EVARISTO MENDES
Evaristo Mendes
Professor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da UCP
Aval cambiário e protesto. Revisitação do tema
Sumário: 1 - Tese da desnecessidade do protesto para acionar o avalista do aceitante de uma letra e o avalista do subscritor de livrança ; 2 - Insuficiência do artigo 32 I da LULL para responder à questão da necessidade ou não do protesto. Pressupostos da responsabilidade dos subscritores de título não pago no vencimento ; 3 - Reconstrução do aval à luz da LULL e a necessidade do protesto; 4 – Aval aposto em livrança; 5 – Aval aposto por sócios
Palavras-chaves: Aval – protesto – avalista do aceitante
Keywords: Aval (guarantee) – protest – aval for the drawee
Lê-se, designadamente, no sumário Acórdão do STJ de 16.06.2015 [i] :
«I – O aval é o negócio jurídico cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador de aval) garante o pagamento de uma letra de câmbio por parte de um dos seus subscritores (avalizado). De um ponto de vista económico, o aval possui um fim semelhante à fiança. Contudo, o aval representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico próprio: a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL), enquanto a fiança é uma garantia de natureza acessória (art. 627.º, n.º 2, do CC). II – A aposição de uma garantia designada por «aval» em documento distinto de uma letra de câmbio não pode constituir um aval, enquanto negócio cambiário, mas assume o significado de uma fiança».
No ponto III, I.2), explicita-se:
«O aval é o negócio jurídico cambiário através do qual uma pessoa (avalista ou dador de aval) garante o pagamento de uma letra por parte de um dos seus subscritores (avalizado).
O aval representa assim uma nova obrigação cambiária, que tem por finalidade garantir ou caucionar obrigação cambiária idêntica e preexistente de um signatário de uma letra de câmbio.
De um ponto de vista económico, o aval possui um fim semelhante à fiança. Contudo, o aval representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico próprio: a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma (art. 32.º, n.º 2, da LULL), enquanto a fiança é uma garantia de natureza acessória (art. 627.º, n.º 2, do CC).
Ao passo que a fiança comum tem natureza subsidiária (benefício da prévia excussão do fiador: cf. art. 638.º do CC), a obrigação do avalista é solidária, respondendo este a par dos demais subscritores pelo pagamento integral da letra (art. 47.º, n.º 1 e 2, da LULL). A fiança tem um alcance bilateral (sub-rogação do fiador nos direitos do credor contra o afiançado: cf. art. 644.º do CC), enquanto a obrigação do avalista tem projeções plurilaterais, ficando aquele ainda sub-rogado nos direitos emergentes da letra contra os obrigados em face do avalizado (art. 32.º, n.º 3 da LULL).
Embora o aval e a fiança sejam institutos distintos, preenchem ambos uma mesma função – a função de garantia – e a doutrina e a jurisprudência admitem que algumas regras da fiança se apliquem, por analogia, ao aval. É o caso da questão de saber se, em caso de uma pluralidade de avalistas (aval colectivo), o coavalista que pagou tem ou não um direito de regresso contra os co-avalistas. A doutrina e a jurisprudência têm aceitado ser o avalista titular de um direito de regresso relativamente aos demais coavalistas à semelhança do previsto para a pluralidade de fiadores (art. 650.º do CC) (cf. acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 24-10-2002, CJ/STJ, 2002, III, p. 121; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2012, de 5 de Junho, in DR, n.º 137, de 17-07-2012, 3796-3805; C. Vicente Cunha, Letras e Livranças: Paradigmas actuais e recompreensão de um regime, Coimbra, 2009, 304 e ss)» [ii] .
Esta conceção do aval como obrigação de garantia da obrigação cambiária do avalizado corresponde ao entendimento tradicional da figura, podendo considerar-se dominante na nossa doutrina [iii] e na jurisprudência. Contrapõe-se-lhe a que o considera uma garantia do pagamento pontual do próprio título, no vencimento deste [iv] .
O sumário do Acórdão do mesmo STJ de 14.01.2010 [v] , por sua vez, apresenta o seguinte teor:
«I - O portador de um letra pagável em dia fixo deve apresentá-la a pagamento no dia em que ela é pagável ou num dos dois dias úteis seguintes (art. 38.º da LULL), sendo que se não a apresentar, tratando-se duma letra com a cláusula «sem despesas», perde o direito de regresso contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante. II - Assim, uma letra ou tem a cláusula «sem despesas» ou não tem: se não tem, impõe-se o protesto; se tem, releva a apresentação a pagamento. III - A este regime escapa a acção contra o aceitante ou contra o subscritor, na medida em que este último é responsável da mesma forma que o aceitante de uma letra (art. 78.º da LULL). IV - Uma vez que, nos termos do art. 32.º da LULL, o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, a falta de apresentação a pagamento ou a falta de protesto não beliscam a relação cambiária entre o portador e o avalista, quer do aceitante – nas letras –, quer do subscritor – nas livranças.»
Está aqui em causa uma questão recorrente, que consiste em saber se, para acionar o avalista do aceitante, no caso da letra de câmbio, ou o avalista do subscritor de uma livrança, se torna necessário ou não o protesto do título. A doutrina tradicional, seguida pela jurisprudência de largo dominante [vi] , perfilha a tese da desnecessidade do protesto, via de regra de regra adotando a referida conceção do aval como garantia da obrigação avalizada. Isso também sucede com o presente Aresto. Revisita-se, em seguida, o tema.
1. Tese da desnecessidade do protesto para acionar o avalista do aceitante de uma letra e o avalista do subscritor de livrança
O tema foi objeto de tratamento monográfico há quase um quarto de século. Escreveu-se na respetiva nota introdutória.
