EVARIST​O MENDES

Evaristo Mendes

Responsabilidade dos administradores de SA e SpQ perante a sociedade.

Direitos de ação e prescrição [i]

1. Deveres dos administradores

Para além de deveres específicosdecorrentes da lei (mormente societária, insolvencial e financeira, incluindo jus-mobiliária)[ii], dos estatutos sociais e de eventuais deliberações vinculativas dos sócios (cfr., sobretudo, o art. 259.º do CSC) ou de outros órgãos, incluindo deliberações que aprovam regulamentos internos, os gerentes e administradores de sociedades comerciais, mormente de SpQ e SA, estão sujeitos a um dever típico e principal de administrar e representar a sociedade (cfr. os arts. 192.º, n.º 1, 252.º, n.º 1, 405.º e 431.º do CSC) e, quanto à competência para o exercício do cargo, ao modo como este é exercido e às inerentes opções de gestão, a deveres «fiduciários» gerais de cuidado (ou administração diligente) e de lealdade (art. 64.º do CSC)[iii] , [iv] . O padrão de diligência a ter em conta é o de um «gestor criterioso e ordenado» (art. 64.º, n.º 1, al. a), do CSC), isto é, um padrão de diligência profissional, mais exigente que o critério geral da lei civil[v].

2. Violação dos deveres causadora de danos à sociedade: consequências

Via de regra, ocorrendo uma violação culposa dos deveres funcionais dos administradores, geradora de danos para a sociedade, estes são, por um lado, civilmente responsáveis (art. 72.º, n.ºs 1 e 2, do CSC), devendo indemnizar a sociedade pelo prejuízo causado (arts. 562.º e ss. do CC)[vi], por outro lado, sendo grave a infração, ficam sujeitos a destituição por justa causa, isto é, sem direito a indemnização pelos eventuais prejuízos sofridos com esta (cfr., designadamente, os arts. 257.º, n.ºs 3 a 7, e 403.º, nºs 3 a 5, do CSC)[vii]. A violação, mormente de deveres específicos, pode ainda acarretar outras consequências, estatutárias ou legais, incluindo de índole penal e contraordenacional.

No que respeita ao dever geral de cuidado – ou dever de administração diligente –, importa ter presente a tradicional coordenada de fundo, segundo a qual o mérito económico das opções tomadas (a oportunidade e conveniência das mesmas) não é, em si mesmo, judicialmente sindicável, ficando no âmbito da discricionariedade empresarial dos administradores[viii]. Todavia, sendo estes gestores de interesses alheios (ou também alheios), isso não impede a sua sujeição a destituição, com e sem justa causa (cfr. infra, 4.2), primacialmente pelos «donos do negócio», designadamente atendendo à competência revelada e ao modo como a gestão é conduzida, e, mesmo atuando de forma isenta («livres de qualquer interesse pessoal») e informada, podem incorrer em responsabilidade civil perante a sociedade se a sua atuação lhe causa danos e não satisfaz os «critérios de racionalidade empresarial» [ix] aplicáveis (art. 72.º, n.º 2, do CSC), tendo sempre presente o padrão de conduta do gestor criterioso e ordenado[x].

3. Responsabilidade dos administradores

O presente estudo centra-se na questão da prescrição dos direitos de ação da sociedade, mormente dos direitos indemnizatórios (infra, 5); e toma como referência a situação mais comum, em que existe uma pluralidade de gerentes ou administradores. Antes disso, cabe, no entanto, fazer uma breve referência a alguns aspetos gerais da responsabilidade destes, regulada nos arts. 72.º e seguintes do CSC (a seguir), e às competentes ações judiciais (infra, n.º 4).

3.1 Responsabilidade obrigacional

Comummente, entende-se que a responsabilidade em apreço – fundada na violação dos referidos deveres de administração – é de índole obrigacional (ou contratual), não delitual[xi]. Todavia, o facto gerador também é suscetível de constituir um delito, mormente um delito penal (pense-se, por ex., na apropriação ou desvio de bens sociais)[xii]; o que, inter alia, pode ter impacto, quanto aos responsáveis penais, no prazo prescricional dos direitos indemnizatórios da sociedade (cfr. o art. 174.º, n.º 5, do CSC e infra, n.º 5).

Como acontece com a responsabilidade obrigacional em geral (cfr. o art. 799.º do CC), segundo o disposto no art. 72.º, n.º 1, do CSC, o incumprimento dos deveres em apreço presume-se culposo(art. 72.º, n.º 1, do CSC)[xiii]. Segundo certa orientação doutrinal, a presunção estende-se à ilicitude[xiv]. [xv]

3.2 Pluralidade de administradores responsáveis

Havendo uma pluralidade de administradores, perante uma dada conduta danosa para a sociedade, mesmo se o autor é apenas por um deles, importa, antes de mais, saber quem são os responsáveis. Se a conduta danosa é conjunta ou colegial, em regra os participantes serão corresponsáveis. E os danos tanto podem ser causados por ação como por omissão de comportamento devido; ou por ação de uns e omissão de outros. Todavia, em geral, entende-se que um administrador não é responsável pelo simples facto der ser administrador, mas por facto e culpa próprios (não de outrem); e que, havendo administradores executivos e não executivos, estes últimos apenas responderão com os primeiros, por conduta deles (ação ou omissão), se de algum modo contribuíram para a mesma, por ex., participando em deliberação do conselho de administração que autorizou a prática ilícita, não se opondo, podendo, a tal prática, ou incumprindo o seu dever geral de vigilância e intervenção[xvi].

O art. 72.º do CSC contém, a este respeito, as seguintes regras: «3 - Não são (…) responsáveis pelos danos resultantes de uma deliberação colegial os gerentes ou administradores que nela não tenham participado ou hajam votado vencidos, podendo neste caso fazer lavrar no prazo de cinco dias a sua declaração de voto, quer no respetivo livro de atas, quer em escrito dirigido ao órgão de fiscalização, se o houver, quer perante notário ou conservador. 4 - O gerente ou administrador que não tenha exercido o direito de oposição conferido por lei, quando estava em condições de o exercer, responde solidariamente pelos atos a que poderia ter-se oposto. 5 - A responsabilidade dos gerentes ou administradores para com a sociedade não tem lugar quando o acto ou omissão assente em deliberação dos sócios, ainda que anulável. 6 - Nas sociedades que tenham órgão de fiscalização, o parecer favorável ou o consentimento deste não exoneram de responsabilidade os membros da administração.» [xvii]

Na Itália, o art. 2392 do Codice civile dispõe:

«Gli amministratori devono adempiere i doveri ad essi imposti dalla legge e dallo statuto con la diligenza richiesta dalla natura dell'incarico e dalle loro specifiche competenze. Essi sono solidalmente responsabili verso la società dei danni derivanti dall'inosservanza di tali doveri, a meno che si tratti di attribuzioni proprie del comitato esecutivo o di funzioni in concreto attribuite ad uno o più amministratori.

In ogni caso gli amministratori, fermo quanto disposto dal comma terzo dell'articolo 2381 [relativo à delegação de poderes], sono solidalmente responsabili se, essendo a conoscenza di fatti pregiudizievoli, non hanno fatto quanto potevano per impedirne il compimento o eliminarne o attenuarne le conseguenze dannose.

La responsabilità per gli atti o le omissioni degli amministratori non si estende a quello tra essi che, essendo immune da colpa, abbia fatto annotare senza ritardo il suo dissenso nel libro delle adunanze e delle deliberazioni del consiglio, dandone immediata notizia per iscritto al presidente del collegio sindacale.» [xviii]

3.2.1 Responsabilidade solidária perante a sociedade

Existindo uma pluralidade de responsáveis, no nosso ordenamento jurídico, a sua responsabilidade perante a sociedade é solidária (art. 73.º, n.º 1, do CSC)[xix]. Sendo acionado apenas um, tem ele direito de regresso contra os demais (art. 524.º do CC; cfr. o art. 73.º, n.º 2, do CSC e infra, 3.2.2). A obrigação destes perante ele é conjunta[xx].

A responsabilidade solidária significa que a sociedade pode exigir a totalidade do montante da dívida a um ou mais administradores, ou a todos os responsáveis (art. 519.º do CC)[xxi]. Basta pequeno grau de culpa para um administrador poder ser acionado pela totalidade da dívida[xxii]. Nas relações internas dos responsáveis (quanto ao direito de regresso), as culpas presumem-se iguais (cfr. o art. 73.º, n.º 2, do CSC e infra , 3..2.2).

A solidariedade liga-se, naturalmente, às deliberações colegiais do órgão de administração; mas existe também quando o funcionamento do órgão é conjunto e em todas as demais situações em que há uma pluralidade de responsáveis, ainda que com diferentes papéis em relação à conduta danosa e com diversos graus de culpa[xxiii]. Com estas características, ela implica uma natural vigilância e controlo recíprocos da atividade dos administradores, tendo importantes benefícios para a sociedade, enquanto credora e enquanto organização cujo funcionamento se pretende regular, para os próprios credores sociais e para a eficiência do sistema económico[xxiv].

Todavia, a este efeito positivo também se ligam, como reverso da medalha, efeitos negativos[xxv]: a solidariedade, com as presunções de culpa assinaladas, constitui uma «violência» para os administradores, que, não raro sem escolha recíproca, administram conjuntamente interesses (pelo menos parcialmente) alheios, com ou sem remuneração adequada, de forma permanente e durante períodos de tempo que podem atingir as dezenas de anos, num quadro regulatório e concorrencial complexo, com possível desgaste da relação existente entre eles e possíveis infidelidades[xxvi]. Encarando com rigor os riscos incorridos, para se prevenir contra uma possível responsabilidade, efetivável numa altura em que a memória já não alcança, cada um deveria ter, inclusive, um registo da sua atuação e colecionar meios de prova de suporte; com os (incomportáveis) custos associados. E tais riscos também se repercutem negativamente na capacidade das sociedades em geral para recrutarem profissionais e nas respetivas condições remuneratórias.

Compreende-se, por isso, que a responsabilidade, apesar de obrigacional, prescreva no prazo de 5 anos, em princípio a contar da conduta danosa (cfr. o art. 174.º do CSC e infra, 5).

3.2.2 Responsabilização de um administrador: direito de regresso contra os demais administradores. Possível chamamento à demanda

Sendo a responsabilidade solidária (art. 73.º, n.º 1, do CSC), quando seja acionado pela sociedade apenas um administrador (cfr. o art. 519.º, n.º 1, do CC), ele tem o direito de agir, separadamente, contra cada um dos demais, exigindo-lhe o montante correspondente à sua quota-parte de responsabilidade (direito de regresso) (art. 524.º do CC)[xxvii]. Este direito de regresso «existe na medida das respetivas culpas e das consequências que delas advierem», mas as culpas dos corresponsáveis «presumem-se iguais» (art. 73.º, n.º 2, do CSC) [xxviii] .

Para a efetivação do direito de regresso, o administrador acionado pela sociedade pode chamar à demanda os demais administradores responsáveis, todos ou parte deles (intervenção provocada). Tal decorre do art. 518.º do CC e dos atuais arts. 316.º, n.º 2, e 317.º do CPC[xxix]. Este último preceito é, mesmo, relativo à efetivação do direito de regresso dos condevedores solidários.

Este chamamento à demanda destina-se primacialmente a tornar mais fácil e expedito o direito de regresso do administrador demandado, caso venha a ser condenado, podendo também servir para obter a colaboração dos obrigados de regresso na defesa contra a sociedade[xxx]. Na verdade, a intervenção no processo destes obrigados de regresso permite ao demandado «o reconhecimento e a [sua] condenação na satisfação do direito de regresso que lhe possa vir a assistir, se tiver de realizar a totalidade da prestação» (atual art. 317.º do CPC), ou mais do que a parte que nas relações internas lhe cabe, conseguindo deste modo um título executivo contra eles[xxxi].

Realizado o chamamento (até ao termo dos articulados, segundo o art. 318.º, n.º 1, al.b), do CPC), o juiz decide acerca da sua admissibilidade, após ouvir a parte contrária (art. 318.º, n.º 2, do CPC). Os termos em que o incidente em apreço se processa constam do atual art. 319.º do CPC.

O chamamento tem-se admitido com bastante latitude, abrangendo também os casos de solidariedade imperfeita e de solidariedade imprópria[xxxii].

