liberdade de empresa, veja-se também a anotação ao art. 61 da CRP, em Jorge Miranda/Rui Medeiros, CPAnotada I, Coimbra Editora 2010, p. 1179-1238.

[xix] Esta Lei foi, entretanto, substituída pela Lei nº 19/2012, de 8 de maio.

[xx] Acerca da liberdade de empresa (e da liberdade de concorrência), cfr. Evaristo Mendes, estudos supracitados.

[xxi] Cfr. também «supra», 7.2.

[xxii] Atualmente, DL 166/2013, de 27 de dezembro.

[xxiii] Aprovado pelo DL 330/90 e objecto de numerosas alterações, pelo que se torna necessária a leitura de uma versão consolidada.

Cfr., por ex., http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=390&tabela=leis.

[xxiv] A transposição viria a ocorrer com o DL 57/2008, de 26 de março, que manteve o regime do CPI e de outros diplomas avulsos, criando desse modo uma dualidade de regimes, em contraste, por exemplo, com o que fizeram os legisladores alemão e espanhol, que tratam da matéria numa lei única, aplicável, ainda que com especialidades, às relações de consumo e às relações interprofissionais.

[xxv] A Lei já sofreu diversas alterações. Pode encontrar-se uma versão consolidada, por exemplo, em http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=2196&tabela=leis&ficha=1&pagina=1&so_miolo=.

[xxvi] Hoje, Direção-Geral do Consumidor.

[xxvii] O preceito foi entretanto alterado pelo referido DL 57/2008, relativo às práticas comerciais desleais, dispndo no nº 1: «É proibida toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores». Fica a dúvida sobre se, deste modo, o mesmo diploma também se aplica fora das relações de consumo.

[xxviii] A redação actual resulta do citado DL 57/2008, relativo às práticas comerciais desleais.

[xxix] Cfr., atualmente, e o art. 13 do DL 126-C/2011 de 29 de Dezembro e o art. 4 do DecReg. 38/2012, de 10 de abril (competências da Direção-Geral do Consumidor).

[xxx] Ressalva-se o disposto no nº 2 do art. 317, entretanto introduzido, que remete para o art. 338-I, relativo às medidas cautelares.

[xxxi] Relativo a certas «práticas comerciais restritivas da leal concorrência, visando a defesa do consumidor» (relativas a reduções de preços, máxime, saldos, promoções e liquidações), entretanto substituído pelo DL 70/2007, de 26 de março.

[xxxii] Atualmente, DL n.º 70/2007, de 26 de março.

[xxxiii] Entretanto substituído pelo DL 166/2013, de 27 de dezembro.

[xxxiv] Alterado pelo Decreto-Lei nº 162/99, de 13 de maio, e republicado em anexo.

[xxxv] Entretanto substituído pelo DL 166/2013, de 27 de dezembro.

Pode encontrar-se um quadro comparativo destes dois diplomas no endereço eletrónico http://www.apiam.pt/images/newsconteudo/ficheiro1/113_COMPARA%C3%87%C3%83O%20LEGISLA%C3%87%C3%83O%20%28DL%20370-93%20VS%20DL%20166-2013%29.pdf.

[xxxvi] Os Estatutos da AdC encontram-se atualmente aprovados pelo DL 125/2014, de 18 de agosto, que revogou o anterior.

[xxxvii] Dentro dos quadros conceptuais dominantes, tal como se defende uma tutela complementar de bens imateriais objeto de direitos privativos (e correspondentes interesses) através do direito da concorrência desleal, também se mostra defensável uma semelhante tutela complementar de bens e interesses protegidos por leis especiais como a presente.

[xxxviii] Atualmente, DL 166/2013, de 27 de dezembro.

[xxxix] Quanto a este aspeto, já se salientou a introdução, em 2008, no art. 317 do CPI, do nº 2, que remete para as providências cautelares previstas no art. 338-I.

[xl] O problema coloca-se, atualmente: em relação ao tribunal da propriedade intelectual, quanto às questões de concorrência desleal conexas com os direitos privativos; e em relação aos tribunais de comércio, quanto às ações de concorrência desleal autónomas.

[xli] Como se observou, a Diretiva foi entretanto transposta, através do DL 57/2008.

[xlii] Entretanto, substituída pela Diretiva 2006/114/CE, de 12 de dezembro.

[xliii] Adotado pela esmagadora maioria dos Estados federados.

[xliv] Adotado por um número significativo de Estados federados, salientando-se ainda que outros têm leis semelhantes.

[xlv] Em 2008, o legislador corrigiu em parte este estado de coisas, introduzindo no art. 317 do CPI, quanto às providências cautelares, o nº 2. Mas manteve o silêncio quanto às ações principais.

[xlvi] O problema não desapareceu, pelo menos de jure constituendo, com a criação de um TPI, competente, no domínio do direito industrial, para dirimir os litígios relativos aos direitos privativos e questões conexas de concorrência desleal. De facto, quanto aos atos de concorrência desleal autónomos, justifica-se, na medida do possível, o seu englobamento na competência dos tribunais de comércio.

[xlvii] Em face do DL 57/2008, conclui-se que, diferentemente do que sucedeu, por exemplo, na Alemanha e na Espanha, o legislador português apenas acrescentou ao inorgânico «status quo» existente mais num diploma legal, limitando-se a cumprir a Diretiva. O direito da concorrência desleal continua a não ser um tema merecedor de atenção. Apesar dos enormes custos - incluindo económicos, como tem sido assinalado nalguns estudos - que esse tipo de concorrência disfuncional e disfuncionalizante acarreta.