“No domínio do direito cambiário, o aval - e, em particular, a questão da necessidade ou não de protesto para acionar o avalista do aceitante - é, sem dúvida, uma das matérias que mais têm interessado a nossa doutrina e, simultaneamente, uma das que mais casos litigiosos tem levado aos nossos tribunais. A frequência das disputas judiciais - de que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de março de 1988, recentemente publicado (BMJ 375, p.399ss), é um exemplo- tem vindo, mesmo, a aumentar, em especial no que se refere aquela questão.
Este aresto, embora se integre na corrente doutrinal e jurisprudencial dominante - que defende a tese da necessidade de protesto -, foi proferido com um voto de vencido. Em tal Acórdão pode ler-se: «E é face a estas duas disposições [O STJ refere-se aos arts.53 I e 32 I da Lei Uniforme relativa às letras e livranças] que… teremos de decidir…» «E pergunta-se: se o dador do aval é responsável da mesma maneira [que] a pessoa de quem se constitui garante…como se pode exigir o protesto… se a lei o dispensa para o aceitante, “de quem se constitui garante”?» «Salvo o devido respeito pela opinião em contrário, a clareza do preceito [em causa está o art. 32 I da L.U.] explica a… quase total unanimidade… de opiniões no sentido de que também quanto ao avalista do aceitante não precisa o portador de munir de protesto». (p.400)
E, depois de passada em revista alguma doutrina e de uma breve referência à jurisprudência no sentido desta tese, conclui-se: «Nestes termos, e porque se não encontra motivo para afastar a doutrina e jurisprudência indicadas, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido…» (p.402)” [vii]
O objetivo explícito e imediato desse estudo foi pôr à prova esta afirmação do Supremo de que não se encontra motivo para afastar a doutrina e a jurisprudência dominantes. Para o efeito, discutiu-se amplamente a natureza do aval, tanto no domínio do CCom como no da LULL, salientando à cabeça as duas aludidas conceções: a conceção segundo a qual o aval constitui uma garantia pessoal da obrigação avalizada (tradicional) e a que vê nele uma garantia do pagamento pontual da letra [viii] .
A primeira – que designamos «obrigacional» [ix] - é a mais tradicional. «No fundo, ela é o reflexo de uma visão jurídica da letra de câmbio assente, por um lado, na ideia de que se trata de um título incorpora determinadas obrigações dos subscritores (e os correspondentes direitos de crédito), que lhe dão o valor económico que à mesma é reconhecido no mundo dos negócios. A letra é, na realidade, objeto de um tráfico jurídico que pressupõe ter ela determinado valor económico. Excluído que este possa residir no direito sobre o papel e encerrado o instituto dentro dos limites estreitos do sistema clássico, que tendia a reduzir os fenómenos jurídico-patrimoniais às figuras do direito real e da obrigação, esse valor só poderia residir num sistema de obrigações dos seus subscritores» [x] .
Assegurando o avalista o valor patrimonial da letra, nesta visão das coisas, ele seria um garante da obrigação de algum desses subscritores. O fim do aval seria, tal como na fiança, garantir o cumprimento de uma obrigação principal: a eventual obrigação de regresso do sacador e dos endossantes e, no caso do avalista do aceitante, a obrigação deste.
Logicamente, o avalista, tal como o fiador, seria obrigado, salvo naturalmente disposição legal ou cláusula em contrário, se, quando e como o fosse aquele que ele garante. Assim, constituindo-se a obrigação do aceitante com a declaração de aceite (art. 28 da LULL) e obrigando-se o seu avalista solidariamente com ele, este seria - na falta de disposição legal ou convenção -, sem mais, responsável pelo cumprimento dessa obrigação. É esta a leitura que, no presente contexto, a doutrina tradicional faz do art.32 I da LULL, concluindo que o protesto não é necessário [xi] .
2. Insuficiência do artigo 32 I da LULL para responder à questão da necessidade ou não do protesto. Pressupostos da responsabilidade dos subscritores de título não pago no vencimento
Embora reconhecendo que, para um completo esclarecimento desta questão, «ela deveria ser devidamente situada e analisada no contexto mais geral das garantias reconhecidas pelo ordenamento jurídico», a tarefa empreendida foi mais limitada, explicando-se que o trabalho não pretendia ser mais que um «simples contributo para a interpretação da Lei Uniforme e, em certa medida, para a construção jurídica do aval que se extrai dos seus preceitos» [xii] , na linha do entendimento já anteriormente perfilhado pelo Prof. Paulo Sendin [xiii] .
Especificamente, como aí se observa, a questão de fundo suscitada consiste em saber se, em face desta Lei, o aval se destina a garantir o cumprimento da obrigação do avalizado e, portanto, salvo disposição da lei ou cláusula em contrário, o avalista fica obrigado se, quando e como o for esse avalizado. Noutros termos, tudo está em saber se, ou em que medida, a Lei Uniforme consagra esta regra segundo a qual o avalista é obrigado se, quando e como o for o seu avalizado [xiv] .
2.1 A doutrina e a jurisprudência dominantes dão uma resposta afirmativa a esta questão com base no artigo 32 I - onde se diz que o avalista «é responsável da mesma maneira» que o seu avalizado. Esta interpretação tem, no entanto, contra si importantes obstáculos» [xv] , resumidos na referida monografia como se segue.