4. Direitos de ação da sociedade, dos sócios e dos credores sociais

4.1 Ação indemnizatória

A responsabilidade pelos danos causados à sociedade pode ser efetivada: pela própria sociedade, em ação intentada para esse efeito (arts. 75.º e 76.º do CSC); por um ou mais sócios detentores de participação qualificada (art. 77.º) e, em via sub-rogatória, pelos credores sociais (art. 78.º, n.º 2). Em caso de insolvência da sociedade, a ação é proposta pelo administrador da insolvência, tendo ele exclusiva legitimidade para o efeito (art. 82º, n.º 3, al.a), do CIRE)[xxxiii]. [xxxiv]

Atendendo ao seu teor literal, o CSC não atribui legitimidade para a ação social ao órgão de fiscalização, quando detete uma conduta ilícita danosa[xxxv]. Todavia, apercebendo-se da sua existência, cabe-lhe, pelo menos, informar os sócios para que estes possam decidir o que fazer, tal como lhe compete dar a conhecer a existência de eventuais deliberações nulas (art. 57.º do CSC).

4.1.1 Ação proposta pela sociedade

a)A ação de responsabilidade a propor pela sociedade depende de deliberação do respetivo órgão de base, a coletividade dos sócios (arts. 75.º, n.º 1, 246.º, n.º 1, al. d), e 373.º, n.º 2, do CSC), tomada por maioria simples (art. 75.º, n.º 1). Se os administradores cuja responsabilidade se pretende efetivar também forem sócios, encontram- se impedidos de votar na deliberação em causa (arts. 75.º, n.º 3, do CSC[xxxvi]). Daqui pode decorrer, portanto, a aprovação da deliberação por uma minoria de sócios: basta que os administradores responsáveis sejam sócios maioritários.

Via de regra, a deliberação será tomada em assembleia geral (cfr. os arts. 54.º, 247.º, n.º 1, e 373.º, n.º 1), convocadapor qualquer gerente (nas SpQ) – na prática, um gerente estranho à causa, se o houver - ou pelo presidente da mesa (nas SA) (arts. 248.º, n.º 3, e 377.º, n.º 1, do CSC), a requerimento de qualquer sócio (nas SpQ: art. 248.º, n.º 2) ou de sócio ou sócios detentores de participação qualificada, correspondente a pelo menos 5% do capital social (art. 375.º, n.ºs 2 e 3, do CSC) ou a 2% se se tratar de sociedade cotada (art. 23.º-A, n.º 1, do CVM).

Se o requerimento apresentado pelos sócio ou sócios não for atendido, podem eles requerer a convocação judicial da assembleia (arts. 248.º, n.ºs 1 e 2, e 375.º, n.º 6, do CSC; e art. 1057.º do CPC). Com efeito, nas SpQ, mesmo havendo pelo menos um gerente não responsável, não é seguro que ele se disponha a dar seguimento à pretensão dos sócios, e outro tanto sucede nas SA, mesmo nos casos em que o presidente da mesa é formalmente independente. Ainda nas SpQ, se forem visados todos os gerentes, faz sentido, inclusive, um direito de convocação judicial sem passar por eles.

A deliberação pode também ser tomada na assembleia geral convocada para apreciar as contas de exercício (art. 75.º, n.º 1, do CSC; cfr. o art. 376.º). Tal assembleia está legalmente habilitada a deliberar sobre a proposição da ação de responsabilidade – e sobre a destituição dos responsáveis – mesmo que tal assunto não conste da convocatória (art. 75.º, n.º 2, do CSC), mediante proposta de qualquer sócio.

A deliberação constitui uma exigência substantiva, não um simples pressuposto processual da ação[xxxvii]. Ainda assim, se a ação de responsabilidade vier a ser proposta por quem detenha suficientes poderes de representação da sociedade (em regra, a maioria dos gerentes ou administradores – arts. 261.º, n.º 1, e 408.º, n.º 1, do CSC e art. 25.º, n.º 1, do CPC – o que é viável se a ação for proposta contra os demais ou alguns deles), sem ela haver sido tomada, o juiz definirá um prazo dentro do qual a falta poderá ser suprida, suspendendo-se entretanto os termos da causa (art. 29.º, n.º 1, do CPC). Se a falta não for suprida, os administradores demandados são absolvidos da instância (art. 29.º, n.º 2, do CPC)[xxxviii].

b)A deliberação deve ser executada no prazo de 6 meses, a contar do dia em que é tomada; ou seja, a competente ação judicial de responsabilidade deve ser proposta dentro deste prazo (art. 75.º, n.º 1, do CSC). Se tal não ocorrer, independentemente da possível responsabilidade de quem estava obrigado a executá-la, o direito de ação caduca (cfr. o art. 298.º, n.º 2, do CC), isto é, extingue-se[xxxix]. Quer dizer, se a ação vier a ser proposta depois de decorrido este prazo, tudo se passa como se a deliberação não houvesse sido tomada.

Há, no entanto, um ponto que a lei não esclarece: o de saber se, antes do termo do prazo de prescrição do direito de indemnização (cfr. infra , 5.1), a coletividade social ainda pode vir a tomar nova deliberação. Apesar de tal se afigurar, prima facie, contrário ao sentido normal de um prazo de caducidade[xl], tendo em conta também que o não exercício do direito pela sociedade deixa subsistir o direito de ação social das minorias (cfr. infra, 3.1.2) e uma possível ação sub-rogatória dos credores (art. 78.º, n.º 2), há quem admita tal possibilidade[xli].

c)Embora nas SpQ e SA a representação da sociedade caiba, em geral, aos gerentes e aos administradores – quer no que respeita às matérias gerais de gestão, quer quando se trata de dar execução às deliberações dos sócios – (arts. 252.º, n.º 1, e 405.º, n.º 2, do CSC; e art. 25.º, n.º 1, do CPC, quanto à representação em juízo), a coletividade social pode designar, para a ação em apreço, um ou mais representantes especiais (art. 75.º, n.º 1, do CSC), a quem compete, designadamente, contratar o pertinente mandatário ad litem. Se, além da deliberação de proposição da ação de responsabilidade, houver sido tomada também deliberação de destituição dos responsáveis e de eleição de novos gerentes ou administradores, na falta de designação de representantes especiais, cabe a estes dar execução à deliberação, promovendo a proposição da ação.

Em qualquer dos casos, uma vez proposta a ação, o tribunal pode, nos termos do artigo 76.º, a requerimento de um ou mais sócios detentores de pelo menos 5% do capital social, nomear como representante da sociedade, para acompanhar o processo, uma pessoa diferente (representante judicial). O regime aplicável em caso de decaimento total na ação (cfr. o art. 76.º, n.º 3) torna, no entanto, esta opção dos minoritários pouco atrativa.

4.1.2 Ação social proposta pelos sócios

a) Se a sociedade não propuser a competente ação indemnizatória (designadamente, a coletividade dos sócios não deliberou a sua proposição ou, tendo-o feito, a propositura não ocorreu), podem um ou mais sócios detentores de participação qualificada (representativa de pelo menos 5% do capital, nas sociedades em geral, ou de 2% nas SA cotadas) fazê-lo (art. 77.º, n.º 1, do CSC), direta e conjuntamente ou através de representante comum por eles designado para o efeito (art. 77.º, n.º 2). A ação tem caráter social: o direito à indemnização é exercido a favor da sociedade (art. 77.º, n.º 1). Embora do lado ativo intervenham os sócios e a parte passiva seja ocupada pelos gerentes ou administradores responsáveis (ou alegadamente responsáveis), a sociedade é chamada à causa (art. 77.º, n.º 4). [xlii]

A ação pode ser intentada e prosseguir mesmo que, designadamente no âmbito de uma deliberação negativa tomada no seio da coletividade social, tenha sido invocado que, tudo ponderado, incluindo possíveis danos de imagem ou reputacionais dos visados e da sociedade, seria mais conforme ao interesse social a conservação no cargo dos responsáveis e o seu não acionamento. E não é de excluir também um possível exercício abusivo ou infundado do direito de ação. Em parte para atenuar este inconveniente, dispõe-se no artigo n.º 5 do artigo 77.º que, alegando o réu «que o autor propôs a ação» «para prosseguir fundamentalmente interesses diversos dos protegidos por lei, pode requerer que sobre a questão assim suscitada recaia decisão prévia ou que o autor preste caução».

b) Não são claros os pressupostos do direito de ação dos sócios. Com efeito, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, in fine, a ação pode ser por eles proposta «quando a [sociedade] não haja solicitado», ela mesma, a reparação dos danos. Esta formulação da norma é, porém, demasiado vaga, suscitando dúvidas a sua interpretação. Na impossibilidade de desenvolver este tópico, faz-se um breve apontamento sobre ele.

É seguro que, se foi convocada reunião da assembleia geral para deliberar sobre a proposição da ação ou foi apresentada proposta neste sentido na assembleia de aprovação das contas e a deliberação houver sido negativa, isto é, no sentido da não proposição, os sócios poderão exercer o direito em causa. O mesmo sucede se tiver havido uma deliberação de proposição da ação, mas a ação não houver sido intentada no indicado prazo legal de 6 meses. Se estiver iminente o termo do prazo de prescrição do direito de ação, perante a inércia da sociedade, a solução ainda parece dever ser no mesmo sentido.

Mas a situação já se mostra menos clara se tiver sido requerida a convocação da reunião da assembleia para deliberar sobre o assunto e tal convocação não houver sido realizada. No plano dos princípios, como os requerentes poderão requerer a convocação judicial, deverão cumprir esta diligência, para obter o pronunciamento da coletividade social; mas a razoabilidade da solução pode discutir-se.

Na doutrina, há que entenda que, em princípio, os sócios (detentores de minoria qualificada de 5 ou 2%) que pretendam a propositura da ação devem (previamente) requerer a convocação de assembleia geral ou a inclusão do assunto na ordem do dia de assembleia já com convocada ou a convocar[xliii].

4.2 Destituição. Ação de destituição

a) Em geral, nas SpQ e SA, os gerentes e administradores são destituíveis ad nutum, mediante deliberação da coletividade social (arts. 257.º, n.º 1, e 403.º, n.º 1, do CSC). Ressalvam-se, porém, as situações em que os estatutos disponham de outro modo e, sobretudo, reconheçam a um ou mais sócios gerentes um direito especial à gerência, em regra só suscetível de ser suprimido ou limitado com o consentimento do titular (arts. 257.º, n.º 3, e 24.º, n.º 5, do CSC).

Ocorrendo justa causa (arts. 257º, n.º 6, e 403.º, n.º 4), a destituição, por um lado, pode efetivar-se sem pagamento de indemnização (cfr. os arts. 257.º, n.º 7, e 403.º, n.º 5); por outro lado, pelo menos nas SpQ, pode dar-se mediante maioria simples, ainda que o pacto social exija maioria qualificada (art. 257.º, n.º 2); e os visados, sendo também sócios, estão impedidos de votar (arts. 251.º, n.º 1, al. f), e 384.º, n.º 6, al. c), do CSC).

Ainda ocorrendo justa causa, nas SpQ, a sociedade pode deliberar a proposição de ação tendente à destituição do gerente titular de direito especial (art. 257.º, n.º 3). E, quer exista este direito especial quer não, nas mesmas sociedades pode qualquer sócio intentar procedentemente uma ação de destituição, sendo a ação proposta contra a sociedade (art. 257.º, n.º 4), ou a sociedade e o gerente visado. Nas SA, um correspondente direito de ação cabe (subsidiariamente) a um ou mais acionistas detentores de participação qualificada (representativa de pelo menos 10% do capital social) (art. 403.º, n.º 3).

b)Os gerentes e administradores podem também ser destituídos na assembleia anual de aprovação das contas de exercício, se os mesmos forem considerados responsáveis por violação danosa dos seus deveres de gestão, mesmo que o assunto não conste da convocatória (art. 75.º, n.º 2); embora o não pagamento de indemnização requeira uma violação grave (supra, n.º 2).

5. Prescrição dos direitos

Em geral, apontam-se como razões da prescrição a segurança jurídica, a paz social e a própria justiça, embora sobressaiam razões de conveniência e oportunidade. Mais especificamente, referem-se: i) a proteção das expectativas do devedor que, face a inércia do credor, pode confiar em que já não será incomodado judicialmente, descurando ou perdendo meios de prova; ii) as dificuldades e pouca fiabilidade da prova testemunhal passado muito tempo a contar dos factos, tornando os pleitos complexos e de decisão delicada; iii) a ideia de que o exercício coativo ao serviço dos direitos pressupõe uma atitude diligente do credor; e iv) a ideia de que ela estimula o exercício diligente dos direitos[xliv].