«15. Pode afirmar-se que o valor desta tese [da desnecessidade do protesto para acionar o avalista do aceitante (e dos subscritor da livrança)] depende essencialmente de ser justificada ou não a interpretação do art. 32 I em que ela assenta (…). Ora nenhuma razão convincente foi dada para interpretar este preceito nos termos em que a doutrina dominante o fez. Com efeito, para além de ser inaceitável - face ao art. 32 II e ao art.30 I interpretado à luz do sistema da lei e de acordo com os seus próprios termos - a noção do aval-garantia da obrigação avalizada, o conceito de acessoriedade utilizado pela doutrina não tem nada a ver, como já se salientou, com a relação de acessoriedade que caracteriza as obrigações de garantia de obrigação alheia. Se se quer justificar o art. 32 I com base na acessoriedade obrigacional da garantia do aval e considerar que a matéria dos pressupostos está sob o império dessa acessoriedade, é importante que se veja que isso é o mesmo que dizer que a obrigação do avalista depende dos pressupostos da obrigação avalizada mas no sentido de que estes condicionam a sua validade e eficácia. E é igualmente importante notar-se que o art. 32 II contraria aquele resultado da interpretação do art.32 I de acordo com a ideia da acessoriedade obrigacional.
Acresce ainda que dos termos do artigo só resulta que ele contém uma norma sobre o conteúdo da obrigação do avalista, diz como este responde e não quando este responde. Esta matéria dos pressupostos ou condições da responsabilidade dos subscritores da letra de câmbio - que existe quando há recusa de pagamento pontual do título por quem está nela indicado para a pagar- está regulada quanto a todos eles (incluindo o aceitante) no cap. VII, arts.43ss (mas cf. também o art.28 II)
16. Quanto à pretensa especialidade do art. 32 I relativamente ao art. 53 I [que apenas ressalva a responsabilidade do aceitante], é de notar que ela também foi simplesmente afirmada e não demonstrada; e, de qualquer forma, só é compreensível partindo do pressuposto não demonstrado de que o art. 32 regula especificamente a matéria dos pressupostos do aval no sentido já criticado acima (…).
17. Quanto ao argumento de que a L.U. não revela claramente o propósito de romper com a tradição, basta confrontar os arts. 336 § único e 314 § 5 CCom, para ver as profundas diferenças que existem entre o direito uniforme e o direito anterior (…).
18. O argumento histórico é, neste caso, pouco significativo, tanto mais que o facto de não ter passado para o texto do art. 53 uma referência expressa ao avalista que existia nos seus antecedentes também pode ser interpretado no sentido de que não se quis tomar posição ou se quis mesmo consagrar a tese contrária (…).
19. Também o argumento do art. 45 é de pouco significado, já porque o instituto do protesto tem primazia sobre o dos avisos, já porque bem pode percorrer-se o caminho inverso ao da doutrina e interpretar-se o art. 45 no sentido de que o aceitante deve avisar o seu avalista sob pena de poder responder perante ele (…).
20. Bem mais significativo é o facto de que os partidários da tese da desnecessidade do protesto face ao avalista do aceitante se vêm obrigados a corrigir, não só a interpretação do art. 53 I, mas também a dos arts.43,46, etc. (…)
21. E, dentro deste campo dos argumentos formais, é importante notar-se o seguinte. Se se entende que no art. 53 se omitiu uma referência ao avalista do aceitante porque escusada em face do art. 32 I, que regularia especialmente a matéria dos pressupostos da responsabilidade do avalista, o mesmo deverá suceder quanto aos demais avalistas - uma vez que não pode admitir-se dispor o art. 32 I apenas sobre o avalista do aceitante. Mas quem são então «os outros co-obrigados» a que se refere o art. 53? (…)
22. Finalmente, no seguimento da interpretação dada ao art. 32 I, resultaria que os avalistas do sacador e dos endossantes seriam como estes obrigados de regresso enquanto que o avalista do aceitante seria obrigado direto, obrigado perante o portador independentemente de este apresentar ou não a letra a pagamento ao aceitante. Mas esta consequência lógica do pensamento da doutrina subjacente à tese da desnecessidade do protesto face a este avalista é contra legem e este fato revela que ela é insustentável (…).
Com efeito a lei faz uma distinção clara entre, por um lado, a obrigação do aceitante da ordem de pagamento nela contida de a pagar no vencimento, decorrente do seu ato de aceite (art. 28 I), que coexiste com a garantia desse pagamento assumida voluntariamente pelos avalistas (art. 30 I) e legalmente decorrente do saque e dos endossos (arts. 9 e 15), e, por outro, a responsabilidade de todos os subscritores, incluindo o aceitante, pela recusa de pagamento (que pressupõe a apresentação pontual da letra pelo portador ao sacado para pagar). Não havendo recusa de pagamento porque o portador nem sequer cumpriu o ónus de a apresentar a pagamento a quem estava indicado no título para o fazer, do título só resulta a obrigação do aceitante. Os garantes de pagamento não são obrigados a cumprir a obrigação do aceitante em vez dele e, mesmo que assim se entendesse no caso do avalista do aceitante (dentro da teoria do aval-garantia da obrigação avalizada), essa sua obrigação dependeria da recusa de pagamento do obrigado principal. Só estaria, então, em causa saber se essa recusa deverá admitir, em princípio, como único meio de prova contra o avalista do aceitante o protesto ou não (…).
(Isto só não seria assim dentro da tese de que do art.32 I resultaria que o avalista é uma espécie de co-aceitante, co-sacador, etc…., assumindo uma posição cambiária igual e paralela à destes. Mas nesta tese o avalista do aceitante não seria um mero garante do pagamento da letra, contra o que dispõe o art. 30 I (2).