Na respetiva obra de referência, Manuel de Andrade, por exemplo, para além de observar que estão em causa essencialmente razões de conveniência ou oportunidade, não tanto de justiça, escreveu: «É um ponto discutido, mas segundo a doutrina dominante o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica»[xlv]. Mas indica também outras razões: a certeza e segurança jurídicas, a proteção dos devedores contra as dificuldades de prova, e a conveniência de «exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles»[xlvi].

Sendo as sociedades comercias organizações profissionais tendentes à criação de riqueza, em última análise em benefício dos sócios, justifica-se uma especial diligência das mesmas no exercício dos direitos, designadamente nos direitos indemnizatórios em apreço[xlvii]; neste caso, uma diligência reforçada em virtude da aludida responsabilidade solidária dos administradores, com as associadas presunções de culpa (cfr. supra, 3). Daí a prescrição quinquenal do art. 174.º, com uma regra de contagem do prazo, quanto aos direitos indemnizatórios, a partir da conduta danosa[xlviii].

Concretamente, este artigo 174.º do CSC do CSC contém normas especiais de prescrição relativas a diversas situações jurídico-societárias. Nestas inclui-se o direito à indemnização da sociedade contra os seus gerentes e administradores; mas não o direito de destituição por justa causa, frequentemente fundado nos mesmos factos que justificam a indemnização. Vamos considerar separadamente as duas situações (5.1 e 5.2), aludindo também à ação social de responsabilidade proposta pelos sócios, a título individual, e à ação sub-rogatória dos credores (5.3).

5.1 Prescrição do direito à indemnização da sociedade

a) O artigo 174.º estabelece no n.º 1 um prazo de 5 anos para o direito
à indemnização da sociedade. O prazo começa a contar: i) do «termo da conduta dolosa ou culposa» dos gerentes e administradores, violadora dos seus deveres (supra, 1), e de pelo menos uma parcial produção de danos causada por essa conduta (ação ou omissão ilícita danosa); ou ii) se tal conduta danosa houver sido ocultada, do momento em que ela seja revelada (n.º 1, al. b)). Há, portanto, um dies a quo objetivo – a data do ato ou termo da conduta dos responsáveis causadora de pelo menos algum dano à sociedade, ainda que este continue a produzir-se ou venha a agravar-se subsequentemente –, salvo se os responsáveis houverem escondido tal conduta e a correspondente responsabilidade, caso em que o dies a quo coincide com a data em que tal conduta venha a ser conhecida (v. g., porque houve um inquérito ou uma auditoria à sociedade, porque ocorreu uma mudança de administradores, no termo do prazo do respetivo mandato ou subsequente a uma mudança de domínio da sociedade, porque a sociedade foi declarada insolvente, etc., e a conduta dos anteriores foi escrutinada).

Este segundo início do prazo suscita, pelo menos três questões: i) a de saber quando há uma ocultação da conduta danosa (é necessário que os responsáveis tenham tomado medidas para tal acontecer? De que género? Basta, designadamente, uma omissão indevida no relato da gestão e prestação de contas anuais, que é suposto retratar fielmente a situação patrimonial e reditícia de sociedade?); ii) a de saber se, apesar do texto da lei, basta a ocultação do caráter danoso da conduta, em si mesma conhecida; e iii) a de saber quando há uma revelação da mesma: é necessário que ela fique a ser conhecida pelos sócios e/ou pelos credores sociais e/ou pelos membros do órgão de fiscalização ou ROC? Ou que venha a ser revelada erga omnes ? [xlix]

b) Nas normas gerais do Código Civil, no âmbito das causas bilaterais de suspensão da prescrição, encontramos, ainda, a seguinte norma de suspensão inicial do prazo: «A prescrição não começa nem corre: (…) d) Entre as pessoas coletivas e os respetivos administradores, relativamente à responsabilidade destes pelo exercício dos seus cargos, enquanto neles se mantiverem». Daí a questão: é esta norma aplicável às sociedades de direito comercial, tendo de ser conjugada com a norma do art. 174.º do CSC?

aa) Antes do CSC, afirmaram tal aplicação Raul Ventura e Brito Correia[l]. No domínio deste Código, pronunciaram-se no mesmo sentido, por um lado, Coutinho de Abreu e, de forma genérica, Carolina Cunha[li], por outro lado, o STJ, em acórdão de 2013[lii]. Contra tal aplicação, considerando a suspensão em apreço incompatível com as regras fixadas neste art. 174.º, pronunciaram-se Menezes Cordeiro e Ana Filipa Morais Antunes, sendo a posição do primeiro também referida por Júlio Gomes[liii].

Aqueles autores favoráveis à suspensão não especificam as razões do respetivo entendimento, mas torna-se claro que este se baseia na circunstância de, em geral, o CC se aplicar subsidiariamente às relações jurídico-societárias, como explicitamente se afirma no acórdão do STJ. Neste acórdão, a argumentação é a seguinte: i) no art. 174.º do CSC, que contém na matéria da prescrição regras especiais, apenas se prevê o prazoda prescrição – um prazo de 5 anos (diferente dos prazos constantes dos arts. 498.º, n.º 1, e 309.º do CC) – e «o momento (a verificação de determinados factos) a partir do qual tal prazo se conta», nada se dispondo acerca da suspensão; logo, «parece irrefutável que deve ser aplicado o regime geral do 318.º do CC», a título subsidiário, como aliás resulta do art. 3.º do CCom; ii) na verdade, do facto de a lei das sociedades comerciais nada dizer sobre a suspensão não pode concluir-se que esta é apagada; devendo, pelo contrário, aplicar-se o regime civil geral, a título subsidiário, como também acontece, por ex., a aspetos do contrato de compra e venda não regulados na lei comercial; iii) noutros termos, o disposto no art. 174.º do CSC não colide com as normas da suspensão contantes do CC, em especial com a da al. d) do art. 318.º, porque é omisso acerca desta suspensão; sendo a situação semelhante à do art. 498.º do CC, relativo à responsabilidade extracontratual, que também fixa um prazo de prescrição e o momento a partir do qual ele se inicia, sem excluir a aplicação das regras da suspensão; iv)mais, como se argumentou no acórdão recorrido, este normativo da lei civil é especificamente aplicável às relações entre as pessoas coletivas e os respetivos administradores; ora, as sociedades comerciais são pessoas coletivas, carecendo de fundamento a alegação de que elas não estão compreendidas no conceito de pessoas coletivas adotado no preceito; v)como igualmente se aduziu no acórdão recorrido, a aplicação da regra de suspensão em apreço constitui também uma solução razoável, «pois sendo os administradores os representantes das pessoas coletivas, in casu das sociedades comerciais, não se compreenderia que o decurso do prazo de prescrição de um direito de indemnização da pessoa coletiva sobre os administradores, conexo com o exercício do cargo, começasse e continuasse a correr normalmente sem qualquer interferência decorrente do exercício desses cargos»; vi) e, pode acrescentar-se, esta é também a orientação da doutrina (Raul Ventura, a respeito de norma semelhante, e Carolina Cunha)[liv].

O art. 318.º, al. d), do CC tem como antecedente conhecido o Código Civil italiano de 1942, mais especificamente, o art. 2941, n.º 7)[lv]. A razão de ser da norma está, segundo o entendimento geral, na circunstância de que a permanência dos administradores no cargo «viene di fatto ad ostacolare la possibilità, in capo alla persona giuridica, di acquistare una piena conoscenza del operato e, conseguentemente, di valutare se gli amministratori siano incorsi in violazioni dei loro obblighi rilevanti per l’esercizio dell’azione di responsabilità»; embora também se tenha defendido que a sua ratio deriva do facto de, sem ela, em virtude das regras de representação, haver uma identidade entre os responsáveis, contra quem a ação de responsabilidade é proposta, e quem deve propor tal ação, isto é, no exercício da ação de responsabilidade, os administradores deveriam agir contra si próprios[lvi], argumento também presente no acórdão do STJ.

Na altura em que a norma foi adotada, o Codice não previa uma ação social de responsabilidade dos sócios[lvii], que permite obviar em boa medida a tais obstáculos práticos à efetivação da responsabilidade dos administradores. Esta foi introduzida, com caráter geral, na Reforma do direito das sociedades de capital de 2003 (novo art. 2393-bis); mas, paralelamente, reafirmou-se, para as sociedades anónimas, a regra que já constava daquele n.º 7) do art. 2941 (atual art. 2393 IV)[lviii]. A ação dos sócios requer a titularidade de ações representativas de pelo menos 20% do capital social (ou 2,5%, se a sociedade é cotada). No art. 2949, intitulado «prescrição em matéria de sociedades», estabelece-se um prazo quinquenal para os direitos que derivam de «relações sociais», se a sociedade se encontra inscrita no registo das empresas, bem como para as ações de responsabilidade contra os administradores que cabem aos credores sociais, mas não se define o início de contagem do mesmo[lix], prazo esse agora também constante do atual art. 2393 IV[lx].

Em contrapartida, no direito espanhol, o Código de comércio de 1885 previu no art. 949 uma prescrição de 4 anos para as ações de responsabilidade contra os administradores sociais, a contar da cessação do exercício da administração. Porém, o nosso Código Comercial de 1888, que o teve como fonte inspiradora, a par do CCom italiano de 1882, não acolheu tal solução; e a Lei das Sociedades de Capital espanhola de 2010 também a afastou, entretanto, dispondo no art. 241bis, introduzido em 2014: «La acción de responsabilidade contra los administradores, sea social o individual, prescribirá a los cuatro años a contar desde el día en que hubiera podido ejercitarse»[lxi]. Outros ordenamentos jurídicos próximos do nosso, como o suíço, o alemão e o francês, vão nesta direção[lxii].

bb) Como se observou, contra a aplicação da regra da suspensão inicial da prescrição constante do art. 318.º, al. d), do CC, aduz-se que ela é incompatível com as regras de prescrição fixadas no artigo 174.º, n.º 1, al. b), do CSC[lxiii], que, tendo caráter especial, prevalecem. O argumento carece de ser explicitado, mas é pertinente. Para o demonstrar, começa-se pela apreciação dos argumentos constantes do acórdão do STJ. No fundo, trata-se (i) da supostamente «inequívoca» aplicação subsidiária do CC, já que o CSC não regula a suspensão da prescrição, (ii) da textual aplicação do art. 318.º, al. d), às pessoas coletivas, sendo consensual a personalidade jurídica das sociedades comerciais, (iii) da razoabilidade da solução em virtude de a representação da sociedade caber aos gerentes ou administradores, que, como se notou, também se encontra nalguma doutrina italiana, e (iv) do apoio da doutrina nacional.

Estes dois últimos argumentos não justificam grandes desenvolvimentos. Basta observar, por um lado, que, diferentemente do que transparece do aresto, a doutrina nacional se encontra dividida e não justifica a respetiva posição; por outro lado, que a invocada razoabilidade não colhe, dada a possibilidade de designação de representantes especiais para representar a sociedade na ação (arts. 75.º, n.º 1, e 76.º, n.º 1, do CSC), tendo em conta, ainda, as possibilidades de convocação da assembleia geral, incluindo a judicial (cfr. supra, 4.1.1), e o impedimento de voto dos visados (cfr. o art. 75.º, n.º 3). Restam os dois grandes argumentos restantes.

O primeiro é o de que o art. 174.º não regula a suspensão e, portanto, se aplica o CC, como direito subsidiário. Quanto a ele, importa, antes de mais, assinalar que o regime geral da suspensão e da interrupção da prescrição, constante deste Código, se aplica subsidiariamente. Não há dúvidas quanto a tal aplicação. O problema consiste, mais restritamente, em saber se isto também sucede com a norma específica do art. 318.º, al. d), que estabelece uma suspensão inicialpara as ações de responsabilidade das pessoas coletivas contra os seus administradores; e relaciona-se com o ulterior argumento de que as sociedades comerciais são pessoas coletivas.

Para a aplicação subsidiária do CC, o STJ invocou o art. 3.º do CCom, que estabelece: «Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididas pelo direito civil». Todavia, sendo a prescrição das situações em apreço relativa a uma relação jurídico-societária e como tal objeto de regulação especial no art. 174.º do CSC, importa também atender ao art. 2.º desde Código, que dispõe: «Os casos que a presente lei não preveja são regulados segundo a norma desta lei aplicável aos casos análogos e, na sua falta, segundo as normas do Código Civil sobre o contrato de sociedade no que não seja contrário nem aos princípios gerais da presente lei nem aos princípios informadores do tipo adotado ». [lxiv]

Interessa, ainda, o art. 157.º do CC, que encabece o regime geral das pessoas coletivas. Nele se determina: «As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades , quando a analogia das situações o justifique.» Nos arts. 980.º a 1021.º deste código, que contêm o regime geral das sociedades civis, não há normas sobre a prescrição.