23. Quanto ao argumento de que o credor não precisa de provar a não satisfação do seu crédito garantido por fiança pelo devedor principal, é de notar que, por um lado, o direito de ação do credor contra o fiador pode ter como pressuposto o não pagamento pontual imputável ao devedor principal, e, por outro, sendo esse o caso, o fiador deve, pelo menos, poder provar que esse pressuposto não se deu. Cabendo em princípio ao portador da letra apresentá-la - no tempo do vencimento - ao sacado (aceitante), no domicílio deste, para que a pague - e dado o disposto nos arts. 43ss-, o invocado paralelismo com a fiança só existiria na hipótese acabada de considerar.
Ora relativamente ao avalista do aceitante, para além de se querer fazer crer que o portador tem sempre contra ele um direito independente daquele pressuposto material, nega-se-lhe a própria possibilidade de opor ao portador que ele não cumpriu o ónus de apresentar a letra a pagamento no tempo em que ela era pagável.
E, quanto ao ónus de prova da recusa de pagamento, razões de segurança que o legislador considerou ponderosas relativamente aos demais garantes valem para ele (…).
De qualquer forma, este argumento só seria de considerar dentro dos quadros da conceção do aval-fiança, hoje, pelo menos formalmente, abandonada (n.ºs 12ss) e incompatível com a L.U. (…).
24. Em síntese, a doutrina dominante, não só não observou as regras gerais de interpretação das leis ao determinar o sentido dos preceitos da Lei Uniforme, como também não demonstrou que o art. 53 I devesse ser corrigido em resultado da sua conjugação com o art. 32 I, porque dá a esta disposição um sentido amplíssimo, que não cabe nos seus termos, sem qualquer justificação para o fazer ou fazendo-o com base num conceito de acessoriedade impróprio mesmo nos quadros da conceção do aval-finança.
Como salientou a doutrina contrária, e em particular o Prof. Paulo Cunha, o avalista do aceitante é, como os demais, um garante do pagamento da letra (art. 30 I), responsável como eles no caso de este ser recusado, nos termos dos arts.43ss. O art. 53 I é um corolário desta conceção do aval resultante da Lei Uniforme.» [xvi]
2.2 Atentemos melhor no texto da LULL e nas regras da interpretação das leis. Como de resto se recorda no assinalado Acórdão do STJ de 17.03.1988, de acordo com o artigo 9.3 do Código Civil, deve presumir-se que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Para exprimir o seu pensamento, o legislador utiliza, no artigo 32 I, uma locução adverbial de modo: «da mesma maneira». Confrontando o texto deste preceito com a suposta regra acima referida – de que o avalista é obrigado se, quando e como o for o seu avalizado -, é fácil de ver que ele se refere apenas ao modo como o avalista responde e não às circunstâncias em que responde: é relativo ao «como» e não ao «se» e ao «quando» responde o avalista. E, se isso é assim, convirá, antes de mais, ver se há ou não outras disposições legais relativas a esta questão de saber «quando», dentro de que pressupostos ou condições, é o avalista responsável perante o portador da letra. [xvii]
Ora, estas disposições existem. A primeira é o artigo 32 II. As restantes constam dos artigos 43 e seguintes da LULL (capítulo VII), em que se regula a matéria da responsabilidade de todos os subscritores da letra pelo seu eventual não pagamento pontual: o sacado que tenha aceitado a ordem de pagamento que através da letra lhe é dada (obrigado cambiário em virtude do aceite, nos termos do art. 28) e os simples garantes do acatamento dessa ordem de pagamento, ou seja, o sacador (art. 9), os endossantes (art. 15) e os avalistas (art. 30 I). Nesses artigos se definem, designadamente, os pressupostos de tal responsabilidade e neles merece ser destacado - para o problema em discussão - o art. 53 I, que afasta a responsabilidade, exceto quanto ao aceitante (cuja obrigação já resulta do artigo 28), quando, «inter alia», falte o pressuposto do protesto. O mesmo valendo para o subscritor emitente de uma livrança, por força do artigo 77.
Nestas condições, com o devido respeito, afirmar - como se faz no citado Acórdão em relação ao protesto - que «o art. 32 I é claro no sentido de compreender no seu âmbito também a questão dos pressupostos ou condições da responsabilidade do avalista é [de algum modo] negar a evidência, que aponta, justamente, na direção oposta» [xviii] . Como se assinala no mencionado estudo, vista a situação mais de perto, a interpretação que a doutrina e a jurisprudência dominantes fazem do artigo 32 I pouco tem a ver com os seus termos e com o sistema da Lei Uniforme, sendo simples fruto de uma determinada conceção do aval (e da própria letra) que a tradição jurídica, baseada nos códigos comerciais, consagrara [xix] . [xx]
3. Reconstrução do aval à luz da LULL e a necessidade do protesto
3.1 Todavia, a questão de fundo não consiste em saber se - partindo da conceção do aval adotada pela doutrina e pela jurisprudência dominantes - deve ou não aceitar-se a conclusão de que, em face da Lei Uniforme, o avalista do aceitante é responsável perante o portador independentemente do protesto. «O problema reside logo nessa conceção, a partir da qual essa doutrina e essa jurisprudência argumentam. Tudo está, na verdade, em saber se tal conceção é compatível com o articulado da Lei Uniforme e, em caso afirmativo, se é a que melhor coaduna com ele» [xxi] .
O objetivo fundamental do mencionado estudo consistiu, justamente, em demonstrar que tal compatibilidade não existe e em esclarecer o sentido da segunda conceção acima referida – a do aval como garantia do pagamento da própria letra -, que se apresenta como alternativa à conceção dominante e é, como procurou aí demonstrar-se, aquele que decorre do texto e do sistema da Lei Uniforme. Acrescentando-se que, uma vez conseguido tal objetivo, a tese de que o direito de ação do portador depende de protesto apareceria como conatural a esse sistema. Reproduzem-se em seguida, com pequenas alterações de redação alguns tópicos aí apresentados [xxii] .
Tendo o aval (tal como a fiança) como função garantir o cumprimento da obrigação do avalizado, um corolário se impõe: a existência, a validade e o conteúdo da obrigação avalizada condicionam a existência, a validade e o conteúdo da obrigação do avalista, de tal forma que, sendo inválida ou extinguindo-se a primeira, a mesma sorte deverá ter a segunda, e, tendo aquele certo conteúdo, não poderá esta ter conteúdo mais amplo. Se a função da garantia é, efetivamente, assegurar ao seu destinatário o cumprimento da obrigação avalizada, se o aval é uma obrigação de garantia deste cumprimento, não pode ser de outro modo. Estamos no domínio do núcleo fundamental e necessário da acessoriedade, que caracteriza este tipo de garantias.
O artigo 32 II da Lei Uniforme determina, porém, que o avalista é obrigado mesmo que a obrigação do seu avalizado (note-se que a lei não fala em obrigação avalizada) seja nula (salvo se se tratar do vício de forma). Estabelecendo doutrina contrária àquele corolário e correspondendo tal corolário à própria essência das obrigações de garantia de outras obrigações, ele opõe-se, logicamente, à conceção tradicional e dominante do instituto, pelo que importa reconstruir este a partir do disposto nesta Lei (o que significa fazê-lo em novos moldes).
Para o efeito, é importante, por um lado, rever a própria conceção imperante (obrigacional) da letra; e, por outro lado, ter presente que, para além das garantias obrigacionais do cumprimento de outras obrigações, ditas principais, o ordenamento jurídico reconhece a existência de um distinto tipo de garantias: as garantias de que determinado resultado se produzirá, de que certo bem tem determinada qualidade ou proporciona certo rendimento, etc., tornando-se o garante responsável pela eventual não produção desse resultado ou pela falta de qualidade ou rendimento assegurados (cfr., por ex., os arts. 913 ss do CC). Neste tipo de garantias, que poderemos designar como não obrigacionais, o garante, mesmo quando assegura determinado resultado, e este consiste no cumprimento pontual de um contrato ou de uma obrigação, não se obriga, com a sua declaração negocial, a produzi-lo ou a fazer com que ele se produza. Apenas declara que o mesmo ocorrerá, tornando-se responsável pela sua eventual não verificação.
Este é, pelo menos, o sentido da garantia (seja ela legal ou fundada em declaração negocial) que se afigura mais natural e, se nos despojarmos dos quadros jurídico-conceptuais tradicionais acerca das garantias, em que impera a figura da fiança, também o mais operacional e de mais fácil entendimento. O próprio regime cambiário o revela: o sacador, os endossantes e os avalistas garantem ao portador cartularmente legitimado que, se ele apresentar pontualmente a letra a pagamento, no seu vencimento, ao respetivo sacado, aceitante ou não (e portanto obrigado ou não a pagar) [xxiii] , tal pagamento não lhe será negado. O que se garante é, portanto, o acatamento da ordem de pagamento constante do título pelo seu destinatário (o sacado), não o cumprimento de qualquer obrigação, que pode não existir. Se o resultado assim garantido não se produzir, verificados os demais pressupostos, designadamente o protesto, entra em jogo a responsabilidade legal do regresso. Uma possível obrigação de prestar depende, portanto, em princípio, deste pressuposto.
Na verdade, em traços muito genéricos, pode dizer-se que - numa letra concebida para circular e posta em circulação - a sua essência e o seu valor patrimonial atual, isto é, aquele que lhe é reconhecido no mundo dos negócios, residem na ordem de pagamento constante do título, tenha ou não o destinatário desta reconhecido, através da aceiração da mesma, que a cumprirá. O confronto com o cheque confirma, aliás, que é assim (cfr. o art. 4 da LUCh, que declara o cheque insusceptível de ser aceite cambiário).
Não se trata, porém, de uma simples ordem de pagar. Estamos perante uma ordem cujo cumprimento pontual pelo seu destinatário (o sacado), indicado no título, é garantido.
O valor patrimonial que à letra é atribuído quando a mesma - antes do vencimento - é objeto de transações assenta no pressuposto desse cumprimento. Daí que, segundo a lei, o emitente do título seja necessariamente seu garante e que o sejam também, em princípio, os seus endossantes (arts. 9 e 15 da LULL). Complementarmente, às garantias (legais) destes subscritores podem juntar-se as (voluntárias) de um ou mais avalistas (art. 30 I da LULL).
Ser garante do pagamento da letra é, deste modo, ser garante do cumprimento pontual, pelo sacado, da ordem de pagamento constante do título. Por isso, diferentemente do que se passa nas garantias obrigacionais, como a fiança, não significa ser obrigado a pagá-la. Ela é para ser paga pelo sacado. Se este aceita antecipadamente - através do negócio cambiário do aceite - a ordem que lhe é dirigida, obriga-se a pagá-la (art. 28 da LULL).Os demais subscritores cambiários, não sendo destinatários dessa ordem, mas meros garantes do seu cumprimento por aquele a quem ela é dada, não assumem qualquer obrigação com relação ao seu pagamento.
Mais precisamente (cf. os arts.43 ss da LULL), esses outros subscritores cambiários, o sacador, os endossantes e os avalistas, garantem que, se a letra for pontualmente apresentada [xxiv] – pelo portador cartularmente legitimado (cfr. o art. 16 I da LULL) - ao sacado para que a pague, este cumprirá, à simples apresentação do título, a ordem de pagamento dela constante. Se, verificado este condicionalismo em que a garantia funciona, esse resultado não se produzir, isto é, se o sacado (aceitante ou não) recusar o pagamento, na falta de disposição especial da lei, os garantes deveriam tornar-se responsáveis por esse facto, ou seja, obrigados a colocar o portador na situação que ele teria se o resultado garantido se tivesse verificado (e que a lei tipifica: cf. os arts. 47s da LULL) [xxv] .