Decorre daqui que, no âmbito do CC, pessoas coletivas são, via de regra, as associações não lucrativas e as fundações. É a elas que se aplica diretamente o regime nele disposto, incluindo a norma do art. 318.º, al. d), dado que também para este o conceito de referência é o daquele art. 157.º (embora ele só se refira literalmente aos arts. 158.º e ss.)[lxv]. Quanto às sociedades, de direito civil ou comercial, com e sem personalidade jurídica, no que toca às situações jurídico-sociais, importa verificar se tal aplicação se justifica. Não basta afirmar que, se são pessoas coletivas, isso é assim[lxvi]. Vejamos, pois, este ponto.

Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, «a suspensão da prescrição existe apenas nos casos taxativamente indicados em que o legislador considerou que não teria sido possível ou, pelo menos, seria muito difícil, o exercício do direito por causa das particulares relações entre quem deveria sofrer as consequências da prescrição e teria vantagens com a mesma ou por causa da situação subjetiva do titular do direito»[lxvii]. Esta razão de ser, no preceito em causa, encontra-se presente, de forma evidente, nas fundações, dado que nem sequer há membros para fiscalizar a gestão, mas também nas associações, muitas vezes com um universo de associados dispersos e sem ligação entre si, tipicamente distanciados e mesmo alheados da gestão e com fraco interesse e capacidade para uma atitude mais interventiva, em que o órgão de administração (não raro suportado por pequeno grupo) claramente domina, donde decorre com frequência uma deteção de irregularidades só depois da mudança de administração, por obra dos novos administradores, e em que falta uma ação social de responsabilidade dos mesmos associados e um regime especial de prescrição.

Nas sociedades comerciais, a situação é diferente. Além da referida responsabilidade solidária dos administradores com as associadas presumções de culpa (cfr. supra, 3.1 e 3.2), realçam-se os dados seguintes: i) mesmo havendo um órgão de fiscalização, dados os interesses económico-patrimonais envolvidos, os sócios exercem tipicamente um direito de fiscalização difusa da administração, estão apetrechados com um direito à informação adequado, assistido por um direito de inquérito judicial e têm um direito de ação social de responsabilidade (cfr., designadamente, os arts. 214.º e ss., 288.º e ss. e 77.º do CSC e supra, 4.1.2); ii) a administração é obrigada a relatar anualmente a sua gestão e a prestar contas capazes de dar uma imagem fiel do estado da sociedade e da evolução do seu negócio durante o ano social (e, ainda, das perspetivas futuras) (arts. 65.º e ss. do CSC), sob pena de aplicação de coima (art. 528.º, n.º 1) e sujeição a inquérito judicial promovido por qualquer sócio (art. 67.º do CSC); iii) em caso de necessidade, os sócios detentores de pequena participação qualificada podem requerer a convocação judicial de reunião da assembleia geral para deliberar sobre a proposição de ação de responsabilidade e, na reunião anual, podem quaisquer sócios propor que esta ação seja intentada (cfr. supra, 4.1.1), estando os administradores sócios impedidos de votar (art. 75.º, n.º 3, do CSC); iv) nas sociedades portuguesas, mormente por quotas e anónimas, existe tipicamente um sócio ou grupo de sócios detentor do poder de domínio (capital de comando), sendo este dado para a questão em apreço mais importante que a qualidade de administrador; v) existe um princípio de estabilidade das situações jurídico-societárias que aflora designadamente nos arts. 58.º, n.º 1, e 59.º e no art. 174.º do CSC; e, sobretudo, existem regras especiais de prescrição, que incluem a definição de um dia de início da mesma (art. 174.º, n.º 1, al. b),e n.º 2).

Falta, portanto, a analogia capaz de justificar a aplicação adicional do art. 318.º, al. d), do CC. E faltam também razões de fundo para a sua aplicação subsidiária, aumentando na prática, para o dobro (ou mais nos casos de destituição judicial), o prazo jus-societário da prescrição[lxviii]. Na verdade, para além do aludido tópico da responsabilidade solidária com presunção de culpas que obriga a ponderar adequadamente a situação dos administradores, no seu próprio interesse e no interesse das sociedades em geral relativo aos seu recrutamento e remuneração, sendo a razão de ser da suspensão a necessidade ou conveniência de assegurar a efetiva responsabilização dos administradores, que a permanência no cargo impediria ou dificultaria de forma irrazoável, ela praticamente desaparece em face, designadamente, da ação social dos sócios, do regime de convocação das assembleias gerais e de impedimento de voto e das regras de representação da sociedade na ação a intentar contra ela e contra ela intentada.

Ao mesmo resultado se chega, no entanto, encarando a situação sob um outro prisma, mais técnico-jurídico. Com efeito, se bem se notar, em rigor e em termos substanciais, a suspensão inicial prevista neste art. 318.º, al. d), do CC ainda respeita à fixação do início do prazo da prescrição[lxix]. Se aplicado, ele sobrepõe-se, portanto, parcialmente à regra do art. 174.º do CSC.

Mais ainda. Conjugada com as regras de relato da gestão e de prestação de contas, esta regra jus-societária significa o seguinte: embora, em princípio, o início do prazo se conte da verificação objetiva da conduta danosa (termo da prática do ato ou omissão censurável que se revelam causadores de danos, bastando o início da produção destes, o que revela o espírito restritivo do CSC), se tal conduta não é revelada pelo relato da gestão e a prestação de contas, nem é detetável pela análise destes documentos, tendo ela impacto económico e/ou patrimonial negativo, há o incumprimento de um dever de revelação (e contas inexatas) e, consequentemente, o início do prazo é diferido para quando a sua deteção ou descoberta ocorre, não raro após a mudança de administradores, mas sem que esta tenha de se verificar.

Diferentemente, conjugando o art. 174.º, n.º 1, al. b), do CSC com o art. 318.º, ad. d), do CC, teremos: em regra, a prescrição só começa a correr após a cessação de funções dos administradores responsáveis; e, se houve ocultação da conduta danosa, vindo ela a ser conhecida em momento posterior a tal cessação (por exemplo, após auditoria mandada realizar pela nova administração), será neste momento que o prazo quinquenal começa a correr. Ou seja, na prática, esta suspensão, em princípio não aplicável aos administradores das sociedades civis, se aplicável aos gerentes e administradores das sociedades comerciais, causa o diferimento do dies a quo quando, segundo as normas do art. 174.º do CSC, a conduta danosa ou a sua revelação se deram em momento anterior, inclusive, bastante anterior. Ou seja, o juízo do legislador civil (a lei geral) sobrepõe-se ao do legislador comercial (lei especial).

Além disso, aplicando o art. 318.º, al. d), do CC, em relação a uma conduta danosa imputável a vários administradores, podem verificar-se termos de prescrição distintos: mais curtos em relação a administradores cujas funções hajam cessado antes das de outros. Este dado, só por si, já se afigura contrário ao espírito do CSC, que estabelece um prazo válido para todos. Mas tal contrariedade ainda se acentua se tivermos presente que a responsabilidade é solidária e que, portanto, um administrador que venha a responder, perante a sociedade, por mais do que lhe compete na relação interna com os demais administradores, tem direito de regresso contra eles (cfr. supra, 3.2.2). Ora, uma tal prescrição diferenciada, fundada na lei civil, pode prejudicar este direito, atribuído pelo direito societário, em relação aos administradores cuja responsabilidade, por terem cessado as funções mais cedo, prescreveu[lxx].

Acrescem as observações que se seguem. Em primeiro lugar, a regra do art. 174.º, n.º 1, al. b), relativa aos «direitos da sociedade» também se aplica à ação social de responsabilidade dos sócios e à ação sub-rogatória dos credores sociais. Ora, estas situações caem fora da previsão do art. 318.º, al. d), do CC, relativo às relações entre «as pessoas coletivas e os respetivos administradores»; sem que se justifique um tratamento diverso das mesmas e da ação proposta pela sociedade. É certo que se pode argumentar que esta ação dos sócios e dos credores ainda se destina a fazer valer direitos da sociedade, estando portanto em causa uma relação entre esta (pessoa coletiva) e os seus administradores. Mas também é seguro que, atendendo à sua redação e se compreende pela sua inserção sistemática, o legislador apenas pensou no exercício dos direitos pela sociedade. Se tivesse tido presente a situação das sociedades comerciais, em relação às quais aquelas ações são possíveis, possivelmente teria concluído que ele era desnecessário.

Em segundo lugar, como já se observou, com a aplicação conjugada dos preceitos, o tempo da prescrição pode, na prática (abstraindo da subtileza de num caso se tratar de prazo de prescrição e no outro de suspensão da respetiva contagem), ir para o dobro, isto é, 10 anos, ou mais se a cessão de funções depender de destituição judicial (cfr. supra , 4.2)[lxxi]. O que se afigura claramente irrazoável e contrário ao espírito do art. 174.º, n.º 1, al. b), do CSC. Na verdade, em face deste, quando muito, justificar-se-ia um (adicional) prazo de suspensão inicial de 6 meses, um ano no máximo, a contar da cessação de funções dos responsáveis (e respetiva substituição), para assegurar a pretendida viabilização prática da responsabilidade, incluindo, sendo caso disso, a realização de investigações e auditorias porventura necessárias. Além disso, contra a alegada segurança jurídica, basta pensar: que a cessão de funções pode ocorrer em momentos diferentes quanto aos administradores a quem é imputada certa conduta danosa; que, estando em causa administradores de facto, no todo ou em parte, tal segurança não se alcança; e que os administradores podem cessar funções e voltar a ser reeleitos para o cargo, inclusive a breve trecho.

Em terceiro lugar, havendo uma paralela ação social de responsabilidade dos sócios, admitida com grande latitude (muito maior, por ex., que no direito italiano para as sociedades em geral, e que nos direitos anglo-saxónicos), e uma possível ação sub-rogatória dos credores, dadas as referidas regras de convocação das assembleias de sócios e de representação da sociedade na ação de responsabilidade, bem como o impedimento de voto dos responsáveis, a viabilidade prática da responsabilização dos administradores, subjacente ao art. 318.º, al. d), do CC, encontra-se razoavelmente assegurada, tornando a aplicação deste preceito desnecessária e portanto injustificada.

Em quarto lugar, a lição do direito comparado é contrária à aplicação do preceito. Apenas há algum apoio no direito italiano. A tendência é, mesmo, para a fixação de um prazo máximo objetivo (absoluto), que, no caso nacional, pode ser ultrapassado na própria aplicação do art. 174.º do CSC.

Em quinto lugar, não há notícia de que, nos trabalhos preparatórios do CC ou na aprovação deste, a aplicação do art. 318.º às sociedades comerciais haja sido ponderada. E, nos trabalhos preparatórios do DL n.º 49 381/1969, cujo art. 19.º, n.º 4, pode ver-se como antecedente do art. 174.º, n.º 1, al. b), do CSC, depois de darem alguns esclarecimentos acerca do preceito, os autores limitam-se a afirmar, sem qualquer observação justificativa: «Resta salientar que é aplicável à responsabilidade dos administradores das sociedades anónimas o disposto no artigo 318.º, al. d), do C. Civ., acerca da suspensão da prescrição (…)»[lxxii].

Por fim, cabe referir que, mesmo quando falta no CSC norma escrita a regular a matéria (e não é sequer o que se passa com a prescrição, dada a existência do art. 174.º, a carecer de interpretação dentro do espírito do sistema), a aplicação subsidiária do direito civil a questões jus-societárias mercantis deve ser cuidadosamente ponderada. Na verdade, estando em causa a instituição de um sistema sócio-económico eficiente e virtuoso, capaz de promover a realização e a segurança das transações, a captação de recursos e a diminuição dos custos de funcionamento, etc., diferentemente do que sucede com o direito civil, em primeiro plano está o que interessa à coletividade e às sociedades em geral, não a uma sociedade concreta numa específica situação conflitual. O espírito e os fins regulatórios do CSC não são os mesmos da lei civil[lxxiii].