E, também segundo os princípios gerais (cf. o art. 342.1 do CC), ao portador caberia fazer a prova desse facto. A Lei Uniforme, porém, estabeleceu uma solução de compromisso, dispensando, por um lado, o portador de fazer essa prova, mas, por outro lado e por razões de segurança jurídica, fazendo depender - em geral e salvo cláusula em contrário - o seu direito de ação (regresso) de uma apresentação tempestiva do título a protesto (cf. os arts. 44, 46 e 53 da L.U.), que entre nós é feita perante o notário [xxvi] .
O sistema que se extrai da LULL é simples. A letra é concebida para circular com base no pressuposto de que o destinatário da ordem de pagamento dela constante a cumprirá pontualmente, no vencimento, seja ou não obrigado a fazê-lo. Confirmando este, antecipadamente, com o seu aceite, que o fará, fica, legalmente, obrigado a pagar (art. 28 da LULL). Os demais subscritores são meros garantes (legais ou voluntários, consoante o caso) de que aquela ordem será cumprida pelo seu destinatário (arts. 9, 15 e 30 I).
Se este resultado «prometido» pelo aceitante e garantido pelos restantes signatários da letra não se der, isto é, se houver falta de pagamento imputável ao sacado, e se a letra for tempestivamente apresentada a protesto, abre-se uma nova fase, a do regresso da letra, em que todos respondem - o aceitante incluído - pelo seu não pagamento, isto é, são obrigados de regresso. Faltando algum dos pressupostos de que depende a constituição da relação obrigacional de regresso, nomeadamente o protesto (se e na medida em que este não tiver sido dispensado), o título apenas documenta uma obrigação (aliás eventual): a do aceitante, decorrente do seu ato de aceite (art. 28 I) e, portanto, em princípio, só ele responde (art. 53 I).
Está, assim, explicado porque é que o avalista do aceitante, como os demais garantes do pagamento da letra, só é, via de regra, obrigado perante o portador se este tiver nas mãos uma letra tempestivamente apresentada a protesto e protestada. É que, diferentemente do que acontece com o seu avalizado, ao dar o seu aval, ele não assume qualquer obrigação de pagar a letra (no sentido que esta expressão tem na Lei Uniforme). A sua garantia é de um tipo diferente daquele a que pertence a fiança. Ele assegura que determinado resultado, a produzir por um terceiro, se verificará, só vindo, eventualmente, a constituir-se obrigado como consequência da não produção desse resultado; não se obriga com a sua declaração de aval a produzi-lo, embora na posição de garante. No quadro das garantias existentes, o aval integra-se, pois, no grupo das garantias que designámos como não obrigacionais. [xxvii]
4. Aval aposto em livrança
As considerações expostas valem, mutatis mutandis, para o avalista do subscritor de uma livrança. Realça-se, em todo o caso, uma diferença. Na letra, os avalistas garantem em geral o cumprimento pontual de uma ordem de pagamento pelo respectivo destinatário - o sacado; melhor, esse resultado.
Na livrança, estamos perante um título obrigacional – tendo inscrita uma promessa de pagamento do subscritor emitente. O que os endossantes e avalistas garantem é, ainda, o pagamento pontual do título. Mas trata-se de um pagamento, em princípio, devido pelo próprio criador do título. Nesta medida, o aval aparenta uma maior proximidade com a figura tradicional das garantias pessoais. À primeira vista, poderia, inclusive, afirmar-se que os garantes – endossantes e avalistas – asseguram ao portador o cumprimento pontual da obrigação fundamental do subscritor emitente.
Em todo o caso, o carácter autónomo do aval (arts. 7 e 32 II) revela que, em rigor, não é assim. De facto, se o aval pode subsistir apesar de a tal obrigação faltar um negócio jurídico válido e eficaz (art. 32 II/1ª parte), o verdadeiro objecto da garantia continua a ser o pretendido resultado do pagamento pontual do título, desvinculado de um compromisso de pagar. Via de regra, a vinculação existirá (como sucede na letra aceite), mas isso não é forçoso, podendo haver uma garantia sem ela.
5. Aval aposto por sócios em livrança em branco
Na análise a que se procedeu anteriormente, procurou determinar-se se – em face da LULL – o protesto deve considerar-se ou não necessário para accionar o avalista do aceitante ou o avalista do subscritor da livrança. Tendo-se concluído que o protesto é, via de regra, pressuposto do regresso e, nessa medida, necessário para a obrigação de regresso do avalista se constituir (noutros termos, para a «conversão» da sua garantia de resultado num dever de prestar).
Importa, no entanto, relativizar esse resultado. Com efeito, por um lado, isso só é assim se o avalista não tiver dispensado, quanto a si, o protesto e se o título não houver sido configurado pelo seu criador – o sacador da letra ou o subscritor emitente da livrança – como um título cambiário isento de protesto (art. 46 da LULL; para o cheque, cfr. o art. 43 da LUCh). Por outro lado, como qualquer negócio jurídico, o aval está sujeito às regras da interpretação aplicáveis [xxviii] . Ora, sobretudo tendo em conta as concepções enraizadas acerca da figura, não apenas entre os juristas mas presumivelmente também entre os intervenientes no mundo dos negócios, bem pode suceder que, ao menos em certas situações, o sentido a dar ao aval dado por honra do aceitante ou do subscritor emitente de uma livrança seja o de uma garantia que funciona independentemente de protesto.
5.1 Vejamos dois tipos de casos. A e B compram a C o bem X, ficando solidariamente obrigados a pagar o preço. Por razões que agora não interessam, admita-se que C saca uma letra sobre A, que a aceita, e que B apõe nela o seu aval por honra do aceitante. Não custa admitir que, apesar de não constar do título qualquer cláusula de dispensa de protesto, as regras da interpretação levem a concluir que, em relação a C, o aval funciona quase como se fosse um «co-aceite», excluindo o protesto dos pressupostos legais do regresso.
5.2 O segundo tipo de casos tem a ver com as livranças em branco subscritas por uma sociedade a favor de um financiador e avalizadas pelos sócios. A primeira especificidade, assinalada num outro estudo [xxix] , reside no seguinte: enquanto nas letras e livranças em geral os avalistas tipicamente apõem nelas a sua assinatura porque, em atenção ao avalizado, confiam no seu pagamento pontual, isso não sucede nas livranças em branco. Na verdade, estas destinam-se a surgir como livranças – títulos cambiários obrigacionais - apenas quando ocorra uma situação anómala: a falta de cumprimento pontual do contrato de financiamento que o título se destina a «caucionar». E, quando tal se verifica, não será, via de regra, fundada qualquer confiança por parte dos avalistas no seu pagamento pontual.
Na mesma linha, sobretudo quando os avalistas – interessados no financiamento da sua sociedade e beneficiários mediatos do mesmo - subscrevem o acordo de preenchimento do título, afigura-se natural entender que, ocorrendo o facto anómalo do incumprimento pontual do contrato de financiamento, eles reforcem, perante o financiador, a garantia do crédito com os seus patrimónios pessoais independentemente de protesto.
[i] Relatado por Maria Clara Sottomayor e disponível em www.dgsi.pt; proc. nº 1909/07.6TBVFR.P1.S1.
[ii] Na nota 1, acrescenta-se: «Esta posição não é, contudo, unânime: na doutrina, em sentido oposto, vd Pedro Pais de Vasconcelos, «Pluralidade de avales por um mesmo avalizado e regresso do avalista que pagou sobre aqueles que não pagaram», in AAVV, Nos 20 anos do Código das Sociedades Comerciais, vol. III, Coimbra, 2007, p. 947-978; na jurisprudência, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2009, in CJ/STJ, ano XVII, T. III, 2009, p. 103-110; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-03-2010, processo n.º 482/1999.C1.S1.»
O Acórdão afirma, ainda, a natureza contratual da fiança, constando, a esse respeito, da nota 4: «Cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2010, p. 333; Antunes Varela, Obrigações, Vol. II, reimpressão da 7.ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, p. 485, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição reelaborada, Almedina, 2006, p. 889 e Januário Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, Coimbra, 2000, p. 388; Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 2013, p. 85. Em sentido contrário, defendendo que a fiança poderia ser constituída por negócio jurídico unilateral, apenas temos a posição de Vaz Serra, BMJ, n.º 71, 1957, p. 26». Acerca do assunto, cfr. também Evaristo Mendes, «Garantias bancárias. Natureza», RDES XXXVII (1995)/4, p. 411-473, 411ss, 415ss, 446s, 454 a 456, com mais indicações e diferenciações.
[iii] Cfr., por exemplo, José Engrácia Antunes, Os Títulos de Crédito. Uma Introdução, Coimbra Editora 2012, p. 85.
[iv] Cfr., por exemplo, Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval e a questão da nece4ssidade ou não do protesto para acionar o avalista do aceitante , Coimbra (Almedina) 1991, págs. 37ss, 95, 98, e as indicações aí fornecidas, Evaristo Mendes, «Letra de câmbio e direito comercial centrado na empresa. O legado de Paulo Sendin», in Estudos em memória do Professor Doutor Paulo M. Sendin, Lisboa (UCE) 2012, p. 13-70, 39s,45s, 63s, 68ss, e Carolina Cunha,Letras e livranças: Paradigmas atuais e recompreensão de um regime, Coimbra (Almedina) 2012, p. 106ss, também como mais referências.
[v] Relator: João Bernardo. Disponível em www.dgsi.pt (sumário), proc. nº 960/07.0TBMTA-A.L1.S1.
[vi] Na jurisprudência dos últimos anos, cfr., também, por ex., o Acórdão do TRL de 14.02.2013 (Pedro Martins), disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 9778/11.5TBOER-A.L1-2 (consignou-se no sumário: «IV. “O STJ tem entendido que, da conjugação do art. 53 com o art. 32/I, ambos da LULL, segundo o qual o avalista do subscritor da livrança responde ‘da mesma maneira’ que ele, decorre a desnecessidade de protesto para o accionar, tal como seria desnecessário para accionar o subscritor.”»); e o Acórdão do TRP de 9.01.2012 (Mª Adelaide Domingos), ambos com mais indicações. Este segundo Acórdão encontra-se disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 2492/11.3YYPRT-A.P1. Lê-se no sumário: «I - Atento a conjugação do disposto nos artigos 32.º e 53.º da LULL, aplicável ex vi artigo 77.º às livranças, dos quais resulta que o dador do aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada e tendo o legislador estabelecido a total equiparação entre o avalista e o avalizado, e, por outro lado, não exigindo a lei para o aceitante das letras e para o subscritor das livranças tal formalidade (protesto), não existe fundamento legal para se defender a tese dos recorrentes que, como já se disse, sem qualquer carácter inovador, vai ao arrepio do entendimento largamente maioritário da doutrina e da jurisprudência.»