Este dado deve também ser ponderado, na questão em apreço. Com efeito, o recrutamento de administradores com capacidade e idoneidade para o exercício do cargo, a custos razoáveis, é de interesse geral e do interesse da generalidade das sociedades. Ora, tempos de prescrição como os que se obtêm através da conjugação da regra do CSC e do CC - tendo em conta, designadamente, a presunção de culpa dos administradores (porventura no sentido alargado que lhe dão autores como Menezes Cordeiro), a falibilidade da prova testemunhal no termo desses tempos longos, que, tornando especialmente onerosa a tarefa dos tribunais, também pode jogar contra os alegados responsáveis, e o risco de uma análise retroativa da gestão por nova administração/grupo de controlo, inerente à aplicação da norma civil - têm um natural impacto negativo.

Resumindo o que antecede, contra a aplicação da norma do art. 318.º, al. d), do Código Civil, militam, designadamente, as razões que se seguem.

Primeira, atinente ao interesse da sociedade lesada e à razão de ser da suspensão: i) diferentemente do que sucede com o CC, o CSC contém uma norma especial sobre a prescrição - estabelecendo um prazo de 5 anos [ou seja, um quarto do prazo civil geral, também aplicável à responsabilidade dos administradores das associações e fundações se não se entender que o único prazo existente é afinal o do art. 318.º, al. d) ] e dispondo sobre o início de contagem do mesmo (não deixando que este ponto fosse regulado pela lei civil); ii) ao contrário do CC, o CSC contém um regime desenvolvido de exercício de direitos sociais, bem como regras de representação e impedimento de voto, e admite o exercício dos direitos indemnizatórios em apreço pelos próprios sócios (ação social de responsabilidade) e pelos credores sociais (ação sub-rogatória), se a sociedade não os exercer, o que permite assegurar a efetivação prática da responsabilidade mesmo que os administradores responsáveis se mantenham no cargo; iii) vendo bem, só esta efetivação pela sociedade está em causa e ela tem fundamentalmente a ver com o grupo social de comando que suporta os administradores, quando ele existe, e não (ou não tanto) com a manutenção destes no cargo; sendo certo que não é a uma possível mudança do domínio corporativo que o art. 318.º, al. d), se refere.

Segunda, relativa ao ponto de vista dos administradores responsáveis e ao recrutamento de administradores pelas sociedades em geral: i) a solidariedade dos responsáveis com as associadas presunções de culpa (em face da sociedade e nas relações entre eles) – numa responsabilidade pelo exercício tipicamente prolongado do cargo, gerindo interesses alheios, com ou sem remuneração adequada, muitas vezes em ambiente mutável e pressionante, reclamando decisões e opções simultaneamente rápidas, complexas e de compromisso (situação muito diferente da que ocorre na generalidade das situações de responsabilidade extracontratual e obrigacional mercantil, em que a solidariedade também existe) – reclama, como contramedalha, para ser tolerável, uma especial diligência da sociedade no exercício dos seus direitos, ou seja, um tempo de prescrição pelo menos relativamente curto, como se contempla no art. 174.º do CSC (e em leis estrangeiras), incompatível com o possível prolongamento do mesmo para o dobro ou mais, que resultaria da adicional aplicação do art. 318.º, al. d), do CC; ii) e tal solução também é do interesse das sociedades em geral, quanto ao recrutamento de administradores (disponibilidade destes e condições contratuais).

Terceira, mais técnico-jurídica: em termos substanciais, o este art. 318.º, al. d), a aplicar-se, definiria, em relação ao art. 174.º, n.º 1, al. b), do CSC, um adicional dies a quo, modificando de forma radical o equilíbrio de interesses neste presente; e fá-lo-ia sem se obter qualquer resultado benéfico assinalável; sendo, pelo contrário, inconveniente a sua aplicação. Note-se, aliás, que segundo este preceito societário, se for imputável aos administradores uma ocultação da conduta danosa, eles são «sancionados» com um início do prazo no momento da sua revelação. Esta norma – que não se encontra na regra geral do art. 306.º, n.º 1, do CC – realça a aludida desnecessidade do art. 318.º, al. d); e é seguramente mais conforme ao espírito do CSC e às normas de delimitação do seu campo de aplicação (art. 2.º do mesmo e, segundo o Supremo, também o art. 3.º do CCom) suprir com ela as insuficiências do critério do momento da ocorrência da conduta danosa do que aplicar a suspensão inicial em discussão.

Quarta, igualmente técnico-jurídica: o CC distingue, quanto ao regime nele aplicável, sobretudo na norma de referência do art. 157.º mas não só (cfr. o art. 2033.º), entre as pessoas coletivas nele reguladas (associações e fundações) e as sociedades, estabelecendo como coordenada geral, na linha das normas que regulam a aplicação do CCom (art. 3.º) e do CSC (art. 2.º), a de que, na falta de indicação específica sobre o assunto, o regime das pessoas coletivas apenas deve aplicar-se às sociedades quando tal se revelar justificado. Não há motivo visível para não se aplicar esta diretriz ao art. 318.º, al. d), do CC. Pelo contrário: ela deve aplicar-se e, pelo que se disse anteriormente, o resultado é negativo, ou seja, de que não se justifica sujeitar ao mesmo os administradores das sociedades comerciais e, reflexamente, as mesmas sociedades em geral. Na verdade, as sociedades, de direito civil e comercial, com e sem personalidade jurídica, são um fenómeno relativamente diferenciado do das pessoas coletivas do CC; e, no caso das sociedades comerciais, são dotadas de um regime jurídico muito mais desenvolvido, formando um sistema tendencialmente completo dentro do campo de aplicação do CSC, incluindo, com o art. 174.º, o da prescrição de situações jus-societárias.

Quinta: o resultado que se obteria com a aplicação do art. 318.º, al. d), do CC, além da parca utilidade para o fim visado, como se viu, e dos inconvenientes assinalados, é também totalmente irrazoável, podendo, inclusive levar a que o tempo de prescrição da responsabilidade dos administradores ultrapasse o já datado prazo prescricional geral de 20 anos. Além disso, a ser verdadeira a necessidade de só admitir a prescrição após a cessação de funções, a solução razoável seria, por um lado, a de atender ao prazo tal como está contido na lei societária, com o respetivo dies a quo, impedindo, adicionalmente, por outro lado, a prescrição de se consumar pelo decurso do mesmo antes de decorrer um prazo razoável sobre tal cessação, a ponderar dentro da lógica do direito societário, que poderia ter a duração de 6 meses, um ano, mas nunca seria de 5 anos[lxxiv].

c) Sem prejuízo das regras gerais da interrupção da prescrição (cfr. os arts. 323.º e ss. do CC), para evitar que os direitos de indemnização prescrevam torna-se necessário propor a ação de responsabilidade dentro do prazo. Não basta deliberar a proposição da ação, tanto mais que a deliberação pode não vir a ser executada, caducando o direito (cfr. supra, 4.1.1).

d) Como também acontece em leis estrangeiras[lxxv], decorre do art. 174.º, n.º 5, que, se a conduta danosa dos administradores constituir crime, sendo o respetivo prazo prescricional mais longo, será ele o aplicável. No direito francês, que prevê um prazo regra de 3 anos, fixa-se este prazo em 10 anos (art. L 225-254 do CCom).

5.2 Prescrição do direito à destituição

Em regra, os gerentes e administradores são destituíveis, a todo o tempo, por deliberação maioritária simples e discricionária da coletividade social (arts. 257.º, n.º 1, e 403.º, n.º 1, do CSC); logo, haja ou não justa causa para tal. Se, adicionalmente, a destituição se fundar em justa causa, ela é sem custos para a sociedade (cfr. os arts. 257.º, n.º 7, e 403.º, n.º 5).

Há, no entanto, casos em que a destituição depende de decisão judicial, salientando-se aqueles em que os gerentes têm um direito especial à gerência (cfr.supra, 4.2). Nestes casos e, em geral, quando a sociedade pretender a destituição sem pagar indemnização aos visados, coloca-se a questão de saber se o exercício do direito de destituir está sujeito a algum prazo, de prescrição ou caducidade.

No acórdão do STJ de 16.06.2020[lxxvi], entendeu-se aplicável à destituição judicial, facultativa ou imperativa, promovida pela sociedade ou por sócios, o prazo de prescrição do art. 174.º, por extensão teleológica do n.º 1, al. b); quer a destituição se baseie em factos que também são fonte de responsabilidade civil, quer em factos não danosos e/ou não culposos, em que pode contar-se, por exemplo, uma sobrevinda incapacidade para o exercício do cargo. É certo que no n.º 6 do art. 254.º há um prazo de prescrição distinto, para o exercício do direito à indemnização e do direito a destituir os gerentes fundado na violação do seu dever de não concorrência – 5 anos a contar do início da atividade concorrente ou, se terminar antes, 90 dias a contar do conhecimento da atividade por todos os sócios -, mas, na opinião do Supremo, embora o dever violado seja uma manifestação do dever de lealdade dos gerentes, este é um prazo especial apenas aplicável a esta situação, em que via de regra a destituição se dá mediante deliberação social. E, nos casos em que ao fundamento da destituição não corresponda um dever de indemnizar, também não se justifica aplica o prazo prescricional geral de 20 anos (previsto no art. 309.º do CC), devendo prevalecer a norma do art. 174.º, n.º 1, al. b), enquanto norma especial. O mesmo valerá para a destituição de administradores, a que se aplica também este prazo especial (art. 398.º, n.º 5, do CSC).

Na verdade, a favor desta aplicação da prescrição quinquenal societária, mesmo na ausência do dever de indemnizar, importa notar: i) que «a destituição judicial visa cessar a relação orgânica de administração, invocando-se “situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este”»; ii) que «a matéria merece uma resposta uniformemente mais célere e norteada pela “preocupação de segurança jurídica”, uma vez assumido o natural alarme intrassocietário que o comportamento ou a própria pessoa do gestor traz para o funcionamento do órgão de administração e representação »; iii) e que «a destituição como facto extintivo prescinde do concurso da vontade do administrador , seja em que modalidade for e, se for o caso, seja qual for a “justa causa” , cabendo sempre ao interessado unilateral (sociedade ou sócios, como tais, neste caso através de tribunal) ser diligente temporalmente para fazer valer esse interesse de extinção, não fisiológica e intrinsecamente hostil ao visado».

5.3 Prescrição do direito de ação das minorias e credores

Dispõe-se no art. 174.º, n.º 2, do CSC: «Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82.º e 83.º». Estas situações são diferentes daquela em que os sócios exercem a aludida ação social de responsabilidade a favor da sociedade (art. 77.º) e da ação sub-rogatória dos credores sociais (art. 78.º, n.º 2). Mas o acolhimento nelas de regra de prescrição análoga à dos direitos indemnizatórios da sociedade confirma que a mesma regra vale para estes direitos, não apenas quando a sua efetivação judicial seja levada a cabo pela sociedade, mas também quando o seja pelos sócios ut singuli ou pelos credores por via sub-rogatória[lxxvii].



[i] Texto provisório, destinado, na sua versão definitiva, aos Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Pedro Romano Martinez promovidos pela RDES. Agradece-se ao Prof. Rui Pinto Duarte os comentários feitos à versão inicial.

[ii] Cfr., por ex., o elenco exemplificativo fornecido Ricardo Costa / Gabriela Figueiredo Dias, na anotação ao art. 64.º, in CSC em Comentário , coord. de Coutinho de Abreu, vol. I, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pp. 768 e ss., e Rui Pinto Duarte, «Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais», Católica Law Review , Vol. II/ n.º 2 (2018), pp. 73-98, 77 e s. O texto foca-se na responsabilidade dos gerentes das SpQ e dos administradores das SA (de estrutura monista). Por razões de simplicidade do discurso, por vezes fala-se apenas em administradores para compreender ambas as situações.

[iii] Cfr., por ex., Ricardo Costa, «Deveres gerais dos administradores e “gestor criterioso e ordenado”», Estudos Dispersos, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 251-283 (texto de 2011), Ricardo Costa / Gabriela Figueiredo Dias, anotação ao art. 64.º, in CSC em Comentário , I, cit., pp. 766 e ss., 772 e ss., 787 e ss., Rui Pinto Duarte, «Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais», cit., pp. 74 e ss., 79 e ss., e, mais desenvolvidamente, Pedro Caetano Nunes, Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas , Almedina, Coimbra, 2018, pp. 441 e ss. (e, para um quadro juscomparatístico, 247 e ss., 312 e ss., 431 e ss.), com realce para as pp. 469 e ss., relativa ao dever geral de gestão (enquanto dever primário de prestação de um serviço). Vejam-se também Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2010, pp. 9 e ss., Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, I – Parte Geral, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, pp. 763 e ss., 796 e ss., 893 e ss., 904 e ss. Na Espanha, cfr., por ex., Javier Juste Mencía, anotação ao art. 225 da LSC, in Comentario de la Ley de Sociedades de Capital , tomo III, dir. de García-Cruces / Sancho Gargallo, tirant lo blanch, Valência, 2021, pp. 3093 e ss., e, sobre o dever de lealdade, Enrique García García, anotação aos arts. 227 a 232, ibidem , pp. 3117 e ss. Na França, cfr., por ex., Philippe Merle, Droit commercial. Sociétés commerciales, Dalloz, Paris, 17.ª ed., 2014, pp. 458 e s. (n.º 437). Na administração diligente (designadamente em termos de disponibilidade, competência e conhecimento para o exercício do cargo, segundo o padrão do gestor criterioso e ordenado, colocado na posição do administrador), compreende-se não apenas o dever de gestão stricto sensu, dos administradores com funções executivas, mas também o dever geral de vigilância (e intervenção) dos não executivos, e, a par da gestão do património, empresa ou negócio, há que ter em conta a organização e o funcionamento internos da sociedade, a promoção do exercício das competências da coletividade social e a execução das deliberações desta, nas sociedades cotadas a atenção ao mercado bolsista, etc.

No âmbito das relações de grupo, cfr. o art. 504.º do CSC e Ana Perestrelo de Oliveira, A Responsabilidade Civil dos Administradores nas Sociedades em Relação de Grupo , Almedina, Coimbra, 2007, pp. 80 e ss., 106 e ss., 162 e ss., e anotação ao art. 504.º, in CSC Anotado, coord. de Menezes Cordeiro, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, pp. 1664 e ss.

[iv] Constituem manifestações deste último, designadamente, a proibição do exercício de atividade concorrente com a da sociedade (arts. 254.º e 398.º, n.ºs 3 a 5, do CSC) e de aproveitamento de oportunidades de negócio desta. Cfr., por ex., Ricardo Costa / Gabriela Figueiredo Dias, anotação ao art. 64.º, in CSC em Comentário , I, cit., pp. 789 e ss., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit, pp. 25 e ss., Alexandre Soveral Martins, anotação aos arts. 254.º e 398.º, in CSC em Comentário, coord. de Coutinho de Abreu, vol. IV e vol. VI, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017 e 2019, pp. 102 e ss. e 360 e ss., respetivamente, e Rui Pinto Duarte, «Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais», cit., pp. 83 e ss., todos com mais indicações. No direito espanhol, cfr. os arts. 228 e 229 da LSC e as respetivas anotações de Enrique García García, citado na nota anterior, pp. 3133 e ss.

[v] Cfr., por ex., Ricardo Costa / Gabriela Figueiredo Dias, anotação ao art. 64.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 776 e ss., Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, cit., pp. 768 e ss., e 888, e as demais indicações fornecidas por Pedro Caetano Nunes, Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas , pp. 449 e s., 480 e ss. Para efeitos de responsabilidade por atos danosos, cfr., no entanto, o art. 72.º, n.º 2, e, além, de Ricardo Costa / Gabriela Figueiredo Dias, CSC em Comentário, pp. 781 e ss., 795 e s., Coutinho de Abreu / Maria Elisabete Ramos, anotação ao art. 72.º, ibidem, pp. 903 e ss., e infra .

[vi] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., pp. 7 e ss., bem como, na Itália, Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , UTET, Torino, 2010, pp. 227 e ss., em França, Philippe Merle, Droit commercial. Sociétés commerciales, cit., pp. 496 e ss. (n.ºs 458 e ss.). Se a responsabilidade se basear em mera culpa (provada ou presumida), apesar de obrigacional (cfr. infra, 3.1), dada a sua especificidade, mormente quando fundada no incumprimento do dever de gestão stricto sensu, pode discutir-se a eventual atenuação da responsabilidade: cfr., em geral, as indicações fornecidas por Gabriela Páris Fernandes, na anotação ao art. 494.º do CC, in UCP-FD, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral , coord. de Brandão Proença, UCE, Lisboa, 2018, pp. 337 e s. (nota II.2).

[vii] Considerando que a efetivação da responsabilidade é difícil, dispendiosa e de resultados pouco significativos, envolvendo ainda uma publicidade negativa para a empresa social, pelo que a destituição é o grande mecanismo sancionatório, cfr. Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, cit., p. 906.

[viii] Cfr., por ex., Menezes Cordeiro / Barreto Menezes Cordeiro, anotação ao art. 72.º, in CSC Anotado, coord. do primeiro, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, p. 356, e, com indicações mais matizadas, Pedro Caetano Nunes, Responsabilidade Civil dos Administradores perante os Acionistas , Almedina, Coimbra, 2001, pp. 92 e s., Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas , cit., pp. 447 e s., 459 e ss. (e, ainda, 360 e ss., 440), 469 e s., 496 e ss. Na Itália, cfr., por ex., Giuseppe Ferri, Le Società , 3.ª ed., UTET, Turim, 1987, p. 712 (o juiz não deve substituir ex posta sua avaliação à que foi realizada pelos administradores), Gian Franco Campobasso / Mario Campobasso, Diritto Commerciale 2 – Diritto delle Società, 7.ª ed., UTET, 2009, p. 383, e Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , cit., pp. 228 e s. Na Espanha, cfr. o art. 226 da LSC e a respetiva anotação de Javier Juste Mencía, in Comentario de la Ley de Sociedades de Capital , cit., pp. 3015 e ss. (cfr. também a anotação ao art. 225, pp. 3094, in fine, 3096 e ss.).

[ix] No caso do dever de lealdade, deve, designadamente, haver uma ponderação de interesses e, portanto, o critério a atender é o da razoabilidade e não da mera racionalidade empresarial.

[x] Acerca do art. 72.º, n.º 2, do CSC, que, em 2006, acolheu uma dada formulação da business judgement rule de origem norte-americana, cfr., por ex., Pedro Caetano Nunes, Dever de Gestão dos Administradores de Sociedades Anónimas , cit., pp. 461 e ss. (e, para referências comparatísticas, pp. 292 e ss., 398 e ss.), Rui Pinto Duarte, «Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais», cit., pp. 82, 88 e ss., Ricardo Costa, «A business rulena responsabilidade societária: entre a razoabilidade e a racionalidade», Estudos Dispersos , cit., pp. 7-34, e «Deveres gerais dos administradores e “gestor criterioso e ordenado”», Estudos Dispersos, cit., pp. 269 e ss., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 72.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 903 e ss. (está em causa uma exclusão da ilicitude), e, com posição algo crítica (considerando abjruma via específica de exclusão da culpa, rectius, de culpa/ilicitude), Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades , cit., pp. 889 e ss. (cfr., ainda, pp. 770 e ss.), todos com mais indicações. Acerca da eventual relevância do erro de gestão grosseiro, cfr. Menezes Cordeiro / Barreto Menezes Cordeiro, in CSC Anotado, cit., p. 356 (nm. 22). Para a situação na Itália, cfr., por ex., Gian Franco Campobasso / Mario Campobasso, Diritto Commerciale 2 – Diritto delle Società, cit., p. 383 e nota 62, Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , cit., pp. 228 e s., bem como o comentário à Ordinanzan. 28718/2020 da Cassação, constante de https://www.altalex.com/documents/news/2021/01/18/amministratore-societa-giudice-puo-valutare-scelte-imprenditoriali. Em França, acerca das «fautes de gestion», cfr., por ex., Michel Germain/ Véronique Magnier, Les sociétés commerciales, in Ripert / Roblot, Traité de droit comercial, tomo 1, vol. 2, 19.ª ed., LGDJ, Paris, 2009, pp. 546 e s. (n.º 1758), e Philippe Merle, Droit commercial. Sociétés commerciales, cit., pp. 497 e s. Na Espanha, cfr. o art. 226 da LSC e a referência constante da nota anterior.

[xi] Cfr., por ex., Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, cit., pp. 887 e s., Ana Perestrelo de Oliveira, A Responsabilidade Civil dos Administradores nas Sociedades em Relação de Grupo, cit., pp. 141 e ss., e anotação ao art. 504.º, in CSC Anotado , cit., p. 1667 (nm. 21 e 22); e, no direito italiano, a Sentença da Cassação de 11.11.2010, n. 22911, Giuseppe Ferri, Le Società , 3.ª ed., UTET, Turim, 1987, p. 713 (considerando que, se o cargo é exercido gratuitamente, é apreciada com menor rigor), Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , cit., p. 227, e Manuela Bianchi, «L’azione cumulativa del curatore fallimentare ex artt. 2393 e 2394 c. c. è soggetta a regime guiridici differenti», comentário à sentença do Tribunal de Lecce de 9.12.2011, Le Società 11/2012, pp. 1173 e ss., 1177, com mais indicações.

[xii] Cfr., por ex., Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, cit., pp. 892 e s., e, em França, Michel Germain/ Véronique Magnier, Les sociétés commerciales, cit., pp. 544 e s. (n.º 1757).

[xiii] Cfr., também, por ex., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 72.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 900, com mais indicações, e Menezes Cordeiro, citado na nota a seguir. Com uma posição diferenciada, considerando que, no que respeita ao dever de gestão (ou administração) – i. e., o (indeterminado) dever funcional de promover a atividade da sociedade (para além do disposto designadamente na lei e nos estatutos e com respeito pelo que neles se dispõe, de forma geral e específica) e de desenvolver o respetivo negócio (com a inerente discricionariedade empresarial racionalmente limitada) –, porque se trata de uma obrigação de meios, não de resultado, a presunção de culpa – que faz impender sobre o devedor a prova de que a falta de cumprimento ou o caráter defeituoso deste «não procede de culpa sua» (art. 799.º, n.º 1, do CC) – não se mostra viável, por não ser possível separar a ilicitude objetiva e a culpa, a alegação e a prova do comportamento lesivo e do emprego neste da diligência devida, cfr., no entanto, Rui Pinto Duarte, «Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais», cit., pp. 86 e s. (quanto à responsabilidade fundada em «má gestão», a prova de comportamento causador de danos imputável a um administrador requer a alegação e prova de factos que permitam afirmar a culpa do administrador), e já em «Responsabilidade dos Administradores: Coordenação dos regimes do CSC e do CIRE», Escritos Jurídicos Vários 2000-2015 , Almedina, Coimbra, 2015, pp. 731-750, 735; veja-se também a nota 15 e o que se diz no ponto 3.2.1, acerca da especificidade da responsabilidade em causa. Cfr. também Ana Perestrelo de Oliveira, A Responsabilidade Civil dos Administradores nas Sociedades em Relação de Grupo , cit., pp. 146 e ss., com mais indicações. Para a ilustrativa (embora não consensual) situação na Alemanha, cfr., por ex., Uwe Hüffer, Aktiengesetz-Kommentar, 9.ª ed., Beck, Munique, 2010, anotação ao § 93, pp. 501 e s. (nm. 16).

[xiv] Cfr., neste sentido, designadamente, o acórdão do STJ de 17.09.2009 (Fonseca Ramos), proc. n.º 94/07.8TYLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, bem como Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, cit., p. 888 (havendo a violação de deveres específicos, «a ilicitude e a culpa do inadimplemento são, em conjunto e globalmente, imputáveis ao agente faltoso»), e Menezes Cordeiro / Barreto Menezes Cordeiro, anotação ao art. 72.º, in CSC Anotado, cit., p. 354 (nm. 4), com mais indicações. Veja-se, ainda, Menezes Cordeiro, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades comerciais , Lex, Lisboa, 1997, pp. 423 e ss., 485 e ss. Contra, também com mais indicações, cfr., por todos, Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 72.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 900 e s.

[xv] Há também presunção de culpa no direito espanhol (art. 236.1 da LSC), mas, no direito francês, em que se discute a natureza da responsabilidade, há quem entenda que a «faute» tem de ser provada: cfr., por um lado, Michel Germain/ Véronique Magnier, Les sociétés commerciales , cit., pp. 548 (n.º 1760) e 552 (n.º 1764), por outro lado, Philippe Merle, Droit commercial. Sociétés commerciales, cit., pp. 459 e s. Para a Itália, cfr. as Sentenças da Cassação de 22.11.1971, n. 3371, e de 22.10.1998, n. 10488, citadas em https://www.altalex.com/guide/responsabilita-degli-amministratori-verso-la-societa (quanto aos deveres específicos, basta à sociedade provar o incumprimento, sem necessidade de prova da culpa).