[vii] Veja-se a obra já citada de Paulo Sendin e Evaristo Mendes, A natureza do aval e a questão da necessidade ou não do protesto para acionar o avalista do aceitante , Coimbra (Almedina) 1991, Nota Prévia, p. 9.
[viii] Dentro desta última, ainda pode distinguir-se uma conceção «obrigacional» (Paulo Cunha, Carolina Cunha) e uma conceção não obrigacional, que vê no aval uma garantia da produção de certo resultado – o pagamento pontual do título, no vencimento (Paulo Sendin, Evaristo Mendes). Ao contrário, porém, da diferença salientada no texto, que assume importância decisiva, neste segundo caso, estão em jogo distintas visões técnico-jurídicas, sem essa importância substancial.
[ix] Cfr., no entanto, a nota anterior. Acerca das conceções obrigacionais e não obrigacionais da letra de câmbio, cfr. Evaristo Mendes, «Letra de câmbio» (2012), p. 19ss, com mais indicações.
[x] Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 10.
[xi] No estudo referido faz-se uma ampla análise crítica dos argumentos utilizados pela doutrina dominante em defesa desta tese. Uma síntese conclusiva dessa apreciação encontra-se no cap. VI, p. 88ss, 91ss (nº 38 – B e C, concls. 7 a 24 ).
[xii] Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 10s.
[xiii] Desenvolvidamente, cfr. Paulo Sendin, Letra de câmbio – L. U. de Genebra, Lisboa 1980 (I) e 1982 (II), máxime, II, p. 721ss.
[xiv] Cfr. Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 11. Recorda-se que é, por se interpretar assim a LUUL que a doutrina tradicional e a jurisprudência dominante entendem que o avalista responde independentemente de protesto quando o avalizado também responda sem ele.
[xv] Cfr. Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 62ss, 81ss, 88ss.
[xvi] Cfr. Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 91ss.
[xvii] Cfr. Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 11.
[xviii] Cfr. Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 11.
[xix] Cfr. Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 11s.
[xx] Substancialmente no mesmo sentido, em tempos mais recentes, Carolina Cunha, Letras e Livranças (2012), p. 110s (considerando «muito duvidoso» que se possa considerar desnecessário o protesto).
[xxi] Segue-se, ainda, a nota introdutória da citada monografia, de Paulo Sendin e Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 12.
[xxii] Cfr. Paulo Sendin/Evaristo Mendes, A natureza do aval (1991), p. 12ss.
[xxiii] Quanto ao avalista do aceitante, cfr., em todo o caso, o art. 32 I e II (pressupõe-se a operação do aceite, que serve de referência ao aval).
[xxiv] Isto é, na época e no lugar de pagamento indicados no título.
[xxv] Pelo menos em princípio, deveria ser assim. Cfr., no entanto, os arts. 30 I e o art. 26 I da LULL, que admitem o aval e o aceite parciais.
[xxvi] Em face dessa apresentação, o notário lavra o competente instrumento de protesto. Note-se que, bem vistas as coisas, aquilo que «incorpora» os direitos de regresso é a letra acompanhada do protesto. No caso do cheque, pode ser o próprio título, mas com a aposição de uma declaração, pelo banco sacado ou câmara de compensação, de que o pagamento foi recusado (art. 40 da LUCh).
[xxvii] Para os necessários desenvolvimentos, veja-se a referida obra, A natureza do aval (1991). Como se explica na respectiva Nota Prévia (p. 15), uma vez que a tese da desnecessidade do protesto para acionar o avalista do aceitante, defendida pela doutrina dominante no domínio da Lei Uniforme, só é verdadeiramente compreensível lendo (rectius, corrigindo) as disposições desta Lei à luz das conceções doutrinais relativas ao aval construídas na vigência dos códigos comerciais que nos vários países precederam tal Lei - historicamente, o aval foi enquadrado na teoria das obrigações de garantia de uma obrigação principal e esta teoria, mesmo quando formalmente abandonada, continuou sempre a inspirar as soluções dadas pela corrente de pensamento dominante às questões do aval -, os primeiros capítulos são dedicados à análise da natureza do aval numa perspetiva histórica (caps. I a III, p. 17ss). Em seguida, procura pôr-se em evidência como a solução dada à questão do protesto decorre essencialmente do entendimento que se tem dessa natureza e colocar a descoberto os «equívocos e pressupostos não demonstrados» em que ela assenta, bem como o uso de métodos menos ortodoxos de interpretação da lei (cap. IV, p. 47ss, 55ss e, sobretudo, 62ss). No cap. V, expõe-se e faz-se a análise da doutrina que defende a tese contrária (p. 81ss; note-se que no título do capítulo e a linha 2 há um lapso de escrita: estã um «não» a mais). Finalmente, no cap. VI (p. 87ss), sintetizam-se as conclusões a que conduziu a análise da doutrina que defende a tese da desnecessidade do protesto; e procura demonstrar-se como a tese contrária decorre naturalmente de uma correta compreensão da letra no domínio da Lei Uniforme.
[xxviii] Sobre o tema, cfr., por todos, Evaristo Mendes / Fernando Sá, Comentário ao Código Civil. Parte Geral, ed. da FDUCP, UCE 2014, p. 534ss, em especial, anotação V ao art. 236. Assinala-se, no entanto, que, em contextos especiais como o presente, o aval pode valer, em relação a certo portador do título, com um sentido «particular», diferente do eventualmente resultante do critério assinalado nesta anotação.
[xxix] Cfr. « Aval prestado por sócios de sociedades por quotas e anónimas e perda da qualidade de sócio », cuja versão provisória se encontra disponível em ev