[xvi] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., pp. 54 e ss., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação aos arts. 72.º e 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 908 e s., 918 e s., 920 e ss., Alexandre Soveral Martins, anotação ao art. 398.º, in CSC em Comentário, VI, cit., pp. 446 e ss., e Rui Pinto Duarte, «Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais», cit., pp. 92 e s. Na Itália, cfr., por ex., Gian Franco Campobasso / Mario Campobasso, Diritto Commerciale 2 – Diritto delle Società, cit., pp. 384 e s. (distinguindo, em caso de delegação, entre a responsabilidade direta e a responsabilidade por culpa in vigilando), Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , cit., pp. 232 e ss., e Giuseppe Ferri, Le Società, cit., 1987, pp. 712 e s. Na Espanha, cfr. o art. 236 da LSC e a respetiva anotação de Enrique García García, in Comentario de da Ley de Sociedades de Capital , cit., pp. 32261 e ss.

[xvii] Cfr. sobre o tema, por ex., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., pp. 49 e ss., e Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 72.º, in CSC em Comentário, cit., pp. 908 e ss.

[xviii] Um guia geral da responsabilidade em causa, perante a sociedade, pode encontrar-se no endereço eletrónico https://www.altalex.com/guide/responsabilita-degli-amministratori-verso-la-societa.

[xix] Assim sucede também, designadamente, na Itália (art. 2392 I do CC), na Alemanha [cfr. o art. 93 (2) da AktG e o § 43 (2) da GmbHG) e na Espanha (cfr. o art. 237 da LSC e a respetiva anotação de Enrique García García, in Comentario de da Ley de Sociedades de Capital , cit., pp. 3291 e ss.). Todavia, na Suíça, a solidariedade é «diferenciada» [cfr., por ex., Michel Bussard, «La responsabilité des administrateurs et la qualité pour agir au regard de la jurisprudence du Tribunal federal», março de 2022, disponível em https://www.smblaw.ch/2022/03/15/la-responsabilite-des-administrateurs-et-la-qualite-pour-agir-au-regard-de-la-jurisprudence-du-tribunal-federal/ (última consulta em agosto de 2024)]; e, em França, a situação também é mais matizada (cfr., por ex., Michel Germain/ Véronique Magnier, Les sociétés commerciales, cit., pp. 549 e s., n.º 1761), e Philippe Merle, Droit commercial. Sociétés commerciales, cit., pp. 498 e s. (n.º 459).

Esta é também a regra geral na responsabilidade delitual (art. 497.º, n.º 1, do CC), mas não na responsabilidade obrigacional. Quanto a esta, cfr., no entanto, o art. 100.º do CCom.

[xx] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 923, e, em geral, Ana Afonso, anotação ao art. 524.º do CC, in UCP-FD, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral , UCE, Lisboa, 2018, p. 450.

[xxi] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., p. 54, Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 918, 919 e s., e, em geral, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 767, Ana Afonso, anotação ao art. 519.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, cit., pp. 443 e s.

[xxii] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 918 e nota 9.

[xxiii] Cfr., ainda, Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 917. Menezes Cordeiro, Direito das Sociedades, cit., p. 905, liga, no entanto, a solidariedade ao funcionamento colegial do conselho de administração, observando que ela não deve ser absolutizada porque, sendo a responsabilidade baseada na culpa, ela é sempre individualizada, e considerando que um ato individual de um administrador, à margem do CA, apenas o responsabiliza a ele.

[xxiv] Cfr. também Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 919 e nota 14.

[xxv] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 917, 918 e s.

[xxvi] Realça-se sobretudo nas grandes empresas, tendencialmente plurissocietárias e não raro plurilocalizadas, a extraordinária complexidade do exercício do cargo, em ambiente de continuada e mesmo turbulenta pressão concorrencial, que torna muito difícil se não mesmo impossível uma escrupulosa observância dos inúmeros deveres a que estão sujeitos, bem como uma natural desproporção entre o valor dos danos e a sua capacidade financeira e património. Cfr. também Rui Pinto Duarte, «Os Deveres dos Administradores das Sociedades Comerciais», cit., pp. 75 e s. Acerca dos possíveis seguros de responsabilidade, cfr. Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 72.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 910 e ss. (n.º 5), com mais indicações.

[xxvii] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., p. 54, Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 73.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 923, e, em geral, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., pp. 781 e ss., 789 e s., e Ana Afonso, anotação ao art. 524.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, cit., pp. 449 e ss.

[xxviii] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., p. 54, referindo que, se um administrador aproveitou ilicitamente uma oportunidade de negócio da sociedade e outro não se opôs, podendo e devendo fazê-lo, nas relações internas a responsabilidade do primeiro será maior. Cfr. também, em geral, o art. 497.º, n.º 2, do CC e, por ex., Antunes Varela, Das Obrigações em Geral , cit., p. 782, e Ana Afonso, anotação ao art. 524.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, cit., p. 450.

[xxix] Cfr., por ex., Ana Afonso, anotação ao art. 518.º do CC, in UCP/ Comentário ao Código Civil, cit., p. 442 (notas II e III), Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., pp. 768 e s., e, na literatura processual, José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., reimpressão, Almedina, Coimbra, 2021, anotação aos arts. 316.º e ss., pp. 629 e ss., em especial, pp. 631, 633 e s.

[xxx] Cfr., em geral, por ex., Ana Afonso, anotação ao art. 518.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, cit., p. 442 (notas II e III), Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., pp. 768 e s., José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado , cit., p. 631, 633 e s.

[xxxi] Cfr., por ex., Ana Afonso, anotação ao art. 518.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, cit., p. 442 (nota III), Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., pp. 768 e s. Nos termos do art. 320.º do CPC, «A sentença a proferir sobre o mérito da causa constitui contra os chamados a intervir caso julgado.» Este último autor faz notar, ainda, que «os chamados à demanda, mesmo que não acudam ao chamamento, serão condenados, tal como o demandado, se a ação for julgada procedente» (p. 769, nota 1). Cfr. o art. 323.º, n.º 4, do CPC.

[xxxii] Cfr., por ex., Ana Afonso, anotação aos art. 518.º e 524.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, cit., pp. 442 (art. 518.º, nota III), 449 e s. (art. 524.º, nota II, a respeito do direito de regresso entre co-avalistas), com mais indicações (em especial, o Ac.STJ de 9.06.2005, intervenção de seguradora que prestara seguro-caução, e AUJ n.º 7/2012, relativo aos avalistas), Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, cit., p. 769, nota 2, e José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado , cit., pp. 630 e ss. (com amplas indicações).

[xxxiii] Tal significa a desnecessidade da deliberação dos sócios referida adiante: cfr. também Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 75.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 939 (n.º 3). Acerca do exclusivo da legitimidade do administrador da insolvência, cfr., no entanto, Rui Pinto Duarte, «Responsabilidade dos Administradores: Coordenação dos regimes do CSC e do CIRE», cit., pp. 748 e s., considerando ter ele o monopólio da ação quando esteja pendente o incidente de qualificação da insolvência (arts. 185.º e ss. do CIRE), mas dever ser admitida a legitimidade dos credores quando o incidente não haja sido desencadeado ou, tendo-o sido, a insolvência haja sido qualificada como fortuita.

Pode estar aqui em causa quer o exercício sub-rogatório da ação social, quer a ação fundada na ocorrida insuficiência do património social para cobrir o passivo da sociedade, nos termos do art. 78.º, n.º 1, do CSC (cfr., o art. 82.º, n.º 3, als. a) e b) , do CIRE e, na Itália, por ex., a citada sentença da Cassação de 4.12.2015, n. 24715, notando que os pressupostos das pretensões são diferentes e deverão ser observados para cada uma, e Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , cit., pp. 216 e s.). A ação dos credores requer uma análise à parte, pelo que não nos ocupamos dela neste texto.

[xxxiv] Em todos os casos, são competentes os juízos de comércio (art. 128.º, n.º 1, als. b)e c), da LOSJ), apesar de apenas na ação social ut singuli (art. 77.º do CSC) estar em causa o exercício de um direito integrante da participação social (direito social,hoc sensu): cfr., neste sentido, a argumentação pertinente de Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 75.º, in CSC em Comentário, cit., pp. 940 e ss. (n.º 4), e anotação ao art. 77.º, p. 954 (n.º 6), bem como, por ex., o acórdão do STJ de 26.06.2012 (Fonseca Ramos), proc. n.º 9398/10.1TBVNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt ., reafirmando o já determinado no anterior acórdão de 17.09.2009.

[xxxv] Cfr. também Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 75.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 937. Atualmente, a situação é diferente no direito italiano, em que o collegio sindacale pode propor a ação, mediante deliberação tomada por 2/3 dos membros (art. 2393 III do CC). Na Alemanha, o Aufsichtsrat(correspondente ao nosso CGS nas SA de estrutura dualista) tem o poder-dever de o fazer, constituindo o seu não exercício infração funcional potencialmente geradora de responsabilidade civil dos membros: cfr. a sentença do BGH de 18.09.2018 – II ZR 152/17, e as referências disponíveis em https://dejure.org/dienste/vernetzung/rechtsprechung?Gericht=BGH&Datum=18.09.2018&Aktenzeichen=II%20ZR%20152%2F17.

[xxxvi] Segundo o teor literal deste artigo, também não podem votar noutra qualidade, designadamente de possíveis representantes de um ou mais sócios, mesmo com instruções dos representados quanto ao exercício do direito de voto. Vejam-se também os arts. 251.º, n.º 1, al. b), e 384.º, n.º 6, al. b), do mesmo CSC.

[xxxvii] Cfr., por ex., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 75.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 937 (n.º 1), e, na Itália, Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , cit., p. 199.

[xxxviii] Cfr. também Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 75.º, in CSC em Comentário, I, cit., p. 939 (n.º 2).

[xxxix] Cfr. neste sentido, por ex., os acórdãos do STJ de 17.09.2009 e 26.06.2012, relatados por Fonseca Ramos e disponíveis em www.dgsi.pt , e, em Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 75.º, in CSC em Comentário, cit., a nota 10 da p. 938, assim como, sobre a caducidade em geral, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil , II, cit., p. 705. Segundo o art. 298.º, n.º 2, do CC, quando por força da lei um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, em princípio ele é um prazo de caducidade.

[xl] Estão em causa interesses de certeza jurídica, de ordem pública, e, em especial, a proteção dos interesses da parte contra a qual o direito é exercido. Cfr., em geral, por ex., Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, cit., p. 705, e Júlio Gomes, anotação aos art. 298.º e 328.º do CC, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral , 2.ª ed., UCP Editora, Lisboa, 2023, pp. 902, 950 e s..

[xli] Assim, Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., p. 61, e Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 75.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 938 e s. (n.º 2).

[xlii] Acerca da ação em causa, cfr., por ex., Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., pp. 60 e ss., Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 77.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 947 e ss., e Menezes Cordeiro / Barreto Menezes Cordeiro, anotação ao art. 77.º, inCSC Anotado, cit., pp. 361 e ss., todos com mais indicações. Em França, em que a legitimidade se estende a todo o acionista, cfr. o art. L 225-252 do CCom e, por ex., Michel Germain/ Véronique Magnier, Les sociétés commerciales, cit., pp. 552 e s. (n.º 1765), Philippe Merle, Droit commercial. Sociétés commerciales, cit., pp. 501 e ss. (n.ºs 462 e 463). Na Espanha, cfr. o art. 239 da LSC e a respetiva anotação de Enrique García García, in Comentario de da Ley de Sociedades de Capital , cit., pp. 3325 e ss.

[xliii] Cfr., neste sentido, Coutinho de Abreu, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades , cit., pp. 63 e s., e Coutinho de Abreu / Elisabete Ramos, anotação ao art. 77.º, in CSC em Comentário, I, cit., pp. 950 e s., com mais indicações, no mesmo sentido e na direção contrária.

[xliv] Além de Manuel de Andrade, referido a seguir, cfr., por todos, Júlio Gomes, anotação ao art. 298.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, Parte Geral, cit., pp. 900 e s., e Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil , II, cit., pp. 692 e s. (colocando o acento tónico na negligência do titular do direito).

[xlv] Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II, Almedina, Coimbra, 1960, pp. 445 e s. (n.º 206).

[xlvi] P. 446.

[xlvii] Cfr. também Carolina Cunha, em anotação ao art. 174.º, in CSC em Comentário , coord. de Coutinho de Abreu, vol II, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, p. 878.

[xlviii] Como se sabe, o prazo prescricional começa a contar, em geral, no momento em que o direito pode ser exercido (art. 306.º, n.º 1, do CC), salvo havendo causas justificativas do não início da contagem nessa altura, como sucede nas hipóteses do art. 318.º do CC, cuja al. d) é referida adiante. Como assinala Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, cit., p. 699, a regra tem a ver com a própria razão de ser do instituto da prescrição: «se esta se funda na inércia injustificada do credor, quando não exerce atempadamente o seu direito, só a partir do momento em que ele está em condições de o fazer se justifica começar a contar o prazo que, uma vez preenchido, vai determinar a prescrição».

[xlix] Para a situação em França, semelhante à do art. 174.º do CSC, mas sendo o prazo de 3 anos, salvo se o facto danoso for crime, caso em que é de 10 anos, cfr. o art. L 225-254 do CCom e, por ex, Michel Germain, Sociétés commerciales, cit., p. 556 (n.º 1769) e notas 426 e ss., Philippe Merle, Droit commercial. Sociétés commerciales, cit., p. 504 (n.º 464), bem como as indicações constantes de Valuet / Lienhard / Pisoni, Code des Sociétés et des Marchés Financiers , Dalloz, Paris, 2008, pp. 739 e ss. Acerca da importante responsabilidade penal, cfr., Philippe Merle, ibidem,pp. 508 e ss. (nºs 467 e ss.) e, desenvolvidamente, Jean Larguier / Philippe Conte, Droit pénal des affaires, 10.ª ed., Armand Colin (Dalloz), 2001, pp. 330 e ss. (n.ºs 369 e ss.).

[l] Cfr. Raul Ventura / Brito Correia, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades anónimas e dos gerentes de sociedades por quotas , Separata do BMJ (nºs 192-195), Lisboa 1970, p. 423.

[li] Cfr. Coutinho de Abreu, Responsabilidade Civil dos Administradores de Sociedades , cit., p. 59 («Note-se ainda que a prescrição não começa nem corre enquanto o administrador responsável se mantiver no exercício do cargo (art. 318.º. d), do CCiv.)»), e Carolina Cunha, em anotação ao art. 174.º, in CSC em Comentário, II, cit., p. 878 («Em tudo o que o art. 174.º não contempla, vigora o regime geral do Código Civil – nomeadamente quanto à suspensão da prescrição (arts. 318.º a 332.º do CCiv.) …»).

[lii] Acórdão do STJ de 10.01.2013, relatado por Sérgio Poças e disponível em www.dgsi.pt. No subsequente acórdão de 16.06.2020, relatado por Ricardo Costa, igualmente disponível no mesmo endereço eletrónico, idêntica posição é afirmada incidenter tantum e de forma genérica, citando Carolina Cunha. Lê-se aí no ponto 3.2.1: «O art. 174.º do CSC disciplina, através de um regime especial societário , os prazos de prescrição extintiva relativamente aos direitos que o CSC confere à sociedade, aos sócios e a terceiros . Afasta assim expressamente o regime geral e os regimes especiais civilísticos consignados nos arts. 309.º e ss do CCiv., sem prejuízo de vigorar ainda esse regime geral no que respeita à suspensão (arts, 318.º-322.º CCiv.) e à interrupção da prescrição (arts. 323.º-327.º CCiv.)».

[liii] Cfr. Menezes Cordeiro, anotação ao art. 318.º do CC, inCódigo Civil Anotado, I – Parte Geral, ed. do CIDP e coord. do próprio, Almedina, Coimbra, 2020, p. 903 (nm. 12), e Tratado de Direito Civil , V, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2015, p. 223, Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014, p. 207 (art. 318.º, n.º 9), e Júlio Gomes, anotação ao art. 318.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, Parte Geral , cit., p. 936.

[liv] Cita-se, ainda, Menezes Cordeiro, mas, como se notou, a posição deste autor é a contrária.

[lv] Cfr., nos trabalhos preparatórios do CC, Vaz Serra, «Prescrição extintiva e caducidade», BMJ n.º 106 (1961), pp. 45-278, 152 e s.

[lvi] Cfr., por ex., a sentença do Tribunal Constitucional n. 322/98, de 14 de julho, disponível, por ex., em https://www.cortecostituzionale.it/actionPronuncia.do . Vaz Serra escreveu: «Esta causa de suspensão parece razoável, pois, enquanto o administrador se encontra no cargo, a pessoa coletiva não está à vontade, e pode estar mesmo impossibilitada, para lhe exigir a responsabilidade em que tenha incorrido» (ob. cit., p. 153, referindo a posição contrária de Dias Marques). Cfr. também, por ex., Rita Canas da Silva, anotação ao art. 318.º, in Código Civil Anotado, coord. de Ana Prata, I, Almedina, Coimbra, 2017, pp. 388 e 390 (n.ºs 7 e 11).

[lvii] Cfr., por ex., Giuseppe Ferri, Le Società, cit., p. 715.

[lviii] Mais rigorosamente, o preceito dispõe: «L'azione può essere esercitata entro cinque anni dalla cessazione dell'amministratore dalla carica».

[lix] Tem-se entendido que o prazo se inicia a contar da produção do dano ou do momento em que ele se manifesta, externa e objetivamente, na esfera patrimonial da sociedade: cfr., por ex., a sentença da Cassação de 4.12.2015, n. 24715 [«con riguardo all’azione sociale, il termine prescrizionale decorre dal momento in cui il danno diventi oggettivamente percepibile all’esterno e cioe’ si sia manifestato nella sfera patrimoniale della societa’, non rilevando a tal fine che l’azione di responsabilita’ abbia natura contrattuale ex articolo 2392 c.c., in virtu’ del rapporto fiduciario intercorrente con l’amministratore (analogamente, sulla decorrenza della prescrizione nelle azioni di responsabilita’ contrattuale, v. in generale Cass. n. 12666 del 2003, n. 10493 del 2006, n. 19022 del 2007, n. 5504 del 2012)], e as demais indicações fornecidas por Massimiliano Angelini, «La sospensione della prescrizione dell’azione sociale di responsabilità nei confronti dell’amministratore (in caso di successiva nomina del liquidatore): orientamenti giurisprudenziali a confronto», texto de 23.01.2024, disponível em https://www.dirittodellacrisi.it/articolo/la-sospensione-della-prescrizione-dellazione-sociale-di-responsabilita-nei-confronti-dellamministratore-in-caso-di-successiva-nomina-del-liquidatore-orientamenti-giurisprudenziali-a-confronto.

[lx] Acerca da controvertida conjugação das normas, cfr., por ex., Giorgio Bianchi, Amministratori e sindaci. Gli adempimenti e le responsabilità , cit., p. 207, Gian Franco Campobasso / Mario Campobasso, Diritto Commerciale 2 – Diritto delle Società, cit., p. 389 e s., nota 77, e Manuela Bianchi, «L’azione cumulativa del curatore fallimentare ex artt. 2393 e 2394 c. c. è soggetta a regime guiridici differenti», comentário à sentença do Tribunal de Lecce de 9.12.2011, Le Società 11/2012, pp. 1173 e ss., 1178, com mais indicações [a prescrição (quinquenal) decorre a partir da cessação de funções, desde que o dano já se tenha verificado no património social].

[lxi] Acerca do assunto, cfr., por ex., Enrique García García, anotação ao art. 241 bis, in Comentario de la Ley de Sociedades de Capital , III, cit., pp. 3379 e ss., e a literatura e jurisprudência aí citadas.

[lxii] Dispõe-se, por exemplo, no art. 760 do Code des Obligations helvético: «1 Les actions en responsabilité que régissent les dispositions qui pré­cèdent se pres­crivent par cinq ans à compter du jour où la partie lésée a eu connaissance du dom­mage, ainsi que de la personne responsable, et, dans tous les cas, par dix ans dès le jour où le fait dommageable s’est produit. 2 Si les dommages-intérêts dérivent d’une infraction soumise par les lois pénales à une prescription de plus longue durée, cette prescription s’applique à l’action civile.» No direito francês, o prazo é de 3 anos, salvo se o facto danoso for crime, caso em que é de 10 anos (art. L 225-254 CCom): cfr. supra, nota 49. No direito alemão, a AktG estabelece um prazo quiquenal (§ 93 VI), que começa a correr no momento do nascimento do direito (§ 200 do BGB), isto é, logo que este seja efetivável judicialmente, mesmo que os danos ainda estejam a produzir-se [cfr., por ex., Uwe Hüffer, Aktiengesetz-Kommentar , cit., anotação ao § 93, p. 510 (nm. 37)]. A situação é semelhante nas Srl (GmbH): cfr. o § 43 (4) da GmbHG e, por ex., Koppensteiner / Gruber, in Rowedder/Schmidt-Leithoff,GmbHG-Kommentar, 5.ª ed., Franz Vahlen, Munique, 2013, p. 1518 (nm. 61 e 62).

[lxiii] Cfr. Menezes Cordeiro e Ana Filipa Morais Antunes, citados na nota 53.

[lxiv] Acrescentou-se o itálico.

[lxv] No art. 2033.º, também aparece a distinção entre pessoas coletivas e sociedades, mas agora para aplicar a ambas a regra de capacidade sucessória aí contida.

[lxvi] A pura jurisprudência dos conceitos, sem a devida atenção à realidade dos factos, é reconhecidamente um dado do passado. Cfr., designadamente, António Ulisses Cortês, Jurisprudência dos Princípios , UCE, Lisboa, 2010, pp. 15 e ss., 35 e ss.

[lxvii] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 481. Cfr. também Júlio Gomes, anotação ao art. 318.º do CC, in UCP/Comentário ao Código Civil, Parte Geral , cit., p. 934.

[lxviii] Mesmo abstraindo dos casos de destituição judicial, considere-se a seguinte situação: no ano 1, ocorreu certa conduta danosa dos administradores, reconhecível pelos sócios, geradora de um dever de indemnizar que prescreve, segundo o art. 174.º do CSC, passados 5 anos. Não foi proposta nenhuma ação. Os administradores mantiveram-se nos cargos por mais 20 anos. Aplicando o art. 318.º, ad. d), do CC, o início da contagem do prazo jus-societário ficaria suspenso até à cessação de funções, começando a correr após estes 20 anos… Ou seja, teríamos, inclusive, um tempo de prescrição superior ao do (anacrónico) art. 309.º do CC!

[lxix] Cfr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, cit., pp. 699 e s., entendendo que não se trata de uma verdadeira suspensão porque o prazo ainda não começou, e as demais indicações constantes de Júlio Gomes, anotação ao art. 318.º do CC, inUCP/Comentário ao Código Civil, Parte Geral, cit., p. 934. Cfr. também na Itália, Giuseppe Ferri, Le Società, cit., p. 718.

[lxx] Numa outra leitura da lei, considerando que a prescrição em relação a um administrador não afeta o exercício do direito de regresso contra ele de administrador acionado cuja responsabilidade não prescreveu por ter cessado funções mais tarde (máxime, no âmbito de processo de destituição) (cfr. em geral, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral , cit., p. 782), o resultado é igualmente anómalo, dado que, embora parcialmente, em termos materiais, o administrador em causa acaba por não beneficiar do prazo de prescrição que lhe competiria.

[lxxi] Note-se que, se um gerente tem um direito especial à gerência e o fundamento da sua responsabilidade não é suficientemente grave para a respetiva destituição judicial, a prescrição pode ocorrer 5 anos post mortem, sendo até lá possível uma ação contra os herdeiros, porventura totalmente alheios à sociedade e à gestão da mesma, contra os quais vale a presunção de culpa do autor da sucessão

[lxxii] Cfr. Raul Ventura / Brito Correia, Responsabilidade civil dos administradores de sociedades anónimas e dos gerentes de sociedades por quotas , Separata do BMJ (nºs 192-195), Lisboa 1970, p. 423.

[lxxiii] Por ex.: o facto de, até à reforma de 2006, não haver uma norma no CSC acerca da aquisição da qualidade de sócio «inerente» a quotas livremente transmissíveis por morte cujo titular faleceu não justificava a aplicação, sem mais, do direito sucessório, mesmo entendendo este aplicável à aquisição das quotas (como se afigura pertinente). Cfr. Evaristo Mendes, «Morte de sócio de SpQ. Transmissão e cláusulas de amortização de quotas», DSR 29 (2023), pp. 161-204.

[lxxiv] A regra seria algo do género: Os direitos da sociedade contra os gerentes e administradores prescrevem no prazo de cinco anos, a contar (do dies a quo fixado no CSC), mas não antes de decorridos seis meses sobre a cessação das suas funções.

[lxxv] Cfr., por ex., o art. 760, n.º 2, do Code des Obligations suíço.

[lxxvi] Já citado (supra, nota 52); cfr. o n.º 3.2.

[lxxvii] Quanto à prescrição dos direitos de destituição judicial, veja-se o que já se disse no n.º 5.2.